Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3876/07.7TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 118º,2,12º,1,123ºCPP
Sumário: 1. Para a concessão da liberdade condicional a manifestação de vontade do recluso tem de ser prestado presencialmente, não bastando um documento por ele assinado em que consente na sua libertação.
2. Tal omissão não é nulidade sanável pela simples razão de que não se encontra prevista nas diversas alíneas do nº 1, do art. 120º, do C. Processo Penal, nem como tal é cominada no art. 485º, do mesmo código.
3. Estamos assim, face ao disposto nos arts. 118º, nº 2 e 123º, do C. Processo Penal, perante uma mera irregularidade.
4. Esta irregularidade apenas poderia ser invocada pelo interessado afectado que no caso é apenas o condenado (art. 123º, nº 1, do C. Processo Penal).
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
Nos autos de processo gracioso para concessão de liberdade condicional em apreço, por decisão de 25.10.08 foi concedida a liberdade condicional a F… .
Inconformada com essa decisão, veio a magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A concessão da liberdade condicional tem de ser precedida da audição do condenado, nomeadamente para nela consentir.
2. Tal concessão, se não ocorrer numa situação de prisão carcerária, não dá lugar a diligência no estabelecimento prisional.
3. Apenas as diligências levadas a cabo no estabelecimento prisional dispensam a presença do MP.
4. Tal audição tem, pois, de ser feita pelo Tribunal e nela deve estar presente o MP.
5. Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
6. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
7. O condenado não foi ouvido antes de apreciar a liberdade condicional, nada podendo referir sobre a concessão da liberdade condicional, limitando-se a entregar ao serviço social um documento a consentir na libertação.
8. A audição de condenado para libertação condicional perante o TEP, não pode ser substituída por um documento lavrado perante serviço social.
9. O condenado tem o direito de consentir ou não na liberdade condicional e de ser ouvido para apresentar todas as razões que entender e bem assim, se quiser, elementos de prova.
10. Foi violada a norma do artigo 485º n° 2 do Código do Processo Penal e cometidas as nulidades dos artigos 119º alíneas b) e c) e n° 1 do artigo 122º do CPP.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se as invocadas nulidades e ordenando-se a audição do condenado com as devidas formalidades, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!
O condenado não apresentou resposta.
O recurso foi admitido.
Antes da remessa do apenso de recurso a este Tribunal, a Srª Juiz manteve a decisão.
Neste Tribunal da Relação de Coimbra, o Sr. Procurador-Geral Adjunto salientando que a posição que se vem sedimentando nesta Relação é no sentido oposto ao sustentado nas alegações de recurso e que é “a todos os títulos conveniente que numa questão mais formal que substancial haja uniformidade de entendimentos, com a desejada certeza do direito que daí resulta” emitiu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Notificado nos termos do art. 417º nº2, do Código de Processo Penal, o condenado não respondeu.
*
Efectuado exame preliminar, verifica-se que a decisão a proferir tem sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado por esta Relação e deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente pelo que, nos termos do disposto no art. 417º nº 6 al.s b) e d) e 420º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, se mostra processualmente pertinente proferir a presente decisão sumária.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Como bem salienta o Sr. Procurador-Geral Adjunto a questão a decidir tem a ver com a necessidade do arguido para a concessão da liberdade condicional ter de ser prestado presencialmente, não bastando um documento por ele assinado em que consente na sua libertação.
A jurisprudência deste tribunal vai no sentido de que a inobservância do disposto no art. 485º nº 2 do Código de Processo Penal, no que respeita à falta de audição presencial do condenado em casos de liberdade condicional não obrigatória, face ao disposto nos art.s 118º nº 2 e 123º do Código de Processo Penal, constitui uma mera irregularidade, que podia ser invocada apenas pelo condenado, sendo certo que, no caso o Ministério Público não actua no interesse do condenado, como resulta do teor dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.1.09, no proc. 3027/07.8TXCBR e de 6.5.09 no proc. 2228/07.3TXCBR-A.C1 Em www.dgsi.pt.
Considera-se, tal como no último destes acórdãos que:
A inobservância do disposto no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal no que respeita à falta de audição presencial do condenado não tem as consequências jurídicas apontadas pela Digna Magistrada recorrente ou seja, a nulidade do art. 119º, nº 1, c), do C. Processo Penal.
Vejamos.
O art. 118º, nº 1, do C. Processo Penal dispõe que, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
No nosso processo penal as nulidades processuais são pois, taxativas. Quando a lei não comina a nulidade, estamos perante uma irregularidade (nº 2 do mesmo artigo).
As nulidades insanáveis previstas no art. 119º, do C. Processo Penal correspondem a violações da lei que abalam a própria estrutura do processo penal, garantido pela Lei Fundamental, como acontece com as garantias de defesa e o princípio do contraditório, com assento no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Nesta perspectiva, o direito de audição tem fundamental importância nas situações em que a decisão a ser tomada possa consistir na privação da liberdade.
Mas não é seguramente esta a situação que ocorre nos autos pois aqui a audição do condenado nada tem a ver com a possibilidade de vir a ficar privado da sua liberdade mas antes, a de saber se dela vai ficar privado até ao fim da pena em que já foi condenado.
A liberdade condicional significa sempre a possibilidade de um desagravamento da situação do recluso e nessa medida, como se escreveu no Acórdão desta Relação de 21 de Janeiro de 2009, citado, «o alcance garantístico contido no art. 61º, nº 1, al. b) e reforçada com a cominação de nulidade dita insanável estabelecida na al. c) do art. 119º, ambos do CPP, nunca abarcaria o acto omitido pelo Tribunal a quo.»
Não se trata pois de nulidade insanável.
E também não é nulidade sanável pela simples razão de que não se encontra prevista nas diversas alíneas do nº 1, do art. 120º, do C. Processo Penal, nem como tal é cominada no art. 485º, do mesmo código.
Estamos assim, face ao disposto nos arts. 118º, nº 2 e 123º, do C. Processo Penal, perante uma mera irregularidade.
Esta irregularidade apenas poderia ser invocada pelo interessado afectado que no caso é apenas o condenado (art. 123º, nº 1, do C. Processo Penal). Com efeito, apenas o seu interesse em ser ouvido pessoalmente para assegurar, eventualmente, a sua defesa, foi postergado.
E é seguro que a Digna Magistrada do Ministério Público, no recurso interposto, não visa assegurar o interesse do recluso. Com efeito, sem questionar a verificação do pressuposto material de concessão da liberdade condicional [no parecer que emitiu, a fls. 38 destes autos, datado de 3 de Setembro de 2008, pronunciou-se favoravelmente à concessão da liberdade condicional por entender estarem verificados os seus requisitos], a Digna Magistrada recorrente apenas sindica, por via do recurso, um vício de forma relativamente ao consentimento do condenado, que, efectivamente, se mostra dado. Ao pretender que se ordene «a audição do condenado com as devidas formalidades» está implicitamente a ser pedida a anulação do despacho que concedeu a liberdade condicional com o consequente regresso do condenado à prisão.
Em conclusão do que antecede, considera-se sanada a irregularidade verificada com a inobservância do disposto no art. 485º, nº 2, do C. Processo Penal, ao não ter sido o recluso ouvido presencialmente pela Mma. Juíza.
Também no parecer que emitiu nos presentes autos o Ministério Público em 1ª instância emitiu parecer favorável à liberdade condicional (fls. 13).
Acresce que, no caso dos autos, conforme consta da sentença de concessão de liberdade condicional, o condenado se encontra hospitalizado, desconhecendo-se quando vai ter alta (fls 15 dos autos), motivo bastante para aceitar um consentimento escrito, à semelhança do consentimento que o arguido com doença grave pode prestar para que a audiência tenha lugar na sua ausência.
Por outro lado, da irregularidade cometida não resultou qualquer prejuízo para o arguido a quem, apesar de não ter sido ouvido presencialmente, foi concedida a liberdade condicional.


III. DECISÃO
Nestes termos, profere-se a presente decisão sumária de rejeição do recurso por manifestamente improcedente.
Sem custas.
Coimbra, 1 de Julho de 2009
(elaborado, revisto, rubricado e assinado pelo relator)
(Jorge Simões Raposo)