Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
668/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: ACÇÃO DE ALIMENTOS
PRESSUPOSTOS PARA A SUA ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS. 2012º E 2013º DO C. CIV. .
Sumário: Desde que se modifiquem as condições que se utilizaram para fixar os alimentos, desde que as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga se alterem, a lei permite que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses dois factores.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A... intentou contra B..., por apenso à execução de alimentos acção de alteração de alimentos, alegando para tanto que: está reformado auferindo a pensão mensal de 118.320$00 que acumula com o vencimento de 107.403$00; contraiu casamento e a sua esposa não aufere qualquer rendimento; paga a quantia total de 138.392$00 a título de prestações mensais ao que acresce a renda de casa de 7.263$00 e a quantia de 20.000$00 de luz, água, gás e telefone; a partir de Setembro pagará o infantário da sua neta e o que sobra mal dá para se alimentar a si, esposa e neto; a requerida é proprietária de um sexto de um prédio no valor de cerca de 50.000.000$00 que dá para comprar quarto apartamentos e arrendá-los conseguindo, assim, um rendimento mensal de 360.000$00, e tem uma reforma de 31.800$00.
Conclui pedindo que seja declarada a desnecessidade da prestação de alimentos ou se assim se não entender, deve a mesma ser alterada para 10.000$00.
Frustrada a tentativa de conciliação na conferência a que alude o art.1121º/3,C.P.C., veio a requerida contestar, sustentando que o requerente aufere um vencimento líquido de 213.216$00, sendo que o seu agregado familiar não sofreu qualquer alteração desde que lhe foi fixada a pensão. Mais alegou que paga 1.230$00 de renda de casa, gasta 20.000$00 em água, luz e telefone e gasta 25.000$00 em médicos e medicamentos, daí que tenha que viver com donativos familiares. Quanto ao valor do prédio rústico o mesmo tem um valor muito inferior a 50.000.000$00.
Conclui pelo aumento da pensão alimentícia para 50.000$00 mensais.
Com os fundamentos expressos no despacho a fls.52 não foi admitido o pedido reconvencional e convidou-se a requerida a apresentar novo articulado.
Proferiu-se despacho saneador, fixou-se a factualidade já assente e a que constitui a base instrutória, sem que as partes tivessem reclamado.
Realizado o julgamento e respondida a base instrutória sem reparos, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente por não provada, indeferindo-se a requerida alteração da prestação de alimentos, mantendo-se a mesma no valor de 30.000$00 mensais (€ 149,64).
I.2- Desta sentença apelou o requerente, concluindo pela seguinte forma as alegações de recurso:
1ª- Atendendo ao facto provado em 7 da sentença, a requerida só se encontra numa situação de carência económica porque quer, já que se recusa a vender o prédio que possui nas Caldas da Rainha e que vale pelo menos, 125.000,00 €, e que lhe daria mensalmente uma quantia não inferior a 350 €;
2ª- Tem direito a alimentos a pessoa que não pode prover integralmente ao seu sustento;
3ª- O alimentando não é necessitado se possui valores improdutivos cuja alienação lhe pode produzir um capital suficiente para subsistir por longo tempo, consumindo regradamente os respectivos rendimentos;
4ª- Há, portanto, uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, o que gera a nulidade da sentença – art.668º/1-c), C.P.C. -, e existe também uma incorrecta interpretação da lei.
I.3- Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a manutenção do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Foi dada como assente a seguinte factualidade que as partes aceitam:
1. O requerente paga, mensalmente, à requerida, uma pensão de alimentos no valor de 30.000$00 (alínea A) dos factos assentes).
2. O requerente recebe uma pensão mensal no valor de 118.320$00 (alínea B) dos factos assentes).
3. Que acumula com o vencimento no valor de 107.403$00 (alínea C) dos factos assentes).
4. À data da propositura da acção o requerente suportava encargos bancários fixos no valor mensal de 108.329$00 (resposta ao quesito 1º).
5. O requerente suporta o pagamento de renda de casa, água, luz, gás e telefone num valor total de 27.236$00 (resposta ao quesito 2).
6. E tem outras despesas com a neta C... (resposta ao quesito 3).
7. A requerida é proprietária de um imóvel, sito nas Caldas da Rainha, pelo qual o requerente lhe ofereceu, em 2 de Outubro de 2003, a quantia de € 125.000,00 (resposta ao quesito 4º).
8. O requerente, nos anos de 2000 a 2002, auferiu a quantia média anual de € 14.722,78 (resposta ao quesito 5º).
9. Aquando do divórcio foi acordado entre requerente e requerida a prestação mensal de 30.000$00 devido a esta a título de alimentos.
10. A requerente aufere de reforma a quantia de 31.800$00 e paga de renda de casa a quantia de 1.300$00.
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II.2 - de direito
Discordando do decidido em face do facto apurado relativamente à situação económica da requerida (item II.1-7), invoca o recorrente o que designa por nulidade da sentença, nos termos do art.668º/1-c),C.P.C..
O recorrente confunde erro de actividade (vício formal) que entra nas nulidades a que se refere o citado art.668º, com o erro de juízo ou de julgamento (vício substancial), que incide sobre o litígio propriamente dito, e que só pode corrigir-se mediante recurso para o tribunal superior.
Ocorre a nulidade arguida – oposição entre os fundamentos e a decisão -, quando a conclusão (decisão) não corresponde ás premissas: a fundamentação aponta num sentido, a decisão segue caminho oposto. A desconformidade está, então, no processo lógico desenvolvido.
Ora, percorrendo a sentença conclui-se sem sombra de dúvida, que os fundamentos invocados na sentença conduzem logicamente ao resultado expresso na decisão. Não houve vício de raciocínio. Mas se os fundamentos de facto são inidóneos para conduzir à decisão tomada, isso constitui erro de julgamento, mas não é motivo de nulidade.
È bom de ver pelas transcritas conclusões (delimitadoras do objecto do recurso) que o que se invoca é erro de julgamento.
Vejamos então se o raciocínio do recorrente está certo e, portanto, a sentença errou.
Conforme se salientou, a reacção do apelante relativamente à sentença assenta na circunstância de a factualidade inserta em 7 – ser a requerida proprietária de um imóvel sito nas Caldas da Rainha, pelo qual o requerente lhe ofereceu em 2.10.03 a quantia de 125.000,00 € - impôr, a seu ver, decisão no sentido do deferimento do seu pedido.
Cremos que não lhe assiste razão.
Como resulta dos autos, a pensão alimentícia no montante de 30.000$00 foi estabelecida em 1997 por acordo entre as partes. No ano seguinte o apelante requereu alteração da pensão de 30.000$00 para 10.000$00, pretensão que foi indeferida por sentença de 21.12.00, com fundamento em não ter havido qualquer alteração das circunstâncias que permita concluir pela necessidade de reduzir aquele montante primitivo.
Através deste apenso, vem o recorrente pedir a alteração dos alimentos em idênticos termos, ou a cessação dos mesmos.
De harmonia com o art.2012º/C.C. (a que pertencem as normas sem outra indicação), os alimentos podem ser alterados quando as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podendo requerer-se que eles sejam reduzidos ou aumentados ou que outras pessoas os passem a prestar.
Por sua vez, e para o caso que ora nos ocupa, dispõe o art.2013º/1-b) que o direito a alimentos cessa com a desnecessidade de o devedor os receber.
Quanto àquele primeiro normativo, temos que a obrigação alimentar está, a todo o tempo, sujeita a variações, podendo ser aumentada ou diminuída. Desde que se modifiquem as condições que se utilizaram para fixar os alimentos, desde que as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga se alterem, a lei (citado normativo) permite que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses dois factores.
Pela segunda disposição legal citada, a obrigação alimentar extingue-se, quando aquele que presta os alimentos não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles. Cfr. P.Lima e A.Varela, «C.C. anotado», vol.V, págs. 600 e 603
Descendo à situação concreta, não está em causa saber se a situação económica do obrigado a alimentos (o recorrente) se agravou, a admitir a possibilidade de a pensão alimentar ser reduzida.
O que se discute é se a situação económica do necessitado (a recorrida) melhorou, em termos de ser menor o auxílio pecuniário de que necessita para viver, em ordem à redução da prestação alimentar fixada, ou até à sua extinção por desnecessidade.
Ora, como vimos, a circunstância que na perspectiva do recorrente determina a alteração ou a cessação dos alimentos, é o facto referido em 7. Ou seja, ser a requerida proprietária de um imóvel pelo qual ele ofereceu a quantia de 125.000,00 €. E nessa medida estaria eliminada a situação de carência da mesma, já não sendo exigível o montante da contribuição fixado.
Acontece que esse património imobiliário da recorrida já existia aquando do pedido de alteração feito em 1998, indeferido por sentença proferida em 2000.
Na verdade, já nessa sentença se deu conta que a requerida tinha como único bem imobiliário uma sexta parte indivisa de um terreno sito em Caldas da Rainha, do qual não se provou que retirasse qualquer rendimento.
Tudo leva a crer que se trata do mesmo bem imóvel. Tanto assim é que no seu requerimento inicial o recorrente alega que a requerida é proprietária de 1/6 indiviso de um prédio sito naquela localidade, a valer, o sexto indiviso, 50.000.000$00 (250.000,00 €). Não alegou que esse bem tenha entrado no património daquela após o acordo firmado entre ambos sobre a prestação mensal a título de alimentos.
Ora, a alteração dessa prestação à luz dos citados normativos, implicaria uma reapreciação da anterior sentença. E consoante anteriormente se observou, quer no âmbito do art.2012º, quer do art.2013º/1-b), exige-se como pressuposto que tenha havido modificação posterior das circunstâncias determinantes da fixação da pensão de alimentos.
Quanto a nós e pela razão apontada, o aludido facto não constitui uma alteração do circunstancialismo que determinou o montante da obrigação alimentícia, a possibilitar a sua redução ou extinção.
Não há, portanto, motivo para que a prestação alimentícia se altere ou cesse.
Donde improcederem as conclusões do recurso e, consequentemente, este.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença.
Custas pelo apelante.
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COIMBRA,