Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
555/06.6TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INVALIDADE
REABERTURA DO PROCEDIMENTO
DECISÃO DE DESPEDIMENTO
FACTOS NOVOS
NOTA DE CULPA
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 430º, Nº 2, E 436º, Nº 2, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Nos termos do artº 436º, nº 2, do Código do Trabalho, no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do nº 4 do artº 411º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez.

II – Porém e para o referido efeito, não basta que o procedimento disciplinar sofra de uma qualquer situação de invalidade. É também necessário, cumulativamente, que o despedimento seja impugnável com base numa situação concreta que determine a invalidade de todo o procedimento disciplinar, ou seja, que o despedimento seja ilícito, nos termos legais, por causa da invalidade de todo o procedimento disciplinar.

III – As situações em que o procedimento pode ser considerado inválido são as elencadas no artº 430º, nº 2, do Código do Trabalho: a falta de comunicação da intenção de despedimento junto à nota de culpa ou não ter esta sido elaborada nos termos previstos no artº 411º (al. a)); o desrespeito pelo princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artºs 413º, 414º e nº 2 do artº 418º (al. b)); a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artº 415º ou do nº 3 do artº 418º (al. c)).

IV – O facto da decisão final do procedimento disciplinar considerar factos não constantes da nota de culpa não gera a invalidade do procedimento disciplinar, sendo situação não integrada naquele elenco legal taxativo.

V – A invocação de “factos novos” não constantes da nota de culpa torna ineficaz a declaração negocial de despedimento relativamente a eles próprios, mas não gera a invalidade do procedimento disciplinar.

Decisão Texto Integral:
Autora: A...
Ré: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo, designadamente, que seja declarada a ilicitude de despedimento declarado pela ré e que esta seja condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, bem como a indemnização.
Para tanto, alegou, entre outros motivos, que a decisão final do processo disciplinar que a ré lhe moveu é nula, uma vez que nela foram invocados factos não constantes da nota de culpa.

A ré, no decurso do prazo para contestação, veio alegar que deu conta da invocação pelo autor da nulidade do procedimento disciplinar e, por isso, nos termos do artigo 436º nº2 do Código do Trabalho, procedeu à reabertura do processo disciplinar.
Requereu, em consequência, que a instância seja suspensa “pelo período de sessenta dias a fim de poder concluir e juntar aos presentes autos, em sede de contestação, o procedimento disciplinar já sanado dos eventuais vícios que lhe foram imputados”.
Perante este requerimento, o Ex.mo juiz da 1ª instância julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Para tanto, fundamentou a sua posição, em síntese, com o argumento final (depois de ponderar outros) de que “tendo a entidade patronal titular do poder disciplinar expressamente invocado a reabertura do procedimento e não tendo o demandante optado pela não reintegração, esta acção tornou-se supervenientemente inútil”.

É deste despacho que o autor veio agravar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
“1. Vem o A. Recorrente por intermédio do presente recurso impugnar a douta decisão de fis. 136 e segs., decisão essa que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Em primeiro lugar,
2. O requerimento de suspensão da instância produzido pela entidade patronal não foi notificado ao A. sendo certo que, consequentemente, ao A. não foi facultada a oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo.
3. Não constitui motivo valido para a referida falta de notificação a indisponibilidade para as partes da relação processual em apreço.
4. Com a notificação ao A. da decisão de despedimento cessa a relação laboral que entre o A. e a R. se vinha concretizando e logo que ocorre essa cessação deixam de existir do trabalhador para com a entidade patronal a relações de subordinação jurídica e económica que justificam e servem de base a indisponibilidade dos direitos do trabalhador.
5. Nos termos do art. 3°, nº 3 do C.P.C. (aplicável ex vi art. 1º, nº 1, al. a) do C.P.T.) "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
6. No caso dos autos e sendo a iniciativa processual do A., consubstancia violação do princípio do contraditório a declaração de extinção da instância por inutilidade tanto mais quando a decisão envolve uma manifesta ingerência na esfera de direitos (interesses) desse trabalhador.
7. Por assim ser a decisão é nula, nulidade que expressamente o Recorrente argúi no âmbito do presente recurso.
Ao que acresce,
8. Entende o Tribunal a quo que o trabalhador não optou de forma expressa pela indemnização em detrimento da reintegração e, na falta dessa opção, retira da inutilidade superveniente da lide a “revitalização” plena do contrato de trabalho.
9. Ora o A. optou de forma expressa pela indemnização sendo certo que é precisamente esse o pedido formulado no respectivo articulado de p.i. (condenação da R. no pagamento da compensação correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade (al. D) do pedido).
10. Mesmo que a decisão do trabalhador não tivesse sido clara sempre dirá o A. que a opção entre reintegração e indemnização não é á luz da actual legislação uma alternativa graduada ou hierarquizada, antes existindo uma alternativa pura em que, no silêncio do trabalhador, uma não prevalece sobre a outra.
11. De todo o modo, o Tribunal nunca poderia ter tomado a opção em substituição do trabalhador, nem nunca poderia ter extraído a consequência que extraiu da pretensa falta daquela opção definitiva - excluindo ou não excluindo preliminarmente qualquer das opções que lhe assistem, é certo que é exclusivamente na esfera jurídica do trabalhador que se mantém o direito de escolha e da falta de exclusão da reintegração ou da indemnização, não pode o Tribunal retirar qualquer ilação.
Finalmente,
12. Nos termos do art. 436°, nº 2 do C.T. “No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do nº 4 do artigo 411°, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez”.
13. As causas de invalidade do procedimento disciplinar encontra-se taxativamente previstas no art. 430°, nº 2 do mesmo diploma sendo elas a falta de comunicação da intenção de despedimento junto à nota e culpa ou não ter esta sido elaborada nos termos previstos no art. 411° (al. a), o desrespeito pelo principio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413°, 414° e no nº 2 do artigo 418° (al. b) e a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do art. 415° ou do nº 3 do artigo 418 (al. c).
14. No respectivo articulado de p.i. o A. não reclama a declaração judicial de invalidade do procedimento disciplinar, não tendo nomeadamente arguido qualquer dos vícios elencados no supra citado art. 430°, nº 2.
15. Ao contrário, o A. pretende seja declarada e reconhecida pela R. a ilicitude do procedimento atenta a inexistência de justa causa para despedimento tendo adequadamente impugnado os factos que lhe são imputados tanto em sede de nota de culpa como em sede de decisão final do procedimento.
16. O A. argúi ainda e acessoriamente a nulidade da decisão final (consideração como provados de factos não constantes da nota de culpa) e a caducidade do procedimento disciplinar (quer pela via do que dispõe o art. 372°, nº 1 do C.T., quer ainda pela via do que dispõe o art. 415°, nº 1 do mesmo diploma) - uma e outra das regularidades acessoriamente imputadas ao processo disciplinar nunca poderiam conduzir à invalidade do procedimento atentas as causa que taxativamente a ela conduziriam à luz do art. 430°, nº 2.
17. Em face do exposto e em presença do requerimento de suspensão da instância formulado com base na reabertura do procedimento disciplinar, não poderia o Tribunal a quo deixar de produzir um juízo prévio sobre a admissibilidade da própria reabertura do processo, juízo prévio esse que suportaria pelo confronto da causa de pedir na acção de impugnação do despedimento com a possibilidade actualmente facultada à entidade patronal pelo art. 436°, nº 2 do C.T..
18. Apenas quando confrontado com o pedido do A. de declaração da invalidade do procedimento poderia o Tribunal a quo deferir ao requerimento relativo à reabertura do procedimento, fosse no sentido de suspender a instância, fosse no sentido de declarar extinta por inutilidade superveniente da lide. Já se o Tribunal não vislumbra na pretensão do A. o pedido de invalidade do processo, então o requerimento deverá ser objecto de indeferimento liminar.
19. Isto é, não basta que a entidade patronal informe da intenção de reabertura, é ainda necessário que exista fundamento válido que sustente essa reabertura por tal forma que ela mereça surtir efeito no andamento da acção.
20. A relativa disponibilidade que à entidade patronal se reconhece sobre o procedimento disciplinar concluído (precisamente atenta a possibilidade agora consagrada pelo art. 436.°, nº 2 do C.T) é condicionada e susceptível de ser exercida nos termos por ele rigorosamente definidos (precisamente pela conversão em lícito de um acto de despedimento ilícito) - a entidade patronal passa a ter a disponibilidade de afastar o tratamento de questões formais de índole acessória e precária orientando a discussão da causa para o que verdadeiramente importa, isto é, a existência ou inexistência de justa causa de despedimento.
21. A entidade patronal mantém-se contudo vinculada á decisão de ter despedido o trabalhador, o acto de despedimento permanece, sendo-lhe tão só e apenas concedido o direito de "endireitar" o iter processual que desemboca naquele acto, tornando por isso este acto mais poderoso do ponto de vista dos respectivos efeitos e fazendo no acto e no iter prevalecer razões de ordem substantiva (suficiência da infracção do ponto de vista da imediata e praticamente impossível subsistência da relação labaral, bondade da decisão condenatória) sobre razões de ordem puramente adjectiva (cumprimento de formalidades A, B ou C).
22. É desadequada a decisão do Tribunal a quo que conduz á extinção da instância por inutilidade superveniente - no caso em apreço a instância não poderia deixar de ser suspensa para posteriormente aferir da possibilidade de sobrevivência de todas ou de algumas causas de pedir e de todos ou alguns pedidos, ou seja, melhor andaria se mantivesse a acção vindo posteriormente a afastar a procedência de parte dela em função da atitude de correcção entretanto levada a cabo pela entidade patronal - ­art. 279º, nº 1 do C.P.C. nos termos do qual "O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado".
23- A decisão impugnada interpreta incorrectamente o disposto nos arts. 436º, nº 2 e 430º, nº 2 do C.T. e viola os arts. 3º, nº 3 do C.P.C., 438º, nº 1 e 439º, nº 1 do C.T. e arts. 2º e 29º, nº 5 do Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do exposto e nos mais de direito deverão V. EX.as, EX.mos Senhores Juizes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso e, em consequência,
A) Produzir a revogação da decisão impugnada e substitui-la por outra que, apreciando o requerimento de suspensão da instância formulado pela R. Recorrida, decida pelo indeferimento liminar do mesmo por falta de fundamento legal,
B) subsidiariamente ser declarada a nulidade do despacho atenta a falta de notificação prévia do A. por violação do princípio do contraditório.

A ré não contra-alegou.
Perante este recurso, o Sr. juiz do tribunal recorrido, admitindo-o, procedeu à reparação do agravo, substituindo o despacho agravado por outro, do seguinte teor:
A ré vem comunicar que já procedeu à reabertura do processo disciplinar e pretende a suspensão da instância pelo período de sessenta dias. De todos os pedidos formulados pelo autor não resulta que o mesmo pretenda a reintegração, mas expressamente formula um pedido de condenação da ré no pagamento da indemnização de antiguidade. Ao fazê-lo, o autor formula um pedido do qual decorre necessariamente que o contrato de trabalho não pode, como consequência do despedimento e se declarado ilícito, ser restaurado. Por ser assim, não pode a ré voltar a exercer o poder disciplinar, requisito necessário à reabertura do procedimento. Pelo exposto, indefere-se a pretensão da ré porque, não estando presente o requisito primeiro da reabertura do processo – possibilidade de exercício do poder disciplinar – dessa reabertura não se poderem tirar consequências processuais, seja a requerida suspensão da instância ou outras sejam”.

Perante esta reparação e os dois opostos despachos, a ré veio usar da faculdade prevista no artigo 744º nº 3 do Código de Processo Civil, requerendo que o agravo subisse a esta Relação para apreciação e decisão.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deveria merecer provimento, tal como o Ex.mo juiz acabou por reconhecer no despacho que reparou o agravo.
A ré respondeu a este parecer.
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III. As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
A ré, não obstante não ter contra-alegado, tem agora a posição de agravante (744º nº 3, in fine, do C. P. Civil).
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se estavam preenchidos os pressupostos legais que permitiam julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em face da declaração da ré de que procedeu à reabertura do procedimento disciplinar. Ou se, antes, deveria ter sido indeferido o requerimento da ré para suspensão da instância até conclusão do procedimento depois da anunciada reabertura.

Os factos que se nos afiguram suficientes para decidir a questão resumem-se ao conteúdo da petição inicial e ao do assinalado requerimento da ré, a pedir a suspensão da instância.
Na petição, o autor não veio arguir explicitamente a invalidade de procedimento disciplinar. Tal como refere no recurso, o que fez explicitamente foi arguir o que chamou de “nulidade da decisão de despedimento” porque se teria baseado em factos não constantes da nota de culpa. Chamou a isso “ilegalidade sob a forma de nulidade insuprível”.
No requerimento da ré, esta configura essa situação como a de uma alegação de invalidade do procedimento disciplinar, por violação do direito de defesa do autor, com violação do disposto na alínea b) do nº2 do artigo 430º e nº3 do artigo 415º, ambos do Código do Trabalho.
Vejamos, então:
O artigo 436°, nº 2 do Código do Trabalho dispõe que “no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do nº 4 do artigo 411°, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez”.
Pode retirar-se daqui, sem grande esforço de exegese, que estamos perante as situações em que o despedimento é ilícito em consequência da invalidade do procedimento disciplinar (artigo 430º nº1, in fine, do Código do Trabalho).
Ou seja, não basta que o procedimento disciplinar sofra de uma qualquer situação de invalidade. É também necessário, cumulativamente, que o despedimento seja impugnável com base numa situação concreta que determine a invalidade de todo o procedimento disciplinar; ou seja, que o despedimento seja ilícito, nos termos da lei, por causa da invalidade de todo o procedimento disciplinar.
Ora, a lei diz-nos quais são as situações em que o procedimento pode ser considerado inválido. E tais situações são taxativas e elencadas no art. 430°, nº 2 do Código do Trabalho: a falta de comunicação da intenção de despedimento junto à nota e culpa ou não ter esta sido elaborada nos termos previstos no art. 411° (al. a); o desrespeito pelo princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413°, 414° e no nº 2 do artigo 418° (al. b); a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do art. 415° ou do nº 3 do artigo 418 (al. c).
O facto da decisão final do procedimento disciplinar considerar factos não constantes da nota de culpa não gera a invalidade do procedimento disciplinar, sendo situação não integrada naquele elenco legal taxativo.
Os factos “novos” não constantes da nota de culpa apenas não serão atendíveis, dado o disposto no artigo 415º nº 3 do Código do Trabalho. Ou seja, como refere Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12ª ed, pag. 582, os factos constantes da nota de culpa delimitam o espaço da apreciação jurisdicional da justeza do despedimento. Aqueles “factos novos” não atendíveis podem nem sequer tornar a decisão final do despedimento inapta, do ponto de vista funcional, para a existência da justa causa do despedimento – pense-se na situação deles serem de tal modo laterais, a uma situação de facto que reconhecidamente integre “justa causa” de despedimento, que mesmo sem eles o despedimento seja lícito. Nesta perspectiva, a decisão que integre “factos novos” não será, por isso, inapta ao sucesso do objectivo visado.
Daí que consideremos, tal como Albino Mendes Baptista (in Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, pag. 240), que a reabertura do procedimento disciplinar não consente o alargamento da nota de culpa a novos factos.
Segundo o entendimento do Tribunal Constitucional (Ac. de 25-06-2003, in DR, I Série-A, de 18 de Julho de 2003), a reabertura “não se aplica aos casos de inexistência do processo disciplinar e exige que, no mínimo, tenha sido emitida a nota de culpa”; “existindo nota de culpa, ela delimita o objecto do processo, não podendo, na decisão condenatória, serem invocados factos não constantes dela”. Só assim se respeitará o princípio ne bis in idem, pois do que se trata é de apreciar a mesma acusação e não uma nova acusação baseada em factos diferentes.
A proibição de alargamento da decisão de despedimento a factos não contidos na nota de culpa será um corolário da exigência de processo disciplinar e do carácter essencial deste para a validade do despedimento (v. Monteiro Fernandes, ob e loc. Citados), mas não impede a validade do procedimento disciplinar.
Daí que a invocação de “factos novos” torne (a maior parte das vezes, parcialmente) ineficaz a declaração negocial de despedimento relativamente a eles próprios, mas não gere a invalidade do procedimento disciplinar.
Ora, sendo assim, não estão reunidos os pressupostos legais para a reabertura do procedimento, tal como previsto no 436º nº2 do Código do Trabalho, já que não foi invocada a invalidade total daquele, por parte do autor.
Daí que a presente acção não tenha perdido utilidade, não podendo o Ex.mo juiz ter declarado extinta a instância por inutilidade superveniente, como o fez no despacho agravado e depois objecto de reparação.
Nem se justificava que, também pelo exposto, suspendesse a instância, tal como a ré o requereu.
De resto, o Código do Trabalho não prevê tal suspensão obrigatória, nem a lei processual o faz (a qual permaneceu, infelizmente, inalterada depois dele – e dizemos infelizmente, porque começam a ser muitas as dúvidas resultantes da falta de adaptação da lei adjectiva à lei substantiva). Sabemos que alguns autores defendem, embora com dúvidas, a suspensão da instância no caso de legítima situação que consinta a reabertura do procedimento (v. Abílio Neto, Processo Disciplinar e Despedimentos, 2004, pp. 357 e Albino Mendes Baptista, ob. cit., pag. 241). A atitude processual mais segura (e, porventura, mais adequada) será, no entanto, aquela que nos dá nota Abílio Neto, na obra citada: a de apresentação de contestação dentro do prazo normal, alegando a reabertura do procedimento disciplinar, e posteriormente, através de articulado superveniente, dar conhecimento nos autos do modo como foram supridas as irregularidades procedimentais, para que o tribunal conheça dessa matéria em sede de sentença final.

No caso, e de qualquer modo, entendemos que o requerimento da ré – não estando reunidos, como dissemos, os pressupostos legais para reabertura de procedimento disciplinar – não deveria ser deferido, nem dado lugar a despacho de extinção da instância, por inutilidade da lide.
Pelo que a reparação do agravo feita pelo Ex.mo juiz, no segmento em que indeferiu, em substituição do despacho agravado, tal requerimento, se nos afigura o mais correcto.

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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, e sem necessidade de outros considerandos, delibera-se julgar procedente o recurso de agravo do autor e, em consequência, revogar a decisão agravada, confirmando o despacho de indeferimento do requerimento de suspensão da instância, formulado pela ré, dado pelo Ex.mo juiz no acto de reparação do agravo.
Custas no recurso pela ré.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)