Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1744/15.8T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.436º CC, DL Nº 178/86 DE 3/7
Sumário: 1. Se as partes nada estipularem em contrato de concessão comercial sobre causas de resolução, além de uma mera referência de estilo e genérica à lei, como tal tipo de contrato é atípico, naquilo que for omisso, o regime do referido contrato de concessão comercial tem de ser encontrado, por analogia (art. 10º, nº 1 e 2, do C. Civil) no regime legal que regula o contrato de agência (DL 178/86, de 3.7), designadamente em matéria de cessação do contrato.

2. Pelo que a parte que pretende resolver o contrato deverá observar o disposto no art. 31º de tal DL: a) declaração escrita extrajudicial; b) no prazo de um mês após conhecimento dos factos justificativos; c) indicação das razões fundantes para a resolução.

3. Não podendo, por isso, fazê-lo através de um pedido ao tribunal para que seja este a decretar a dita resolução.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. T (…)–Unipessoal, Lda., com sede em Pombal, intentou contra I (…), Lda, com sede em Leiria, acção declarativa, pedindo: - seja decretada a resolução do contrato celebrado com a R., com fundamento em justa causa; a condenação da mesma a pagar-lhe/restituir-lhe a quantia de 11.555,28 €, acrescido de juros legais, desde a citação, bem como a receber em devolução o veículo X (...) ; - a condenação da R. a pagar-lhe 4.000 €, por danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação.

Alegou, em suma, ter celebrado um contrato de concessão comercial com a R., para comercialização de um veículo eléctrico, económico tanto no seu consumo como na sua manutenção, tendo sido dispensada, como concessionária, de prestação de garantia bancária, nunca, aliás, a mesma lhe tendo sido solicitada. Promoveu uma exposição de veículos, no qual esteve exposta a viatura de marca PóPó, modelo e100, matrícula X (...) fornecida pela R. A A. assumiu os custos da exposição. Posteriormente adquiriu a viatura usada na demonstração no sentido de dar seguimento ao projecto, pela qual pagou 11.065,50 €. Teve outros gastos com a aquisição. No entanto a viatura vendida não corresponde à marca PóPó nem às características difundidas pela R., pois tem a marca Tangjunouling, a autonomia difundida não atingia o seu mínimo, pois era suposto a de 80 a 140 km, quando percorridos cerca de 40 ou 50 km a viatura perdia autonomia e cortava velocidade não passando dos 50 km, e o tempo de carga eléctrica constante dos folhetos informativos, que serviram para difundir o produto em sede de exposição e disponibilizados pela R. com a indicação de 6 horas também não correspondia na medida em que era necessário 8 a 9 horas para restabelecer a carga. Depois de a viatura ter sido levada para as instalações da R., aquando da sua devolução vinha a mesma com a placa de matrícula traseira de cor branca substituída por amarela, tendo então conhecimento que aquela viatura estava impossibilitada de circular em auto-estrada/vias rápidas, sendo um mero quadriciclo, ao contrário do que havia sido contratado entre as partes e divulgado pela R. quer junto da A. como dos demais interessados. Tendo a A. visto defraudadas as suas expectativas de negócio, pretende seja decretada a resolução do dito contrato de concessão comercial. Além disso, viu o seu bom nome posto em causa no meio comercial. Em consequência da resolução deve ser ressarcida das quantias peticionadas.

A R. contestou, alegando que o contrato é inexistente, por incumprimento dos pressupostos e obrigações do negócio, designadamente a prestação de garantia bancária, verificando-se apenas algumas relações comerciais laterais que não correram bem por responsabilidade da A. Impugnou, ainda, os factos alegados pela mesma, e requereu a condenação dela como litigante de má-fé.

A A. respondeu, pronunciando-se sobre a imputada má-fé, pedindo, por sua vez, a condenação da R., como litigante de má-fé.

*

A final foi proferida nova sentença que de novo julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a R.

*

2. A A. recorreu, tendo concluído que:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos Provados

1- A. dedica-se à actividade de electromecânica, electricidade geral, automatizações e telecomunicações, bem como, comercialização de produtos relacionados com as actividades anteriormente mencionadas.

2º- No âmbito de negociações encetadas com a R., ampliou a A. o seu objecto social, aditando ao seu CAE principal o CAE secundário 45110-R3, de forma a poder assegurar a vertente comercial relacionada com a venda de veículos.

3º- No âmbito das suas relações comerciais, a A., na pessoa do seu gerente, contactou a R. em princípios de 2012, com quem já detinha relação comercial há vários anos na área dos automatismos, no sentido de dar a conhecer a sua ideia e estabelecer parceria em negócio inovador em Portugal.

4- Tal projecto tinha em vista inserir no mercado um novo conceito automóvel, com múltiplas vantagens, nomeadamente o facto de se tratar de veículo eléctrico, económico tanto no seu consumo como na sua manutenção, prático, pensado para uma época de crise, de forma a minimizar os encargos mensais dos seus utilizadores.

5- Para o efeito, reuniram as partes nas instalações da R., em princípios de 2012, no sentido de debater tal ideia de negócio e estabelecer uma possível parceria.

6- Apresentada a ideia em conversa conjunta com pessoas da R. ficou esta de efectuar estudo de mercado e averiguar da viabilidade do negócio.

7- Posteriormente, em resposta à A., após nova conversa na sede da R., foi confirmado o interesse desta neste projecto, sendo debatidas as condições da parceria.

8- Demonstrado interesse por parte da R. em avançar com o projecto, foi sugerido por esta a constituição de uma nova sociedade a estabelecer entre as partes interessadas.

9- Por documento datado de 02 de Agosto de 2013, assinado pelo legal representante da A. e pelo legal representante da R. e designado por “contrato de concessão comercial” reduziram as mesmas a escrito o aludido documento, cujo seu integral conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos (cfr. fls. 18 e seguintes).

10- O documento referido em 9 era composto também por III anexos, cujo seu exacto conteúdo se dá aqui por reproduzido (cfr. fls. 21 e seguintes).

11- A A. não procedeu à prestação da garantia bancária a a que se alude no artigo 7º do acordo referido em 9.

12- No sentido de dar desenvolvimento ao projecto das partes a A. foi promotora de exposição nacional dos veículos a que se refere o contrato referido em 9, ocorrida entre os dias 23 e 27 de Agosto de 2013, no Centro Comercial Y(...) , na cidade de Pombal.

13- Nesse evento esteve exposta uma viatura de Marca PóPó, modelo e100, matrícula X (...) , fornecida pela R. directamente para o local de exposição.

14- A acompanhar o evento estiveram um representante da A. e um representante da R., devidamente inteirados das características e propriedades de cada veículo, com folhetos e informações fornecidas pela R.

15- Para além destas viaturas, esteve outra viatura no exterior, para teste de condução de possíveis interessados durante o evento.

16- No decorrer da exposição, assumiu a A. custos, nomeadamente com a alimentação dos colaboradores da exposição, bem como, com o aluguer do espaço para o evento, tendo despendido a quantia global de € 213,00.

17- E anteriormente havia já gasto o montante de € 110,70, a título de cartões para identificação do novo objecto social da A. referente à comercialização de viaturas.

18- A A. adquiriu a A. à Ré, em 7/10/2013, a viatura indicada em 12, pelo preço de € 11.006,50.

19- Nessa sequência a R. emitiu, o documento apelidado de “factura” com o nº 2128 cujo seu integral conteúdo se dá aqui por reproduzido (documento de fls. 25 verso).

20- Com a transferência de propriedade deste veículo, assumiu a A. um custo de € 120,00 (cento e vinte euros), liquidados directamente junto da R., que promoveu o registo da viatura, sem que lhe tenha exibido o respectivo documento único automóvel.

21-Tal como também assumiu a A. o pagamento do valor de € 105,08 correspondente a contrato de seguro, pelo prazo de um ano e relativo ao mesmo veículo.

22- O veículo referido em 18 tem as características que constam do documento que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. fls. 27) e onde além do mais aí consta que o mesmo foi matriculado em 22 de Agosto de 2013, é um quadriciclo e tem a marca Tangjunouling.

23- A viatura vendida à A. e aludida em 18 não corresponde à marca adquirida nem às características difundidas pela R.

24- A autonomia não atingia o seu mínimo pois que percorridos cerca de 40 ou 50 km a mesma cortava, perdia autonomia não passando dos 50 km/h.

25- O tempo de carga constante dos folhetos informativos, com indicação de 6 horas não correspondiam à necessidade da carga, na medida em que eram necessárias 8 a 9 horas para a restabelecer.

26- A R. sabia que o modelo que adquiriu era uma amostra inicial que vinha da China.

27- A A. constatou que o alegado em 24) foi comum a pelo menos outra viatura, a qual deixou potenciais compradores apeados no decorrer de um test drive.

28- A A. informou a R., em momento não concretizado mas após ter adquirido a viatura que a mesma não estava a corresponder às características apregoadas, já que ao nível da autonomia a viatura não conseguia atingir aquilo que supostamente atingiria e que seria entre 80 a 140 km.

29- Nessa sequência a viatura foi encaminhada para a R., que posteriormente a devolveu.

30- Após a devolução aludida em 29 a matrícula traseira branca foi substituída para amarela sem qualquer informação à A.

*

B- Factos não provados:

(…)

d)- A A. foi dispensada da prestação de garantia bancária a favor da R. e a mesma nunca foi exigida nem reclamada.

(…)

f) Quando a viatura referida em 18 chegou à posse da A., a mesma contava já com cerca de 900kms percorridos, entre os meses de Agosto a Outubro de 2013.

(…)

i) Após reclamação apresentada pela A. junto da R., no que à substituição da matrícula diz respeito, a mesma informou a primeira de que se encontravam pendentes diligências no sentido de ultrapassar limitações pelo que deveria a A. aguardar o desfecho das mesmas, que conduziriam a uma nova classificação deste modelo e100, para a categoria de veículo automóvel, como assegurado por esta ab initio.

j) Deste modo a A. tomou conhecimento de que, a viatura que havia adquirido e que havia sido promovida no sentido de circular em qualquer via, tudo no âmbito do contrato de concessão comercial subscrito pelas partes, devidamente identificada como veículo, e sempre nesse pressuposto, passou desta forma a estar impossibilitada de circular em auto-estrada e/ou vias rápidas, ao contrário do que havia sido contratado entre as partes e divulgado pela R. quer junto da A. como dos demais interessados, passando a partir dessa data a tratar-se de um quadriciclo.

l) Aquando das negociações estabelecidas entre as partes e formalizadas no acordo, o produto objecto de negócio sempre foi o de um veículo automóvel eléctrico, concebido em dois modelos distintos, o modelo e 45 perspectivado para uma camada mais jovem, munida de licença de condução, pelo que em relação a este sempre seria o de um quadricilo e o modelo e100, na categoria de veículo automóvel, movido a energia eléctrica, com utilização em tudo idêntica à de outro veículo automóvel.

m) Ao contrário do contratado, tomou a A. conhecimento, já a posteriori, de que a viatura que havia adquirido, modelo e100, mostrava-se agora limitada na sua utilização, na medida em que passou de um suposto veículo automóvel para um quadriciclo, não podendo circular em todo o tipo de vias, como sendo o caso de auto-estradas ou vias-rápidas.

n) À data da exposição destes veículos, promovida pela A. mas com informações prestadas pela R., esta viatura foi publicitada na categoria de automóvel ligeiro de passageiros, movida a energia eléctrica e sem qualquer tipo de limitação na sua utilização, vindo assim equipada com respectiva matrícula branca, informação essa difundida a todos os participantes e clientes presentes.

o) Cerca de 3 meses após a exposição e um mês após a aquisição da viatura em questão, foi a A. confrontada com uma nova realidade neste negócio, a de que em causa não estava um modelo e 45 correspondente às características de um quadricilo e um modelo e100 correspondente a um veículo ligeiro de passageiros mas sim dois quadriciclos com potencias e características diferentes mas o segundo modelo limitado na sua utilização.

p) Na presença de tais factos deixou a A. de sentir a necessária confiança para continuar a desenvolver a parceria com a R e promover oportunidades de negócio.

q) A A. deixou de puder aliciar/seduzir os seus potenciais compradores com as aparentes características destes automóveis, à primeira vista apelativas, sabendo que as mesmas não eram reais e das quais também fora enganada.

r) O vício que impende sobre o veículo modelo e100 desvaloriza-o e impede-o de uma utilização para o fim a que se destina já que não reúne as qualidades asseguradas pela R. aquando da celebração do contrato de concessão comercial, tendo sido tais características determinantes e essenciais para a formalização da vontade da A.

s) A A. está impedida de lograr obter um vasto tipo de clientela na medida em que o modelo e100 não se coaduna com as qualidades necessárias à satisfação do mercado para que estava pensado e assegurado.

t) A A. viu-se a A. numa posição embaraçosa junto dos seus potenciais clientes, ao difundir determinado produto com as características apregoadas e asseguradas pela R., que a mesma sabia não corresponderem à realidade, pondo-se em causa o bom nome da A.

(…)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do 8NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Do incumprimento do contrato e respectivas consequências.

2. A A. impugna os factos não provados d), f), i) a t), pretendendo que eles passem a provados, com base na prova que indica – prova por declarações de parte, prova testemunhal e documental.

Não se irá conhecer de tal impugnação, visto que uma análise mais aprofundada da questão de direito (ver infra o ponto 3.) permite que se tome uma decisão, que torna inútil, fosse qual fosse a resposta a dar a tais factos, a apreciação daquela impugnação.

3. Com a presente acção pretende a A. seja decretada pelo tribunal a resolução do contrato de concessão comercial estabelecido com a R. e consequentemente que esta lhe pague a título de danos patrimoniais a quantia de 11.555,28 € e o montante de 4.000 € a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido dos respectivos juros.

A. e R. celebraram um contrato de concessão comercial o qual é legalmente atípico (embora socialmente típico), o qual se regula em primeiro lugar pelo respectivo clausulado.

No aludido contrato (facto provado 9.) e relativamente à resolução a ela se refere a cláusula 12ª, onde se indicam cláusulas expressas resolutivas a favor do concedente mas já não do concessionário, que apenas poderá resolvê-lo de acordo com o que decorrer da lei.

Como tal tipo de contrato é atípico tem de se buscar na lei o regime da resolução. Ora, naquilo que for omisso no convencionado pelas partes, o regime do referido contrato de concessão comercial tem de ser encontrado, por analogia (art. 10º, nº 1 e 2, do C. Civil) no regime legal que regula o contrato de agência (DL 178/86, de 3.7).

Efectivamente o próprio legislador no preâmbulo do referido DL, reconheceu tal realidade no final do seu ponto 4., pois após mencionar o contrato de concessão, veio dizer que relativamente a este último contrato se detecta no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar por analogia – quando e na medida em que ela se verifique – o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. Por conseguinte, o capítulo IV deste DL que regula a cessação do contrato, e onde se integra a disciplina reguladora da resolução.

É esta, aliás, hoje a opinião comum e pacífica quer da doutrina quer da jurisprudência (vide A. Menezes Cordeiro, Manual de D. Comercial, 2ª Ed., pág. 678/679, e variadíssimos Acds. do STJ e Relações aí indicados, Pinto Monteiro, Contrato de Agência/Anotação, 6ª Ed., nota 4. ao artigo 2º, págs. 63/65, e inúmeros Acds. do STJ e Relações aí citados, e F. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição, 2013, pág. 419).

Dispõe, neste aspecto, o art. 31º de tal DL que a resolução é feita através de declaração escrita, no prazo de um 1 mês após o conhecimento dos factos que a justificam, devendo indicar as razões em que fundamenta. Temos, assim, uma triplicidade de requisitos legais: a) declaração escrita extrajudicial; b) no prazo de um mês após conhecimento dos factos justificativos; c) indicação das razões fundantes para a resolução (vide Pinto Monteiro, ob. cit., nota 1. ao artigo 31º, pág. 132, e F. Ferreira Pinto, ob. cit., pág. 406/409).

Estes requisitos têm a ver, compreensivelmente, com razões várias: acautelamento da ponderação e segurança jurídica entre as partes; proporcionar de um período de reflexão para as mesmas; e melhor controlo judicial posterior da verificação dos pressupostos legitimadores da resolução caso venha a ocorrer litígio subsequente entre elas.      

O último autor citado questiona que o requisito elencado sob a) deva operar em relação ao contrato de concessão comercial (e outros de distribuição), por lhe parecer desnecessário, contentando-se com a regra do consensualismo, pelo que basta a declaração não escrita e extrajudicial para resolver o contrato (cfr. ob. cit., págs. 406, 420 e 309/313). Não perfilhamos tal tese, pois as razões que se elencaram e que fundamentam a exigência legal prevista no citado art. 31º, extensíveis, aliás, às figuras da revogação e denúncia, previstas nos arts. 25º e 28º do mesmo DL, reclamam que tal declaração resolutiva seja submetida à forma escrita. E tem sido esse o entendimento regular e contínuo da nossa jurisprudência (cfr. os Acds. do STJ, de 4.2.2003, Proc.02A744, de 29.6.2006, Proc.06B2110, de 23.11.2006, Proc.06B2085, e de 9.1.2007, Proc.06A4416, da Rel. Coimbra de 15.7.2009, Proc.147/06.0TBPNH, e da Rel. de Lisboa, de 11.7.2002, Proc.00122967).

Revertendo ao nosso caso, vemos que a A. pura e simplesmente não resolveu o contrato (não alegou isso na p.i., nem está provada tal resolução). Não emitiu qualquer declaração por escrito ou verbal, e necessariamente não fixou prazo nem emitiu qualquer motivação. E teria de o fazer, nos termos formais do citado art. 31º, não através de um pedido ao tribunal para que seja este a decretar a dita resolução. Pelo que terá de improceder a sua pretensão de resolução do contrato, bem como os pedidos adicionados dela consequente, porque inexoravelmente ligados à existência e resolução do apontado contrato de concessão comercial (os quantitativos mencionados nos factos provados 16. e 17., e reclamado a título de danos não patrimoniais (4.000 €) são uma prova cabal do acabado de afirmar).

Acrescente-se, aliás, que mesmo inexistindo a referida exigência legal formal, o pedido da A. para que o tribunal decrete a resolução teria de improceder.      

Na verdade, nos termos do art. 436º, nº 1, do CC, a resolução contratual faz-se extrajudicialmente mediante declaração à outra parte, só em casos contados (que não seria o nosso caso) se devendo fazer judicialmente. Ou seja, não necessita de prévio reconhecimento judicial da existência de um direito, ou de ser decretada pelo tribunal

Como ensina Galvão Telles (em D. Obrigações, 2ª Ed., págs. 463/465) a resolução do contrato reveste carácter extrajudicial. Só em caso de litígio o tribunal será chamado não a decretar a resolução, mas a verificar se ela juridicamente se deu, isto é, se reuniam as condições necessárias para o credor poder romper o contrato. Não há, assim, que propor uma acção rescisória, de natureza constitutiva (art. 10º, nº 2 e 3, c), do NCPC). A acção que venha a intentar-se em ordem a esclarecer o referido ponto será de simples apreciação, ou, quando muito, de condenação (mesmo artigo e números, a) e b), do indicado código). Numa palavra não se segue o sistema da resolução ope judicis mas o da ope voluntatis. Tal solução é a mais razoável, pois seria injusto, em princípio, manter um dos pactuantes sujeito ao contrato depois do outro o ter infringido, até o tribunal se pronunciar, o que pode ser demorado.      

No mesmo sentido vai P. Romano Martinez (em Cessação do Contrato, 3ª Ed., págs. 73/74, 169/175) quando assinala a excepcionalidade da resolução decretada judicialmente (apenas para casos contados), ressalvando, porém, que a contraparte pode discordar da resolução invocada e impugnar, então, judicialmente a cessação do vínculo.  

E A. Varela (em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao artigo 436º, pág. 387), professa que ao fazer-se, por declaração à parte contrária, fica marcado o momento da resolução, mesmo que haja necessidade, posteriormente, de obter a declaração judicial de que o acto foi legalmente resolvido, ressalvando caso semelhante ao apontado no parágrafo anterior.

Ora, como vimos, não existiu qualquer declaração resolutiva da A. em direcção à R., pelo que não podia ser o tribunal a decretar uma resolução, quando essa função cabia legalmente à A.  

A terminar cabe, ainda, dizer que o contrato de compra e venda relativo ao veículo não tem autonomia na demanda judicial da A., na economia do que vem articulado na p.i., antes se apresenta como acessório da peticionada resolução. Quer dizer, a A. não apresentou uma causa de pedir à sombra da compra e venda defeituosa prevista no art. 913º e segs. do CC, encostando-se ao invés ao quadro fáctico-jurídico que permitiria a resolução do contrato de concessão, pelo que o tribunal não poderia entrar no conhecimento de qualquer causa de pedir que derivasse do aludido regime da compra e venda de coisa defeituosa (o que não exclui obviamente que a A. possa prosseguir esse caminho, caso o entenda).  

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se as partes nada estipularem em contrato de concessão comercial sobre causas de resolução, além de uma mera referência de estilo e genérica à lei, como tal tipo de contrato é atípico, naquilo que for omisso, o regime do referido contrato de concessão comercial tem de ser encontrado, por analogia (art. 10º, nº 1 e 2, do C. Civil) no regime legal que regula o contrato de agência (DL 178/86, de 3.7), designadamente em matéria de cessação do contrato;  

ii) Pelo que a parte que pretende resolver o contrato deverá observar o disposto no art. 31º de tal DL: a) declaração escrita extrajudicial; b) no prazo de um mês após conhecimento dos factos justificativos; c) indicação das razões fundantes para a resolução;

iii) Não podendo, por isso, fazê-lo através de um pedido ao tribunal para que seja este a decretar a dita resolução.

IV- Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela A./recorrente.

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                                                                         Coimbra, 27.2.2018

                                                                         Moreira do Carmo   ( Relator )                                                                                            

                                                                         Fonte Ramos

                                                                         Maria João Areias ( com voto de vencida que segue)

Voto de vencido:

Embora ao contrato de concessão comercial, enquanto contrato atípico, seja aplicável analogicamente o regime jurídico do contrato de agência, como “contrato afim”, nomeadamente o disposto no artigo 30º do DL 178/86, relativo à resolução do contrato, o artigo 31º que prevê uma forma para a declaração de resoluções é inaplicável à concessão comercial: “as normas sobre a forma devem ser tidas como excecionais. Não traduzem uma mera adaptação do princípio da liberdade da forma, coartam-no, impondo uma forma determinada[1]”.

Não se encontrando a declaração de resolução sujeita a qualquer forma, o contraente que resolve o contrato deve declarar à contraparte, no prazo de um mês, os fundamentos da resolução.

Em regra, a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral e não carece de recurso à via judicial (artigo 436º, nº1, CC).

A resolução dos contratos segue o regime geral da liberdade da forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos. Ainda segundo o regime geral a declaração mediante a qual uma das partes resolve o contrato será expressa ou tacita (artigo 217º CC) e, eventualmente e em casos limitados, o silêncio pode valer como declaração de resolução (art. 218º CC).

No caso em apreço, a Autora alegou, no art. 56º da P.I., ter dirigido uma comunicação escrita à ré em 15 de janeiro de 2015, no sentido de cessar o presente vínculo contratual, com fundamento em incumprimento contratual por parte da ré – doc. 13 junto com a P.I.

Nesse documento, a autora, depois de durante duas páginas demonstrar o seu descontentamento com o veículo por si adquirido e que constituiria um exemplar dos veículos objeto do contrato de concessão e que a autora se comprometera a comercializar, aí se conclui: (...) deverão proceder à retoma do bem mediante devolução do preço, sob pena de virem a ser peticionadas demais quantias a título de indemnização, devendo consequentemente proceder-se à revogação do contrato comercial subscrito, cessando assim qualquer vínculo contratual entre as partes.

Ou seja, justificada ou injustificadamente, a autora comunicou à Ré a sua vontade de proceder à “revogação do contrato comercial subscrito entre as partes”, o que, independentemente da expressão por si utilizada, integra uma resolução para a qual se invoca uma justa causa.

  Temos, assim, que a autora procedeu à resolução do contrato extrajudicialmente, antes de recorrer à presente ação (e, mais uma vez insistimos em que o facto de lhe chamar "revogação" em vez de "resolução" é irrelevante, a partir do momento em que se torna claro que o autor pretende por fim ao contrato por incumprimento contratual da Ré).

Operada extrajudicialmente tal resolução, tem a autora o direito a vir pedir ao tribunal que se reconheça a ilicitude e validade de tal resolução.

De qualquer modo e ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se entenda que a referida comunicação não pode ser entendida como uma declaração de resolução – o que não se aceita –, nada obstava a que o autor, sabendo da existência de oposição da outra parte contratante, viesse exercer o seu direito de resolução através da presente ação.

Ou seja, mesmo nos casos em que a resolução “pode” ser efetuada mediante declaração extrajudicial à outra parte, nada obsta a que a parte recorra ao tribunal, expressando aí a sua vontade de resolver o negócio e pedindo que o tribunal assim o declare[2].

E, no caso em apreço, o autor veio expressamente pedir que “seja decretada a resolução do contrato com a ré, com fundamento em justa causa”.

Concluindo, em meu entender, e em qualquer dos casos – quer se considere que a autora procedeu à resolução do contrato através a comunicação de 15 de janeiro de 2015, quer se considere que só através da presente ação manifesta a sua intenção de resolver o contrato, o que requer ao tribunal –, não se me afigura que, por essa via, este tribunal possa ficar dispensado de proceder apreciação da impugnação à matéria de facto.

  Maria João Areias


[1] José Alberto Vieira, “O Contrato de Concessão Comercial”, Reimpressão, Coimbra Editora 2006, p.120.
[2] Neste sentido, Pedro Romano Martinez, “Ainda que a resolução seja informal, nada obsta a que se recorra a tribunal para apreciar da sua licitude (…) se aquele a quem assiste o direito, duvidando da sua existência, em vez de emitir a declaração negocial, intenta uma ação judicial em que pede a apreciação do direito, o contrato cessa com a decisão judicial, se na ação, além da apreciação do direito, também se tiver feito o pedido de resolução do contrato – “Da cessação do Contrato”, 2015-3ª ed., Almedina, p. 171.