Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3532/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
DEVER DE RESTITUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1051.º; 1053.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 85, N.º 1 DO RAU E ARTIGO 456.º, 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Na hipótese de extinção, por caducidade, do contrato de arrendamento, em virtude do falecimento do locatário, o réu, único e universal herdeiro daquele, encontra-se vinculado ao dever da sua restituição, finda a moratória de três meses, como responsável subjectivo pelo cumprimento dos encargos da herança.
2. Decorrido o prazo de três meses e continuando o herdeiro do arrendatário a ocupar o locado, não obstante o formal pedido de entrega do mesmo, por parte do senhorio, recusando-se a fazê-lo, constituiu-se em mora na obrigação de o restituir, o que determina que a indemnização seja elevada para o dobro da quantia estipulada como renda, como justa indemnização específica pela não restituição do prédio, embora de natureza contratual, que se traduz no valor de uso do prédio.

3. A indemnização pelos prejuízos verificados, a título de lucros cessantes, no que concerne ao período temporal posterior ao momento da entrega do locado, tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, a menos que o montante dos danos causados ao locador seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1045º, do CC.

4. A prova do contrário dos factos alegados pelo réu, que se não demonstraram, constitui fundamento material bastante para a sua condenação como litigante de má-fé.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A..., casado, Advogado, residente na Avª Combatentes da Grande Guerra, s/n, em Leiria, propôs a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra B..., divorciado, proprietário, residente na Rua Cidade de Tokushima, lote 19, 32-E, em Leiria, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a liquidar ao autor a indemnização de 3.360.000400, que, mais tarde, reduziu para a quantia de 3.080.000$00, a título de reparação por danos patrimoniais, acrescida de juros legais, desde a citação e até integral pagamento, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, no dia 2 de Maio de 1999, faleceu, no estado de viúva, C..., mãe do ora réu, a qual ocupava, na qualidade de arrendatária habitacional, o 2º andar e parte do sótão do prédio infradiscriminado, de que o autor é proprietário, onde vivia sozinha, pelo que o direito ao arrendamento de que era beneficiária não se transmitiu a outrem, designadamente, ao réu, seu único e exclusivo herdeiro, sendo certo, porém, que o locado permaneceu ocupado, por todos os bens e pertenças que integravam a herança, ilíquida e indivisa, aberta por morte da referida Maria Cândida, até meados de Novembro de 2000, quando o réu o desocupou e mandou entregar as chaves ao autor, sem embargo deste, logo em 9 de Setembro de 1999, lhe ter endereçado uma carta registada com aviso de recepção, exigindo a sua restituição, sendo certo que deveria ter sido desocupado pelo réu e restituído ao autor, em Agosto de 1999, decorridos três meses sobre a data do óbito da arrendatária, detendo-o, assim, na sua posse, sem justo titulo, contra a vontade do autor, por um período de 15 meses, de que resultou a perda de um rendimento mensal nunca inferior a 140.000$00, com um prejuízo para o autor de 2.100.000$00.
Para que o autor pudesse arrendar o andar a estudantes, segundo o destino por si decidido, relativamente ao ano escolar de 2000/2001, era necessário que o tivesse, livre e desocupado, durante o Verão de 2000, pois que só os meses de Julho, Agosto e principio de Setembro teriam a virtualidade de receber aqueles que necessitavam de acomodação em Leiria, razão pela qual, apenas, em Setembro de 2001, conseguirá começar a tirar rendimento do andar.
Na contestação, o réu alega que teve a sua residência no locado, durante muitos meses, após o divórcio, ocorrido no 1o semestre de 1995, afectado pelos problemas de natureza psicológica dele resultantes, onde pernoitava e para o qual era dirigida a sua correspondência, acrescentando que, sendo a renda em vigor, à data do falecimento da arrendatária, de 9.050$00 por mês, era esse o único montante que lhe podia ser exigido pelo autor, até à entrega do prédio.
Na réplica, o autor impugna o alegado pelo réu, concluindo como no articulado inicial, pedindo, porém, a condenação deste, como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna, fixada, equitativamente.
A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de três milhões e oitenta mil escudos (ou seja, quinze mil trezentos e sessenta e dois euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7%, até 30 de Abril de 2003, e, a partir de 1 de Maio de 2003, de 4%, de acordo com as Portarias n°s 263/99, de 12 de Abril e 291/2003, de 8 de Abril), desde a citação do réu para contestar o pedido (artigos 804º, n°1, 805°, n°3, 806°, n°s 1 e 2 e 559°, todos do Código Civil), até integral pagamento, condenando, igualmente, o réu como litigante de má-fé, na quantia de 15 Unidades de Conta, a favor do Estado, nos termos do artigo 456°, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, e artigo 102°, a), do Código das Custas Judicias, aditada, em despacho complementar, da quantia de 1320 €, a título de indemnização, a favor do autor.
Desta sentença, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Com a factualidade dada como provada e acima transcrita o Tribunal a quo veio a julgar procedente pretensão do recorrido, com o fundamento de que sendo o recorrido o legitimo proprietário do andar, a não desocupação, a não entrega, a sua recusa de restituição ou uso por parte do recorrente, do andar em causa, é ilícito, violador do direito de propriedade do recorrido.
2ª - Que a não entrega do locado volvidos os três meses sobre a verificação do facto que determinou a caducidade do arrendamento, implica a condenação do recorrente em indemnização correspondente ao prejuízo resultante do facto do proprietário do andar, face à ocupação ilícita por parte do recorrente, não ter podido colocar o prédio logo no mercado de arrendamento - lucro cessante no valor de 2.100.000500 - (140.000SOOX15).
3ª - E ainda que tendo o recorrente entregue apenas ao recorrido o andar em apreço nos autos em meados de Novembro 2000, quando deveria ter sido entregue em Setembro 1999, durante este período de tempo o recorrido não o pode arrendar e muito menos pelo preço de mercado.
4ª - Pelo que por o recorrente apenas ter entregue o andar em Novembro 2000, e por nessa altura já estarem acomodados os estudantes, que vieram para Leiria estudar, o recorrido ficou privado de satisfazer a procura de acomodações nesse ano lectivo de 2000/2001. Com tal fim o ano escolar de 200/2001 ficou totalmente prejudicado e só em Julho 2001 é que o recorrido arrendou o andar, tendo o recorrido um prejuízo no valor de 980.000$00 (140.000$OOX7).
5ª - Desta feita, o recorrente ficou obrigado a indemnizar o recorrido por este prejuízo, no montante de 3.080.000$00.
6ª - Com o devido respeito por opinião contrária entende o recorrente que não obstante a sentença de que se recorre considerar como provado que o recorrido teve um prejuízo respeitante a 22 meses.
7ª - No modesto entender do recorrente, não foi feita uma adequação do direito aos factos dados como provados, na verdade,
8ª - É o próprio recorrido que alega na sua douta P.I. que pretendeu dar de arrendamento o locado a estudantes, iniciando-se o ano escolar em Setembro.
9ª - E que para que o recorrente tivesse o ensejo de concretizar o destino de arrendamento a estudantes, relativamente ao ano de 2000/2001 "era necessário que tivesse tido disponível o andar, livre e desocupado, durante o Verão de 2000.
10ª - Acontece que tendo caducado o contrato de arrendamento em Setembro 1999, pois só nesta data é que o recorrido se encontrava obrigado a entregar o locado.
11ª - Em Setembro 1999 já os estudantes se encontrariam acomodados, pelo que, o recorrente apenas poderia ser condenado ao pagamento dos prejuízos referentes ao ano lectivo de 2000/2001, com início em Julho de 2000.
12ª - Basta verificar que é o próprio recorrido que alega que para o ano de 2001/2002, arrendou o locado logo em Julho 2001.
13ª - Na verdade, perante tal factualidade que ressalta aos olhos de um homem médio, atendendo ao destino que o recorrido pretendeu e alegou pretender dar ao locado, sempre a rentabilização do locado referente aos meses de Setembro de 1999 a Junho do ano de 2000 se encontraria prejudicada.
14ª - Pois o recorrido nunca alegou e porque não era essa a sua pretensão, arrendar o locado a outrem que não estudantes.
15ª - Pelo que quanto a esta parte o pedido do recorrido tem necessariamente que improceder devendo os valores a que o recorrente foi condenado ser corrigidos de acordo com tal factualidade.
16ª - Por outro lado, o recorrente foi ainda condenado como litigante de má fé porquanto, considera a douta sentença que o recorrente deduziu ''uma oposição cujo fundamento sabia não corresponder à verdade, tendo agido com dolo, condenando-o em 15 UC”.
17ª - Acontece que o recorrente não se conforma com tal decisão, não obstante o M° Juiz a quo ter considerado como provado, no âmbito do principio da livre apreciação da prova, que a mãe do recorrente vivia sozinha no referido locado e que o recorrente tinha residência em outro local, quando o recorrente invocou ter residido naquele local desde 1995 aí vivendo com sua mãe, tendo assim existido uma transmissão por morte do direito ao arrendamento.
18ª - Na verdade o recorrente convicto da sua razão, procedeu de boa fé, sinceramente convencido da sua razão, tendo ponderado com prudência as suas pretensas razões, sendo a sua conduta processual perfeitamente lícita.
19ª - E se não logrou ter sucesso na sua pretensão, apesar de ter reunido os meios probatórios que tinha ao seu alcance, tal implica única e simplesmente o encargo das custas, como risco à sua actuação.
20ª - Pelo que o seu fracasso probatório jamais poderá ser considerado como um abuso de direito, não devendo a sua conduta ser considerada como ilícita, pois actuou com consciência da sua razão.
21ª - Pelo que, quanto à indemnização fixada a favor do recorrido quanto a custas e honorários, o recorrente considera esta manifestamente infundada, atendendo aos argumentos acima expostos.
22ª - Devendo o recorrente ser absolvido da condenação em apreço.
23ª - Nestes termos a douta sentença violou o disposto nos artigos 483° do CC, e 456° do CPC.
Nas suas contra-alegações, o autor sustenta que deve ser julgado improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença apelada.
Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
No dia 2 de Maio de 1999, faleceu, no estado de viúva, C..., mãe do ora réu, B... – A).
A dita C... ocupava, na qualidade de arrendatária habitacional, o 2º andar e parte do sótão do prédio urbano, sito na Avª Combatentes da Grande Guerra, nºs 34 e 36, em Leiria, dita freguesia e concelho, inscrito na matriz sob o artigo 1091º e registado na Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n°1374/90429, de que o autor é dono e legitimo proprietário, e que confronta do Norte com o proprietário, do Sul com a Avª Combatentes da Grande Guerra, do Nascente com o proprietário e do Poente com a Rua Machado de Castro – B).
Em 9 de Setembro de 1999, o autor endereçou ao réu carta registada com aviso de recepção, exigindo a restituição dos locais ocupados — conteúdo reproduzido a folhas 13 dos autos – C).
O autor enviou ao réu as cartas que constam dos autos de folhas 13 a 39 – D).
O réu devolveu as cartas de 11.11.99, 11.02.00 e 15.03.00 – E).
Em Novembro de 2000, o réu desocupou o andar e o sótão – F).
Os bens e pertences de Maria Cândida que ficaram no locado integraram a herança, ilíquida e indivisa, aberta por sua morte, sendo desta cabeça-de-casal o réu que, dada a falta de outros descendentes, era o único e exclusivo herdeiro da falecida – G).
A Maria Cândida Pereira Guimarães vivia, sozinha, no locado – 1º.
O ora autor ficou aguardando que o dito 2o andar e parte do sótão lhe fossem, prontamente, entregues, livres e desocupados, com as respectivas chaves – 2º.
Mas tal não sucedeu – 3º.
Os ditos 2° andar e parte do sótão do prédio identificado permaneceram ocupados, por todos os bens e pertences da falecida Maria Cândida (nomeadamente, mobílias, roupas, electrodomésticos, objectos decorativos) – 4º.
De que esta se rodeara em vida, no locado, e que utilizava e fruía, no seu quotidiano – 5º.
À carta, referida em C), o réu não respondeu – 6º.
O réu António Luís foi mantendo o 2º andar e parte do sótão, em seu poder, ocupados com o recheio herdado de sua mãe, por largos meses – 7º.
O andar em causa está localizado, no centro da cidade de Leiria – 9º.
Desenvolve-se em gaveto, sendo servido por duas vias públicas – 10º.
A Avª Combatentes da Grande Guerra, onde se situa a sua entrada principal – 11º.
A Rua Machado de Castro, onde se situa a sua entrada secundária – 12º.
É composto por nove divisões principais, das quais duas são a cozinha e a casa de banho, qualquer destas muito amplas – 13º.
E servido por onze janelas, o que lhe proporciona grande luminosidade e arejamento – 14º.
Possuindo três varandas, dada a sua altura, goza de boas vistas sobre a cidade – 15º.
Dispõe de sótão, parte do qual o réu veio ocupando com móveis do espólio da sua mãe – 16º.
Dispondo de nove divisões, sete das quais aptas para o efeito, o autor tinha decidido promover a sua rentabilização, mediante o arrendamento de quartos a estudantes – 17º.
Face aos preços praticados na cidade de Leiria e o número de sete divisões aptas para o efeito, tal modalidade de arrendamento proporcionaria um rendimento mensal nunca inferior a 140.000$00 – 18º.
Os preços praticados na cidade oscilam entre os 25.000$O0/3O.000$00, por mês e por divisão – 19º.
Por o réu só ter devolvido o andar, em Novembro de 2000, e, por nessa altura, já estarem acomodados os estudantes que vieram para Leiria frequentar os seus cursos, o autor ficou privado de satisfazer a procura de acomodações, nesse ano lectivo de 200/2001 – 20º.
Com tal fim, o ano escolar de 2000/2001, ficou para o autor, totalmente,
prejudicado – 21º.
Em Julho de 2001, o autor arrendou o mencionado andar – 22º.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão dos lucros cessantes, findo o contrato de arrendamento.
II – A questão da litigância de má-fé.

I

DOS LUCROS CESSANTES DO LOCADO

Dispõe o artigo 66º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), que “sem prejuízo do disposto quanto aos regimes especiais, o arrendamento caduca nos casos fixados pelo artigo 1051º do Código Civil”, estabelecendo a alínea d), deste último normativo legal, que “o contrato de locação caduca, por morte do arrendatário…”.
Com efeito, a caducidade constitui uma via automática de extinção da relação locatícia, como mera consequência de um evento a que a lei atribui esse efeito Galvão Teles, Arrendamento, 246., que lhe põe fim, «ipso iure», sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou privada, tendente à sua cessação Galvão Teles, Contratos Civis, BMJ, nº 83, 151., o que representa a consagração de uma hipótese de caducidade, «ope legis» RT, Ano 89º, 262, em anotação ao acórdão do STJ, de 9-2-71..
Nesta matéria, a sentença não tem natureza constitutiva, mas sim de simples apreciação e declaração, porquanto não é o Tribunal que decreta a caducidade, mas antes reconhece que a mesma se produziu, no passado, em virtude de simples factualidade apurada Galvão Teles, Arrendamento, 247..
É esta, precisamente, a situação retratada nos autos, pois que, por força do estipulado pelo artigo 1051º, d), do Código Civil (CC), o contrato de arrendamento celebrado pelo autor com C... extinguiu-se, por caducidade, no dia 2 de Maio de 1999, data da sua morte, facto constitutivo do direito invocado por aquele, sem que ocorra, no caso concreto, uma causa de exclusão da caducidade, por eventual transmissão do arrendamento, nos termos do preceituado pelo artigo 85º, nº 1, do RAU.
Neste caso, a caducidade resulta do próprio evento que a determina, e, não sobrevivendo à locatária pessoa para quem se transmita o direito ao arrendamento, não sendo necessário que o senhorio peça o reconhecimento da caducidade, verificada contra aquele que ocupa o prédio Pires de Lima, RLJ, Ano 101º, 96; Sá Carneiro, RT, Anos 86º, 137, e 87º, 442., ou seja, o réu, a ocupação por este do locado, recusando-se a restituí-lo ao proprietário, enquanto hipotético transmissário do direito de sua mãe, é susceptível de gerar responsabilidade civil por factos ilícitos, desde que preenchidos os respectivos pressupostos legais, determinante da obrigação de indemnizar STJ, de 5-4-94, Pº 086575, www.dgsi.pt ; RL, de 29-10-98, BMJ nº 480, 526..
Aliás, o simples gozo do direito ao arrendamento em que se constitua um terceiro não pode dar lugar à renovação de um contrato em que ele não era parte, nem à formação de um novo vínculo obrigacional Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 399..
Por seu turno, preceitua ainda o artigo 1053º, do CC, que “em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados três meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade…”.
Nesta hipótese de extinção, por caducidade, do contrato de arrendamento, em virtude do falecimento do locatário, não se tendo verificado a situação de desocupação do locado, em que seria lícita a reocupação do prédio pelo senhorio, por qualquer meio, no âmbito dos seus poderes de proprietário, permanecendo o arrendado ocupado pelo réu, este encontra-se vinculado ao dever da sua restituição, finda a aludida moratória consagrada pelo artigo 1053º, do CC RE, de 30-1-97, BMJ nº 463, 655; RL, de 26-6-90, BMJ nº 398, 566; RC, de 17-6-80, BMJ nº 301, 470..
Efectivamente, sendo o réu o único e universal herdeiro da arrendatária, é ele o único responsável subjectivo pelo cumprimento dos encargos da herança, sobre si impendendo a obrigação de “restituir a coisa locada findo o contrato”, diligenciando pela imediata entrega do arrendado ao senhorio, como seu sucessor legítimo, porquanto responde pelas obrigações do «de cujus» que não cessem com a sua morte, entre as quais se conta a obrigação de restituir o arrendado ao senhorio, quando lhe seja pedida a entrega, findo o direito à sua ocupação lícita, durante o prazo de três meses, após aquela morte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1038º, i), 2131º, 2132º, 2133º, nº 1, a), 2068º e 2074º, nº 1, todos do CC.
Assim sendo, o autor podia reclamar do réu a restituição do locado, a partir de 3 de Agosto de 1999, sendo certo, contudo, que só exerceu este direito, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 9 de Setembro seguinte.
Porém, o réu só devolveu o locado, em Novembro de 2000, que manteve ocupado, até então, com o recheio herdado de sua mãe, ficando, por isso, o seu titular privado de satisfazer a procura de acomodações que sobre ele recaíam, mediante o arrendamento de quartos a estudantes, decidido pelo autor como a melhor forma de promover a sua rentabilização, o que lhe proporcionaria um rendimento mensal nunca inferior a 140.000$00, sendo certo que, apenas, em Julho de 2001, arrendou o mencionado andar.
Ora, ao gozo do prédio pelo locatário corresponde o pagamento de uma contraprestação, nos termos do estipulado pelo artigo 1022º, do CC, sendo certo que, enquanto o dono do prédio não obtiver a sua entrega, o ocupação há-de ser remunerada Sá Carneiro, RT, Anos 87º, 443, e 89º, 262. .
Por isso, decorrido o sobredito prazo de três meses e continuando o herdeiro da arrendatária a ocupar o locado, não obstante o formal pedido de entrega do mesmo, por parte do autor, ainda em 9 de Setembro de 1999, recusando-se a fazê-lo, o que só veio a acontecer, em Novembro de 2000, o réu constituiu-se em mora, em conformidade com o disposto pelo artigo 1045º, nº 1, do CC RL, de 10-1-73, BMJ nº 223º, 269..
E, não tendo entregue ao autor o arrendado, a não ser catorze meses depois da data em que o deveria ter feito, a mora do réu na obrigação de o restituir determina que a indemnização seja elevada para o dobro da quantia estipulada como renda, atento o disposto pelo artigo 1045º, nº 2, do CC.
A sentença recorrida considerou que a indemnização a levar em conta é a correspondente ao lucro cessante, em virtude de o autor não ter podido colocar logo o prédio no mercado de arrendamento, no montante global de 3080000$00, respeitante a 22 meses.
Contudo, o réu sustenta que apenas poderia ser condenado no pagamento dos prejuízos referentes ao ano lectivo de 2000/2001, com início em Julho de 2000, ou seja, pelo lapso de tempo compreendido entre esta data e Julho de 2001, quando o autor arrendou o mencionado andar, porquanto, de acordo com a sua versão, estando o réu obrigado a entregar o locado, em Setembro 1999, na altura já os estudantes se encontrariam acomodados, sem que o autor sofresse qualquer prejuízo, referente ao ano lectivo de 1999/2000.
Com efeito, alega o autor, na petição inicial, que “para que tivesse ensejo de concretizar o destino decidido de promover a rentabilização do andar, mediante o arrendamento de quartos a estudantes, relativamente ao ano escolar de 2000/2001, era necessário que tivesse tido disponível o andar, livre e desocupado, durante o Verão de 2000, sendo, como é sabido, que o ano escolar se inicia em Setembro de cada ano”.
Assim sendo, «mutatis mutandis», importa considerar que idêntico fio de raciocínio, atento o escopo lucrativo prosseguido pelo autor para o locado, deve ser adoptado, quanto ao ano escolar pretérito de 1999/2000, razão pela qual, encontrando-se o réu vinculado a restituir o locado ao autor, apenas a partir de 3 de Setembro de 1999, há que reconhecer que se mostrava, desde logo, inviabilizada a concretização do arrendamento, na modalidade de quartos para estudantes, nesse referido ano escolar, pois que pressupunha a conclusão do processo, antes do início de Setembro, data da abertura do ano lectivo.
Por isso, inexiste nexo de causalidade adequada entre a não restituição atempada do locado ao autor e a não celebração por este de um contrato de arrendamento de quartos a estudantes, no ano lectivo de 1999/2000, correspondente a 1400000$00 (140000$00x10=1400000$00).
Porém, sem embargo de se não haver demonstrado a impossibilidade da realização do aludido contrato de arrendamento, no período temporal compreendido entre o prazo da restituição obrigatória do locado e a data favorável da sua celebração, no Verão de 2000, importa atender a que, neste período considerado, em que, ilicitamente, privou o autor da fruição do locado, o réu deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do prédio, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo do locador, correspondente à renda que estava a ser praticada, e que se traduz no valor de uso do prédio Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 382..
Peticionando o autor uma indemnização pelos prejuízos verificados, a título de lucros cessantes, no que concerne ao período temporal posterior ao momento da entrega do locado, a mesma tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que já se não mede pelo valor da renda, não obstante a identidade do respectivo facto gerador, a menos que o montante dos danos causados ao locador seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que a este basta a indemnização contemplada pelo artigo 1045º, do CC De algum modo, neste sentido, Mário Frota, Arrendamento Urbano, Comentado e Anotado, 1987, 124..
Assim sendo, deverá o réu indemnizar o autor pelos prejuízos causados, no montante global de 1861000$00 [10 x (9050$00 x 2) + (12 x 140000$00) = 1861000$00].

II

DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

O réu entende que os factos provados não podem servir de base à sua condenação como litigante de má fé, porquanto o seu fracasso probatório implica, única e simplesmente, o encargo das custas, como risco da sua actuação, e não outra.
Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo artigo 456º, nº 2, do CPC, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [a)], tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [b)], tiver praticado omissão grave do dever de cooperação [c)] ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso, manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [d)].
Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização, a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto pelo artigo 456º, nº 1, do CPC.
A má fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 266º, nº 1, 266º-A e 456º, nº 2, c), do CPC, impõem às partes.
Aliás, no intuito de moralizar a actividade judiciária, o artigo 456º, nº 2, do CPC, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave.
Com efeito, a má fé substancial ou material directa, quer dolosa, quer com culpa grave ou erro grosseiro, esta última designada por lide temerária, a que se reporta a alínea a), diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo, não acontecendo, frequentemente, desacompanhada da outra modalidade, a que alude a alínea b), ambas do nº 2, do artigo 456º, do CPC, ou seja, da má fé substancial indirecta, que se verifica, quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 355 a 358, o qual, porém, entende que esta modalidade de má fé tem natureza instrumental; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 1981, 258 e ss..
Resta, por fim, realçar que as duas restantes modalidades de má fé, já referidas, a que aludem as alíneas c) e d), do nº 2, do artigo 456º, do CPC, têm natureza instrumental.
O Tribunal «a quo», considerando que o réu deduziu oposição com fundamentos que sabia não serem verdadeiros, invocou e negou factos que não podia invocar e negar, por serem pessoais, condenou-o como litigante de má-fé.
Com efeito, o réu alegou que, desde meados de 1995, teve, no local objecto do arrendamento, a sua residência, sendo a família constituída só pela mãe, com quem passou a residir, até à morte daquela, enquanto que, para além de terem merecido resposta negativa os pontos da matéria de facto em que se perguntava se, “desde meados de 1995 que o réu passou ali a ter a sua residência?” (23º), “aí pernoitando e, para aí ser dirigida a sua correspondência?” (24º) e “a família passou a ser constituída só pela mãe, com quem passou a residir de facto?” (25º), conheceu resposta positiva o ponto nº 1 da base instrutória, onde se perguntava se “a Maria Cândida Pereira Guimarães vivia sozinha no locado?”.
Assim sendo, ficou demonstrado, precisamente, o contrário do que o réu alegou na sua contestação, em matéria respeitante a factos de que tinha conhecimento pessoal, pelo que é manifesto que deduziu oposição com fundamentos que bem sabia não serem verdadeiros, deste modo incorrendo na situação de má-fé, com dolo material.
De facto, o réu não tem obrigação de confessar, nem pode ser condenado pelo exercício do seu direito de defesa, excepto quando o mesmo se desenvolve, de forma desleal e sem verdade, porquanto não goza do direito de afirmar uma versão oposta à realidade por si sabida.
Como assim, tendo-se demonstrado que o réu deduziu, dolosamente, oposição cuja falta de fundamento bem conhecia, e não se esqueça que a litigância de má fé, após a Reforma do Processo Civil de 1995, não pressupõe apenas o dolo, pois se basta com a negligência grave, como já se acentuou, a sua conduta é determinante de responsabilidade processual subjectiva, enquanto litigante de má fé, nos termos do disposto pelo artigo 456º, nºs 1 e 2, a) e b), do CPC.
Improcedem, pois, as conclusões constantes das alegações do réu, mantendo-se, consequentemente, a condenação em litigância de má-fé, quer no respeitante à multa, quer à indemnização, a favor do autor.

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CONCLUSÕES:

I - Na hipótese de extinção, por caducidade, do contrato de arrendamento, em virtude do falecimento do locatário, o réu, único e universal herdeiro daquele, encontra-se vinculado ao dever da sua restituição, finda a moratória de três meses, como responsável subjectivo pelo cumprimento dos encargos da herança.
II - Decorrido o prazo de três meses e continuando o herdeiro do arrendatário a ocupar o locado, não obstante o formal pedido de entrega do mesmo, por parte do senhorio, recusando-se a fazê-lo, constituiu-se em mora na obrigação de o restituir, o que determina que a indemnização seja elevada para o dobro da quantia estipulada como renda, como justa indemnização específica pela não restituição do prédio, embora de natureza contratual, que se traduz no valor de uso do prédio.
III – A indemnização pelos prejuízos verificados, a título de lucros cessantes, no que concerne ao período temporal posterior ao momento da entrega do locado, tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, a menos que o montante dos danos causados ao locador seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1045º, do CC.
IV – A prova do contrário dos factos alegados pelo réu, que se não demonstraram, constitui fundamento material bastante para a sua condenação como litigante de má-fé.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação, parcialmente, procedente, e, em consequência, em revogar, correspondentemente, a sentença recorrida, condenando o réu a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de 1861000$00 (um milhão oitocentos e sessenta e um mil escudos), correspondente a 9282.62 € (nove mil duzentos e oitenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), confirmando, em tudo o mais, a douta sentença recorrida, incluindo a condenação em litigância de má-fé, quer no respeitante à multa, quer à indemnização, a favor do autor.

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Custas, a cargo do réu-apelante e do autor-apelado, na proporção de 4/5 e de 1/5, respectivamente.