Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1299/07.7TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE FACULDADE DE CONDUZIR
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 141º CE
Sumário: 1. O legislador, na ponderação material de protecção de bens jurídicos, entendeu condicionar o juízo de prognose propiciador da suspensão da execução da sanção acessória à verificação de um índice negativo de capacidade de socialização – ausência de duas ou mais infracções graves – o que não atina com os pressupostos formais da reincidência.
2. Vale por dizer que o juízo positivo de prognose para a suspensão da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir depende, à luz do novel ordenamento, de um leque de condicionantes (objectivas) – nenhuma ou só uma contra-ordenação grave – n.ºs 2 e 3 do artigo 141.º do Código da Estrada – sem o que o julgador não pode sequer equacionar a possibilidade de escolha desse instituto.
3. Não tem a ver com o facto de o agente ser ou não reincidente – cfr. artigo 143.º do Código da Estrada – mas com o facto de o agente não ter sido condenado em mais do que duas contra-ordenações graves.
4. O legislador impôs um limite para a utilização ou opção do instituto da suspensão da sanção acessória, qual fosse a de que o agente não tivesse mais do que uma condenação por uma contra-ordenação grave.
5. O cometimento de mais do que uma infracção estradal grave nos cinco anos que precederam a infracção conhecida nestes autos impede, por imperativo do artº 141º, nº3, do CE, que seja suspensa a sua execução.
Decisão Texto Integral: I -Relatório:
Em dissensão com o julgado prolatado no processo supra epigrafado em que foi decidido julgar “improcedente o recurso interposto pelo arguido RA..., mantendo a decisão da autoridade administrativa”, recorre o apenado, tendo rematado a motivação com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita.
“1. Por decisão de 19.06.2006, da delegação de Viação de Leiria da Direcção Geral de Viação, com base no auto de contra-ordenação n.º 248036343, lavrado pela Guarda Nacional Republicana, foi aplicada ao arguido, pela prática de uma contra-ordenação previsto e punido pelos arts. 27.º, n.º 1 e 2 al. a) e 143.º, todos do Código da Estrada, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, tendo o arguido efectuado o pagamento voluntário da coima.
2. O arguido impugnou judicialmente aquela decisão, apenas no tocante à sanção acessória de inibição de conduzir, alegando em síntese que não lhe deveria ser aplicado o instituto da reincidência, terminando por pedir a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir.
3. A final o tribunal julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão administrativa, considerando o arguido reincidente e legalmente inadmissível a suspensão da execução da sanção acessória por forçado disposto no artigo 141.º do C.E.
4. Desta decisão recorre o arguido, por considerar que no caso sub judice é legalmente admissível a suspensão da execução da sanção acessória.
5. Com efeito, os antecedentes contra-ordenacionais do recorrente provêm de um tempo em que os únicos efeitos que lhes eram associados eram os da reincidência e da influência geral no ajuizamento quanto à previsível conduta, sem nunca constituir pressuposto autónomo da suspensão, o que era, indubitavelmente um regime substancialmente mais favorável.
6. Como resultava da lei – artigo 142.º – era pressuposto material da aplicação da suspensão da pena acessória de inibição de conduzir um, prognóstico favorável pelo Tribunal relativamente ao comportamento do recorrente (atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do, facto) e no sentido de que a simples censura do facto e ameaça de pena bastariam para o afastar da prática de infracções e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção da prática de infracções contraordenacionais.
7. Tal prognóstico favorável foi feito pelo tribunal, pois na decisão recorrida afirmar-se que as condições pessoais e profissionais do arguido justificariam a suspensão da execução da sanção acessória, só o não fazendo por entender que em face do disposto no artigo 141.º, tal é inadmissível.
8. Na ponderação dos dois regimes, o fiel da balança da justiça propenderá para a aclamação da aplicação do regime mais favorável consagrado quer na Constituição da República Portuguesa quer no direito material penal, este subsidiário do direito contra-ordenacional.
9. E por isso, impõe-se a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, ainda que acrescida da prestação de uma caução.
10. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 141.º do C.E”.
Na comarca, o Ministério Público respondeu defendendo a manutenção do julgado dando o mote final com o sequente quadro conclusivo.
“I – O recorrente nos últimos cinco anos praticou duas contra-ordenações graves e o que a lei preceitua relativamente à suspensão da execução acessória de inibição de conduzir, resulta que não é possível suspender a sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao recorrente, além de que terá de ser sancionado como reincidente em virtude de se mostrar verificado, no caso dos autos, o condicionalismo do arte 143.º n.ºs 1 e 3 do C. da Estrada.
II – O recurso apresentado pelo arguido deve pois improceder, por se não verificarem em absoluto, os fundamentos de direito invocados para a sua interposição.
Nesta instância o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto louvando-se na resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido mantém a conclusão que o recurso deve improceder.
Devendo o thema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
queda como questão a enfrentar para decisão da pretensão recursiva impulsada pelo recorrente a possibilidade de suspensão de execução da sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir, por aplicação de um regime mais favorável decorrente de uma sucessão de leis que propinariam essa aplicação.
II – Fundamentação:
II.A. – De Facto:
Para a decisão prolatada determinou o tribunal deverem ser considerada adquirida a factualidade sequente:
“No dia 29 de Março de 2006, cerca das 7H53, na Estrada Nacional EN 356 2, ao Km 8,200, em Moinho Novo, área da comarca de Leiria, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula “40-85-VV”, à velocidade de 71 Km/h (correspondendo à velocidade de 76 Km/h registada, deduzindo o valor de erro máximo admissível), sendo a velocidade máxima permitida no local de 50 Km/h.
Do registo individual de condutor do arguido constam as seguintes condenações:
-por factos praticados em 23/12/2003, pela prática de infracção rodoviária (excesso de velocidade superior a 30 Km/h e inferior a 60 Km/h sobre os limites de velocidade) foi condenado na sanção de inibição de conduzir por um período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias;
-por factos praticados em 3/02/2004, pela prática de infracção rodoviária (excesso de velocidade superior a 30 Km/h e inferior a 60 Km/h sobre os limites de velocidade) foi condenado na sanção de inibição de conduzir por um período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias.
O arguido em termos profissionais, tem funções de vendedor na sociedade “T…s, Lda”, e nessas funções tem necessidade de se deslocar diariamente por todo o País, para promover vendas e contactos com os clientes, fazendo-o de carro, sendo a carta de condução o seu principal instrumento de trabalho. Ficar inibido de conduzir significa grave prejuízo profissional, ficando em causa o seu posto de trabalho e, consequentemente, a sua única fonte de rendimentos.
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados como assentes e com interesse para a decisão da causa.
Fundamentação
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base nos documentos juntos aos autos, designadamente o auto de contra-ordenação de fls. 7 e registo de fls. 8, e no Registo Individual de Condutor de fls. 10, e nas declarações do arguido em audiência que assumiu a prática dos factos e de forma credível deu conta da sua situação pessoal e profissional e bem assim no depoimento das testemunhas JA..., que trabalha com o arguido, e MF..., director administrativo do grupo que detém a sociedade onde o arguido trabalha, e que igualmente de forma credível deram conta da situação profissional deste e da necessidade da carta de condução para o exercício das suas funções de vendedor.
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Suspensão de execução da sanção acessória de inibição de faculdade de conduzir – Sucessão de leis no tempo.
A tese desenvolvida pelo recorrente para peticionar a alteração do julgado prende-se, no imo, com o raciocínio sequente (cfr. itens 5 a 9): os antecedentes contra-ordenacionais que ilaquearam a suspensão da sanção acessória de inibição de faculdade de conduzir ocorreram no domínio de um quadro legislativo em que a sua verificação não influía nos pressupostos de suspensão da sanção acessória, isto é o antecedente artigo 141.º do Código da Estrada apenas fazia depender a suspensão dos pressupostos de que a lei geral faz depender o decretamento da pena de substituição enquanto que, actualmente, o vigente artigo 141.º, n.º 3 do Código da Estrada só permite a suspensão da sanção acessória desde que não tenha praticado mais de uma contra-ordenação grave. Como o arguido cometeu as duas contra-ordenações graves que o colocam na situação de reincidente no domínio da legislação pretérita não deveriam influir na qualificação e determinar, por injunção do instituto de reincidência, os pressupostos que determinam a suspensão da sanção acessória e ainda porque o regime anterior – com um período de tempo entre as infracções valorativas e integradoras do instituto da reincidência mais curto – se constitui como um regime mais favorável.
A defesa da aplicação do novo regime foi feita no tribunal a quo com a argumentação que a seguir se transcreve.
“No caso concreto o arguido recorrente foi condenado ou sancionado como reincidente por já ter registadas no seu registo individual de condutor, ou registo de infracções previsto no art. 144º do Código da Estrada, duas infracções praticadas, respectivamente em 23/12/2003 e 3/02/2004.
É contra esta classificação ou condenação como reincidente que o recorrente reage, considerando que ao recorrente não deverá ser aplicado o instituto da reincidência dado que na nova redacção dada ao Código da Estrada (DL 44/2005 de 23 de Fevereiro), que veio alterar o regime legal anteriormente vigente, o período temporal que é tido em conta para efeitos de reincidência foi alargado de três para cinco anos e as infracções que o recorrente cometeu e que foram tidas em conta para efeitos de reincidência, ocorreram durante a vigência da lei anterior. E consequentemente, para efeitos de aplicação do regime legal da reincidência, não se poderá ter em conta um facto ocorrido durante a vigência de regime legal anterior, regime legal esse que previa um período temporal mais reduzido que o período decorrente da anterior lei.
Ora esta questão e bem assim o facto de a alteração em causa ter a ver não só com o largamento do período temporal a considerar para efeitos de reincidência, como também veio introduzir modificações no teor literal do preceito, dado que agora se estipula expressamente que será sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal. Tal alteração tem levado à questão de saber se a introdução da expressão ao "mesmo diploma legal" anteriormente inexistente significará que pretendeu o legislador referir-se apenas ao novo Código da Estrada. E se assim for a concluir-se que para efeitos de reincidência, só poderão ser tidas em conta, as infracções cometidas ao abrigo da Lei vigente, ou seja, ao abrigo do diploma legal actualmente em vigor.
A este propósito convirá referir que da jurisprudência publicada dos tribunais superiores é unânime o entendimento que quando o actual Código da Estrada entrou em vigor, começou a vigorar aquele prazo novo de 5 anos para a contagem da reincidência, e assim as condenações por infracções praticadas no âmbito do referido prazo não podem deixar de ser consideradas para aquele mesmo efeito e que o facto de o art. 143º, nº1, do actual Código da Estrada fazer referência à condenação “por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos”, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória, não pode senão querer significar que o legislador se quer referir a uma qualquer condenação por infracções ao Código da Estrada ou seus regulamentos, isto é, a infracções rodoviárias praticadas anteriormente, independentemente das sucessivas alterações introduzidas nesse diploma ao longo dos últimos anos.
Neste sentido e com este entendimento os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6/02/2008, nº convencional JTRP00041031, do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/05/2007, nº convencional JTRC processo nº2971/06.4TBVIS.C1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2006, nº convencional JSTJ000, processo nº06P3666, todos publicados em www.dgsi.pt.
Assim e, em conformidade com a jurisprudência dominante, afigura-se que a reincidência actualmente tem o prazo de 5 anos e se aplica a todas as infracções rodoviárias ao Código da Estrada e seus regulamentos praticadas anteriormente, independentemente das sucessivas alterações introduzidas nesse diploma ao longo dos últimos anos.
De referir que, no caso concreto, mesmo tendo em consideração o prazo de 3 anos da reincidência prevista na redacção anterior do Código da Estrada no art. 144º, nº1, sempre o arguido teria de ser considerado reincidente ao abrigo desse normativo pois a infracção dos autos foi praticada em 29/03/2006, sendo a condenação anterior de 23/12/2003 e 3/02/2004, ou seja as contra-ordenações anteriores foram praticadas nos 3 anos anteriores à prática da presente infracção.
Assim e com os fundamentos de facto e de direito enumerados improcede o requerido pelo arguido quanto à não consideração como reincidente e considera-se o arguido reincidente, nesta parte confirmando a decisão da autoridade administrativa.
Quanto à requerida suspensão da execução da sanção acessória.
Da conjugação do disposto no art. 141º, nº1, 2 e 3, do Código da Estrada resulta que apenas é permitida a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir, se o arguido não tiver praticado nenhuma contra-ordenação grave ou muito grave ou tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave nos últimos 5 anos.
No caso dos autos o arguido praticou nos últimos 5 anos duas contra-ordenações graves, pelo que é legalmente inadmissível a suspensão da execução da sanção acessória.
Assim e não obstante as condições pessoais e profissionais do arguido, que justificariam a suspensão da execução da sanção acessória, face ao seu registo de infracções e ao disposto no art. 141º do Código da Estrada não pode o Tribunal suspender a execução da sanção acessória, por tal ser, na actualidade, legalmente inadmissível, pelo que também aqui improcede o requerido e se mantém a decisão da autoridade administrativa.
Face ao actual art. 138º, nº4, do Código da Estrada a sanção acessória tem de ser cumprida em dias seguidos, pelo que, neste momento já não pode o seu cumprimento ser diferido para as férias ou fins-de-semana.”
O instituto da reincidência para as infracções estradais foi operado pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 numa confessa e declarada intenção do legislador de remediar as deficiências surpreendidas no ordenamento vigente - Decreto-Lei n.º 114/94, de 03.05 - em matéria de prevenção (e de repressão, aditaríamos nós) da sinistralidade estradal . No preâmbulo do primeiro dos diplomas citados escreveu-se: “A necessidade de prevenção de condutas que, por colocarem frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física, a liberdade e o património, se revestem de acentuada perigosidade impõe a criminalização do exercício da condução por quem não esteja legalmente habilitado para o efeito. Idêntica necessidade leva a que se dê particular atenção ao regime das contra-ordenações rodoviárias, tendo presente, por um lado, a natureza pública das sanções que lhes correspondem e, por outro, a menor ressonância ética do ilícito que visam reprimir e que justificaram a autonomização do direito de mera ordenação social em relação ao direito penal. Elevam-se, assim, os limites máximos da sanção de inibição de conduzir e introduz-se no Código o instituto da reincidência.”
Para o caso que nos ocupa, no âmbito da legislação anteriormente vigente o instituto de reincidência ficava preenchido sempre que o condutor cometesse uma contra-ordenação grave ou muito grave depois de ter sido sancionado por outra contra-ordenação grave ou muito grave, praticada há menos de três anos, mas sem que esse quadro agravativo intercedesse na operação de escolha e opção da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, que poderia ocorrer se se verificassem, tout court, os pressupostos de que a lei geral faz depender a opção por esta pena de substituição. Por seu turno, o diploma que entrou em vigor em 2005 (Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23.02) procedeu a uma dúplice agravação: a) alargou para cinco (5) anos o período a considerar para efeitos da circunstância agravativa geral da reincidência – cfr. artigo 143.º do citado diploma legal; b) e fez intervir a reincidência nos pressupostos da suspensão da pena, na medida em que a pena de substituição só pode ser opcionada se o infractor não tiver cometido mais do que uma contra-ordenação grave no período de cinco (5) anos – cfr. 3 do artigo 141.º do Código da Estrada. Vale por dizer que o legislador de 2005, mantendo a circunstância agravativa geral (objectiva) concernente à reincidência – de aumento dos limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação para o dobro – impôs um quadro jurídico-legal mais restritivo – ou mesmo coactor –, tanto para o período de duração temporal em que o infractor se deve manter indemne à prática de novas contra-ordenações como para a suspensão da sanção acessória de inibição de condução. Para a primeira alargou o período de tempo entre as infracções (de três (3) para cinco (5) anos, enquanto que para a segunda condicionou ou ilaqueou a possibilidade de se operar a suspensão da sanção acessória de inibição se o infractor tiver cometido mais do que uma contra-ordenação grave no período de cinco (5) anos.
A reincidência não se inclui no leque de circunstâncias agravativas gerais subjectivas, porquanto somente influenciam a medida da pena, não podendo, por isso, ser consideradas como acessórias do crime. [ Cfr. Antolisei, Francesco, “Manuale di Diritto Penale. Parte General”, 1997, Giuffrrè Editore, Milano, 1997, pág. 433. ] A lei, dependendo da politica criminal que pretenda adoptar para determinado sector ou segmento da vida social a regulamentar, pode modificar o período ou a duração temporal para que a circunstância agravativa geral opere na moldura penal ou, no caso, para a sanção acessória que deve ser imposta ao infractor pela prática de uma determinada infracção.
A questão colocada pelo recorrente prende-se com saber se tendo entrado em vigor uma legislação que condiciona os pressupostos da aplicação de um instituto penal – a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir de conduzir – por virtude da ampliação dos efeitos jurídicos da reincidência e constatando-se ser esta menos favorável que a anterior não deverá ser aplicada a precedente, por efeito da aplicação do regime concretamente mais favorável.
Em nosso juízo o alargamento (restritivo) das condições de que dependem os pressupostos da aplicação do instituto da suspensão da sanção acessória não colima com a tese do recorrente. Como se disse supra a circunstância agravativa (modificativa) geral não intervém na agravação da moldura penal da contra-ordenação senão de uma forma acessória, isto é o legislador não agrava a moldura fixada para a contra-ordenação na sua moldura sancionatória típica, mas essa agravação só ocorre se e quando sobrevêm factores exógenos à própria actividade infraccional, momentânea, do agente. Não ocorre assim uma verdadeira sucessão de leis mais favoráveis na medida no sentido em que a uma lei velha sobrevém uma lei com uma moldura sancionatória mais favorável. O que ocorre é a superveniência de um quadro jurídico-legal em que o legislador fez depender a escolha e opção de um determinado instituto jurídico-penal – a suspensão da execução da sanção acessória – da verificação de determinados pressupostos que não estavam incluídos no regime pretérito e que neste caso comportam um número de condicionantes que não estavam contempladas no regime precedente. Vale por dizer que o regime de reincidência, e/ou a eventual duração entre as infracções que o condicionam, não intervém na aferição do regime concretamente mais favorável para efeitos da sua eventual aplicação ao caso do recorrente, não devendo, et pour cause, ser aplicado ao caso que nos ocupa.
Acresce que com o instituto da reincidência o legislador tem uma intenção deliberada, como ressalta do troço do preâmbulo supra transcrito, de evitar que um agente infractor reitere condutas violadoras de normas cujo efeito e repercussão na vida societária reputa de crucial importância para o atingimento de níveis de estabilidade e tranquilidade sociais. Do mesmo passo e com o instituto da suspensão da sanção acessória de inibição de faculdade de conduzir, tal como acontece como o similar instituto de suspensão da execução da pena, o legislador tem em vista um efeito ressocializador do agente na sua conduta estradal figurando que, através da simples ameaça da sanção e a injunção potencial do cumprimento efectivo da sanção cominada, juntamente com a da censura do facto, seja suficiente para evitar a repetição da conduta.
Já a circunstância modificativa reincidência tem como fundamento uma atitude de alheamento e exasperação do agente perante os comandos impostos pelo ordenamento jurídico e, «consubstanciada numa atitude pessoal de desconsideração pela solene advertência contida na condenação anterior; e se revele assim uma mais grave traição da tarefa existencial de conformação da personalidade do agente com o tipo de personalidade suposta pela ordem jurídica, é dizer, com a personalidade do ‘homem fiel ao direito’»”[ Figueiredo Dias, “Direito Penal Português. As consequências Jurídicas do Crime”, Noticias Editora, 1993, p. 261.]. A sua previsão é feita em preceito distinto – artº 143º do C.E.) e tem como efeito a duplicação dos limites mínimos da sanção acessória.
Dos diferentes fins para que tendem os institutos em presença não se descortina uma possibilidade de lhes ser aplicada a regra ou regime da lei nova mais favorável. Se ao instituto da reincidência ainda se poderia colocar a hipótese se a lei nova tivesse agravado os limites fixados na lei precedente ao instituto da suspensão não se vislumbra que tal pudesse ocorrer. O que aconteceu para este instituto é que o legislador, na ponderação material de protecção de bens jurídicos, entendeu condicionar o juízo de prognose propiciador da suspensão da execução da sanção acessória à verificação de um índice negativo de capacidade de socialização – ausência de duas ou mais infracções graves – o que não atina com os pressupostos formais da reincidência. Vale por dizer que o juízo positivo de prognose para a suspensão da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir depende, à luz do novel ordenamento, de um leque de condicionantes (objectivas) – nenhuma ou só uma contra-ordenação grave – n.ºs 2 e 3 do artigo 141.º do Código da Estrada – sem o que o julgador não pode sequer equacionar a possibilidade de escolha desse instituto. Não tem a ver com o facto de o agente ser ou não reincidente – cfr. artigo 143.º do Código da Estrada – mas com o facto de o agente não ter sido condenado em mais do que duas contra-ordenações graves. O legislador impôs um limite para a utilização ou opção do instituto da suspensão da sanção acessória, qual fosse a de que o agente não tivesse mais do que uma condenação por uma contra-ordenação grave.
Haverá, pois, que concluir, como o fez tribunal a quo, que o cometimento de mais do que uma infracção estradal grave nos cinco anos que precederam a infracção conhecida nestes autos impede, por imperativo do artº 141º, nº3, do CE, que seja suspensa a sua execução.
III. – Decisão.
Na confluência do expendido decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
- Rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo recorrente RA… e, consequentemente, manter a decisão impugnada;
- Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em sete (7) Uc’s.


Coimbra,

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(Gabriel Catarino, relator)

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(Barreto do Carmo)