Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
340/04.0TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ESTADO DE NECESSIDADE
PRIORIDADE DE PASSAGEM
Data do Acordão: 09/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 712º NºS 4 E 1, A), DO CPC
Sumário: 1. Só ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente.

2. Constando do processo todos os elementos probatórios que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto controvertida, a contradição evidenciada deverá ser superada, através do mecanismo processual contemplado pelo artigo 712º nºs 4 e 1, a), do CPC, obviando-se a anulação oficiosa da decisão da 1ª instância.

3. Cabe a quem invoca a condução sob o efeito do álcool, o dever de provar os pressupostos de que depende, onde se incluem a existência da alcoolemia e o nexo causal desta com a produção do acidente, não sendo, assim, suficiente que o condutor estivesse sob a influência do álcool, mas, igualmente, necessário que esse facto seja a causa ou uma das causas do acidente.

4. O condutor que atravessa uma estrada nacional e penetra, ostensivamente, na faixa de rodagem correspondente ao sentido prosseguido pelo outro, cortando-lhe a linha de marcha, obrigando este a flectir para a esquerda, invadindo a faixa rodoviária contrária, com vista a obviar um embate frontal iminente, onde acabou por se consumar a colisão, agiu em estado de necessidade objectivo ou justificante, como causa justificativa do facto danoso e de exclusão da ilicitude, na execução de uma manobra de salvamento, mas que não impede que sobre o outro recaia toda a responsabilidade pela produção da colisão verificada.

5. Para além do direito de prioridade do condutor que se apresenta pela direita não ser um direito absoluto, a diversa categoria das vias confluentes, uma estrada nacional e um caminho em terra batida, a inexistência de sinalização especial em contrário das regras gerais e os princípios do equilíbrio e da razoabilidade não consentiriam o absurdo de obrigar os utentes das estradas nacionais a parar ou a reduzir a velocidade, sempre que à sua direita apareça um daqueles caminhos.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A... , residente em........, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B.... , com sede na ....., pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €8.533,17 e respectivos juros, contados desde a citação e até integral pagamento, por danos patrimoniais sofridos, em consequência de um acidente de viação, objectivado num embate, que ocorreu, no dia 16 de Dezembro de 2001, na EN n.º 229-2, no concelho de Sátão, entre o veículo, de matrícula ZG-XXXXX, de sua propriedade e por si conduzido, e o veículo, com a matrícula NS-21-XX, propriedade de C... e por este conduzido, segurado na ré.

Tal embate, segundo a alegação do autor, deveu-se ao facto de o segurado da ré não ter tomado quaisquer precauções, ao mudar de direcção do caminho de terra por onde seguia, para aceder à EN n.º 229-2, onde circulava o autor, para além de circular com uma taxa de alcoolemia de 1,19 g/l.

Na contestação, a ré imputa ao autor a culpa na produção do acidente, impugnando a responsabilidade do seu segurado e, consequentemente, a obrigação de indemnizar.

A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, por não provada, absolvendo a ré do pedido.

Desta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

1ª - A douta decisão recorrida não deve manter-se, pois não aplicou correctamente ao caso em apreço as normas legais e os princípios jurídicos competentes;

2ª - Verifica-se contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão proferida;

3ª - Existe contradição entre a decisão proferida, pois ou o veículo de matrícula "NS" embateu no veículo do recorrente, de matrícula "ZG", com o "lado direito" ou embateu com a frente e "parte lateral esquerda"!;

4ª - É que embater com a "parte direita" ou com a "parte lateral esquerda" constitui uma situação excludente, diametralmente oposta e a solução a que cada uma delas conduz, altera totalmente e de modo irremediável a dinâmica do acidente em apreço;

5ª - O M.mo Juiz "a quo", em face da matéria considerada como provada contraditória, considerou o recorrente como único e exclusivo responsável pela verificação do acidente "sub judice";

6ª - Colide, porém, a fundamentação da sentença com o ponto 15 dos factos provados, o qual, enferma de um lapso na sua redacção, na decisão sobre a matéria de facto, uma vez que consta "parte lateral esquerda";

- Tal só poderá ser entendido como lapso de escrita, provavelmente induzido pela petição inicial, na versão original, porquanto, apenas aquando da notificação da contestação, o recorrente, então autor, se apercebeu de que os artigos 11° e 28° padeciam de lapso de escrita, no que respeita à exacta localização dos danos no veículo de matrícula "ZG", uma vez que os mesmos se verificaram no lado direito;

8ª - A correcção do mencionado lapso de escrita foi admitida por douto despacho de fls…;

9ª - Do relatório de peritagem com fotografias do veículo "ZG", elaborado pela recorrida, resulta inequívoco que os danos sofridos pelo veículo de matrícula "ZG" se verificaram na parte lateral direita;

10ª - Deve ser considerado que o ponto 15 dos factos provados enferma de lapso de escrita, pelo que nos termos do disposto no artigo 669° n°1 a) e nº 3 do CPCivil, ser corrigido para a seguinte redacção: "O veículo com a matrícula "ZG" sofreu danos em toda a frente e parte lateral direita conforme resulta do documento elaborado pelos serviços da ré, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais";

11ª - Resultou demonstrado que o veículo do recorrente, de matrícula "ZG" sofreu danos na parte lateral direita,

12ª - logo a conclusão retirada pelo M.mo Juiz "a quo" é manifestamente contraditória, porquanto considerou que o embate ocorreu entre a frente e parte lateral esquerda frontal do "NS" e a parte lateral esquerda do "ZG";

13ª - Deverá considerar-se contraditória a decisão sobre aqueles pontos (9, 21 e 15) da matéria de facto e, consequentemente, anular-se a decisão proferida na 1a instância, de acordo com a norma do artigo 668°, c) do CPCivil;

14ª - Em face da matéria considerada como provada, impunha-se ainda decisão diversa daquela que foi proferida pelo M.mo Juiz "a quo";

15ª - O Tribunal recorrido limitou-se a aplicar, de modo absoluto, a regra de cedência de passagem aos veículos que se apresentam pela direita, nos cruzamentos e entroncamentos;

16ª - Considerou o Tribunal "a quo" inexistir nexo causal entre a produção do acidente e a taxa de alcoolemia de que o condutor do veículo segurado na recorrida era portador;

17ª - E radicou semelhante conclusão na circunstância de o embate entre os dois veículos se ter dado já na hemi-faixa esquerda da EN 229-2, atento o sentido de marcha do veículo do recorrente;

18ª - Ora, tal só ocorreu, porque o recorrente tentou evitar a colisão com o veículo "NS", tendo resultado demonstrado que o recorrente efectuou uma manobra de salvamento, na medida em que se desviou para a esquerda, atento o seu sentido de marcha;

19ª - "Guinando para a esquerda, a fim de evitar o embate, é manobra de salvamento e causa justificativa do facto.";

20ª - O facto de os danos no veículo do recorrente se terem verificado na parte lateral direita impede a conclusão de que o condutor do "NS" se encontrava a terminar a manobra de mudança de direcção pretendida, quando o embate ocorreu;

Isto porque,

21ª - Caso o veículo conduzido pelo segurado da recorrida estivesse a finalizar a manobra, então os danos ter-se-iam verificado na parte lateral esquerda do veículo do recorrente, o que não ocorreu;

22ª - Afigura-se, assim, ao recorrente que os depoimentos prestados pelas testemunhas D..., E... e F.... , sempre imporiam decisão diversa daquela que foi proferida;

23ª - Foi produzida prova no sentido de demonstrar que o facto de o condutor do "NS" conduzir com taxa de álcool no sangue de 1,19 g/l foi causa adequada e necessária para a produção do acidente em causa nos presentes autos;

24ª - Caso tripulasse sóbrio, o condutor do "NS" teria efectuado de maneira prudente e segura a manobra de mudança de direcção, o que não fez, pois penetrou abruptamente na estrada nacional proveniente de uma caminho em terra;

25ª - O Tribunal recorrido considerou que a regra de cedência de passagem é absoluta, descurando que, mesmo aos veículos que gozem do direito de prioridade, impendem deveres de diligência na condução;

26ª - Sucede, porém, que o direito de prioridade não é um direito absoluto, sendo que o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito;

27ª - Quanto mais que a estrada por onde circulava o veículo "NS", segurado na recorrida, é um caminho de terra batida e o condutor pretendia ingressar numa estrada nacional, na qual se pode circular até aos 90km/h, o que exige cautelas redobradas!;

28ª - Quanto à convergência entre estradas nacionais e caminhos de terra batida, afigura-se que a jurisprudência envereda no sentido de relativizar, senão mesmo excluir, por abusivo o direito de prioridade quando se confrontem em entroncamento estradas nacionais e caminhos de terra batida;

29ª - A reclamação e exigência da prioridade de passagem por e para quem se apresente pela direita de quem circula em estrada principal só pode assentar num princípio abusivo do direito;

30ª - Conjugando a taxa de alcoolemia apresentada pelo condutor do veículo segurado na recorrida com a dinâmica do acidente, sempre o Tribunal "a quo" teria que concluir, à luz das regras da experiência, da verificação do nexo de causalidade;

31ª - Quanto mais não fosse, sempre haveria matéria para deduzir dos factos provados a influência do álcool na produção do acidente, pelo que o Tribunal "a quo" poderia, senão mesmo deveria, ter lançado mão de presunções, como permitem os artigos 349° e 351° do Código Civil, para concluir que a circunstância de o condutor do "NS" circular com elevado grau de alcoolemia foi causa directa e necessária da produção do acidente em causa nos presentes autos;

32ª - De outro modo agiria como um "bom pai de família";

33ª - A decisão recorrida merece, de igual modo, reparo, pelo facto de não ter sido dada credibilidade às testemunhas, arroladas pelo recorrente, E...., F... e D...., respectivamente cunhado, cônjuge e sogro daquele;

34ª - As referidas testemunhas presenciaram o acidente, uma vez que circulavam dentro do veículo do recorrente e por este conduzido, são testemunhas oculares e nesse sentido, a sua indicação afigurou-se como essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa;

35ª - O Tribunal recorrido não fundamentou o facto de ter considerado que as testemunhas não demonstraram "imparcialidade suficiente";

36ª - O interesse da testemunha na causa e/ou a sua relação de parentesco em relação a uma das partes, consubstanciam meros elementos susceptíveis de, juntamente com todos os outros obtidos aquando da inquirição da testemunha, ter relevância nessa valoração, pelo que tendo as aludidas testemunhas prestado um depoimento sério e firme, deveria o Tribunal "a quo" tê-los tomado em consideração na formação da sua convicção;

37ª - Existe, pois, culpa do condutor do veículo segurado na recorrida na produção do evento, a qual lhe deve ser imputada, única e exclusivamente, pelo que se impunha que a recorrida fosse condenada no ressarcimento, ao recorrente, dos danos emergentes do acidente em apreço;

38ª - A douta sentença recorrida violou, assim, as normas dos artigos 30°, n°1, 3º, n°2 e 29°, n°2, do Código da Estrada, e dos artigos 349°, 350°, 351° e 483°, do Código Civil, porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores, pelo que não pode manter-se.

Nas suas contra-alegações, a ré defende que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se, integralmente, a sentença proferida, em primeira instância.

                                                     *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da nulidade da sentença.
II – A questão da condução sob influência do álcool.
III – A questão da prioridade de passagem.
IV -  A questão do pedido.

                        I. DA NULIDADE DA SENTENÇA

Defende o autor a contradição verificada na decisão sobre os pontos nºs 9, 21 e 15 da matéria de facto, porquanto, ou o veículo, de matrícula "NS", embateu no veículo do recorrente, de matrícula "ZG", com o "lado direito" ou embateu com a “frente” e “parte lateral esquerda", o que importa a anulação da decisão proferida na 1a instância, de acordo com a norma do artigo 668°, nº 1, c), do CPC.

Efectivamente, consta da resposta ao ponto nº 9 que “os veículos com as matrículas “NS” e “ZG” embateram, respectivamente dos seus lados direito e esquerdo”, da resposta ao ponto nº 15 que “o veículo com a matrícula “ZG” sofreu danos em toda a frente e parte lateral esquerda, conforme resulta do documento elaborado pelos serviços da ré, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” e, finalmente, da resposta ao ponto nº 21, que ”os veículos com a matrícula “ZG” e “NS” embateram, respectivamente, com a frente e parte lateral esquerda frontal e com a parte lateral esquerda”.

Assim sendo, está-se perante uma manifesta contradição em que incorrem, em especial, as respostas aos pontos nºs 9 e 21, quando, na primeira, se refere que o embate, em relação ao automóvel segurado na ré, ocorreu “do seu lado direito”, e, no último, que o mesmo teve lugar, “na parte lateral esquerda”.

Esta contradição, que importa superar, não se traduz, porém, na causa da nulidade da sentença, prevista no artigo 668°, n°1, c), do CPC, pois que os respectivos fundamentos não estão em oposição com a decisão.

Efectivamente, só ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente[1], quando os fundamentos jurídicos invocados na sentença conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto[2], enquanto que, na realidade, o que se passa é uma divergência de avaliação, por parte do recorrente, sobre o significado dos factos, que o Tribunal, ao abrigo do princípio da liberdade de julgamento, consagrado pelos artigos 396º, do Código Civil (CC), e 655º, nº 1, do CPC, valorou, de forma diferente, apreciando, livremente, as provas, segundo a sua prudente convicção.

Assim sendo, não se alcança que a sentença tenha incorrido neste apontado vício da nulidade que o autor argui.

Porém, constando do processo todos os elementos probatórios que serviram de base à decisão sobre os aludidos pontos da matéria de facto controvertida, a contradição evidenciada será superada, através do mecanismo processual contemplado pelo artigo 712º nºs 4 e 1, a), do CPC, obviando-se a anulação oficiosa da decisão da 1ª instância.

Assim, resulta da audição da prova objecto de gravação, e bem assim como dos depoimentos escritos das testemunhas que foram ouvidas, através de carta rogatória, no que contende com os pontos da matéria de facto em que o autor suscitou a respectiva alteração, e, também, com o ponto nº 22 [Do local donde provinha o veículo com a matrícula “NS-21-XX”, não existe qualquer sinal que lhe retire a prioridade], que contém uma afirmação conclusiva e de direito, que a testemunha D...., sogro do autor e que viajava no automóvel por este conduzido, no banco de traseiro, mas que apresentou um depoimento calmo, seguro e, aparentemente, não apaixonado, em registo áudio, disse que “o automóvel do genro levou mais pancada do seu lado direito”, que “o embate foi do lado direito do carro do autor com o lado esquerdo do carro do segurado” e que “não havia sinalização”.

Por seu lado, a testemunha F...., esposa do autor, e que circulava no veículo deste, a seu lado, ouvida através da carta rogatória, referiu, a dado passo, que “o veículo do autor ficou com a parte da frente direita demolida” e que “não havia sinalização”.

A testemunha C..., condutor do veículo automóvel segurado na ré, disse, num depoimento que se afigurou, mesmo em registo áudio, pouco seguro, até pela dicção incaracterística do próprio, que “o autor bateu-lhe na roda do lado esquerdo”.

Por seu turno, a testemunha E...., cunhado do autor, e que circulava no veículo deste, ouvida através da carta rogatória, disse que “a outra era uma estrada municipal sem sinalização”.

Finalmente, a testemunha G... , agente da GNR, que lavrou o auto de participação de acidente, disse que “não havia sinalização”.

Assim sendo, impõe-se, manifestamente, corrigir a redacção dos pontos nºs 9, 21 e 15 da matéria de facto, por forma a ultrapassar a contradição patenteada, ficando a constar do ponto nº 9 que “os veículos com as matrículas “NS” e “ZG” embateram, respectivamente dos seus lados esquerdo e direito”, do ponto nº 15 que “o veículo com a matrícula “ZG” sofreu danos em toda a frente e parte lateral direita” e, finalmente, do ponto nº 21, que ”os veículos com a matrícula “ZG” e “NS” embateram, respectivamente, com a frente e parte lateral direita e com a parte lateral esquerda”.

Quanto ao ponto nº 22, atendendo à natureza conclusiva e de direito do segmento final do mesmo, passará a ficar redigido, de acordo com a prova indicada, no sentido de que “do local donde provinha o veículo com a matrícula “NS-21-XX”, não existe qualquer sinal”, eliminando-se a expressão “que lhe retire a prioridade”.

Como assim, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:

1. Cerca das 15 horas do dia 16 de Dezembro de 2001, ocorreu um acidente de viação, na Estrada Nacional 229 – 2, ao km 13,970, do concelho de Sátão.

2. Nesse acidente, foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula suíça “ZG-XXXXX”, conduzido pelo seu proprietário, o aqui autor, A...., e o veículo, de matrícula “NS-21-XX”, conduzido pelo seu proprietário, C....

3. Nos referidos dia e hora, o veículo, de matrícula suíça “ZG”, circulava na EN 229-2, no sentido Sequeiros-Travancela.

4. O veículo, com a matrícula “ZG”, circulava pela sua mão de trânsito, a uma velocidade não superior a 60 km/h.

5. Por sua vez, o veículo, de matrícula “NS”, circulava num caminho de terra batida, que vem entroncar, pelo lado direito, na EN 229-2, atento o referido sentido de marcha de Sequeiros para Travancela.

6. O veículo, com a matrícula “NS”, entrou na EN 229-2, a fim de mudar de direcção, para passar a circular na referida estrada nacional.

7. E fê-lo, no momento em que se aproximava do referido entroncamento o veículo de matrícula suíça.

8. O autor, numa tentativa de evitar o embate, desviou-se para o seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha.

9. Os veículos, com as matrículas “NS” e “ZG”, embateram, respectivamente, dos seus lados esquerdo e direito.

10. Após o embate, os veículos ficaram imobilizados, na posição assinalada na legenda do documento de folhas 12 a 15 dos autos, que se dá aqui por, integralmente, reproduzido, para os devidos efeitos.

11. O caminho de terra batida, acima referido, vem entroncar na EN 229-2, do lado direito, atento o sentido Sequeiros-Travancela, logo a seguir a um muro que ladeia a estrada, naquele local, atenta a direcção de marcha do autor.

12. Nesse entroncamento, na data mencionada, não havia qualquer sinalização, para quem circulava na EN 229-2, no sentido Sequeiros-Travancela.

13. O condutor do veículo, com a matrícula “NS”, tripulava esse veículo, naquele local e naquela data, com uma taxa de álcool no sangue de 1,19 g/l.

14. O proprietário do veículo, de matrícula “NS-21-XX”, C..., havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, emergentes da circulação daquele, para a ré, mediante a apólice n.º AU21505024.

15. O veículo, com a matrícula “ZG”, sofreu danos, em toda a frente e parte lateral direita.

16. Para reparação dos estragos sofridos no veículo do autor são necessárias as operações descritas no documento de folhas 19 e 25 a 30, que se dá aqui por, integralmente, reproduzido, para os devidos efeitos.

17. A reparação desses estragos orça em € 8.283,17.

18. O entroncamento, atrás referido, é antecedido de uma curva.

19. No dia do acidente, o tempo estava bom e o piso estava seco.

20. O caminho em que seguia o veículo, com a matrícula “NS”, dá acesso à povoação de Travancela.

21. Os veículos, com a matrícula “ZG” e “NS”, embateram, respectivamente, com a frente e parte lateral direita e com a parte lateral esquerda.

22. Do local donde provinha o veículo, com a matrícula “NS-21-XX”, não existia qualquer sinal.

23. O veículo, com a matrícula “NS”, apresentava-se pela direita, em relação ao veículo, com a matrícula “ZG”, atento o sentido de marcha deste.

24. O veículo do autor deixou no pavimento do local um rasto de travagem de 15,70 metros.

25. O embate deu-se, na hemi-faixa esquerda da EN 229-2, atento o sentido de marcha do veículo do autor.

          II. DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ALCÓOL

Entende o autor que foi produzida prova no sentido de demonstrar que o facto de o condutor do "NS" conduzir com a taxa de álcool no sangue de 1,19 g/l foi causa adequada e necessária da produção do acidente em apreço.

            Cabe a quem invoca a condução sob o efeito do álcool, o dever de provar os pressupostos de que depende, onde se incluem a existência da alcoolemia e o nexo causal desta com a produção do acidente, nos termos do preceituado pelo artigo 342º, nº 1, do CC[3], não sendo, assim, suficiente que o condutor estivesse sob a influência do álcool, mas, igualmente, necessário que esse facto seja a causa ou uma das causas do acidente.

            Com efeito, a lei fala em “agir sob a influência do álcool” e não “estar sob a influência do álcool”, razão pela qual se entende que, se o legislador quisesse dispensar a prova do nexo de causalidade, teria dito, simplesmente, que essa situação ocorreria se o condutor conduzisse com álcool[4].

            O entendimento defendido pelo apelante pretende fazer derivar a presunção de culpa e o nexo de causalidade de normas legais que têm uma função sancionatória da condução automóvel com certo grau de alcoolemia, mas que são insusceptíveis de fazer presumir, através delas, a produção do acidente, sendo certo que a responsabilidade da seguradora para com terceiros, pelos danos causados pelo veículo coberto pelo contrato, resulta da culpa ou do risco do seu condutor e do respectivo nexo de causalidade.

            Aliás, a partir da publicação do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2002, de 28 de Maio de 2002, a propósito do direito de regresso, foi fixada a interpretação, segundo a qual “a alínea c) do artigo 19º do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”[5].

Por seu turno, não se provou que o segurado da ré não tivesse tomado quaisquer precauções para mudar de direcção e passar a circular pela esquerda ou que não tenha observado as regras de prudência que sobre si impendiam, factos estes que o autor, associou, causalmente, à condução com uma taxa de álcool no sangue de 1,19 g/l.

Assim sendo, não se demonstrou que o segurado tenha agido sob a influência do álcool e, consequentemente, o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente verificado.

                      III. DA PRIORIDADE DE PASSAGEM

Efectuando uma síntese da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, circulando o autor a conduzir o veículo automóvel, de sua propriedade, de matrícula “ZG-XXXXX”, na EN 229-2, no sentido Sequeiros-Travancela, pela faixa de rodagem correspondente ao sentido que levava, a uma velocidade não superior a 60 km/h, viu surgir-lhe à sua frente o veículo automóvel, de matrícula “NS-21-XX”, conduzido pelo seu proprietário e segurado na ré, C..., que, oriundo de um caminho de terra batida que vem entroncar, pelo lado direito, naquela estrada nacional, atento o referido sentido de marcha, entrou na mesma, por onde passou a circular, a fim de mudar de direcção para a esquerda, no momento em que o veículo do autor se aproximava do referido entroncamento.

 O caminho de terra batida surge, imediatamente, a seguir a um muro que ladeia a estrada, antecedido de uma curva, atento o referido sentido de marcha levado pelo autor, inexistindo qualquer sinalização a anunciar o entroncamento, quer para quem circulava pela EN 229-2, como o fazia o autor, quer para quem, como o condutor da viatura segurada na ré, entrava naquela via, oriundo do referido caminho em terra batida.

O embate ocorreu entre a frente e parte lateral direita do veículo do autor e a parte lateral esquerda do veículo segurado na ré, já na hemi-faixa esquerda da via, quando aquele realizou uma tentativa de evitar o embate iminente que se avizinhava, com o outro veículo, desviando-se, para o seu lado esquerdo, sempre considerando o seu sentido de marcha.

O condutor deve ceder passagem aos veículos que, nos cruzamentos e entroncamentos, se lhe apresentem pela direita, que, assim, gozam do direito de prioridade de passagem, nos termos do estipulado pelo artigo 30º, nº 1, do Código da Estrada de 2001 (CE), aplicável, por força do estipulado pelo artigo 6º, do DL nº265-A/2001, de 28 de Setembro, excepto, nomeadamente, se estes últimos, antes de entrarem num cruzamento ou entroncamento, deixarem de tomar as precauções necessárias e indispensáveis, pois, só, então, poderão manter a sua velocidade e direcção invariáveis.

Com efeito, o condutor só pode efectuar a manobra de mudança de direcção, em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, atento o disposto pelo artigo 35º, nº 1, do CE, e, quando proceda à mudança de direcção para a esquerda, deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo do eixo da faixa de rodagem, quando a via estiver afecta a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação, dando a esquerda ao centro de intercepção das duas vias, isto é, efectuar a manobra, tanto quanto possível, em sentido perpendicular aquele em que seguia, quando, tanto na via que vai abandonar, como naquela onde vai entrar, o trânsito se processa nos dois sentidos, nos termos do preceituado pelo artigo 44º, nºs 1 e 2, do CE.

A manobra de mudança de direcção pressupõe uma confluência de vias ou um cruzamento, onde se cortem as trajectórias seguidas pelos condutores, destinando-se a evitar a colisão de veículos que, por vias diferentes, atingem um ponto comum.

Por seu turno, só se verifica uma infracção ao direito de prioridade, que pressupõe a chegada de duas viaturas, em tempos muito próximos, ao cruzamento ou bifurcação de estradas que os respectivos condutores pretendam atravessar em trajectórias convergentes ou em cuja zona de intersecção pretendam passar, quando o embate ocorre em plena zona de intersecção das duas estradas[6].

Porém, as cautelas impostas ao segurado da ré, por força do disposto pelo artigo 44º, nºs 1 e 2, não conferiam ao autor o direito de, conjecturalmente, anular a regra geral de prioridade de passagem contida no artigo 30º, nº 1, ambos do CE[7].

Apesar da primazia do direito de prioridade de passagem de que, idealmente, poderia gozar, nem, por isso, as cautelas exigíveis ao condutor do veículo segurado da ré poderiam ser negligenciadas, a fim de efectuar a pretendida manobra de mudança de direcção, manobra de iniludível perigosidade, e cuja dificuldade era susceptível de conter aquele direito de prioridade, dentro dos limites impostos pela prudência que a situação concreta impunha.

Em relação ao autor, não obstante se apresentar pela esquerda no entroncamento, não se demonstrou que circulasse desatento ao trânsito e ao local do acidente, sendo certo que ocupava a hemi-faixa de rodagem correspondente ao sentido por si prosseguido e circulava a velocidade não superior a 60 km/h, sem que se tivesse provado a existência de qualquer sinalização que obrigasse a uma especial limitação ou moderação da velocidade instantânea de 90 K/h, imposta, para o local, pelo artigo 27º, nº 1, do CE.

Efectivamente, o autor só flectiu para a esquerda, invadindo a faixa rodoviária contrária, onde acabou por se consumar a colisão, quando lhe surgiu pela frente, inopinadamente, a ocupar a sua mão de trânsito, o veículo segurado na ré, com vista a obviar um embate frontal iminente.

Apesar de o autor não ter alcançado o resultado desejado, com a invasão da faixa rodoviária oposta, de evitar a consumação de um dano[8], em que se traduziria o embate e, assim, salvar um bem jurídico em perigo, verificou-se uma adequação causal entre a sua conduta e aquele resultado.

Agiu, pois, o autor no exercício da tutela do direito à defesa da sobrevivência pessoal, em estado de necessidade objectivo ou justificante, em que, para preservar um bem jurídico, se sacrifica outro de valor, sensivelmente, menor, como causa justificativa do facto danoso e de exclusão da ilicitude, atendendo à relativa desigualdade dos interesses em confronto[9].

Trata-se de uma manobra de salvamento que o autor realizou, mas que não impede que sobre o segurado da ré recaia toda a responsabilidade pela produção da colisão verificada[10]

Efectivamente, foi o condutor do automóvel segurado na ré que atravessou a estrada nacional e penetrou, ostensivamente, na faixa de rodagem correspondente ao sentido prosseguido pelo autor, cortando-lhe a linha de marcha e incorrendo, com a sua imprudência, na violação do disposto pelo artigo 44º, nºs 1 e 2, do CE.

Admitindo que o caminho de terra batida de onde era oriundo o condutor do veículo segurado possa, por comodidade de raciocínio, ser qualificado como caminho público e não como mero caminho particular, o que é facto é que o mesmo não pertence à rede viária nacional ou municipal.
É que para poder ser qualificado como caminho público, de natureza municipal ou vicinal, importa que esteja, “desde tempos imemoriais… no uso directo e imediato do público"[11], sendo certo que o artigo 84º, nºs 1, d) e f) e 2, da Constituição da República, dispõe que pertencem ao domínio público as estradas e outros bens como tal classificados e definidos por lei, incluindo o seu regime, condições, utilização e limites.
Neste particular, interessa, ainda hoje, considerar a classificação dos caminhos públicos, em municipais ou vicinais, consoante se destinam ao trânsito automóvel ou ao trânsito rural, a cargo das Câmaras ou das Juntas de Freguesia, de acordo com o estipulado pelos artigos 1º e 6º, DL nº 34593, de 11 de Maio de 1945, respectivamente.
Ora, nenhuma desta prova se encontra efectuada na acção, para além de que se trata de “um caminho de terra batida, que vem entroncar, pelo lado direito, na EN 229-2, sem qualquer sinalização, e que dá acesso à povoação de Travancela”.
E isto, a propósito, do facto de o aludido caminho de terra batida não se encontrar provido de qualquer sinalização, quer na aproximação da estrada nacional, quer nesta em relação aquele, o que tudo se conjuga no sentido de que, no limite máximo do aceitável, o mesmo possa ser qualificado como caminho vicinal.

São, com efeito, aqueles caminhos que, independentemente da extensão e do número e qualidade dos seus usuários, as autoridades não percorrem ou fiscalizam, que não se destacam aos olhos de quem conduz numa estrada nacional, e que não obrigam os condutores, à sua aproximação, ao cumprimento de medidas de precaução especiais, para além da observância dos limites de velocidade constantes do artigo 27º, nº 1, do CE, ou seja, «in casu», de 90 K/h.

Aliás, se a relevância viária do caminho de terra batida em apreço fosse reconhecida pelas entidades públicas rodoviárias competentes, para além do seu revestimento em asfalto, ainda que se diga que se trata de uma constatação de somenos, mas que hoje é uma realidade autárquica indesmentível, em todo o país, às vezes, até em abundância, certamente lhe seria colocada, à entrada com a estrada nacional, um sinal de “Stop” ou, no mínimo, um sinal de aproximação de estrada com prioridade, enquanto que, na estrada nacional, se colocaria o dístico de aproximação de estrada sem prioridade.

Mas, continuando a dar-se como boa a natureza pública do caminho de terra batida em causa, seria, dificilmente, sustentável que, no plano da hierarquia com uma estrada nacional, gozasse de primazia em relação a esta, pelo simples facto de o condutor dele oriundo se apresentar pela direita, em relação ao autor.

Para além do direito de prioridade do condutor que se apresenta pela direita não ser um direito absoluto, a diversa categoria das vias confluentes, a inexistência de sinalização especial em contrário das regras gerais e os princípios do equilíbrio e da razoabilidade não consentiriam o absurdo, com o muito devido respeito, de obrigar os utentes das estradas nacionais a parar ou a reduzir a velocidade sempre que à sua direita apareça um caminho de terra batida[12].

Na verdade, Portugal pertence a um espaço político sem fronteiras que, por certo, se outra fosse a leitura, deixaria apreensivos os condutores dos restantes países participantes.

Afinal, a regra da prioridade tem, normalmente, subjacente um princípio de importância relativa entre vias confluentes, derivado do movimento rodoviário que cada uma delas suporta.

Assim sendo, o condutor do veículo automóvel segurado na ré não goza do direito de prioridade, em relação ao autor, apesar de se apresentar pela direita deste, razão pela qual sobre ele recai a culpa, única e exclusiva, enquanto responsável pelo embate e por todas as sequelas dele advenientes.

                                     IV. DO PEDIDO

Assim sendo, ficou demonstrada a culpa, real e efectiva, do condutor do veículo segurado na ré, e bem assim como os demais pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, constantes do artigo 483º, do CC, ou seja, o facto voluntário, a ilicitude, os danos e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

E sobre ele, consequentemente, impenderia a obrigação de indemnização, emergente da sua culpabilidade na produção dos danos derivados do acidente, se não acontecesse ter o aludido condutor e tomador do seguro, C..., transferido para a ré “B....” a sua responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, pelo veículo que dirigia, dentro do montante coberto pelo respectivo contrato de seguro.

Como assim, sobre a ré incumbe, exclusivamente, a obrigação de indemnização pelos danos patrimoniais causados ao autor, por força do contrato de seguro celebrado, nos termos do disposto pelos artigos 426º e 427º, ambos do Código Comercial.

Ora, sempre que alguém estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, com base no princípio da restauração ou reposição natural, consagrado pelo artigo 562º, assumindo, porém, a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, como acontece quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, em conformidade com o disposto pelo artigo 566º, nº 1, ambos do CC.

Assim sendo, considerando que o veículo do autor sofreu danos, em toda a frente e parte lateral direita, cuja reparação está orçada em €8.283,17, em quanto se traduz o montante do pedido, condena-se a ré a pagar ao autor A...., essa quantia de €8.533,17, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a citação e até integral cumprimento.

                                                               *

            CONCLUSÕES:

I - Só ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente.

II - Constando do processo todos os elementos probatórios que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto controvertida, a contradição evidenciada deverá ser superada, através do mecanismo processual contemplado pelo artigo 712º nºs 4 e 1, a), do CPC, obviando-se a anulação oficiosa da decisão da 1ª instância.

III - Cabe a quem invoca a condução sob o efeito do álcool, o dever de provar os pressupostos de que depende, onde se incluem a existência da alcoolemia e o nexo causal desta com a produção do acidente, não sendo, assim, suficiente que o condutor estivesse sob a influência do álcool, mas, igualmente, necessário que esse facto seja a causa ou uma das causas do acidente.

IV - O condutor que atravessa uma estrada nacional e penetra, ostensivamente, na faixa de rodagem correspondente ao sentido prosseguido pelo outro, cortando-lhe a linha de marcha, obrigando este a flectir para a esquerda, invadindo a faixa rodoviária contrária, com vista a obviar um embate frontal iminente, onde acabou por se consumar a colisão, agiu em estado de necessidade objectivo ou justificante, como causa justificativa do facto danoso e de exclusão da ilicitude, na execução de uma manobra de salvamento, mas que não impede que sobre o outro recaia toda a responsabilidade pela produção da colisão verificada.

V - Para além do direito de prioridade do condutor que se apresenta pela direita não ser um direito absoluto, a diversa categoria das vias confluentes, uma estrada nacional e um caminho em terra batida, a inexistência de sinalização especial em contrário das regras gerais e os princípios do equilíbrio e da razoabilidade não consentiriam o absurdo de obrigar os utentes das estradas nacionais a parar ou a reduzir a velocidade, sempre que à sua direita apareça um daqueles caminhos.

                                                               *

DECISÃO:

            Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente a apelação e, em consequência, condenam a ré “B...” a pagar ao autor A...., a título de indemnização, por danos patrimoniais, a quantia de €8.533,17 (oito mil quinhentos e trinta e três euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 7% ao ano, desde a data da citação e até 30 de Abril de 2003, e de 4%, a partir de 1 de Maio de 2003, ou outra que, no futuro, legalmente, vier a vigorar, em sua substituição, pois que se trata de montante indemnizatório por danos patrimoniais, e até integral cumprimento.

                                                     *

 

Custas, a cargo da ré-apelada “B...”.


[1] Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 1984, 671.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 141.
[3] STJ, de 22-2-01, BMJ nº 494, 325; de 19-6-97, BMJ nº 468, 376; e de 14-1-97, CJ (STJ), Ano V, T1, 39.
[4] STJ, de 9-1-1997, BMJ nº 463, 206; e de 19-7-97, BMJ nº 468, 376.
[5] STJ, Jurisprudência nº 6/2000, DR, 1ª série-A, de 18-7-2002.
[6] Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1980, 464 e 475.
[7] STJ, de 19-10-78, BMJ nº 280, 278.
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 303.
[9] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, 2006, 572 a 575; Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1971, 81 a 83.
[10] Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1980, 460 e 461.
[11] Assento do STJ, de 19-4-89, DR, série I-A, de 18-7-96, BMJ nº 386, 121.
[12] António Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 5ª edição, 109; RE, de 20-3-2003, CJ, Ano XXVIII, T2, 238.