Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
287/08.0GTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 03/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º,45º,50º,58º,70º,71º CP ,3.º, N.ºS 1 E 2, DO DL. N.º 2/98, DE 03/01
Sumário: Ao arguido surpreendido 5 vezes a conduzir sem habilitação legal, substituir-lhe a pena de prisão aplicada por pena de trabalho a favor da comunidade, ou seja, por uma pena de substituição não detentiva, seria permitir que continuasse a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade para continuar a conduzir sem habilitação legal e não deixaria ainda de afectar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada
Decisão Texto Integral: Relatório

              Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em Processo Sumário, o arguido

V..., solteiro, calceteiro, com domicílio em Viseu,

imputando‑se-lhe a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98, de 03/01, com referência aos artigos. 121.º, 122.º e 123.º todos do Código da Estrada.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 5 de Novembro de 2008, decidiu condenar o arguido V... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98, de 03/01, com referência aos artigos 121.º, 122.º e 123.º todos do Código da Estrada, na pena de 3 (três) meses de prisão, a cumprir por dias livres aos fins­- de‑semana, e ao longo de 18 (dezoito) períodos, com início no primeiro fim de semana após trânsito em julgado da presente decisão, nos termos dos artigos 450 do C.P., 487.º e 488.º do CPP.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido V..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. O julgado que agora se impugna, e com o qual o arguido não se pode conformar, condenou‑o pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 02/08, de 03/01, com referência aos arts. 121.º, 122.º e 123.º do Código da Estrada na pena de 3 (três) meses de prisão, a cumprir por dias livres aos fins‑de‑semana, e ao longo de 18 (dezoito) períodos.

2. Não se conforma o arguido no que respeita à escolha da pena ‑ pena de prisão a que foi condenado pelo crime de condução ilegal ‑, nem na medida da pena que lhe foi aplicada, portanto, da forma como foi determinado o “quantum” da mesma.

3. O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito e melhor juízo, não fez, no caso em apreço, uma correcta aplicação da norma constante, em primeira linha no art. 70.º, bem como a presente no art. 71.º do Código Penal.

4. Considera‑se ter sido excessiva e desproporcionada a aplicação de pena de prisão e que se devia ter optado ou pela pena de multa, ou pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

5. Pelo que foi manifestamente decisivo na opção do julgador a circunstância de o arguido ter já sido condenado por quatro vezes pela prática do mesmo crime, não tendo o relevo adequado o facto de a última condenação ao arguido ter ocorrido há mais de quatro anos.

6. Pelo que deveria ter sido outra a interpretação realizada quanto à determinação das exigências de prevenção especial.

7. Também na determinação da medida da pena ‑ do seu “quantum” ‑ não foram, salvo o devido respeito, bem ponderadas as necessidades de prevenção especial e geral e a culpa do agente, tendo sido aplicada uma pena manifestamente excessiva ao crime de condução ilegal, depois de consideradas as circunstâncias do caso concreto.

8. Na determinação da medida concreta da pena, e após a operação de ponderação justa sobre a factualidade, personalidade do arguido, antecedentes e outros que devessem ser tidos em conta na operação da medida da pena, deviam ter sido ponderados os plúrimos factores e variáveis subjectivas que no caso concorrem, de forma diversa e,

9. Atendendo que, in casu, e salvo o devido respeito, existiu uma violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação e depois de ponderadas as circunstâncias enunciadas na sentença, conclui‑se que, pelo grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime, o dolo com que o agente actuou, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, os seus antecedentes criminais, deveria o “quantum” da medida da pena ser inferior.

10. Deve considerar‑se o cumprimento da pena de 3 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres como manifestamente desajustada.

11. A substituição da pena de prisão por uma pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

12. A perigosidade da conduta do arguido não é de molde a que apenas com a prisão em regime de dias livres se consiga alcançar na pessoa deste o verdadeiro espírito de uma punição, o que também se verificará com a pena de multa ou com a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

13. A situação dos autos, dada a natureza da infracção e pese embora o facto do arguido já ter sofrido quatro condenações anteriores, nomeadamente já ter sido condenado a uma pena de prisão suspensa na sua execução, permite ainda a aposta numa medida não institucional que penalize e consciencialize o arguido da necessidade de conformar a sua actuação às regras legais vigentes.

14. Ora, de acordo com o art. 58.º, n.º 1 do Código Penal, a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

15. Trata‑se de um poder‑dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação dessa medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão ( Ac.STJ de 21‑07‑2007, Relator: Cons. Rodrigues da Costa).

16. “A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assenta na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentimento de co-responsabilização social e de reparação simbólica” (Ac. TRP de 14‑07‑2007, Rec. Penal 2309/08 – 4.ª Secção ‑ www.trp.pt).

Normas violadas: art. 70.º 71.º do Código Penal e art.18.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a decisão recorrida ser substituída por outra, com procedência dos argumentos invocados, sendo aplicada uma pena adequada ao crime praticado, tudo com as legais consequências.

           O Ministério Público na Comarca de Trancoso respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo seu não provimento.

            A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos cumpre decidir.

      Fundamentação  

            A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

- No dia 05 de Outubro de 2008, cerca das 16:00 horas, o arguido conduzia o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00‑00‑DZ, na EN 229, em Santo Estêvão, Aguiar da Beira, área desta comarca, sem possuir carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir veículos a motor.

‑ O arguido agiu deliberadamente, com intenção de conduzir, sem causa justificativa, aquele veículo, não obstante saber que era imprescindível e necessário ser titular de documento que o habilitasse a guiar veículos motorizados na via pública, emitido pela entidade oficial competente.

‑ O arguido agiu sempre de modo livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.

- O arguido já foi julgado e condenado por diversas vezes pela prática do crime de condução sem habilitação legal ‑ no 2.º Juízo Criminal Tribunal Judicial de Viseu, por decisão de 03‑05‑1999 foi condenado na pena de 30 dias de muita à taxa diária de 1000$00; no Tribunal Judicial de Viseu, por decisão de 31‑01‑2000 foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 750$00; no Tribunal Judicial de Nelas, por decisão de 23‑01‑2004 foi condenado na pena de 190 dias de multa à taxa diária de 3,00 €; no 1.º Juízo Criminal Tribunal Judicial de Viseu, por decisão de 23‑09‑2004 foi condenado na pena de 9 meses de prisão suspensa por 3 anos, encontrando‑se os seus antecedentes criminais a fls. 17e ss..

‑ O arguido encontra‑se inscrito há cerca de 15 dias numa escola de condução.

‑ A companheira do arguido estava com dores e sentia‑se mal na ocasião dos factos.

‑ O agente da GNR‑BT A... disponibilizou‑se para chamar uma ambulância na data dos factos face ao mal‑estar invocado pela companheira do arguido.

‑ A companheira do arguido dispensou a chamada da ambulância tendo acabado ela própria por conduzir a viatura até ao Centro de Saúde de A. Da Beira.

‑ O arguido teve uma postura de colaboração perante o agente da GNR na data dos factos.

‑ O arguido conduziu a viatura quando estava quase a chegar a Aguiar da Beira.

‑ A companheira esteve no Centro de Saúde de Aguiar da Beira, até às 17:00 horas do dia 05‑10‑2008.

‑ O arguido vive com a sua companheira e um filho de 6 anos numa casa arrendada, pagando 250,00 € por mês.

‑ Aufere com a profissão de calceteiro, em média, 600,00 € por mês.

‑ A companheira aufere um salário não inferior a 300,00 € por mês.

- Paga de crédito para pagamento de um veículo automóvel próprio o montante de 204,00 € mensais.

Factos Não Provados

Não há factos não provados.

Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal, no que concerne à facticidade típica, baseou‑se na confissão integral e sem reservas manifestada pelo arguido, bem como nas demais declarações prestadas pelo mesmo, tendo sido também nas suas declarações que se acedeu às condições sócio‑económicas, e nas declarações das testemunhas por si arroladas tendo‑se ainda em conta, no que se refere aos antecedentes criminais, o CR.C. de fls. 17/20 examinado na audiência. O Tribunal formou a sua convicção com base no documento junto aos autos em sede de audiência de julgamento, bem como no depoimento da testemunha arrolada pelo MºPº, que depôs de forma isenta e clara não restando dúvidas quanto à veracidade das mesmas, pelo que o tribunal lhes deu credibilidade.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] ).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido V... V... a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal e o art.18.º da C.R.P. ao aplicar ao arguido/recorrente uma pena de 3 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres, pois que é excessiva, devendo ter optado pela pena de multa ou pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

            Passemos ao conhecimento da questão.

Como regra, na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal ( art.70.º do C.P.); de seguida, importará determinar a concreta medida da pena por que se optou ( art.71.º do C.P.); e, por fim, determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas de prisão na chamada pequena criminalidade, e hoje mesmo já na média criminalidade, o art.43.º, n.º 1 do Código Penal estabelece , como obrigatório, que « A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».

Para além da pena de multa, também as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.) podem substituir a pena de prisão de 3 meses aplicada ao arguido V....

Para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, há ainda que contar com penas de substituição detentivas ( ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.

No caso em apreciação, o arguido V... foi condenado como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98, de 03/01, com referência aos artigos 121.º, 122.º e 123.º todos do Código da Estrada, na pena 3 meses de prisão, a cumprir por dias livres.

Sendo o crime de condução sem habilitação legal punível, em alternativa, com as penas principais de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias, o Tribunal a quo, atento o disposto no art.70.º do Código Penal, optou por aplicar ao arguido uma pena de prisão, em detrimento da pena de multa.

Prevendo o crime a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa importa atender ao disposto no art.70.º do Código Penal que estatui , como critério de orientação geral para a escolha da pena, o seguinte:

“ Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.

As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, resultando dos seus termos que “ a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer  para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ), quer  para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.

A culpa, entendida como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma , não tem relevância no problema da escolha da pena .- Cfr. Cons. Maia Gonçalves , in “Código Penal  Português anotado” , 8ª edição , pág.354 e Prof. Figueiredo Dias, in  “Direito Penal Português, As  consequências Jurídicas do crime”, Notícias Editorial, pág.332.

No caso em análise, as exigências de prevenção geral  são elevadas e prementes, pois é o grande número de cidadãos que continuam a circular nas nossas estradas sem estarem habilitados a conduzir, presumindo-se que desconhecem, por ausência de aprendizagem e certificação de habilitação pelo Estado, as respectivas técnicas e regras a que deve obedecer a circulação rodoviária. No elevado índice de sinistralidade rodoviária, com graves  consequências para a vida, o corpo e o património quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes, surgem frequentemente condutores sem habilitação legal.

As razões de prevenção especial ou individual são também prementes considerando que o arguido já tem antecedentes criminais, tendo sido anteriormente condenado pela prática de quatro crimes de condução sem habilitação legal.

Nas primeiras dessas três dessas condenações o Tribunal optou pela aplicação de penas de multa em detrimento da pena de prisão.

Ao voltar a delinquir com a prática do mesmo crime de natureza rodoviária, o arguido demonstra, para além de alguma insensibilidade ao quadro de desgraças na estrada resultante designadamente de condução de veículos sem habilitação legal, que a pena de multa não foi sanção adequada e suficiente para o afastar da criminalidade.

É evidente, assim, que a aplicação ao arguido de uma pena de multa, como pena principal, não cumpriria o objectivo de intimidação e aprofundamento da validade e eficácia das normas penais pelos cidadãos em geral e pelo arguido em  particular.

Não merece assim qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao optar pela aplicação ao arguido da pena de prisão, em detrimento da pena de multa.

Para a determinação concreta da pena de prisão, o art.71.º do Código Penal, estatui que o Tribunal deve atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.

A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico , porquanto  podendo comportar-se de acordo com o direito , optou por se comportar em contrário ao mesmo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem , por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade.

A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção.

Para a determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido V..., o Tribunal a quo considerou na sentença, o elevado grau de ilicitude do facto; o dolo intenso e directo; os antecedentes criminais, com quatro condenações por crimes de idêntica natureza ao dos presentes autos, e o decurso de quatro anos desde a última condenação. Mais considerou a confissão dos factos pelo arguido, o arrependimento, a inscrição numa escola de condução, embora apenas há 15 dias, a sua situação económico‑social e profissional e, ainda, as elevadas as necessidades de prevenção criminal e acentuadas as de prevenção especial.

Estas circunstâncias, que resultam efectivamente dos factos provados, e as razões de prevenção são de sufragar. Anotamos apenas que a confissão dos factos é uma circunstância praticamente sem significado, uma vez que em face da ausência de título para condução e da sua detenção em flagrante delito a prova dos factos estava praticamente feita; a integração do arguido na família e no trabalho é a integração de qualquer cidadão médio; e o  arrependimento apenas é vísivel, em actos concretos , no acto de inscrição numa escola de condução 15 dias antes do julgamento, o que é bem pouco em termos de atenuação da sua responsabilidade criminal.

O Tribunal da Relação conclui, deste modo, que a aplicação pelo Tribunal a quo de uma pena de 3 meses de prisão - numa moldura abstracta de 1 mês a 2 anos de prisão -, não é seguramente uma pena excessiva, e menos ainda manifestamente excessiva, como o recorrente a qualifica. Se a medida concreta da pena aplicada poderia pecar seria pela sua benevolência, pelo que é de manter a mesma.

Determinada a medida da pena de prisão e dentro das penas de substituição, temos como pacífico que é de afastar a substituição da pena de 3 meses de prisão,  por igual tempo de pena de multa, nos termos do art. 43.º, n.º 1 do Código Penal, revisto pela Lei n.º 59/2007, por a tal obstar a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, afigura-se-nos que a pena de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.), não é adequada aos factos e à personalidade do arguido, nem aliás o recorrente a invoca como pena de substituição, pois tendo já usufruido dela , a mesma não obstou a que voltasse a delinquir poucos meses após a sua extinção.
Viremos, pois a nossa atenção para a pena de trabalho a favor da comunidade, que é a pena de substituição que o recorrente entende ser a adequada ao seu caso concreto, e para a pena de prisão por dias, que foi a pena de substituição aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo.
O art.58.º, n.º1 do Código Penal , estatui que « Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
A pena de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição da pena de prisão que consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado , a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ).
Tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.       

São só considerações preventivas, nomeadamente de prevenção de socialização, que podem ser erigidas em critério de escolha da pena de trabalho a favor da comunidade, posto que a ela não se oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.- cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, páginas 371 e 372.

De acordo com o art.45.º do Código Penal, na redacção actualmente vigente, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. ( n.º1). A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins de semana , não podendo exceder 72 períodos. ( n.º2). Cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e a máxima de quarenta e oito , equivalendo a cinco dias de prisão contínua. ( n.º 3).

O pressuposto formal requerido pela lei é que a pena de prisão seja aplicada em medida não superior a um ano. O pressuposto material coincide com o critério geral de aplicação das penas de substituição: «predomínio absoluto de considerações de prevenção de socialização, eventualmente limitadas por exigências irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico ( estas em princípio , sempre satisfeitas pelo facto de a pena agora em exame ser ainda , em todo o caso, uma pena de prisão). – cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”, pág- 391.

Dito de outro modo, sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter em grande parte as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional – ac. STJ, de 2 de Março de 1988, ir BMJ n.º 375.º, pág. 204.
No caso em apreciação o pressuposto formal de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade verifica-se uma vez que ao arguido foi aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos. E o mesmo pressuposto se verifica relativamente à pena de prisão por dias livres, uma  vez que foi aplicada ao arguido pena de prisão não superior a 1 anos.
Quanto ao pressuposto material de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade , adiantamos já que entendemos não se verificar o mesmo em concreto.

Está provado que o arguido V... vem exercendo a condução de veículos com motor há longos anos, sem habilitação legal.

Cumpriu as penas de multa, que se extinguiram pelo seu pagamento e cumpriu o período de suspensão de execução da pena de prisão, que se extinguiu pelo decurso do respectivo período – cfr. CRC de folhas 16 a 20 –, mas as condenações em penas não detentivas não surtiram de todo o efeito de prevenção de socialização, voltando sempre o arguido a praticar o mesmo crime.

Depois do arguido ter sido surpreendido 5 vezes ao longo dos anos a conduzir sem habilitação legal, substituir-lhe a pena de prisão aplicada por pena de trabalho a favor da comunidade, ou seja, por uma pena de substituição não detentiva, seria permitir ao arguido que continuasse a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade para continuar a conduzir sem habilitação legal, embora sujeito durante algum tempo aos inconvenientes das penas não detentivas, e não deixaria ainda de afectar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.
Para além da tutela do ordenamento jurídico, as necessidades de prevenir o cometimento de novos crimes de condução sem habilitação legal, afastam a aplicação ao caso concreto da substituição da pena de prisão por prestação a favor da comunidade.
A prisão por dias livres aplicada ao arguido V... obsta aos perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e permite-lhe manter em grande parte as ligações à sua família e à sua vida profissional, pelo que é a pena adequada à protecção do bem jurídico violado e à reintegração do mesmo na sociedade, em nada contendendo com o disposto no art.18.º da Constituição da República Portuguesa ou outra norma que o recorrente invoca como tendo sido violada na decisão recorrida.

Deste modo, improcede o recurso.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido V... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 6 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                               *

                                                                                        Coimbra,


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.