Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/07.0PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CRIME DE COAÇÃO TENTADO
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO FACTUAL
Data do Acordão: 05/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 154º NºS 1 E 2, 22º, 23º 3 73º Nº 1 C) CP ,374º CPP
Sumário: 1. A confissão integral, com a assunção de todos os factos, basta para que, se alcance o exame do processo lógico ou racional que esteve subjacente à decisão, preenchendo as exigências da fundamentação da sentença quanto ao exame crítico
2. Para a prática do crime de coacção sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, quer sob a forma de violência, quer sob a capa de ameaça com um mal importante, seja objectivamente capaz de obrigar outrem a praticar um acto, a omiti-lo, ou a suportar uma determinada actividade.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

Em processo comum singular do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, por sentença de 08.10.13, foi, para além do mais, decidido, condenar a arguida C..., pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 154º nºs 1 e 2, 22º, 23º 3 73º nº 1 c), todos do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
Inconformada, a arguida, interpôs recurso, em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:
“ I. Nos termos do art. 374. °, n° 2 do Cód. Proc. Penal, "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal."
II. O aludido exame crítico, tem de indicar, no mínimo e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal, sido relevantes para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
III. Da motivação de facto não constam todos os elementos que permitiram dar como provado os pontos 4 e 5 dos factos provados.
IV. Os referidos pontos 4 e 5 da sentença que são dados como provados, sendo certo porém que não resultam dos depoimentos das testemunhas, nem tão pouco do declarado pelo arguido ou de qualquer outro elemento de prova.
V. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula porquanto não se encontra fundamentada a razão pela qual se deu como provado que "A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu­-se aterrorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas." E "Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal" cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados, pág. 3 da sentença.
VI. Entendeu o Tribunal a quo considerar como provados, entre outros, os seguintes factos: "A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu-se aterrorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas.", cfr. ponto 4 da matéria de facto provada e "Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal, cfr. ponto 5 da matéria de facto provada;
VII. Mas nem das declarações do assistente, nem das declarações da arguida resultou, em ponto algum, que a arguida tivesse intenção de criar insegurança e medo no assistente,
VIII. Nem tão pouco que o assistente se tivesse sentido aterrorizado ou com medo ...
IX. Aliás, da audição do depoimento do assistente NUNCA este repetiu tal expressão ou mesmo assumiu ter-se sentido coagido, assustado, receoso em virtude do comportamento da arguida,
X. O contrário resultando do ponto 4 foi declarado pela arguida que disse apenas ter mandado aquele tipo de mensagens por "ele me ter enganado, pelo conteúdo das mensagens que ele me enviava" (aos 3 minutos e 10 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XI. O próprio assistente assumiu que estava constantemente a receber mensagens, - "Eu estava constantemente a receber mensagens” (aos 9 minutos e 8 segundos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento);
XII. O conteúdo das mensagens nada mais foi do que o resultado de discussões via sms e via mail entre arguido e assistente, cuja intenção nunca foi assustar nenhum dos dois, mas sim defenderem-se de ataques recíprocos, conforme o senso comum nos dirá após audição atenta dos depoimentos de assistente e arguida.
XIII. Pelo que, o relatado nos pontos 4 e 5 não pode constar dos factos provados, por nenhuma prova quanto a estes ter sido produzida na audiência de julgamento.
XIV. E note-se que, mais nenhuma prova poderia ter sido tomada em conta pois, nos termos do art. 355. °, n° 1 do Código Processo Penal, "Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.", sendo que, além dos depoimentos da arguida e do assistente, nenhuma outra prova foi produzida em julgamento.
XV. Mas quanto às declarações da arguida que ela e o assistente trocavam mensagens, o tribunal a quo "fechou os olhos e tapou os ouvidos"...
XVI. Também resultou dos factos provados (ponto número 7) que arguida e assistente tiveram um relacionamento amoroso, mas o assistente prontamente o negou logo no início do seu depoimento,
XVII. À pergunta do Meritíssimo Juiz "O senhor imitou-se a receber a mensagem?" o assistente limitou-se a responder "Sim" (aos -4 minutos e 8 segundos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XVIII. A arguida, cujo depoimento foi acreditado e valorizado pelo tribunal a quo, disse apenas ter mandado aquele tipo de mensagens por "ele me ter enganado, pelo conteúdo das mensagens que ele me enviava" (aos 3 minutos e 10 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XIX. Mas as suas declarações não foram tidas em conta, assim como também não foram consideradas as declarações em que disse "eu saí lesionada, ele também me mandou mensagens mas eu ignorante apaguei-as " (aos 2 minutos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento)
XX. Quando o Meritíssimo Juiz a quo perguntou ao assistente o que estava subjacente a isto, o assistente disse: "eu penso que tem a ver com ela pedir-me na altura 400 euros e eu emprestei" e "mais tarde veio a pedir mais duzentos... dois mil euros, eu recusei eu recusei e desde aí essas complicações" (aos 10 minutos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento)
XXI. Mas o facto é que esse não seria o juízo de um qualquer bónus pater famílias dos depoimentos da audiência de julgamento: ninguém chama cobarde, mentiroso e porco (ponto 3 dos factos provados) a alguém que se nega a emprestar dinheiro ou mesmo que lhe havia emprestado dinheiro... - estes não são adjectivos que caracterizem alguém que não empresta dinheiro a outra pessoa...
XXII. Nas suas mensagens a arguida nunca pediu dinheiro emprestado, nem referiu ter pedido e dos depoimentos prestados na audiência também não resultou provado que o assistente tenha emprestado esse dinheiro à arguida...
XXIII. No seu depoimento, as justificações do assistente quanto ao motivo das mensagens da arguida qualquer lógica e qualquer homem comum depreenderia que "aqui há gato"!
XXIV. Não restaram dúvidas que o depoimento da arguida foi credível e sincero quando declarou "É assim, o D... não falou porque é que eu lhe mandei essas mensagens todas, ele infiltrou-se em minha casa, ele apoderou-se de mim, ele inclusive, ele levou coisas para minha casa" (aos 26 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XXV. E mais disse "Ele tinha o mulher dele e eu não sabia, ele enganou-nos às duas (...) e quando eu descobri eu disse acabou D... e isso ele não quis aceitar e andou a perseguir-me, a perseguir-me" (aos 58 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XXVI. "Quando eu descobri que ele tinha uma mulher e filhos ele não aceitou eu descartá-lo porque eu não, eu não sou, eu não quero um homem assim para mim" (2 minutos e 45 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).
XXVII. A arguida estava visivelmente transtornada e amedrontada no julgamento e nada disso foi tido em conta. Não esqueçamos que conforme resulta da página 1 in fine e 2 da sentença, o assistente, antes do início da audiência de julgamento já havia feito um acordo com a arguida, para que esta lhe pagasse uma importância (bem superior aos € 400,00 a que aquele avocava ter direito) para que ele desistisse das outras queixas que havia feito...
XXVIII. Quem se sentiu coagida foi a arguida, conforme facilmente se depreende da audição do seu testemunho, da sua voz trémula e assustada, pois o assistente, nada mais fez do que providenciar uma vingança pessoal por ter sido rejeitado pela ofendida.
XXIX. Competia ao tribunal, ao abrigo do principio da investigação e da verdade material, plasmado no artigo 340º do Código de Processo Penal, providenciar outras diligências e outras medidas de prova para o apuramento dos factos, ou seja, para a descoberta da verdade material!
XXX. Uma vez que as declarações do arguido nada mais foram do que contraditórias às do assistente.
XXXI. Em caso de contradição e dúvida insanável entre uma e outra, o tribunal ou fazia prevalecer o princípio do in dubio pro reo,
XXXII. Pois não podem as declarações do arguido - que tem interesse directo na causa e cujo depoimento será sempre parcial - ter maior peso do que as da arguida (sob pena de um qualquer indivíduo se lembrar, arbitrariamente ou por vingança, de fazer queixas crime e deduzir acusações particulares por saber que, por ser assistente, as suas declarações terão mais importância e valor do que as do arguido/a).
XXXIII. Ou deveria ter providenciado outras medidas probatórias para apurar qual deles - arguida ou assistente - falava a verdade.
XXXIV. E neste caso, houve claramente VIOLAÇAO DO PRINCÍPIO DE PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA CONSAGRADO NO ARTº 32 N° 2 DA CRP.
XXXV. Pois, se a arguida não arrolou testemunhas em sua defesa, por motivos que aqui não serão considerados, a presunção não pode ser de que é culpada, mas o princípio a aplicar será a procura da verdade,
XXXVI. Pois, compete aos tribunais, conforme constitucionalmente consagrado, pugnar pela aplicação e materialização da justiça.
XXXVII. Conforme jurisprudencialmente consagrado, "Um dos princípios estruturantes do nosso processo penal é até o princípio da investigação, segundo o qual é ao tribunal que cumpre investigar os factos sujeitos a julgamento, embora as partes também possam (e devam) dar o seu contributo, criando as bases necessárias decisão, não podendo é ser penalizadas se o não fizerem (…)" - acórdão no processo 688/05, em que foi Relatora Nazaré Saraiva." 05/06/2006 do Tribunal da Relação de Guimarães
XXXVIII. Por os assistentes terem um especial posicionamento devido aos seus interesses imediatos e pessoais no desenvolvimento da acção penal naquele caso em concreto, estão, nos termos do art. 133º do C. P. Penal, impedidos de depor como testemunhas,
XXXIV. E mais não resulta do n° 4 do art. 145° do C. Processo Penal que, não impondo ao assistente o juramento, o peso das suas declarações nunca poderá ser o mesmo do peso de outra qualquer testemunha.
XL. E se tais declarações não são precedidas de juramento, devendo estar, no entanto, igualmente sujeitas ao dever de verdade material, sob pena de responsabilização criminal em caso de violação desse dever, no caso de concreta divergência entre os depoimentos da arguida e do assistente, deveria o tribunal a quo ter actuado para o apuramento da veracidade das declarações do arguido.
XLI. Quanto ao crime, é elemento típico deste crime o emprego de violência ou ameaça com um mal importante e não resultou da prova produzida que a arguida tenha exercido qualquer acto violento, nem muito menos de ameaça quanto mais com um mal importante.
XLII. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/1990 in BMJ, 396, 222, o "pressuposto do crime de coação, simples ou agravada, é a perda da liberdade de determinação, o constrangimento, em consequência de violências ilegítimas físicas ou morais, levando o sujeito a praticar um acto que não deseja, ou a não fazer algo que deseja fazer, ou a ter de suportar, contra vontade, uma actividade alheia, afectando a livre determinação do indivíduo... "
XLIII. E tal não resultou da prova produzida, nem resulta da sentença.
XLIV. E segundo o Acórdão do mesmo tribunal datado de 05/04/2000, proc. N° 71/2000, in SASTJ, n° 40, 41, " o mal com que se ameaça terá de possuir relevo danoso bastante para constranger o visado" (sublinhado nosso).
XLV. O que também não resultou nem da sentença, nem da matéria de facto provada.
XLVI. E resta-nos concluir que não existiu, nem sequer a sua tentativa…
XLVII. Há tentativa, nos termos do art. 22º nº 1, "quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se",
XLVIII. Considerando-se actos de execução, nos termos do n° 2: “Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou, Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”;
XLIX. Nos factos provados nos quais se baseou o tribunal quanto à prática do crime pela arguida nos pontos 1 e 3 dos factos assentes, não existe ameaça com mal grave nem menos violência e
L. Do ponto 3, não resulta que a arguida pudesse ter intenção em coagir o assistente, uma vez que o mail em causa não lhe era dirigido, mas sim a outra pessoa, amiga da arguida.”.
Respondeu o MP, concluindo que o recurso não merece provimento.
Já nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 CPP
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

A matéria de facto que foi dada como provada foi a seguinte:
“ 1. No dia 2 de Janeiro de 2007, pelas 20 horas 10 minutos e 50 segundos, a arguida C... enviou de um telemóvel com o número…………, registado em seu nome, uma mensagem para o telemóvel do assistente, com o número…………, com o seguinte teor:
"COBARDE! MENTIROSO! O MAIS MENTIROSO Q JÁ CONHECI! TU! MONSTRO! AINDA VAIS ENCARAR O MANO!".
2. No dia 4 de Janeiro de 2007, pelas 22 horas e 44 minutos, a arguida, utilizando o e­-mail de que é titular, reenviou uma mensagem para o e-mail do qual o assistente é titular, que, por sua vez, tinha sido enviada pela arguida, no dia anterior, pelas 20 horas e 57 minutos, para o e-mail ….com o seguinte teor:
"Oi Lindo!!! Espero que esteja tudo bem ctg e que este ano te traga tudo de Bom!!!! Olha aqui da minha parte está um pouco feio pq o D... quer por-me em tribunal .. andou a enganar-me e qd se descobriu tudo a coisa ficou feia e como ele tem nota, quer foder-me. Mas nem um tost-ao eu lhe dou!!! já falei com um cigano para mre arranjar uma arma e se por acaso a coisa der msm para o torto eu mato-o!!!! Juro!!!!!! Beijos grandes da tua amiga Tininha!!! !".
3. Ainda no dia 4 de Janeiro de 2007, pelas 23 horas e 05 minutos, a arguida, utilizando o mesmo contacto de e-mail de que é titular, enviou para o e-mail do assistente uma mensagem com o seguinte teor:
"Seu monstro não vou pagar os teus 400?, caso venhas a pedir volto a fazer a tua vida negra tenho amigos ciganos que te podem matar-te sem qualquer interesse. COBARDE, MENTIROSO, PORCO, VAI LEVAR NO CÚ, VAI PARA O CARALHO. NÃO FALES MAIS NO DINHEIRO, ESQUECE-O OU A TUA VIDA VAI-SE… VAI FODER-TE!!!!!!".
4. A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu-se atemorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas.
5. Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal.
6. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. Arguida e assistente mantiveram um relacionamento amoroso entre Junho e Outubro de 2006, sendo que a actuação da arguida ocorreu na sequência de desavenças ocorridas posteriormente entre ambos.
8. A arguida C... exerce as funções de comercial para um Jornal, auferindo um rendimento mensal de cerca de 500 €.
9. É solteira e reside sozinha em casa de seus pais.
10. Tem como habilitações literárias o 12.° ano de escolaridade.
11. A arguida foi condenada por sentença de 13 de Junho de 2002, proferida no ê1rnbito do Processo Comum Singular nº 136/97.3PAPBL, que correu termos no 3. ° Juízo deste Tribunal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 4,49 €, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205. ° do Código Penal.
Por sua vez, não existem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão da causa.”.
Motivação de facto:
“ O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, desde logo nas declarações do assistente D..., o qual, confrontado com os documentos de fls. 20, 21 e 35 dos autos, não hesitou no reconhecimento das mensagens (via sms e por e-mail) que lhe foram enviadas, indicando de forma clara a titularidade do e-mail pertencente à arguida, associando a redacção de tais mensagens ao tipo de escrita utilizado pela arguida, tendo ainda contextualizado os motivos pelos quais terá recebido tais mensagens, aduzindo de forma suficientemente credível, pela forma objectiva como prestou declarações, que havia emprestado dinheiro à arguida e posteriormente pedido a sua restituição, tendo sido sua intenção recorrer aos meios judiciais para o referido fim, factos que pela forma como foram relatados lograram ver-se demonstrados.
Aliás, a própria arguida C..., após ter exercido o seu direito ao silêncio, acabou no final da audiência de julgamento por referir que pretendia prestar declarações, tendo acabado por confessar integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusada, revelando ainda alguma animosidade para com o assistente, fruto das desavenças tidas com este após terem terminado uma relação amorosa mantida durante algum tempo, realidade na qual escudou a sua actuação, sendo que a forma emotiva como descreveu tais factos não foi impeditiva para que o Tribunal tivesse formado a sua convicção no sentido da veracidade de tal situação de facto, dada a forma espontânea e inequívoca como a mesma foi apresentada.
Esclareceu ainda de forma credível o Tribunal quanto à sua situação económica, familiar e profissional.
Devidamente conjugados com as declarações anteriores, baseou-se o Tribunal nos documentos de fls. 20, 21 e 35 (mensagens enviadas pela arguida ao assistente, das quais foi possível aferir o respectivo teor integral, assim como identificar remetente e destinatário, horas e formas de envio), auto de fls. 76 (relativo ao exame ao telemóvel do assistente, tendo por via disso sido possível aferir o teor da mensagem escrita por ele recebida) e documentos de fis. 101 a 103 (relativamente à titularidade por parte da arguida do telemóvel com o n.o…………, à data - dia e hora - em que foi enviada a sms e ao destinatário de tal mensagem).
Finalmente, tomou o Tribunal em consideração o certificado do registo criminal da arguida junto aos autos no que respeita aos seus antecedentes criminais.”.
*
Sendo o âmbito dos recursos determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, as questões a apreciar são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 4 e 5;
- Violação do princípio da presunção de inocência;
- Enquadramento jurídico dos factos.
Passemos à sua apreciação.
A) Da nulidade da sentença
Alega a recorrente quanto a este ponto ser a sentença nula por falta de fundamentação da matéria que foi dada como provada nos pontos 4 e 5.
Como é sabido o artº 374º nº CPP, impõe que a decisão seja fundamentada, com vista a permitir ao tribunal ad quem averiguar se as provas que o tribunal a quo atendeu são, ou não, permitidas por lei e garantir que os julgadores seguiram um processo lógico e racional na apreciação da prova, não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva·, a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
Como escreve Marques Ferreira Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229. “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
Impõe-se pois que esse exame crítico, indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o motivo do sentido da decisão e por essa forma se compreender porque decidiu o tribunal num sentido e não no outro.
Ora no caso dos autos, conforme se alcança da motivação de facto, a convicção do tribunal assentou nas declarações prestadas pelo assistente e pela arguida, sendo que esta, como aí consta, confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusada.
Assim tendo a confissão da arguida sido integral, assumindo todos os factos, tanto basta para que, se alcance o exame do processo lógico ou racional que esteve subjacente à decisão.
Deste modo se considera improcedente o recurso quanto a este ponto.
B) Da impugnação da matéria de facto
É entendimento da arguida que os factos dados como provados nos pontos 4 e 5, deverão ser dados como não provados, porquanto nem das declarações da arguida nem das declarações do assistente, resultou, em ponto algum, que a arguida tivesse intenção de criar insegurança e medo no assistente, nem tão pouco este se tivesse sentido aterrorizado ou com medo.
Vejamos.
Deu-se como provado nos referidos pontos o seguinte:
“4. A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu-se atemorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas.
5. Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal.”.

Pois bem deve referir-se desde já que este tribunal não vai à procura de uma nova convicção, mas sim vai verificar se a convicção formada pelo tribunal a quo tem suporte naquilo que a audição do CD pode transmitir.
E isto porque, como é sabido o artº 127º CPP estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio não é, como é lógico, uma apreciação imotivável e arbitrária da prova que foi produzida nos autos, já que é com a referida prova que se terá de decidir. É que quod non est in actis non es in mundo.
Como escreve Figueiredo Dias Direito Processual Penal, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 140., essa convicção existirá quando “ o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e quanto à dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
É pois dentro destes parâmetros que o recurso quanto à matéria de facto terá de ser decidido, sem esquecer, como é óbvio um dos aspectos mais importantes de que o tribunal recorrido beneficiou – a imediação da prova.
Vantagem essa que não é naturalmente despicienda.
Aliás o próprio Prof. Alberto dos Reis a este respeito escreveu Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 566. “ A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal.... Ao juiz que há-de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.
É que ler a transcrição daquilo que foi dito em audiência ou ouvir cassetes ou Cd’s é diferente de ouvir, ver, apreciar as perturbações e hesitações, a reacção às perguntas, o corar, o alterar do tom de voz, aspectos esses que aqueles não transmitem ao tribunal de recurso.
Vejamos então se os meios de prova que foram indicados pela recorrente impõem decisão diversa.
Comecemos pelo conteúdo das mensagens, as quais, em audiência, a arguida assumiu plenamente – “ Sim. O que eu faço assumo, enviei sim!”.
Basta lê-las para se ver o seu alcance e carácter altamente intimidatório, que aqui se recordam:
“ 1. No dia 2 de Janeiro de 2007, pelas 20 horas 10 minutos e 50 segundos, a arguida C... enviou de um telemóvel com o número………., registado em seu nome, uma mensagem para o telemóvel do assistente, com o número………, com o seguinte teor:
"COBARDE! MENTIROSO! O MAIS MENTIROSO Q JÁ CONHECI! TU! MONSTRO! AINDA VAIS ENCARAR O MANO!".
2. No dia 4 de Janeiro de 2007, pelas 22 horas e 44 minutos, a arguida, utilizando o e­-mail de que é titular, reenviou uma mensagem para o e-mail , do qual o assistente é titular, que, por sua vez, tinha sido enviada pela arguida, no dia anterior, pelas 20 horas e 57 minutos, para o e-mail , com o seguinte teor:
"Oi Lindo!!! Espero que esteja tudo bem ctg e que este ano te traga tudo de Bom!!!! Olha aqui da minha parte está um pouco feio pq o D...quer por-me em tribunal.. andou a enganar-me e qd se descobriu tudo a coisa ficou feia e como ele tem nota, quer foder-me. Mas nem um tost-ao eu lhe dou!!! já falei com um cigano para mre arranjar uma arma e se por acaso a coisa der msm para o torto eu mato-o!!!! Juro!!!!!! Beijos grandes da tua amiga Tininha!!! !".
3. Ainda no dia 4 de Janeiro de 2007, pelas 23 horas e 05 minutos, a arguida, utilizando o mesmo contacto de e-mail de que é titular, enviou para o e-mail do assistente uma mensagem com o seguinte teor:
"Seu monstro não vou pagar os teus 400?, caso venhas a pedir volto a fazer a tua vida negra tenho amigos ciganos que te podem matar-te sem qualquer interesse. COBARDE, MENTIROSO, PORCO, VAI LEVAR NO CÚ, VAI PARA O CARALHO. NÃO FALES MAIS NO DINHEIRO, ESQUECE-O OU A TUA VIDA VAI-SE… VAI FODER-TE!!!!!!". ( o sublinhado e bold é nosso)


Com tais mensagens é evidente que a intenção da arguida era só uma - provocar no assistente receio e insegurança, para que este não lhe exigisse o dinheiro.
É pois de todo descabida a afirmação da arguida contida na motivação do recurso de que não tinha intenção de criar insegurança e medo no assistente.
E a comprovar que o assistente compreendeu o objectivo dessas mensagens, o que, aliás, como vimos, não era difícil, estão as suas declarações em audiência, quando refere - “ Era para eu ter medo, para eu estar caladinho… para não recorrer a vias judiciais para cobrar os 400 euros, para esquecer os 400 euros”.
O conteúdo de tais mensagens é incontornável. Não pode negar-se aquilo que é evidente.
Argumenta ainda a recorrente que deveria o tribunal providenciar para o apuramento dos factos, ao abrigo do artº 340º CPP.
É um facto que a referida disposição legal permite ao tribunal ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Só que como se alcança de toda a prova produzida, não se nos afigura que houvesse necessidade de apurar quaisquer outros factos.
Aliás o mesmo preceito também permitia à arguida requerer a produção de prova suplementar, e o certo é que nada requereu. Portanto também não viu necessidade de produzir qualquer outra prova.
Refira-se ainda neste âmbito que a argumentação da recorrente de que as declarações do assistente não devem ter maior peso do que as da arguida, pois tem interesse directo na causa e o depoimento é sempre parcial, por não prestarem juramento, é uma afirmação que contestamos.
Desde logo, porque se o legislador considerasse que os assistentes não falariam verdade teria previsto o seu impedimento para prestarem declarações.
Como não o fez, as mesmas devem merecer, à partida, toda a credibilidade que nos merecem as restantes testemunhas e arguidos.
Mas ao fim e ao cabo o que a recorrente critica é a atribuição de credibilidade à vítima, pondo apenas em causa o princípio da livre apreciação da prova (artº 127º CPP), o que não pode colher.
É que é exactamente nestes casos em que se dá credibilidade a uns depoimentos e não se dá tal credibilidade a outros, que o princípio da livre apreciação da prova tem aplicação.
Por isso concluímos que bem andou o Mmº juiz ao dar como provados tais factos.
C) Da presunção de inocência
Diz a recorrente que foi violado o princípio da presunção de inocência consagrado no artº 32º nº 2 da CRP.
A presunção de inocência, como escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág.356. “ é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhe­cimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, mal grado o esforço processual para a superar. Em tal situa­ção, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absol­vição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória (D. 48,19,5: Satius enim esse impunitum relinquifacinus nocentis quam inno­centem damnare)”..
Este princípio é pois uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
A violação de um tal princípio pressupõe assim um estado de dúvida no espírito do julgador, só se podendo verificar quando decorrer por forma evidente que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Ora já vimos aquando da apreciação do recurso sobre a matéria de facto, que não existem quaisquer dúvidas sobre a prova de qualquer dos factos que foram considerados provados e que a arguida impugnou.
Assim sendo é manifestamente improcedente o recurso nesta vertente.
D) Do enquadramento jurídico dos factos.
Sustenta a arguida não ter praticado o crime de coacção, devendo, por isso ser absolvida.
Dispõe o artº 154º nº 1 CP que, ”Quem por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, e único com …..”.
O nº 2 deste preceito, diz-nos que “ A tentativa é punível”.
Este crime verifica-se pois através do constrangimento de outra pessoa a adoptar um determinado comportamento – praticar uma acção, omitir uma acção ou suportar uma acção. Por sua vez os meios utilizados nessa coacção consistem na violência ou a ameaça com um mal importante.
Sobre o que deve entender-se por emprego de violência ou a ameaça com um mal importante, Maia Gonçalves, escreve Código Penal Anotado, 18ª ed., pág. 598 e 599. “ Por violência deve entender-se não só o emprego de força física, mas também a pressão moral ou intimação. E não se exige que a força física ou a intimidação sejam irresistíveis; basta que tenham potencialidade causal para compelir a pessoa contra quem se empregam à prática do acto ou à omissão ou a suportar a actividade. A violência pode mesmo consistir em uma omissão, v.g. privando outrem de alimentos, mas deve ser levado em conta o circunstancialismo concreto, pois, v.g., a violência ou a intimidação susceptíveis de coagir um jovem podem não ter potencialidade para coagir um homem adulto.
Por outro lado, a violência que é meio de cometimento deste crime tanto pode ser dirigida contra a pessoa coagida como contra qualquer outra pessoa que, pelas suas relações com a coagida, suporte o efeito da violência, de modo a ficar privada da sua livre determinação.
Também deve ser entendido não ser necessário que a violência actue directamente sobre as pessoas, podendo ser exercitada sobre as coisas, desde que seja sentida e actue mediatamente sobre as pessoas do modo a coagi-las, coarctando-lhes a sua liberdade a ponto de as constranger como neste artigo se prevê.
Quanto ao que deve ser entendido por mal importante há uma larga margem de indefinição, a ser preenchida pelo prudente critério do julgador. Não se quis, eviden­temente, tomar punível toda a actividade social susceptível de causar um mal, mas só a actividade susceptível de causar um mal importante, ou seja um mal que tenha um acentuado relevo, um mal que a comunidade repele e censura pelo dano relevante que causa ou pode causar. “.
Como refere Taipa de Carvalho Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 358..A coacção é um crime de resultado: constranger outra pessoa a... Sendo o bem jurídico protegido a liberdade de acção, a consumação deste crime exige, consequentemente, que a pessoa objecto da acção de coacção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade. Para haver consumação, não basta a adequação da acção (isto é, a adequação do meio utilizado: violência ou ameaça com mal importante) e a adopção, por parte do destinatário da coacção, do comportamento conforme à imposição do coactor, mas é ainda necessário que entre este comportamento e aquela acção de coacção haja uma relação de efectiva causalidade. Se a conduta (acção, omissão ou tolerância de uma determinada acção) do sujeito passivo, isto é, do destinatário da coacção - apesar de coincidente com a que o coactor impunha - foi livremente decidida ou devida a apelo de terceiros (p. ex., forças policiais, familiares ou amigos) e, não consequência ou resultado directo da acção de coacção, isto é, do medo da concretização da ameaça (o que se verifica, quando o sujeito passivo estava decidido a não ceder às exigências comportamentais do coactor), não há consumação, mas apenas tentativa”
E, continua o referido autor, dizendo Obra citada, pág. 365 que “ Haverá tentativa punível, quando o destinatário da adequada (cf. supra § 19) acção de coacção adopta um comportamento que objectivamente está con­forme a imposição do coactor, mas não por medo da coacção, mas exclusi­vamente porque tal corresponde à sua vontade, quer esta vontade já se tenha decidido antes da acção de constrangimento (antes de receber a ameaça coac­tiva) ou só se tenha formado posteriormente. O comportamento do sujeito passivo ou destinatário da coacção não é, neste caso, efeito directo da acção de constrangimento e, portanto, apesar da adequação desta, não há consuma­ção mas apenas tentativa”.
Ora no caso em análise as expressões utilizadas são, como vimos, claramente susceptíveis de ser levadas a sério pelo assistente pois para além da agressividade das mesmas, continham ainda a ameaça de morte, caso este não agisse nos termos em que a arguida pretendia.
E pese embora não se tenha provado que o assistente omitiu a conduta para que foi constrangido, o certo é que aquelas tinham potencialidade para alcançar esse desiderato.
Assim considerando que para a prática do crime de coacção sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, quer sob a forma de violência, quer sob a capa de ameaça com um mal importante, seja objectivamente capaz de obrigar outrem a praticar um acto, a omiti-lo, ou a suportar uma determinada actividade (artº 22º nºs 1 e 2 b) CP), haverá que concluir que a arguida cometeu o crime de coacção sob a forma tentada por que foi condenada.
Por isso improcede o recurso interposto, na sua totalidade.

DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Taxa de justiça a cargo da arguida, que se fixa em seis Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Tribunal da Relação de Coimbra, 20 de Maio de 2009.