Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
842/02.2TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL OBRIGATÓRIA
LIBERDADE CONDICIONAL FACULTATIVA
RECORRIBILIDADE
PENAS DE PRISÃO SUCESSIVAS
PRISÃO PREVENTIVA
CUMULAÇÃO
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º DO 127.º DO DECRETO-LEI N.º 783/76, DE 29 DE OUTUBRO; 399.º 484.º DO C.P.P; 61.º E 63.º DO C.P..
Sumário: I. Não é recorrível a decisão que conceda a liberdade condicional, tendo por base a discordância do Ministério Público quanto à avaliação que o juiz do T.E.P. tenha feito a propósito da capacidade de readaptação do condenado à vida social e à compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
II. - Diversamente, é recorrível a decisão do T.E.P. manifestamente ilegal, que decide conceder a liberdade condicional antes de atingida a metade da pena, ou que entenda que pode ocorrer a libertação obrigatória aos 2/3 da pena ou que a liberdade condicional prescinda do consentimento do condenado, ou seja, será recorrível a decisão de concessão de liberdade condicional com fundamento em ilegalidade, por violação dos pressupostos formais.
III. – A liberdade condicional denominada de «obrigatória» visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a permitir ao condenado integrar-se de modo definitivo na comunidade após um período de afastamento motivado pela prisão, tendo como justificação acrescida a circunstância de esse afastamento da comunidade ser particularmente prolongado no caso dos condenados a pena de prisão superior a 6 anos.
IV. - As mesmas razões justificam a previsão da concessão da liberdade condicional obrigatória nos casos em que, não se tratando de uma pena de prisão superior a 6 anos, se esteja perante uma soma de penas que devam ser cumpridas sucessivamente e que exceda 6 anos de prisão (situações de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que não dão lugar à realização de cúmulo jurídico).
V. - Tendo o arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento da pena de prisão, tal período conta por inteiro, e sem qualquer restrição, para o cômputo dos prazos relevantes para a liberdade condicional.
VI. – Tendo o recluso cumprido uma pena de prisão à ordem de um processo e terminada essa pena tenha sido colocado na situação de prisão preventiva, imediatamente a seguir e sem interromper a permanência do estado de reclusão, vindo essa situação de prisão preventiva a ser contada na pena em que viria a ser condenado neste último processo, deve, o período em que esteve detido em prisão preventiva, ser englobada no computo a realizar para a fixação dos 5/6 para concessão da liberdade condicional obrigatória.
Decisão Texto Integral: 16

I – RELATÓRIO
1. Nos autos registados sob o n.º842/02.2TXCBR-A, do Tribunal de Execução das Penas (TEP) de Coimbra, foi concedida ao recluso L..., melhor identificado nos autos, a liberdade condicional, por decisão de 20 de Outubro de 2008, até ao termo da pena e sob as condições que então foram determinadas, por se entender que o mesmo havia já cumprido 5/6 da pena.
2. Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1. Não podem ser cumpridas sucessivamente com penas cumpridas e extintas, novas penas posteriores.
2. A prisão preventiva é uma medida de coacção, não sendo cumprimento de pena.
3. Uma prisão preventiva iniciada no termo do cumprimento de penas efectivas interrompe o cumprimento sucessivo.
4. Não é possível fazer retrotrair à data da prisão preventiva o início do cumprimento da pena.
5. A prisão preventiva apenas se desconta no cumprimento da pena.
6. As penas cumprem-se para o futuro, após trânsito em julgado da decisão condenatória.
7. Não havendo cumprimento sucessivo de penas não há lugar ao cálculo de 5/6 da respectiva soma.
8. Penas integralmente cumpridas em 3-09-06 não podem ser adicionadas a uma pena cuja condenação transitou em julgado em 5-01-07.
9.A revogação de saída precária prolongada depende de decisão do juiz do TEP, não podendo ser presumida nem se tratando de facto naturalístico.
10.A contagem deve ser efectuada de acordo com os parâmetros legais, não bastando a afirmação de estar ultrapassado o prazo.
11. Se fosse correcta a posição da M.ma Juiz a quo haveria que apurar responsabilidades por um excesso de prisão.
12. Foram violadas as normas dos artigos 61.º e 63.º do C.P., e artigo 484.º do Código de Processo Penal.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a tempestiva reapreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça.
3. O condenado respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
1. O tempo de prisão preventiva cumprido pelo Arguido deve ser descontado ao tempo de cumprimento efectivo da pena sofrido no processo criminal para efeitos de contagem do prazo de duração máxima desta medida de coacção.
2. Tendo o Arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento do tempo de prisão a que foi condenado, o cálculo de 1/2, dos 2/3 e dos 5/6 da pena conta-se a partir da data do início do cumprimento da pena de prisão preventiva já cumprida, importando para o referido cálculo o tempo de detenção já cumpridos.
3. Ao interpretar-se de forma diferente, como parece ter feito a Digna Procuradora Adjunta está a violar-se o princípio da continuidade da pena e o disposto no art. 61°, n.º 4 e 5 do Código Penal.
4. Tendo o arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento do tempo de prisão que resta cumprir, tais períodos contam por inteiro, e sem qualquer restrição, para o cômputo dos prazos relevantes para a liberdade condicional a que se refere o art. 61°, n.º 2, 3, 4 e 5 do Código Penal.
5. A solução contida na decisão em recurso será a que melhor corresponde a dois princípios fundamentais:
- Em primeiro, o princípio de que o desconto se concretiza no cumprimento da pena e não na pena, ou seja, se o arguido tinha já sofrido detenção anterior, considera-se que começou mais cedo a cumprir a sua pena.
- Em segundo, que na ausência de norma própria, se deverá optar pela solução que prejudique menos o arguido. O desconto inicial sempre permite que o arguido atinja mais cedo a data relevante para eventual liberdade condicional.
6. É ao juiz que cabe dirigir a execução e, consequentemente, não podem ficar de fora dessa competência actos tão importantes como os da determinação da data do termo do cumprimento da pena de prisão e, bem assim, do momento a partir do qual o condenado pode ou deve beneficiar da liberdade condicional.
7. De acordo com o n.º 2 do art. 94° do citado diploma, pode o juiz ouvir o recluso a sós e pode suspender a sessão do conselho técnico para ordenar quaisquer diligências complementares.
8. Ainda que os normativos do Código Processo Penal, artigos 484°, n.º3 e 485°, n.º1, concedam ao Ministério Público um papel de acção e um poder de iniciativa processual, e por via disso, imponham uma obrigação de informação a esta entidade dos momentos processuais que se vão desenvolvendo no âmbito do processo, não contraria o procedimento estabelecido no DL n.º 783/76, a não designação e comunicação aos sujeitos processuais para audição do recluso.
9. Em nosso entender, o anúncio e publicitação da data para a reunião do conselho técnico para audição do arguido, não são actos obrigatórios e vinculativos para a entidade decisória do procedimento, sob pena de ser despojado de qualquer efeito útil.
10. Em face do supra exposto, consideramos que os despachos que não foram publicitados não constituem actos processuais necessários e vinculativos que comportem violação dos direitos do recluso, pelo que deverão ser considerados como despachos de mero expediente e como tal, insusceptíveis de recurso, à luz do preceituado no art. 400.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal.
4. Admitido o recurso e mantida a decisão sem acréscimo de razões, subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o mesmo merece provimento (cfr. fls. 54 e 55), dizendo, em síntese:
«(…) a lei não determina que após o cumprimento de penas aplicadas e tendo sido aplicada em seguida uma medida de coacção de prisão preventiva à ordem de outro processo, no caso de condenação essa pena se deve somar às anteriores para se encontrar a liberdade condicional obrigatória aos 5/6.
No caso vertente, os elementos carreados para os autos demonstram que o arguido L…, preso desde 16/02/2001, cumpriu sucessivamente a pena de 5 anos e 4 meses que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico no proc n.º 29/01.1 da comarca de Oeiras e a pena subsidiária de 80 dias de prisão aplicada no proc. n° 819/00.2 da mesma comarca, pena cujo cumprimento terminou em 03/09/2006.
Em 04/09/2006 o arguido foi preso preventivamente à ordem do proc. n° 799/02.0 da comarca de Oeiras, em que viria a ser condenado em pena de 2 anos de prisão que apenas transitou em julgado em 05/01/2007.
Refere o Prof Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime § 855, pág. 542 que "Relativamente a condenados a penas privativas de liberdade superiores a 6 anos, estipula o art. 61.º n.º 4 (Lei 59/2007) que eles serão sempre postos em liberdade condicional, logo que hajam cumprido 5/6 da pena, se antes não tiverem aproveitado já deste regime. É a chamada liberdade condicional obrigatória, por oposição à acima estudada, à qual acrescentaria hoc sensu , como «facultativa». "
Porém mais adiante e na mesma obra citada refere o seguinte:
"Acrescem inevitáveis dificuldades dogmáticas, em boa parte fruto do carácter «obrigatório» da liberdade condicional se atingidos os 5/6 da pena, o agente dever manter-se privado da liberdade à ordem de outro processo. Se uma tal privação for consequência de uma pena, deverá entrar em jogo o sistema da soma a que faz referência no § 846 e seg, o qual deve valer tanto para a liberdade condicional facultativa como para a obrigatória. Se, porém, a privação de liberdade for de natureza processual (prisão preventiva ou situação análoga), sustenta Maia Gonçalves que o condenado lhe deve ser submetido e, finda ela, ser posto em liberdade condicional relativa à pena cujos 5/6 foram cumpridos. A solução parece a única defensável, mas não deixa de tornar visíveis as dificuldades em que incorre o instituto da liberdade condicional dita «obrigatória» ".
No caso em apreço, a prisão preventiva sofrida pelo arguido foi descontada no respectivo cumprimento de pena de dois anos em que foi condenado no proc 799/02.0, tendo na execução desta pena já sido objecto de apreciação pela Mma Juiz do TEP a eventual concessão de liberdade condicional ao meio da pena, e concluído pela não concessão de liberdade condicional facultativa, uma vez que o condenado não reunia os pressupostos para a sua concessão.
Assim, somos de parecer que o presente recurso merece provimento, devendo, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro.»
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º1, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
A questão a apreciar consiste em saber se bem andou o tribunal recorrido ao considerar como execução sucessiva de penas, para efeitos de concessão da liberdade condicional obrigatória aos 5/6, a situação em que o recluso, tendo terminado o cumprimento sucessivo de duas penas e sendo imediatamente ligado a um terceiro processo, na situação de prisão preventiva, veio a ser condenado nesse processo na pena de 2 anos de prisão. Pergunta-se: será que entre esta pena e as anteriores existe uma situação de execução sucessiva?
2. Elementos relevantes
2.1. Colhem-se dos autos os seguintes elementos com relevo para a decisão:
1. L… esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º 29/01.1 GEOER, do 1.º Juízo Criminal de Oeiras, desde 16 de Fevereiro de 2001, até ser desligado para cumprir pena imposta no processo 1212/99.3 PCOER, do mesmo tribunal, vindo a ser desligado deste e ligado ao referido processo n.º 29/01.1 para aí cumprir a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão imposta em cúmulo jurídico das penas em que foi condenado nos mencionados dois processos.
2. Cumpriu também, sucessivamente, 80 dias de prisão subsidiária imposta no processo 819/00.2.
3. Assim, à ordem dos processos referidos em 1. e 2., esteve preso desde 16 de Fevereiro de 2001 até 3 de Setembro de 2006, data do termo das referidas penas.
4. E passou a estar preso preventivamente, desde 4 de Setembro de 2006, à ordem do processo 799/02.0TAOER, do 2.º Juízo Criminal de Oeiras, onde veio a ser condenado em 1.ª instância na pena de 3 anos de prisão, pela co-autoria de um crime de sequestro qualificado p. e p. pelo artigo 158.º, n.º1 e 2, b), do Código Penal, pena essa que foi reduzida pela Relação de Lisboa para 2 anos de prisão, por acórdão de 31 de Outubro de 2006, transitado em julgado em 5 de Janeiro de 2007.
5. Por via da liquidação da pena efectuada no tribunal da condenação, corroborada no T.E.P., fixou-se que o condenado atingiria o meio da pena em 4.09.2007, os 2/3 em 4.01.2008 e o termo da pena em 4.09.2008.
6. Em 14 de Outubro de 2007, a M.ma Juíza do T.E.P. pronunciou-se sobre a situação do recluso, no âmbito do processo gracioso para concessão da liberdade condicional, tendo decidido não concedê-la, marcando a renovação da instância para os 2/3 da pena – a ocorrerem em 4.01.2008.
7. Entretanto, o condenado esteve em situação de ausência ilegítima por não ter regressado de uma saída precária que se lhe concedeu de 23.12.2007 a 28.12.2007, só tendo sido capturado em 20.09.2008.
8. Em 16 de Outubro de 2008, em conclusão aberta por ordem verbal, a M.ma Juíza do T.E.P. proferiu o seguinte despacho:
«Conforme me foi informado hoje no C.T. realizado no E.P. de Leiria o arguido L… está em cumprimento ininterrupto de penas desde 16.02.01, tendo já cumprido várias penas que somam mais de 6 anos pelo que haveria que apreciar para efeitos de 5/6 das penas, cujos já se mostram ultrapassados mesmo descontando o período de ausência ilegítima, recentemente interrompida. Compulsados os autos constamos que efectivamente já cumpriu 5 anos e 4 meses e 80 dias, antes da pena de 2 anos a que, actualmente se encontra ligado. É certo que tais penas terminaram antes da sentença nos autos a que se encontra ligado (terminaram em 3/9/6 e a sentença dos autos onde cumpre pena só transitou em 05/l/7 (vd. fls, 274).
Contudo ele estava ligado a este processo, desde 4/9/6, ou seja ligado logo após o termo das outras penas estando assim ininterruptamente preso desde 16/2/1, pelo que me parece ser de aplicar o disposto no art° 61-4 do C.P.
Acautelando esta possibilidade, desde logo, ouvi o arguido em C.T. conforme consta da acta respectiva.
Assim e para se pronunciar e emitir, querendo, Parecer, abra Vista. D.N.
Mais se determina junção da liquidação reformulada pelo tribunal da condenação, que me foi enviada pelo E.P. de Leiria, mas que se reporta apenas à pena de 2 anos e não obstante não ter ainda havido revogação da saída precária, já ali consta o respectivo desconto de ausência ilegítima.»
9. Na vista aberta, o M.P. pronunciou-se nos seguintes termos:
«Visto.
Salvo o devido respeito não se compreende a tramitação dos presentes autos.
A M.ª Juiz já se pronunciou sobre a situação do recluso em sentença de 14-10-2007 a folhas 342 e seguintes, parecendo-nos óbvio que, nessa altura, apreciou devidamente os autos.
A folhas 513 é proferido um despacho feito com base numa informação verbal, prestada num conselho técnico, que nenhum facto novo traz, apenas sendo uma interpretação muito sui generis dos factos que já constam do processo e já haviam sido analisados por diversos magistrados.
Com base em tal informação, de imediato se realizou um conselho técnico e audição do recluso, diligência que não foi marcada previamente nem comunicada nos autos. Ora o recluso tinha o direito de, se assim o pretendesse, ser assistido de advogado, não nos parecendo aceitável que seja ouvido de surpresa e sem prévia comunicação. Por outro lado, o MP não está obrigado a estar presente nessa diligência, o que é coisa diversa de se ver completamente impossibilitado de a ela assistir.
A M.ª Juiz, de seguida, equaciona uma situação de cumprimento de 5/6 de penas e determina a abertura de vista para, com base em tal hipótese, ser emitido parecer.
Ora, sempre ressalvado o muito e devido respeito, já se reuniu de surpresa um conselho técnico e foi ouvido um recluso com base numa hipótese. No âmbito de tal conselho, aliás, foi emitido um parecer hipotético, sublinhando que - a não se tratar de uma libertação obrigatória - seriam de parecer desfavorável.
Na senda de tais posições, pede-se agora que o MP emita parecer sobre as possíveis hipóteses, sem quaisquer elementos informativos sobre a forma como tem decorrido o cumprimento da pena.
Ora, uma vez mais ressalvando o muito e devido respeito, não deve o MP pronunciar-se sem bases factuais e perante meras hipóteses.
A contagem da prisão foi efectuada pelo M.º Juiz titular, Dr. ML a folhas 310, na sequência de promoção do MP nesse sentido e em total sintonia com a liquidação do tribunal da condenação a folhas 300.
Tal contagem foi utilizada pela M.ª Juiz na sua decisão acima aludida.
Não há qualquer facto novo, salvo uma ausência ilegítima, aguardando-se a decisão sobre o respectivo pedido de revogação de saída precária.
Sem quebra do muito e devido respeito parece que, antes de mais e para se clarificar a situação do recluso, haveria que proferir decisão sobre o pedido de revogação da saída precária prolongada.
Por outro lado, importaria que a M.ª Juiz decidisse se, alterando o anteriormente apreciado por si e por outros magistrados, considera que o recluso afinal está em cumprimento sucessivo de penas, retrotraindo o início do cumprimento à data da prisão preventiva em vez de a descontar no respectivo cumprimento.
É que se tal caso se configurar como mais do que uma hipótese, o MP, por discordar, em vez de emitir parecer interporá recurso, se tal não acontecer, não haverá, obviamente lugar a qualquer parecer de 5/6 por não haver lugar a tal cálculo.
De qualquer forma cumpre salientar que, a não ser revogada a saída precária prolongada, há muito passou a data da apreciação pelos 2/3, conforme consta de sentença da própria M.ª Juiz. A ser tal saída revogada os 2/3 ocorreram no passado dia 1-10-08, não se mostrando o processo devidamente instruído
10. Na sequência, a M.ma Juíza despachou, em 28 de Outubro de 2008, nos seguintes termos:
«Conforme resulta já dos autos, no passado dia 16 do corrente mês e no Conselho Técnico realizado no Estabelecimento Prisional Especial de Leiria, foi-me solicitado que "revisse" a situação do aqui arguido porquanto, dos elementos existentes no EP, o mesmo teria um montante de penas a cumprir, superior a 6 anos e não lhe tinha sido aplicado a revisão pelos 5/6, cujos se encontrariam, há muito ultrapassados.
Face a tal informação e consultados os elementos do EP, desde logo acautelámos essa possibilidade, realizando C.T. e ouvindo o arguido, designadamente para se lhe colher o seu consentimento, conforme resulta da respectiva acta e declaração juntas, e dali, via telefone, determinámos nos fossem conclusos os autos para esse mesmo dia. Proferido o despacho de folhas 513 e seguintes determinou-se Vista para Parecer.
Compulsado o processo e reunidos os necessários elementos conclui-se que:
O arguido foi condenado no processo n.º 29/01, por cúmulo jurídico, (que englobou o processo n.º1212/99), numa pena de 5 anos e 4 meses de prisão.
Mais se constata também ter sido condenado no processo 819/00.2 numa pena de 80 dias de prisão subsidiária.
Foi ainda condenando numa pena de prisão de 2 anos (após perdão), no processo 799/02.0TAOER.
Tem assim um total de 7 anos, 6 meses e 20 dias de prisão.
Tendo iniciado o seu cumprimento ininterrupto em 16/02/01 (e havendo 1 dia de privação de liberdade. no processo n.º29/01 a descontar), terá atingido os 5/6 em 31/05/07.
Nos presentes autos e de acordo com a liquidação de folhas 300 (do tribunal da condenação), e do despacho judicial do EX.mo colega que me antecedeu neste tribunal, de folhas 310, datada de 10/07/07, consta liquidação autónoma da última pena de 2 anos, nada se referindo acerca de eventuais 5/6.
Nesse contexto e aqui colocada em 07/09/07, prossegui nos termos em que os autos se encontravam, tendo apreciado a situação do arguido pelo meio da pena, e determinando a renovação da instância pelos 2/3 da mesma, o que, só não se realizou porquanto, entretanto, e numa Saída Precária concedida ao arguido em 23/12/07, este não regressou da mesma.
À data, da apreciação pelo meio da última pena, nem o arguido, (quando foi ouvido), nem o Conselho Técnico, levantaram qualquer questão sobre as demais penas já cumpridas, nem sequer foi aflorada a possibilidade de 5/6, sendo que eu, neste tribunal há cerca de um mês, também não dispunha de elementos que me levassem a pensar que podia haver qualquer lapso na apreciação dos autos, até á data em que neles intervim e muito menos que me levassem a não aceitar como certa, a calendarização efectuada, da qual não se verificava qualquer reclamação e/ou pedido de rectificação.
Contudo e colocada que se mostra a questão e analisados os autos, forçoso se torna concluir que, estando o arguido em cumprimento ininterrupto de penas desde 16/02/01 e que tais penas somam mais de 6 anos, se lhe deverá aplicar o disposto no artigo 61°, n.º4 do Código Penal.
É certo que acabou as duas primeiras penas, antes de haver condenação na terceira, mas não menos certo é que, ficou logo ligado à última, em prisão preventiva e a decisão da mesma veio a transitar em julgado (em 05/01/07), alguns meses antes de se verificar a data para os 5/6, que ocorreram em 31/05/07.
Assim não vemos como não lhe aplicar o disposto no normativo supra, e muito menos compreendemos o alegado pela Ilustre magistrada do M.P.
Quanto ao ali alegado sobre proferir decisão no processo de revogação de saída precária, há a referir que no respectivo processo, só recentemente houve notícia da captura do arguido, sendo que constava que se encontraria nas instalações da PJ em Lisboa, não se tendo ainda ouvido o mesmo e sem o que não se pode proferir decisão, nem se poderia ter ouvido logo no passado dia 16, quando o ouvimos nos termos supra, pois a sua audição no âmbito do processo de Revogação de Saída Precária, tem de ser feita na presença de defensor e após notificado este, para requerer as diligências que tiver por relevantes.
Por outro lado e sendo que os 5/6 foram há muito atingidos e bem antes da ausência ilegítima e até mesmo antes da apreciação de Liberdade condicional que lhe fiz, não me parece que dependam de qualquer decisão a esse respeito, sendo que tal ausência ilegítima, só vai alterar a data do fim das penas, aliás já informada pelo tribunal da última condenação, apesar de não lhe ter sido ainda revogada a Saída Precária.
Não se pediu ao M.P. Parecer sobre hipóteses, pediu-se-lhe para querendo emitir Parecer, numa situação de 5/6, que por imperativa e obrigatória, não depende de quaisquer elementos informativos sobre a forma como tem corrido o cumprimento da pena, sendo que os necessários elementos à verificação de se tratar ou não, de 5/6, são objectivos e encontram-se nos autos.
Não vislumbramos o alcance da "ameaça" de recurso do penúltimo parágrafo da sua promoção.
Quanto ao teor do último parágrafo refere-se que, estando o arguido ausente desde 23 de Dezembro de 2007, não se lhe pôde realizar a apreciação pelos 2/3 que ocorreriam, (não fosse a ausência ilegítima) em 04/01/08, e, recapturado que foi, em 20/09/08, apenas se sabendo no dia 16/10/08, que se encontrava em Leiria, não se podia ter determinado o que quer que fosse, sendo que agora é absolutamente descabido fazê-lo, face ao tudo o supra aludido.
Pelo exposto forçoso se torna apreciar a situação do arguido, em conformidade com o disposto no artigo 61°, n.º4 do Código Penal, o que se vai fazer.
Notifique o arguido. Dê conhecimento ao EP e ao processo 799102.0TAOER. D.N.»
11. Na imediata sequência deste despacho, a M.ma Juíza proferiu a decisão recorrida, com o seguinte teor:
«Nos presentes autos de Processo Gracioso para concessão de liberdade Condicional, é apreciada a situação do arguido, L..., melhor identificado nos autos.
O arguido encontra-se em reclusão, actualmente, no Estabelecimento Prisional de Leiria.
O Processo mostra-se instruído com os necessários elementos à presente apreciação.
Ministério Público, pronunciou-se no sentido de não haver lugar ao 5/6, conforme melhor consta da promoção que antecede.
Encontra-se já nos autos, o consentimento expresso, do arguido, à concessão da liberdade Condicional.
O Conselho Técnico reunido (em situação de urgência) em 16/10/08, prestou os necessários esclarecimentos e pronunciou-se no sentido de que, não fora uma situação de 516, seriam unanimemente Desfavoráveis, conforme melhor consta da acta aqui dada por reproduzida.
Ouvido o arguido, não requereu a produção de quaisquer provas e prestou o seu consentimento, à concessão.
Cumpre pois, decidir:
Resulta dos autos, que o arguido se encontra a cumprir, sucessivamente, no âmbito dos processos n.º 29/01GEOER, 819/00.2PEOER e 799/02.0TAOER, as penas de prisão de, 5 anos e 4 meses, Subsidiária de 80 dias (estas já integralmente cumpridas até 04/09/06) e 2 anos (após perdão), respectivamente.
Em reclusão desde 16/02/01 (havendo um dia de privação da liberdade a descontar), atingiu os 5/6, das penas que sucessivamente cumpre, em 31/05/07.
Tendo protagonizado, pelo menos desde 28/12/07, uma ausência ilegítima, por não ter regressado de uma Saída Precária, que se lhe concedeu de 23/12/07 a 28/12/07, terminará as penas, de acordo com o tribunal da última condenação, em 26/05/09, descontada a ausência ilegítima de 8 meses e 22 dias, a que poderão acrescer 5 dias, se lhe for revogada a SPP, e devendo-se a manifesto lapso de escrita a indicação de 26/05/10, cuja correcção se vai solicitar.
A concessão da liberdade Condicional, em todas as suas vertentes, constitui uma medida de excepção, no cumprimento da pena, visando a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.
Implica pois, (com excepção da concedida pelos 5/6 da pena, que é obrigatória), toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
Tal instituto, assenta num Juízo de prognose, que permita concluir, verificados que se mostrem os requisitos enunciados nos n.º 2 e 3 artigo 61° do Código Penal, que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
E ainda de considerar que, nos termos do disposto no artigo 42° do mesmo diploma legal, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, se deve orientar, no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida, de modo socialmente responsável.
Claro que, a aplicação da liberdade Condicional, depende ainda, e sempre, do consentimento do arguido, conforme dispõe o n.º 1, do já citado artigo 61° do citado diploma.
Contudo, não sendo tal concessão automática, ao meio e aos dois terços da pena, dependendo da verificação dos legais requisitos, formais e materiais, o mesmo não se pode dizer, quando atingidos os 5/6, em penas de duração superior a seis anos, como é o presente caso.
Nesta altura, a concessão da Liberdade Condicional é obrigatória, automática, ope legis, isto é resulta directamente da verificação de pressupostos formais e não exige
valoração judicial autónoma da existência de pressupostos materiais, embora dependa sempre do consentimento do arguido.
Assentando tal instituto, na ideia de que, se o recluso, cumprida que seja a sua pena, tem de ser libertado, é preferível que se vá preparando para a sua vida em liberdade, no momento em que é ainda possível, vigiar o seu comportamento, sedimentando as bases de um efectiva reintegração social.
Mais concretamente, e no que aqui nos interessa, sendo esta apreciação, a correspondente aos 5/6 do cumprimento da pena, há que atentar, no que dispõem, os n.º1 e 4 do artigo 61° do Código Penal, donde resulta que, "obtido o consentimento do condenado, o Tribunal coloca-o, em liberdade condicional, logo que houver cumprido, cinco sextos da pena".
Verificados que se encontrem tais requisitos legais, a libertação é obrigatória.
Dos elementos carreados para o processo, da audição do arguido e da auscultação do Conselho Técnico, resulta, nomeadamente que:
- O recluso atingiu os 5/6 das penas em que está condenado, no dia 31/05/07.
- Deu o seu consentimento à aplicação da Liberdade Condicional;
Assim, deve o arguido, ser restituído à liberdade de imediato.
Por tudo o exposto, em conformidade com os normativos citados, decide-se conceder ao arguido, a liberdade Condicional, desde já e até ao termo das penas, sujeita às seguintes condições:
(…)»
12. Posteriormente, o condenado veio a ser preso preventivamente à ordem do processo 1406/08.2PCOER, do 2.º Juízo Criminal de Oeiras.
3. Apreciando
1. Verifica-se que o recurso interposto pelo Ministério Público tem como objecto a decisão da M.ma Juíza do T.E.P. que concedeu ao recluso L... a liberdade condicional.
Questão que não foi suscitada, mas que se pode colocar, é a da recorribilidade de tal decisão.
Nos termos do disposto no artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, não é admissível recurso, entre outras, das decisões que concedam ou neguem a liberdade condicional.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questão de constitucionalidade da referida norma, no Acórdão n.º 321/93 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25.º vol., pp. 367-373, e no Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1993), fazendo-o no sentido da inexistência de desconformidade com o texto constitucional então vigente.
Sobreveio, entretanto, a revisão constitucional de 1997, que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República, com expressa referência ao direito ao recurso.
Questionou-se, então, se o disposto no artigo 127.º não deveria ser conjugado com a norma do artigo 399.º do Código de Processo Penal e se, por um lado, aquele artigo 127.º não teria sido derrogado e, por outro, se o juízo de constitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional não estaria posto em causa face à revisão de 1997 da Constituição da República (cf. Acórdão do S.T.J., de 24 de Abril de 2002, Processo: 02P1569, www.dgsi.pt).
Atente-se que o mencionado artigo 127.º manteve inalterado o regime anterior, vindo do n.º 1 da Base III da Lei n.º 2000, de 16 de Maio de 1944, e do artigo 65.º do Decreto n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945, em que as decisões referentes à liberdade condicional não eram também sujeitas a recurso, excepto na medida em que a revogassem.
Entretanto, o Tribunal Constitucional, mediante o Acórdão n.º 638/2006, de 21 de Novembro, acabou por alterar o seu entendimento, tendo em vista a revisão constitucional de 1997, decidindo julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º, dos artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, e do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional.
Na recente revisão do Código de Processo Penal, levada a efeito pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, entendeu o legislador, como claramente o indicou na “Exposição de Motivos” da respectiva Proposta de Lei, que em matéria de execução de penas deveria passar a caber recurso nos termos gerais, e citamos, «da decisão que negue ou revogue a liberdade condicional (artigos 485.º e 486.º). Trata-se de um acto jurisdicional que incide sobre um direito fundamental do condenado e ainda se inclui no âmbito da garantia de recurso consagrada no n.º 1 do art. 31.º da Constituição».
O legislador, dando execução a esse desiderato, alterou, em conformidade, os artigos 485.º e 486.º, aditando-lhes, respectivamente, os números 6 e 4, que passaram a consagrar a recorribilidade do despacho que negue ou revogue a liberdade condicional.
Conclui-se que estes dois últimos segmentos normativos implicam a revogação, tácita do art. 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, no segmento em que no mesmo se excluía do direito ao recurso o despacho que negue ou revogue a liberdade condicional (isto no pressuposto de que ainda estivesse em vigor, o que é discutível, como se viu).
Como se disse, está em causa nos presentes autos uma decisão de concessão da liberdade condicional e não qualquer despacho que a negue ou revogue.
A lei não prevê expressamente o recurso do despacho que conceda a liberdade condicional ou o período de adaptação à liberdade condicional.
E parece decorrer das alterações introduzidas, à luz da evolução legislativa, que tal despacho não será recorrível.
Saliente-se que, entretanto, deu entrada, recentemente, na Assembleia da República, a Proposta de Lei 252 X, que aprova o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (disponível no site da Assembleia da República), código que, no respectivo artigo 179.º, admite o recurso quanto à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional, reconhecendo legitimidade para recorrer ao Ministério Público e ao recluso (este apenas quanto à decisão de recusa) e estabelecendo que o recurso da decisão de concessão tem efeito suspensivo e reveste natureza urgente quando o parecer do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão.
Em todo o caso, mesmo que se entenda que, no regime actual, se mantém a irrecorribilidade da decisão de concessão da liberdade condicional, havendo apenas recurso da decisão que a negue ou revogue, afigura-se-nos que tal irrecorribilidade respeitará, tão-somente, à sindicância dos requisitos de ordem material a apreciar pelo T.E.P. na decisão de concessão da liberdade condicional.
Quer isto dizer que não será recorrível a decisão que conceda a liberdade condicional, tendo por base a discordância do Ministério Público quanto à avaliação que o juiz do T.E.P. tenha feito a propósito da capacidade de readaptação do condenado à vida social e à compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Diversamente, já nos parece que seria incompreensível a irrecorribilidade de decisão do T.E.P. manifestamente ilegal, que decidisse conceder a liberdade condicional antes de atingida a metade da pena, ou que entendesse, por exemplo, que havia libertação obrigatória aos 2/3 da pena ou que a liberdade condicional prescindia do consentimento do condenado – por outras palavras, afigura-se-nos que a decisão de concessão de liberdade condicional será recorrível com fundamento em ilegalidade por violação dos pressupostos formais.
Nesta base, afigura-se-nos que a decisão da M.ma Juíza é recorrível, pois o que se questiona é a verificação ou não de um pressuposto formal.
2. Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As consequências jurídicas de crime, 1993, pp. 527 e seguintes), o instituto da liberdade condicional «surge como uma providência que, procurando responder ao aumento significativo da reincidência observado no segundo quartel do século XIX, visava essencialmente promover a ressocialização dos delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração através da sua libertação antecipada – uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas – e, deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre».
Tal instituto foi acolhido pelo Código Penal de 1982, surgindo como uma das formas de combate ao efeito criminógeno das penas detentivas procurando-se com o mesmo operar uma transição entre o cumprimento da pena dentro da prisão e a vida em sociedade após a libertação.
Esta ideia ficou bem expressa na introdução ao mencionado diploma legal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), onde se escreveu: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
O Código Penal de 1982 previa duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional obrigatória e a liberdade condicional facultativa.
A concessão da liberdade condicional facultativa (art. 61º, n.º 1) dependia da verificação de dois pressupostos formais: a condenação em pena de prisão superior a seis meses e o cumprimento de metade da pena de prisão.
O primeiro fundava-se no entendimento de que o cumprimento de uma pena de prisão inferior a seis meses não permitiria avaliar, com segurança, qual o comportamento do delinquente após a libertação, o segundo, assimilando o primeiro, fundava-se, ainda, numa ideia de prevenção geral.
A estes pressupostos de ordem formal acrescia a verificação de requisitos de ordem material, traduzidos no bom comportamento prisional do condenado e na capacidade de este se readaptar à vida social demonstrando vontade séria de o fazer, circunstâncias que permitiam a emissão de um juízo de prognose favorável sobre a sua readaptação.
Por seu turno, a concessão da liberdade condicional obrigatória (art. 61º, n.º 2) dependia da verificação de pressupostos meramente formais, dispensando-se qualquer avaliação do comportamento futuro do recluso. Assim, os condenados a penas de prisão superiores a seis anos, independentemente do tipo de crime cometido, logo que cumpridos cinco sextos da pena sem terem beneficiado da liberdade condicional facultativa, estavam sujeitos ao regime da liberdade condicional. Isto de acordo com o entendimento de que a prossecução das finalidades de prevenção especial implicava que o condenado não fosse definitivamente colocado em liberdade sem um período transitório de liberdade controlada.
Com a revisão do Código Penal operada em 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03), o instituto da liberdade condicional, mantendo as duas modalidades (facultativa ou obrigatória), afirmou o princípio de que, em qualquer delas, a sua concessão depende sempre do consentimento do condenado, afastando a ideia que anteriormente perpassava de uma socialização forçada ou coactiva e, por outro lado, determinou que o seu tempo de duração não deve, em hipótese alguma, ultrapassar o tempo de prisão que faltasse cumprir ao condenado.
Como refere Maria João Antunes, com a revisão de 1995 dissiparam-se as dúvidas até aí existentes sobre a natureza jurídica do instituto, clarificando-se que se trata de um incidente de execução da pena de prisão que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela dos bens jurídicos (Consequências jurídicas do crime, lições para os alunos de Direito Penal III da FDUC, 2007-2008, p. 47).
Saliente-se que o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que introduziu uma limitação à concessão da liberdade condicional em atenção à natureza dos crimes objecto de condenação e à medida da pena concreta, tendo em vista razões de prevenção geral positiva, manteve a liberdade condicional obrigatória ou ope legis em todos os casos de condenação em pena determinada superior a 6 anos de prisão, logo que cumpridos cinco sextos da pena, independentemente do tipo de crime em causa e da verificação de quaisquer requisitos de ordem material, designadamente, não sendo necessário qualquer juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado.
Para preencher lacuna até então existente, as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 48/95 incluíram a introdução do regime da concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas. Situação que, como salienta Maria João Antunes, justifica uma previsão especial, comparativamente com a de condenação em pena única, em caso de concurso de crimes, para a qual valem todos os pressupostos gerais de concessão da liberdade condicional (texto citado, p. 52).
As alterações entretanto introduzidas pela revisão de 2007, levada a efeito pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, mantiveram a previsão especial para o caso de execução sucessiva de várias penas, abandonando, porém, a solução diferenciada que a revisão de 1995 havia introduzido em atenção à natureza dos crimes objecto de condenação e à medida da pena concreta, do que resultou uma simplificação do regime de concessão da liberdade condicional nas situações de execução sucessiva.
Assim, dos n.º 1 e 2 do artigo 63.º do Código Penal, na redacção resultante da revisão de 2007, resulta que, havendo lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida ao meio da pena, sucedendo-lhe a execução da pena que deva ser executada a seguir; e que o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que o possa o fazer, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
Esta solução obsta a que o condenado esteja, ao mesmo tempo, em liberdade condicional e em cumprimento de uma outra pena de prisão, o que seria político-criminalmente indesejável.
A interrupção na execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar está expressamente prevista no n.º 1 do artigo 63.º, prevendo-se no n.º 2 que a concessão da liberdade condicional seja decidida somente quando o tribunal o possa fazer, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas. O que significa ser válida a teoria da soma das penas, pelo que, só depois de decorrido o prazo de que depende a concessão da liberdade condicional das várias penas é que tem lugar o juízo sobre os pressupostos materiais dessa concessão.
Se o condenado não tiver beneficiado da liberdade condicional e se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 6 anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, desde que este consinta, logo que se mostrem cumpridos cinco sextos da soma das penas, tendo lugar a liberdade condicional chamada «obrigatória» (artigo 63.º, n.º3, do Código Penal).
3. Como já se disse, a liberdade condicional obrigatória logo que o condenado a pena de prisão superior a 6 anos tenha cumprido cinco sextos da pena visa responder às situações de desabituação à vida em liberdade e que, ocasionadas pela aplicação de penas muito longas, exigem um período de adaptação (cf. Acta da Comissão Revisora do Código Penal, n.º 7, pp. 62 e 69).
E, como se lê no Acórdão do Pleno do S.T.J., de 23 de Novembro de 2005 (publicado como Acórdão n.º 3/2006, no D.R., I-A série, de 9 de Janeiro de 2006), essa longa duração foi fixada em mais de 6 anos de prisão «tendo-se, seguramente, presente que, de acordo com estudos criminológicos realizados, a clausura acima dos 5 anos “possui efeitos perversos dissocializadores e até mesmo criminógenos” (cf. Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português: Breves Notas, pp. 384 e segs.).»
Para responder a essas situações, a liberdade condicional denominada de «obrigatória» visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a permitir ao condenado integrar-se de modo definitivo na comunidade após um período de afastamento motivado pela prisão, tendo como justificação acrescida a circunstância de esse afastamento da comunidade ser particularmente prolongado no caso dos condenados a pena de prisão superior a 6 anos. E visa, ao mesmo tempo, facilitar a reintegração social do agente e bem assim permitir o exercício de um certo controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade (cf. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado, 18.ª ed., 2007, pp. 243 e segs.).
Ensina Figueiredo Dias acerca deste instituto, acentuando as diferenças em relação à liberdade condicional «facultativa» e o seu carácter não premial, face a esta última: «Tratando-se na presente hipótese de uma pena - aplicada portanto, em primeira linha, com fundamento em exigências de prevenção geral positiva, e que ainda atingiu só cinco sextos da sua duração -, a fase de transição e as restrições de liberdade que ela implica podem perfeitamente justificar-se como ajuda à socialização dentro de limites temporais ainda suportados pelas exigências de prevenção geral positiva que, no caso, se fizeram sentir.» (ob. cit., p. 543).
As mesmas razões justificam a previsão da concessão da liberdade condicional obrigatória nos casos em que, não se tratando de uma pena de prisão superior a 6 anos, se esteja perante uma soma de penas que devam ser cumpridas sucessivamente e que exceda 6 anos de prisão (situações de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que não dão lugar à realização de cúmulo jurídico).
Procura-se, assim, criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, destinado a permitir ao recluso uma mais fácil integração na comunidade – objectivo particularmente justificado nos casos em que, mercê da aplicação de penas de prisão muito longas (como sejam as de medida superior a 6 anos), trate-se de uma única pena ou do cumprimento sucessivo de várias, a desabituação do condenado à vida em liberdade torna indispensável a existência de um período de adaptação.
4. Compreendido o fundamento material do regime da concessão da liberdade condicional obrigatória, regressemos ao caso em apreço.
Verifica-se que o condenado esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º 29/01.1 GEOER, do 1.º Juízo Criminal de Oeiras, desde 16 de Fevereiro de 2001, até ser desligado para cumprir a pena imposta no processo 1212/99.3 PCOER, do mesmo tribunal, vindo a ser desligado deste e ligado ao referido processo n.º 29/01.1 para aí cumprir a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão imposta em cúmulo jurídico das penas em que foi condenado nos mencionados dois processos.
Cumpriu também, sucessivamente, 80 dias de prisão subsidiária imposta no processo 819/00.2.
Assim, à ordem dos referidos processos, esteve preso desde 16 de Fevereiro de 2001 até 3 de Setembro de 2006, data do termo das referidas penas.
E passou a estar preso preventivamente, desde 4 de Setembro de 2006, à ordem processo n.º799/02.0TAOER, onde veio a ser condenado em 1.ª instância na pena de 3 anos de prisão, pela co-autoria de um crime de sequestro qualificado p. e p. pelo artigo 158.º, n.º1 e 2, b), do Código Penal, pena essa que foi reduzida pela Relação de Lisboa para 2 anos de prisão, por acórdão de 31 de Outubro de 2006, transitado em julgado em 5 de Janeiro de 2007.
Não se questiona a razão do recorrente ao dizer que a circunstância de o condenado ter ficado em prisão preventiva à ordem do processo n.º799/02.0TAOER, a partir do termo das penas anteriores, não é equivalente a ter ficado em cumprimento de pena. A prisão preventiva é uma medida de coacção e, por conseguinte, não se confunde com a prisão enquanto pena, que só pode ser cumprida depois de haver sentença condenatória com trânsito em julgado.
Nesse sentido, admite-se que ao terminar o cumprimento das penas que vinha cumprindo sucessivamente, o recluso não passou imediatamente a cumprir pena à ordem do processo n.º 799/02.0TAOER.
Porém, certo é que o recluso veio a ser condenado em pena de prisão no mencionado processo n.º 799/02.0TAOER.
E tendo em o vista o disposto no artigo 80.º, n.º1, do Código Penal, a prisão preventiva sofrida não podia deixar de ser descontada «por inteiro no cumprimento da pena de prisão» (para além de períodos de detenção e obrigação de permanência na habitação que houvesse a considerar).
Tendo o arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento da pena de prisão, tal período conta por inteiro, e sem qualquer restrição, para o cômputo dos prazos relevantes para a liberdade condicional.
Daí que Figueiredo Dias encare como perfeitamente admissível que no momento da condenação, o arguido esteja já em condições de, ao menos formalmente, beneficiar da aplicação da liberdade condicional (ob. cit., p. 536).
Quer isto dizer que não se duvida que o condenado só entra em cumprimento de pena com o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória, pois até esse momento, estando preso, essa prisão é preventiva, tal como refere o recorrente.
No entanto, também não se ignora que nas situações em que o condenado esteve ininterruptamente preso à ordem dos autos, desde a data da detenção até ao trânsito em julgado da condenação, o método mais seguido na prática judiciária é o de proceder ao cômputo da pena desde o dia em que o arguido foi detido, contando-se todas as datas desde tal dia.
Ora, o que resulta dos autos é que o recluso, efectivamente, esteve ininterruptamente preso desde 16 de Fevereiro de 2001, em cumprimento da pena de 5 anos e 4 meses de prisão, da pena de 80 dias de prisão subsidiária e depois à ordem do processo n.º 799/02.0TAOER, onde foi condenado na pena de 2 anos de prisão.
Do ponto de vista dos supra referidos fundamentos materiais que justificam a liberdade condicional obrigatória – facilitar ao agente o reingresso na vida livre após longa reclusão –, somos levados a concluir que tais fundamentos aplicam-se inteiramente ao caso em apreço.
E não se diga, como refere o recorrente, que tal entendimento postula que um preso preventivo possa ter de ser libertado condicionalmente por atingir os 5/6 de penas futuras.
O que releva, a nosso ver, é que o recluso veio a ser efectivamente condenado, por sentença transitada em julgado, no processo a que ficou ligado na situação de prisão preventiva, tendo de ser computado, para efeitos de desconto, todo o tempo de prisão preventiva entretanto sofrida. Como é evidente, a questão só pode ser colocada depois de estarmos perante uma condenação transitada.
Estando o recluso preso, ininterruptamente, à ordem dos referidos processos, para cumprir, afinal, um total de 7 anos, 6 meses e 20 dias de prisão, afigura-se-nos que, na perspectiva material, todas as razões que justificam a liberdade condicional aos 5/6 estão presentes no caso.
Pelo exposto, entendemos ser de manter a decisão recorrida.
III – Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.