Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1362/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: COMPENSAÇÃO
SUA EFECTIVAÇÃO EM PROCESSO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 847º A 856º DO C. CIV. , E 823º, Nº 2, DO CPC.
Sumário: I – A compensação é uma causa de extinção das obrigações, que se encontra regulamentada nos artºs 847º a 856º do C. Civ., e que se traduz fundamentalmente na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira .

II – A compensação pode ser total ou parcial, a ela não obsta a iliquidez da dívida, não opera “ ipso jure”, automaticamente, antes se tornando efectiva mediante declaração, que não pode ser feita sob condição ou a termo, de uma das partes à outra, e depende de ser o crédito de quem toma a iniciativa da compensação exigível judicialmente, não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade .

III – Não há fundamento para que a compensação, como facto extintivo ou modificativo da obrigação, não possa ser invocada na acção executiva . Ponto é que, baseando-se a execução em sentença, a situação de compensação seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento – artº 814º, al. g), do CPC .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
Nos autos de execução de sentença que, com o nº 108/97-A, correm termos pela 1ª Secção do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, em que é exequente A... e executada B..., e na qual foi penhorado um depósito da executada no C..., no montante de € 3.977,98 (três mil novecentos e setenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), foi pela executada apresentado, de fls. 162 a 164, um requerimento pedindo, por um lado, que, nos termos do artº 823º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, se declare a impenhorabilidade daquele montante e, por outro, que se suste a execução, por pagamento, resultante da compensação entre a quantia exequenda e um crédito, no montante de 3.990,38 euros, que tem sobre a exequente e seu ex-marido.
Ouvida a exequente, que se opôs, foi a pretensão da executada indeferida pelo despacho de fls. 184.
Irresignada, a executada recorreu, defendendo que o despacho deve ser revogado na parte que diz respeito à compensação, ordenando-se a suspensão da execução e a liquidação da responsabilidade da executada, nos termos do nº 4 do artº 917º do C.P.C..
Na alegação de recurso apresentada, formulou a recorrente as conclusões seguintes:
1) O credor que recebe a prestação de terceiro, pode subrogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação. A subrogação supõe o pagamento e portanto o terceiro que paga pelo devedor só se subroga nos direitos do credor com o pagamento.
2) A compensação de créditos entre exequente e executada, pode ser invocada pela executada, mediante declaração extrajudicial ou judicial à outra parte exequente, operando retroactivamente desde 3 de Abril de 2003, a dívida de 300.000$00, desde 23/4/2003 a dívida de 800.000$00.
3) O pagamento na execução, pode ser f eito por vários modos, incluindo a compensação de créditos e em qualquer fase da execução.
4) Porque a executada, juntou título extintivo, há no caso a compensação extrajudicial ou a judicial, face à apresentação e invocação na execução da compensação perante a subrogação da executada nos dois títulos de dívida, deve ordenar-se a suspensão da execução e a liquidação da responsabilidade do executado, nos termos do nº 3 do artº 916º do C. P. Civil, prosseguindo-se os demais termos do nº 4 do artº 917º deste mesmo Código.
Não tendo cabimento no caso concreto a aplicação do disposto no artº 814º, al. g) do artº813º do C.P.C..
A recorrida não respondeu.
Foi proferido despacho de sustentação.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se pode ou não a executada tornar efectiva a compensação, mediante declaração à exequente, assim obtendo a sustação e, liquidada a sua responsabilidade, a extinção da execução.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão são os que constam do relatório antecedente e ainda os seguintes:
a) Ao requerer, em 29/07/2003, a sustação da execução por compensação dos créditos/débitos recíprocos, a executada fê-lo nos termos seguintes:
“Na verdade, na relação de bens do inventário de partilhas – Pº 139-A/1997 deste 2º Juízo, entre a exequente A... e seu ex-marido D..., filho da ora executada e interditado na Acção 8.144/97 deste 2º Juízo, consta como passivo a dívida do casal a António Ferreira Marques, no valor de 300.000$00 e a dívida do casal a José Nunes Florindo e mulher no valor de 800.000$00, além de outras - doc. 4.
Na conferência de interessados realizada no dia 2/4/2003, ambos os interessados, por unanimidade, aprovaram todo o passivo, conforme resulta do documento 5.
Ora, José da Conceição Florindo, credor por pagamento da quantia dos referidos 800.000$00 pela executada B... em 31 de Abril de 2003, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 595º do C. Civil, transmitiu a dívida para a ora executada, que passou a ser credora de tal quantia (3.990,38 €) passando a ora exequente e seu ex-marido a serem devedores solidários - conforme resulta da declaração - doc. 6.
Assim, nos termos do artº 848º do C. Civil, a ora executada pretende a compensação da sua dívida pela dívida solidária da exequente, nos montantes que cada uma deve à outra, ficando saldo a favor da ora executada.
b) Com o aludido requerimento a executada juntou, como documento nº 4, fotocópias de parte duma relação de bens em inventário, em que figuram como verbas nºs 1 e 2 do passivo, respectivamente, “dívida do casal a António Ferreira Marques, no valor de trezentos mil escudos” e “dívida do casal a José Nunes Florindo e mulher Susete, no valor de oitocentos mil escudos”;
c) Como documento nº 5 juntou fotocópias de:
- uma acta de conferência de interessados, datada de 02/04/2003, do inventário nº 139/A/97, em que é requerente e cabeça de casal A..., da qual consta, além do mais, que “por unanimidade foi aprovado todo o passivo descrito sob as verbas nºs 1 a 5”;
- um despacho determinativo da partilha em que, para além do mais, se estatui que “... cada uma das verbas 1 a 44 será adjudicada, em comum e partes iguais a cada um deles Refere-se aos interessados, ex-cônjuges, A... e D...., bem como ambos ficarão responsáveis pela totalidade do passivo, que igualmente lhes fica adjudicado em comum e partes iguais”;
- um mapa de partilha do inventário nº 139/A/97, em que, sob o título “Adjudicação das meações e pagamentos”, se atribui a cada um dos ex-cônjuges, A... e D..., metade das verbas nºs 1 a 44 (móveis), no valor de 1.187.000$00 (5.920,75 euros) e a responsabilidade no passivo de 1.528.054$50 (7.622,00 euros);
- um ofício para notificação da Ex.ma Srª Drª Maria Celeste Escudeiro do mapa da partilha.
d) Como documento nº 6 juntou fotocópia de:
- um escrito dactilografado (cfr. fls. 175) com a epígrafe “ASSUNÇÃO DE DÍVIDA”, com uma assinatura manuscrita de José da Conceição Florindo e uma rubrica ininteligível, com o texto seguinte:
“Eu, JOSÉ DA CONCEIÇÃO FLORINDO, casado, residente em ZI - LE Cequet, 03260 - ST, Germain DES SOSSES, França
declaro ter recebido em 31 de Abril de 2003 da Srª D. Donzilio Florindo Godinho Marques, viúva, residente no Centro Comercial Templários, Loja 149, Tomar, a quantia de 800.000$00 (3.990,38 €) e juros legais devidos desde Dezembro de 1994, de que era devedor o casal constituído (na altura) por D... e sua mulher A... Marques.
Desonero, perante mim, estes devedores, que ficam devedores daquele montante e juros vincendos à referida pagadora B..., nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 595 do Código Civil.
França , Maio de 2003”
- um escrito dactilografado (cfr. fls. 176) com a epígrafe “ASSUNÇÃO DE DÍVIDA”, com duas assinaturas manuscritas de Manuel Ferreira Marques e de Olívia Jesus Ferreira Sargaço, com o texto seguinte:
“MANUEL FERREIRA MARQUES, casado, residente em Rua Cândido Figueiredo, nº 3 – 1º Dtº, 1500 Benfica e Olívia de Jesus Ferreira, RESIDENTE EM Rua António Nobre, nº 59, r/chão Dtº, 1500 Benfica, únicos herdeiros de seu falecido pai António Ferreira Marques, declaram ter recebido em 3 de Abril de 2003, da Srª D. B..., viúva, residente no Centro Comercial Templários, Loja 149, Tomar, a quantia de 300.000$00 (1.496,39 €) e respectivos juros legais (7%) desde a data do empréstimo – Agosto de 1994 - ao casal que então constituíram D... e A... Marques.
Desoneramos, perante nós, estes devedores daquele montante e juros vincendos à referida pagadora B..., nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 595 do Código Civil.
Lisboa, de Maio de 2003”
e) A exequente opôs-se à pretensão da executada mencionada na al. a), supra, nos seguintes termos:
“É verdade que na relação de bens do inventário de partilhas entre a exequente e o filho da ora executada, os interessados aprovaram o passivo, do qual consta dívidas que, como se afirmou ainda não estavam saldadas e outras tinham sido pagas pela interessada, ora exequente, mas os credores foram citados para reclamarem o pagamento das mesmas pelo produtos do activo e não manifestaram o menor interesse, nem tendo comparecido, pelo que rejeita em absoluto que venha alegar a executada a repentina necessidade de pagar montantes em dívida pelo casal, quando os credores nunca solicitaram à exequente o pagamento.
Assim sendo é no mínimo absurdo que a executada apareça com declarações assinadas, supostamente pelos credores, alegando que ao final de anos liquidou os montantes de que o casal era devedor e pretender operar uma compensação de créditos com o montante que mantém em dívida.
Ainda que se operasse essa compensação, que a exequente não aceita, ainda se manteria parte da dívida por pagar, uma vez que o montante da quantia exequenda é superior à quota-parte das alegadas dívidas da exequente.”
f) O despacho recorrido (cfr. fls. 184), na parte relativa à declaração de compensação, tem o teor seguinte:
“Por último, no que concerne à compensação, não são estes autos a sede própria para a sua apreciação, designadamente, tendo em atenção o preceituado no artº 814º g) do C.P.C..
Termos em que, por ausência de fundamento legal, indefiro ao requerido.
Notifique.”
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3.2.2. De direito
A compensação é uma causa de extinção das obrigações que se encontra regulamentada nos artºs 847º a 856º do Código Civil e que se traduz fundamentalmente na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira. É, assim, um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, para além de que se afigura equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso entretanto se desse a insolvência da contraparte Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 797..
A compensação pode ser total ou parcial (artº 847º, nº 2), a ela não obsta a iliquidez da dívida (artº 847º, nº 3), não opera “ipso jure”, automaticamente Prof. Menezes Cordeiro, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, pás. 129/133., antes se tornando efectiva mediante declaração, que não pode ser feita sob condição ou a termo, de uma das partes à outra (artº 848º) e depende de ser o crédito de quem toma a iniciativa da compensação exigível judicialmente, não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (artº 847º, nº 1).
Esta causa de extinção das obrigações não é admissível, de acordo com o artº 853º, em qualquer das seguintes hipóteses:
a) Quando os créditos provenham de factos ilícitos dolosos;
b) Sendo os créditos impenhoráveis, excepto se ambos tiverem essa natureza;
c) Tratando-se de créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, salvo quando a lei o autorize;
d) Se da compensação resultar lesão de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis;
e) Havendo renúncia do devedor à compensação.

Podendo a declaração de compensação ser feita no âmbito de uma acção judicial pendente, foi muito discutida na doutrina e na jurisprudência a forma processual de a invocar, havendo quem defendesse que teria de ser sempre como excepção peremptória, quem defendesse que teria de ser sempre por via de reconvenção e quem defendesse que seria como excepção peremptória até ao montante do crédito a compensar e por via de reconvenção relativamente ao excesso (se existisse) Prof. Menezes Cordeiro, obra e local citados..
Aderimos a esta última corrente, que é largamente maioritária, segundo a qual até ao montante do crédito a compensar a compensação é um facto extintivo (se total) ou modificativo (se parcial), a deduzir como excepção peremptória e, relativamente ao excesso, se o houver, integra uma pretensão autónoma, a formular por via de reconvenção.
No tocante à acção declarativa a questão está, pois, estudada, não suscitando actualmente grandes dúvidas.
E quanto à acção executiva?
À partida não se encontra fundamento para que a compensação, como facto extintivo ou modificativo da obrigação, não possa ser invocada na acção executiva. Ponto é que, baseando-se a execução em sentença, a situação de compensação seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (artº 814º, al. g) do Cód. Proc. Civil) Cfr. Acórdãos do STJ de 06/10/87 (Relator: Cons. Joaquim de Figueiredo), 27/01/89 (Relator: Cons. Gama Vieira), 04/10/94 (Relator: Cons. Carlos Caldas) e 03/12/98 (Relator: Cons. Lemos Triunfante), todos em www.dgsi.pt/jstj..
Surgindo a situação de compensação após o encerramento da discussão na acção declarativa, constituirá fundamento de oposição à execução, a deduzir no prazo de 20 (vinte) dias a contar da citação ou, sendo superveniente, a contar do dia em que tenha surgido ou dela tenha conhecimento o opoente (artº 813º, nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil vigente, correspondente ao artº 816º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, na versão anterior ao Dec. Lei nº 38/2003, de 08/03).
No caso dos autos Apesar do título e do texto do último parágrafo dos documentos de fls. 175 e 176, o que substancialmente parece ter ocorrido foi sub-rogação da executada nos direitos dos credores do casal da exequente e seu ex-cônjuge (artºs 589º e seguintes do Cód. Civil). a situação de compensação surgiu com o pagamento por parte da executada das dívidas do casal da exequente e seu ex-cônjuge e consequente sub-rogação nos direitos dos credores, o que, de acordo com os documentos de fls. 175 e 176, ocorreu em Maio de 2003.
Mesmo que a situação aludida tivesse ocorrido no último dia do mês de Maio de 2003, sempre a executada teria excedido o prazo de 20 dias para a oposição, já que esta foi apresentada apenas em 29/07/2003.
Dada a sequência de actos processuais e os próprios termos iniciais do requerimento da executada Começa assim o dito requerimento da executada de 29/07/2003:
“B..., executada, vem à execução que lhe move a exequente A..., tendo conhecimento da penhora de 3.977,98 € da C:D.O. nº 8581119-001 C... ...”., poderia ter ela visado suscitar o incidente de oposição à penhora, previsto nos artºs 863º-A e 863º-B do Cód. Proc. Civil.
Contudo a questão em discussão neste agravo – extinção da obrigação por compensação – não serve como fundamento para tal oposição, pois se não enquadra em nenhum dos previstos no artº 863º-A.
A exequente parece ter inserido a questão da compensação no nº 4 do artº 916º do Cód. Proc. Civil (nº 3 na versão anterior ao Dec. Lei nº 38/2003), segundo o qual “quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado”.
Contudo, a executada, apesar de ter junto documentos demonstrativos de estar sub-rogada nos direitos dos credores do casal que a exequente formou com o seu ex-cônjuge, não juntou documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte da exequente ou qualquer outro título extintivo. É que, como oportunamente se disse, a compensação não opera “ipso jure”, automaticamente, e a executada deixou transcorrer o prazo em que validamente, através da competente oposição à execução, poderia ter dirigido à exequente a declaração de compensação, tornando esta efectiva Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, págs. 672/673 e Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, 4ª edição, pág. 358..
Soçobram, pois, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz ao não provimento do agravo e à manutenção da decisão sob recurso.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e em manter a decisão recorrida.
As custas são a cargo da agravante.
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