Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1322/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
HORAS EXTRAORDINÁRIAS
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 26º, Nº 3, DA LEI Nº 100/97, DE 13/9 ; 86º E 87º DA LCT .
Sumário: I – A NLAT dispõe no seu artº 26º, nº 3, sobre a noção de retribuição ( mensal ), como tal devendo entender-se tudo o que a Lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios .

II – A própria lei exclui da noção de retribuição, por via de regra, duas variáveis, por compreensíveis razões que se prendem com a sua natureza normalmente esporádica / acidental, por um lado, e meramente compensatória / não retributiva da força de trabalho, por outro – referimo-nos à remuneração do trabalho extraordinário e às ajudas de custo .

III – Mas ainda assim, no que concretamente tange à remuneração do trabalho suplementar, com a expressa ressalva dos casos em que se entenda que integram a retribuição do trabalhador – o que se verificará sempre que constitua uma prestação que revista carácter de regularidade e não se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Terminada, sem êxito, a fase conciliatória do presente processo especial emergente de acidente de trabalho, veio A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandar, com mandatária constituída, junto do Tribunal do Trabalho de Leiria, as RR. «B...» e Companhia de Seguros «C....», pedindo, a final, a sua condenação no pagamento dos montantes discriminados no petitório, a título de indemnização por incapacidades temporárias e pensão anual e vitalícia, requerendo concomitantemente a sujeição a exame por Junta Médica, para a qual formulou quesitos.

Pretextou, em síntese útil, que foi vítima de um acidente de trabalho no dia 31.10.2002, nas instalações da R. patronal, quando, com a categoria profissional de serralheiro, trabalhava por conta e direcção desta.
O acidente consistiu em ter sido atingido pela ponta de uma broca que lhe causou traumatismo da córnea, com úlcera de difícil cicatrização.

2 – Contestou desde logo a co-R. Patronal, aduzindo basicamente em sua defesa que tinha a sua responsabilidade infortunística transferida parcialmente para a co-R. Seguradora.
Aceita a responsabilidade correspondente ao prémio de desempenho de 80€ por mês x 12, que pagava ao A.
Mas não aceita a responsabilidade quanto ao outro ‘prémio’ indicado na contestação, na média de 190,50€ x 12 meses porque não se trata de vencimento ou parte de vencimento a que o A. tenha direito, mas sim da média correspondente a horas extraordinárias feitas por ele ao longo dos últimos meses, apesar de no recibo aparecerem processadas como ‘prémio’.

Alega por sua vez a R. Seguradora não aceitar as consequências do acidente, pois o A. foi considerado clinicamente curado com uma IPP de apenas 15%, sendo que o salário transferido pela R. patronal era de 805,00€x14 meses, acrescido de €65,78x 11 meses de subsídio de alimentação.

3 – Saneada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando:
- A co-R. «C...» a pagar ao A. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 1.259,32€, com efeitos reportados a 23.10.2003 e 5,00€ a título de despesas com transportes obrigatórios a Tribunal;
- A co-R. Patronal, «B...» a pagar ao A. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 254,26€ e a quantia de 324,85€ de diferenças registadas na liquidação das indemnizações por incapacidades temporárias, tudo com juros de mora à taxa legal.

4 – É a co-R. patronal que, inconformada, veio interpor recurso da decisão, oportunamente admitido como apelação, cujas alegações rematou com este quadro conclusivo:
1. O valor pago a um trabalhador referente a horas extraordinárias feitas por este não constitui retribuição, mesmo para efeitos de indemnização por acidente de trabalho;
2. A expressão utilizada no art. 26º/3 da Lei 100/97, pressupõe um pagamento igual e que se verifique em todos os meses, nos últimos 12 meses;
3. E, mesmo que o trabalhador tenha feito algumas horas, teria de provar que as fez ao longo dos últimos 12 meses, como resulta do art. 264º do Código do Trabalho, o que não é o caso;
4. A decisão recorrida violou assim o art. 82º da LCT, o art. 26º/3 da LAT e os arts. 249º e 250º do Código do Trabalho;
5. Só revogando a decisão recorrida no que toca ao valor das horas extraordinárias considerado para cálculo da indemnização por Acidente de Trabalho se fará Justiça.

5 – Contra-alegou o A., pugnando no sentido da improcedência da reacção da recorrente e da consequente manutenção do julgado.

Recebidos os Autos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto e proficiente Parecer – cumpre ora analisar e decidir.

II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO
Atenta a delimitação objectiva do recurso, a que já aludiremos, importa reter apenas a seguinte factualidade, adrede relevante:
- À data do acidente, ocorrido a 31.10.2002, o A. auferia a seguinte remuneração:
. € 805,00 x 14 meses, a título de salário;
. € 65,78 x 11 meses, a título de subsídio de refeição;
. € 80,00 x 12 meses, a título de prémio de desempenho;
. € 190,50 x 12 meses;
- A responsabilidade emergente de acidente de trabalho estava parcialmente transferida para a co-R. Seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 20004512 (€805,00x14+€65,78x11), não se encontrando transferida qualquer importância a título de prémio;
- A título de ITA e ITP a R. seguradora pagou ao A. a quantia de 1.870,26 €;
- A quantia de €190,50 respeita a horas extraordinárias realizadas pelo A.;
- …apesar de serem escrituradas no recibo a título de prémio…
- …quantia esta que varia consoante o número de horas que o A. execute;
- Por despacho proferido no apenso de verificação de incapacidade, foi decidido que o sinistrado A..., em consequência do acidente, ficou afectado de uma IPP com o coeficiente de desvalorização de 15%, com efeitos desde 23.10.2003.
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2 – O DIREITO
A apelante circunscreve o objecto da impugnação à parte da decisão que considerou o trabalho suplementar como retribuição (mensal) para efeitos do cálculo dos créditos do A.
É, pois, esta a questão.
A temática aprecianda não tem concitado a desejada unanimidade – quiçá por força da especificidade da casuística – não obstante haver indicadores seguros, na Jurisprudência mais recente, que apontam, em tese, para um tendencial consenso.

A NLAT, (Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, aqui aplicável, uma vez que o acidente sujeito ocorreu em Outubro de 2002), dispõe concretamente no seu art. 26º/3 sobre a noção de retribuição (mensal), como tal devendo entender-se tudo o que a Lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Tendo presente que – tal como já era pacificamente considerado à luz da previsão homóloga da Base XIII da Lei 2.127 – o conceito de retribuição é mais lato ou abrangente na sua compreensão infortunística relativamente ao conceito relevante no âmbito da LCT (art. 82º e seguintes), cuja etiologia entronca, como é sabido, na sua função não apenas reparadora mas também integradora, importa consignar que o conceito normativo interpretando compreende duas componentes ou realidades distintas: uma, constituída por todas as variáveis que a própria Lei defina como seus elementos integrantes; outra, por todas as prestações que revistam carácter de regularidade e tenham como correspectivo a actividade funcional desenvolvida pelo trabalhador.
No que tange à primeira, somos remetidos para a definição legal constante do art. 82º da LCT, não sendo do princípio geral aí proclamado que advêm as dificuldades hermenêuticas.
(Considera-se apenas retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
O conceito legal analisa-se, como reflecte Monteiro Fernandes ('in' Direito do Trabalho, 10ª Edição, pg. 398), num conjunto de valores, pecuniários ou não, que a Entidade Patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada.
Nele cabem, v.g., a chamada retribuição-base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, como os subsídios de férias e de Natal, de alimentação, de assiduidade ou outros, legal ou convencionalmente devidos.
Nesse conceito cabem igualmente aquelas prestações que, ligadas por um nexo de reciprocidade à prestação de trabalho, revistam carácter de regularidade e se assumam, por isso, no espírito do trabalhador como uma legítima expectativa do seu recebimento, com vista à satisfação das normais necessidades pessoais e familiares do trabalhador em função do esperado rendimento da sua actividade.

Todavia, é a própria Lei que exclui da noção em causa, por via de regra, duas variáveis, por compreensíveis razões que se prendem com a sua natureza normalmente esporádica/acidental, por um lado, e meramente compensatória/não retributiva da força de trabalho, por outro: referimo-nos à remuneração de trabalho extraordinário e às ajudas de custo – arts. 86º e 87º da LCT.
Mas ainda assim, no que concretamente tange à remuneração do trabalho suplementar, com a expressa ressalva dos casos em que se entenda que integram a retribuição do trabalhador
E, no que ao caso interessa, tal remuneração constituirá retribuição do trabalhador sempre que – conforme prescrito no n.º3 do art. 26º da NLAT – constitua uma prestação que revista carácter de regularidade e não se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
(Nesta compreensão do trabalho extraordinário/suplementar como integrante da noção de retribuição, em termos e para efeitos infortunísticos, vide a reflexão doutrinal, na sua sequência histórica, desde F. Tomás Resende, citado por Abílio Neto 'in' Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª edição, pg. 291; Cruz de Carvalho, ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 1980, pg. 107 e, entre outros, além do Prof. Monteiro Fernandes, Bernardo Lobo Xavier, 'in' RDES, Ano I, n.º1, pg. 80 e seguintes.
Na jurisprudência, em geral, com interesse ao menos reflexo, v.g., Ac. R.C. 'in' BMJ 352/434; Ac. R.E., 'in' C.J., Ano XII, Tomo II, pg. 319; Ac. R.P. 'in' BMJ 472/562; Acs. S.T.J. 'in' BMJ 405/335 e BMJ 414/365 e, mais recentemente, Acs. desta Relação tirados nos Recursos de Apelação n.ºs 2613/00, 407/03, 3450/03 e Ac. do S.T.J. na Revista n.º 6/04, da Sessão de 20.5.2004, que cremos inéditos).

Ora, no caso:
À luz deste breve excurso, adjuvante na compreensão da normatividade ínsita no n.º3 do falado art. 26º da NLAT, cremos seguramente que não assiste razão consistente à apelante.

Com efeito, compulsados os Autos e analisando criticamente a factualidade fixada:
- Como se constata pelas posições assumidas no Auto de Não Conciliação e nos articulados, o sinistrado/A. alegara auferir, além do mais, um prémio de € 190,50 x 12 meses (média mensal), o que a co-R. Patronal aceitou expressamente, com a ressalva de que não considerava que o mesmo tivesse carácter de regularidade…por se tratar de trabalho suplementar – cfr. fls. 47, 51 e 60 – declinando na contestação a responsabilidade quanto ‘ao outro prémio referido’, mas admitindo expressamente que esse ‘prémio’, na média de 190,50 x 12 meses, correspondia realmente à média das horas extraordinárias feitas pelo A. ao longo dos últimos meses, horas essas que, nas suas palavras, variavam de mês para mês…
- Como se constata pelos documentos de fls. 25-43, o dito ‘prémio’ constou como componente retributiva dos ‘recibos de remunerações’ pagas ao A. ao longo de todos os meses do ano antecedente ao acidente a que respeitam os Autos…
- Como se constata, ficou consignado na alínea B) dos ‘Factos Assentes’ que o A. auferia à data do acidente, além do mais, incluído um prémio de desempenho de €80,00 x12 meses, €190,50 x 12 meses…
- Como se constata, é facto assente que a quantia de €190,50 respeita a horas extraordinárias realizadas pelo A., e que, sendo embora escriturada nos recibos a título de ‘prémio’, essa quantia variava consoante o número de horas que o A. executava…
(Sublinhados agora).

Perante estas premissas – e relembrando tudo quanto atrás se expendeu acerca dos contornos do quadro normativo de subsunção – não será de todo difícil e assim tão constrangedor (…) admitir que o referido valor (daquele ‘prémio’) corresponde efectivamente à média do trabalho suplementar regularmente prestado nos meses decorridos do ano imediatamente anterior à data do acidente, constituindo inequivocamente uma prestação que reveste carácter de regularidade, que paga/remunera uma actividade desenvolvida pelo A. em favor e no interesse do empregador, levando aquele a contar, legítima e compreensivelmente, com esse valor médio como complemento salarial.

Por isso – e embora marginal relativamente ao núcleo da noção legal de retribuição enquanto salário global – tal prestação integra, para o fim em causa, o conceito constante do n.º3 do art. 26º da NLAT.
E não se diga – ressalvado naturalmente o respeito devido por tal argumentação – que releva a circunstância de a quantia referida variar de mês para mês…ou que não ficou provado qual o número de horas feitas pelo sinistrado nos últimos 12 meses…
…pois como se preceitua no n.º5 da mesma norma, sempre que a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente…
Como no caso se fez, aliás!

Por fim uma nota para dizer que não são aqui aplicáveis as identificadas normas do Código do Trabalho, que só entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003.
Todavia, se fosse de considerar a aplicação ao caso da Nova Codificação, não poderia deixar de atentar-se no adrede disposto no seu art. 300º…
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(Não obstante a posição aquiescente assumida pelo recorrido no que tange ao benefício resultante da redução do valor médio das horas extraordinárias operada na decisão ‘sub judicio’, temos sérias dúvidas sobre se não deveríamos intervir oficiosamente, em conformidade).
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III –
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.
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Coimbra,