Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2971/2000
Nº Convencional: JTRC5170
Relator: ROSA MARIA RIBEIRO COELHO
Descritores: JOGADOR PROFISSIONAL
COMISSÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/13/2000
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: .
Área Temática: PROCESSO PENAL
Legislação Nacional: ARTºS 500º E 501º DO C.CIVIL; 377º DO C.P.C.
Sumário: I - O artº 501º do C.C. estende ao sector público o regime comum constante do artº 500º para a regulação da responsabilidade do comitente.
II - Desta forma, e porque cabe ao juiz seleccionar livremente o direito aplicável, o facto do assistente invocar o artº 501º do C.C., em lugar do 500º do C.C., não invalida, só por si, a sua pretensão.
III - O artº 377º do CPC não condiciona a condenação do arguido em indemnização cível com base na responsabilidade fundada na culpa, já que pode o mesmo ser condenado no âmbito do pedido cível ainda que tenha sido absolvido no que respeita à responsabilidade criminal que lhe era imputada.
IV - Sendo o arguido, jogador de futebol, um comissário do Clube a que pertence, está caracterizada a existência, entre ambos, de um vínculo jurídico susceptível de fazer funcionar o disposto no artº 500º.
V - Desta forma, os danos causados pela actuação do jogador a qualquer outro jogador ou árbitro encontram-se na generalidade dos casos, adequadamente conexionados com a comissão encarregue, o que determina a correspondente responsabilidade civil do comitente.
VI - Porém, o exercício por parte do comissário jogador de violência física sobre o árbitro ou outro jogador está fora do âmbito da comissão, pelo que, in casu, fica excluida a reponsabilidade do comitente.
VII - É justa e equitativa a indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 150.000$00 resultantes do facto do arguido ter afrontado uma base essencial do desporto de competição (a não violência) e ter desautorizado publicamente o árbitro, ora assistente, enquanto autoridade máxima do encontro.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
O arguido A. foi condenado na pena de 70 dias de multa à razão diária de 950$00, perfazendo a multa global de 66.500$00, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal.
E, em sede de pedido civil formulado pelo assistente F, foi o arguido condenado a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, as quantias de 80.000$00 e 11.980$00, respectivamente, tendo o demandado civil Centro Popular Cultural e Desportivo sido absolvido do pedido.
O referido assistente havia formulado pedido de condenação solidária do arguido e do Centro a pagarem-lhe a indemnização de 787.980$00, sendo 700.000$00 a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais, sendo que, posteriormente, aquele pedido foi reduzido para 737.890$00.
Quer o arguido, quer o Centro haviam contestado o pedido cível, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
Inconformado com a sentença, o assistente recorreu tendo extraído da motivação apresentada as seguintes conclusões:
1 . Resulta da conjugação de vários preceitos legais, designadamente do art. 71º, 73º, 377º, todos do C. P. Penal, que não só a responsabilidade subjectiva ou por facto ilícito releva para efeitos de acção cível enxertada em processo penal, mas também a responsabilidade objectiva.
2 . No caso em apreço, existia uma relação de comitente comissário entre o Centro Popular Cultural e Desportivo, demandado civil, e o arguido, pois que o arguido jogava pela equipa do Clube , actuava sob as ordens e instruções daquela colectividade e em nome desta.
3 . Assim existia uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, na medida em que aquele podia dar ordens ou instruções a este, sendo essa possibilidade de direcção justificadora da responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo.
4 . Para além disso o arguido praticou um facto ilícito no exercício da função, pelo que são da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de funções, isto é, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão mas praticados com um fim estranho a ela.
5 . Aliás e nos termos do art. 500º, nº 2 do Código Civil o comitente responde mesmo nos casos em que o comissário actue "ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele ...". Com efeito,
6 . É claro que o arguido se encontrava a disputar um jogo de futebol por conta do demandado cível, segundo as instruções e directivas deste.
7 . Tendo-se provado como se provou que a determinada altura do jogo o arguido, no âmbito deste, resolveu agredir o árbitro (assistente), independentemente de terem sido essas ou não as instruções do demandado cível, Centro Popular Cultural e Desportivo, deve este ser considerado responsável juntamente com o arguido, pelos danos causados por este ao assistente.
8 . Acresce que a atitude e o comportamento do arguido foi altamente censurável, sem que nada justificasse tal actuação.
9 . A verdade é que o assistente foi agredido quando se encontrava a arbitrar um jogo de futebol, agressão essa que ocorreu à frente de dezenas de pessoas que se encontravam a assistir ao desafio, pessoas essas que fazem comentários e tecem considerandos, tendo a imprensa escrita da região abordado o ocorrido.
10 . Com tal atitude e comportamento o arguido provocou ao assistente elevados danos morais, sendo evidente que a indemnização de 80.000$00 é manifestamente escassa para o ressarcir desses danos.
11 . Mostrando-se, em contrapartida, justo e adequado um montante próximo do peticionado, isto é, de 700.000$00 a título de danos morais.
12 . Quanto aos danos patrimoniais, tendo sido dado como provado que o arguido ao agredir o assistente lhe partiu o relógio, vendo-se este obrigado a comprar um relógio novo para repor o que houvera sido partido, não podia a Meritíssima Juiz a quo, mesmo considerando que não se tinha provado em concreto o valor desse relógio, furtar-se a arbitrar um montante indemnizatório, nos termos do art. 566º, nº 3 do Código Civil.
13 . Assim, segundo um prudente juízo de equidade deve ser arbitrada uma indemnização equitativa dentro dos limites tidos como provados, para reparação do prejuízo patrimonial resultante do facto do arguido ter partido o relógio do assistente, que salvo melhor opinião não deverá ser inferior a 25.000$00.
14 . Ao assim não decidir a douta decisão recorrida violou ou/e aplicou erradamente o disposto nos arts. 71º, 73º do C. P. Penal, 483º, 496º, 500º, 501º e 566º, nº 3 do C. Civil.
O arguido e o Centro Popular Cultural e Desportivo apresentaram resposta, defendendo o primeiro que não há lugar a alteração dos montantes indemnizatórios concedidos, e pugnando a segunda pela inexistência de qualquer responsabilidade da sua parte.
Nesta Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Na sentença sob recurso foram julgados provados os seguintes factos:
1 . Em 29.3.98 o assistente arbitrou um jogo de futebol realizado na M. entre as equipas de C. e D. para o campeonato da divisão distrital da Associação de Futebol .
2 . Durante a primeira parte do encontro haviam já sido expulsos dois jogadores da equipa D., encontrando-se os ânimos, dos jogadores e do público, bastante exaltados.
3 . Cerca das 17h24, aos 24 minutos da segunda parte do jogo, e na sequência da exibição de um cartão amarelo a um outro jogador da sua equipa, o arguido, jogador da equipa D. com o nº 8, deu um murro na cara ao assistente, dando-lhe depois um pontapé que o atingiu na zona do braço e abdómen.
4 . Ao agir da forma descrita o arguido partiu o relógio que o assistente trazia na altura.
5 . O assistente foi assistido no Centro de Saúde , tendo sofrido as lesões examinadas e descritas a fls. 30 e 31 - que aqui integralmente se reproduzem - que lhe determinaram um período de doença de sete dias, sem incapacidade para o trabalho.
6 . Posteriormente o assistente foi assistido no Hospital .
7 . Na sequência do sucedido o assistente sofreu dores físicas.
8 . O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com intenção de causar os referidos males corporais, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
9 . O arguido mostra-se sinceramente arrependido da conduta que tomou.
10 . O arguido não tem antecedentes criminais.
11 . O arguido é estudante - estuda no 12º ano de escolaridade - e vive com os pais, que o sustentam.
12 . O assistente é uma pessoa séria, recta, de carácter, pacata, que não se mete com ninguém, desempenhando as funções de árbitro apenas por gosto e é considerado pelos seus colegas de trabalho como um bom árbitro.
13 . Os factos em causa foram presenciados por dezenas de pessoas que se encontravam a assistir ao jogo de futebol.
14 . O assistente ficou perturbado e magoado com a atitude do arguido.
15 . O assistente pagou a quantia de 11.980$00 a título de taxa de urgência e exames radiológicos à coluna dorsal e coluna lombar.
16 . E uma vez que o relógio que usava no dia dos acontecimentos foi partido, suportou ainda o custo de um relógio no valor de 25.000$00.
17 . O assistente teve que se deslocar diversas vezes ao tribunal para prestar declarações e ser observado em exame médico, o que lhe causou despesas.
18 . O sucedido foi discutido e comentado, designadamente em artigo desportivo publicado na imprensa da região.
19 . Na sequência do sucedido o assistente sentiu-se ofendido na sua honra e consideração, tendo ficado bastante agastado e perturbado.
20 . Os factos ocorridos provocaram conversas e comentários sobre o assunto.
21 . Na altura do sucedido o arguido jogava pela equipa D., jogando apenas pelo prazer de jogar, não recebendo por esse facto qualquer retribuição.
22 . Na altura dos factos o arguido tinha 18 anos de idade.
23 . O arguido agiu da forma atrás descrita à revelia e com total repúdio do Centro Popular Cultural e Desportivo.
Na mesma sentença foram ainda dados como não provados os seguintes factos:
A) Que o arguido tenha dirigido, em voz alta, ao assistente, entre outras, a expressão "Oh cabrão nós sabemos onde te apanhar".
B) Que o assistente tenha injuriado o arguido dizendo-lhe "Vai-te embora filho da puta, isto não é nada contigo", facto que levou o arguido a exaltar-se e a agredir aquele primeiro.
C) Que na sequência da conduta do arguido o assistente tenha sofrido escoriações na barriga.
D) Que o arguido continuaria com a sua agressão não fora a pronta intervenção das forças policiais.
E) Que o sucedido foi amplamente discutido e comentado.
F) Que o comportamento do arguido traduziu um autêntico enxovalhamento público do assistente.
G) Que até à data o arguido não manifestou qualquer arrependimento ou intenção de reparar o prejuízo provocado ao assistente.
H) Que o assistente tenha sido abordado por várias pessoas que lhe falavam no assunto, sentindo-se incomodado.
I) Que na sequência do comportamento do arguido o assistente ficou de tal modo perturbado que deixou de fazer a sua vida normal.
III - FUNDAMENTOS DE DIREITO
Sendo as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objecto do recurso, são questões a decidir no âmbito deste:
I - Saber se o Centro Popular Cultural e Desportivo responde civilmente pelos actos praticados pelo arguido;
II - Saber se os danos não patrimoniais causados ao assistente devem ser ressarcidos pela quantia de 700.000$00;
III - Saber se o dano causado no relógio do assistente deve ser indemnizado pela quantia de 25.000$00.
Quanto à questão enunciada em primeiro lugar:
Três ordens de razões levaram a que na sentença recorrida se concluísse pela absolvição do Centro Popular Cultural e Desportivo : a) não ser invocável o art. 501º do C. Civil, por se desconhecer se este demandado é pessoa colectiva pública; b) só haver que apreciar, em sede de processo penal, a responsabilidade civil subjectiva do demandado civil, e não a do comitente; c) a haver, no caso, uma relação de comissão entre o arguido e o Centro, a actuação daquele estaria fora dessa comissão.
A primeira das enunciadas razões é irrelevante.
Na verdade, não foi apurado que o Centro seja uma pessoa colectiva pública, pelo que se revela sem fundamento a invocação do disposto no art. 501º do C. Civil – diploma a que respeitam as normas que de ora em diante se refiram sem indicação de diferente proveniência -, a que o assistente fizera apelo quando deduziu o pedido civil.
Porém, como este preceito não faz mais do que estender ao sector público o regime comum constante do art. 500º para a regulação da responsabilidade do comitente, e porque ao juiz cabe seleccionar livremente o direito aplicável, essa circunstância não invalida, só por si, a pretensão do assistente em relação ao Centro.
Na verdade, mostrando-se afastada a aplicação do art. 501º, cumpre analisar a pretensão do demandante civil à luz do art. 500º.
Também a segunda razão não colhe.
Tradicionalmente a responsabilidade subjectiva, assente no pressuposto da culpa do lesante, é contraposta à responsabilidade objectiva, que emana da ideia segundo a qual a reparação do dano é imposta por razões de necessidade ou conveniência social - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8ª edição, pg. 530.
Porém, quando o art. 377º do C. P. Penal se refere, a propósito da decisão do pedido cível, à condenação do arguido em indemnização civil, não a condiciona à existência de uma responsabilidade do arguido fundada em culpa, o que se infere, designadamente, da possibilidade de este ser condenado no âmbito do pedido civil ainda que haja sido absolvido no tocante à responsabilidade criminal que lhe era imputada.
O mesmo alcance deve, naturalmente, ser dado ao art. 73º, nº 1 do mesmo diploma, na medida em que admite que sejam demandados aqueles cuja responsabilidade seja meramente civil, o que exclui a possibilidade de se restringir ao arguido a posição passiva no pedido civil.
Assim, o Centro poderá ser condenado se - e na medida em que - se concluir que é civilmente responsável pelos danos causados pelo arguido, qualquer que seja o fundamento dessa sua responsabilidade.
Mais complexa é a questão de saber se existe um vínculo de que emane essa sua responsabilidade.
Não se vêm razões que suscitem dúvidas sérias sobre a existência de uma relação de comissário-comitente entre o arguido e o Centro.
Sendo evidente que não está aqui em causa a existência de um contrato de comissão tal como se acha caracterizado e regulado nos arts. 266º e seguintes do C. Comercial, antes interessa saber se o arguido, enquanto jogador da equipa D., estava encarregado de "... qualquer serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção ..." do Centro Popular Cultural e Desportivo, estando a este ligado por "... uma relação de dependência ... " que o autorize a dar-lhe ordens ou instruções - cfr. mesmo autor na obra acima citada, pág. 651.
No dizer de Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 148, a comissão traduz-se na "... realização de actos de carácter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a pessoa diversa do interessado."
E, nesta perspectiva, mostra-se evidente que, apesar de não ser remunerado, o arguido agiu, enquanto integrado na equipa do Centro durante a disputa de um encontro - a contar para competição oficial -, por conta e sob a direcção deste, de quem dependia.
Sendo o arguido um comissário do Centro, está caracterizada a existência, entre ambos, de um vínculo jurídico susceptível de fazer funcionar o disposto no art. 500º.
Para a sua aplicação em concreto impõe-se que o comissário, no caso o arguido, tenha causado danos – cfr. o seu nº 1 - e que o facto que os originou tenha sido por ele praticado no exercício da função que lhe foi confiada, ainda que intencionalmente ou contra as instruções do comitente, no caso o Centro – cfr. o seu nº 2 -.
Há que ter em conta que não basta a mera coincidência de local ou de tempo para preencher este último requisito; tal equivaleria a ver na lei a confirmação da orientação, que claramente repudiou, segundo a qual bastaria que o acto lesivo houvesse ocorrido por ocasião ou no local daquela função.
Mais do que isso, exige-se que entre esta função e o facto lesivo haja um nexo que se traduz na recondução deste ao objectivo prosseguido pelo comitente através do comissário.
Como se lê na obra de Antunes Varela já citada, a págs. 654-655, "... houve a intenção de abranger todos os actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao dito comissário. Ficarão, assim, excluídos, os actos que não se inserem no esquema do exercício da função (...), mas cabem na fórmula da lei os actos ligados à função por nexo instrumental, desde que compreendidos nos poderes que o comissário desfruta no exercício da comissão (...) . Serão, assim, da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de funções, ou seja, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela."
Nos casos em que a actuação lesiva do comissário não corresponde ao cumprimento de instruções precisas do comitente importa ver se essa actuação é, ou não, uma consequência adequada da função que lhe foi confiada. Na verdade, "... justifica-se que o comitente responda por aqueles danos que as funções dos seus auxiliares são adequadas a proporcionar. Mas já não se justifica que responda também - e de modo objectivo - por danos de todo imprevisíveis, por danos que têm com as funções dos seus auxiliares uma ligação puramente acidental, extrínseca" - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pg. 509.
Tendo em conta estas noções, podemos dizer que uma comissão - no sentido aqui relevante - que tem por âmbito a prática de futebol no seio de uma equipa dirige-se à disputa dos encontros em que a mesma participe.
Como é sabido, durante um encontro de futebol o jogador intervém nos lances que vão sendo executados, o que pode dar lugar a contactos físicos com outros jogadores, em especial adversários, e até, eventualmente, com o próprio árbitro. E igualmente pode acontecer que participe noutras ocorrências que muitas vezes aí têm lugar, de que são exemplo a troca de opiniões com os adversários ou com o árbitro a propósito daqueles lances.
Os danos causados pela actuação do jogador na disputa de lances, quer o lesado seja um adversário, quer seja o próprio árbitro, estarão, na generalidade dos casos, adequadamente conexionados com a comissão de que o jogador foi encarregado, o que determinará a correspondente responsabilidade civil do comitente - no caso, a entidade a que pertence a equipa.
Mas, no tocante às demais relações do jogador com o árbitro, há que aprofundar um pouco mais a análise.
Umas vezes o jogador estará a procurar influenciá-lo em determinado sentido - aquele que interessa à sua equipa, como é normal – quanto a uma decisão que se repercute no jogo, não podendo deixar de entender-se que o faz por conta da entidade que lhe confiou a comissão, estando essa conduta integrada na comissão de que foi encarregado. Cabe-lhe, naturalmente, procurar persuadir o árbitro, dentro de um clima de diálogo que pode e deve existir, a tomar uma determinada decisão favorável à equipa de que faz parte.
Coisa bem diferente, porém, é o exercício, sobre o árbitro, de violência física para o pressionar em dado sentido ou até - o que se diz para caracterizar uma hipótese extrema - para tirar desforço de alguma decisão com a qual se não concorde.
Este último comportamento está, manifestamente, fora do âmbito da comissão acima referida, não correspondendo a instruções recebidas nem sendo uma consequência previsível do exercício da função que lhe é inerente.
E foi este, como se viu, o comportamento dolosamente assumido pelo arguido.
Como se disse atrás, há lei expressa no sentido de que a actuação intencionalmente lesiva do comissário não exclui a responsabilidade do comitente.
Mas tal comando não tem aplicação no caso concreto, porque pressupõe uma actuação do comissário dentro do âmbito da comissão, o que, como se disse já, não aconteceu.
Assim, a absolvição do demandado Centro tem que ser mantida, uma vez que nenhum título de responsabilidade o abrange.
Quanto à questão enunciada em segundo lugar:
Vejamos então qual será a medida justa da indemnização a conceder ao assistente por danos não patrimoniais.
Estes danos, que, atingindo bens insusceptíveis de uma avaliação pecuniária, se não podem traduzir numa diferença entre situações patrimoniais - cfr. art. 566º, nº 2 -, consistem em lesões causadas ao ofendido em bens diversos, como a sua saúde ou integridade física, o seu bem estar, a sua liberdade, a sua perfeição física, a sua honra ou o seu bom nome.
Só são indemnizáveis, através da atribuição de uma quantia que compense a lesão sofrida - estando fora de causa, como é evidente, a sua reconstituição natural -, quando pela sua gravidade o mereçam.
Os factos relevantes neste âmbito são os que acima ficaram descritos sob os nº 5, 7, 12/14 e 18/20.
A agressão dirigida pelo arguido ao assistente, causadora de lesões à sua integridade física e moral, tem gravidade inegavelmente relevante para desencadear a obrigação de indemnizar.
E esta gravidade é, a nosso ver, aumentada pela circunstância de se estar perante uma actuação violadora, não de um simples dever de conduta entre cidadãos, mas de uma relação conformada por um elemento de autoridade - a competência do árbitro para dirigir um encontro de futebol e ajuizar das ocorrências aí verificadas – a que corresponde a sujeição dos jogadores às ordens dadas e às decisões tomadas.
O arguido afrontou com a sua conduta uma base essencial do desporto de competição e desautorizou publicamente o assistente enquanto autoridade máxima no encontro.
Pelas razões que acabámos de expor, entendemos ser insuficiente a compensação de 80.000$00 atribuída na sentença sob recurso para ressarcimento dos danos não patrimoniais e, face aos critérios estabelecidos nos arts. 496º, nº 3 e 494º, consideramos adequada para esse efeito a quantia de 150.000$00.
Quanto à questão enunciada em terceiro lugar:
Provou-se que a agressão perpetrada pelo arguido sobre o assistente causou a perda, por quebra, do relógio que este usava, o que determinou que este adquirisse um outro, no que despendeu 25.000$00.
A diferença relevante, face ao que dispõe o art. 566º, nº 2, não é a que se verifica entre as situações patrimoniais verificadas antes e depois da compra do relógio novo, mas a registada entre as situações patrimoniais verificadas antes e depois da quebra do relógio.
Por isso, interessaria saber o valor do relógio danificado, e não o valor do relógio posteriormente adquirido.
O assistente não alegou o valor daquele.
Nada permitindo concluir que o valor do relógio danificado pelo arguido fosse equivalente ao preço daquele que o assistente veio mais tarde a comprar, mas sendo notório, de qualquer modo, que o mesmo representava um valor económico real, atenta a utilidade inerente ao seu funcionamento, na falta de outros elementos, há que fazer uso da equidade, nos termos do art. 566º, nº 3.
Para ressarcir o dano em referência, e segundo um juízo de equidade, considera-se adequada uma indemnização no valor de 10.000$00.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento parcial ao recurso e, consequentemente, condena-se o arguido a pagar ao assistente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia global de 171.980$00, no mais se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo assistente e pelo arguido, na proporção de 4/5 para aquele e 1/5 para este, em ambas as instâncias.
Coimbra, 13.12.00