Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
978/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ISAIAS PÁDUA
Descritores: COMPETÊNCIA CONVENCIONAL DOS TRIBUNAIS
SEUS LIMITES
Data do Acordão: 05/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 61º E SGS.; 73º E SEGS.; 100º; 102º; 104º E 110º, TODOS DO CPC .
Sumário:

I – Da leitura dos artºs 61º e segs. do C.P.C. pode observar-se que há regras de competência ( territorial ) que se impõem à vontade das partes conflituantes e situações existem em que a lei permite às partes que sejam elas a escolher, antecipadamente, o tribunal que, a nível interno, há-de derimir o conflito de interesses que venha a surgir entre elas .
II – Resulta da leitura do artº 100º do CPC que mesmo nesse tipo de situações em que a lei permite às partes convencionarem um foro para resolver um eventual conflito entre elas, tal escolha não é totalmente livre, já que a lei impõe algumas condições ou requisitos a observar para que tal convenção possa ser válida .
III – Se uma cláusula relativa à fixação da competência territorial convencional interna não designar as questões concretas para as quais o tribunal foi escolhido e se não especifica os factos susceptíveis de as originar, limitando-se a conter uma fórmula demasiado genérica , tal cláusula não se ajusta às exigências decorrentes dos nºs 2 e 4 do artº 102º do CPC .
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1- O autor, AA, residente em Gueifães – Maia, veio instaurar, com data de entrada na respectiva secretaria o dia 28/05/2002, no tribunal judicial da comarca de Albergaria – a – Velha, contra os réus, BB e sua esposa, CC, residentes em Vila Nova de Gaia, todos com os demais sinais dos autos, a presente acção declarativa condenatória, com forma de processo ordinário, pedindo que os últimos sejam “condenados (solidariamente) a restituir ao A. a quantia de esc. 6.150.000$00 - € 39.865,44, esta acrescida dos competentes juros moratórios à taxa legal de 7% respectivamente desde 6/1/97, 15/9/98 e 31/12/98, e que se cifram em € 9.189,37, bem como os vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento...”.

2- Após terem citados para o efeito, os réus vieram, em tempo útil, apresentar a sua contestação.
E nesse articulado começaram por se defender invocando, além do mais, a incompetência territorial daquele tribunal para conhecer e julgar a causa.
Para o efeito e, em síntese, alegaram que a presente acção instaurada pelo autor se funda num alegado incumprimento de um contrato celebrado entre o autor e o réu-marido, sendo que, na sequência do convencionado para o efeito nesse contrato (cláusula 8ª), será competente para derimir o conflito desta acção o foro da comarca do Porto, para onde requerem que, na sequência da procedência dessa excepção (dilatória), sejam remetidos os autos.

3- No seu articulado de resposta, o autor pugnou, em síntese, pela improcedência da sobredita excepção invocada pelos réus, devendo os autos continuar a prosseguir os seus termos naquele tribunal de Albergaria - a - Velha.

4- Concluídos que foram os autos à mª. Juíza, do tribunal a quo, foi aí proferido o despacho de fls. 50/51, no qual, conhecendo a aludida excepção dilatória invocada pelos réus, se decidiu julgar a mesma procedente – nos termos e com os fundamentos aí aduzidos, e nomeadamente com base no estipulado cláusula 8ª do supra aludido contrato -, declarando-se o Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria - a - Velha incompetente, em razão do território, para conhecer da presente acção, considerando-se, para o efeito, competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto (vg. Varas Cíveis).

5- Porém, não se tendo conformado com tal despacho decisório, o autor dele interpôs o presente recurso de agravo, tendo, na sequência das respectivas alegações, concluído nos seguintes termos:
“1- Entende o ora agravante que face aos argumentos expostos deveria ter sido julgada improcedente a Excepção de incompetência territorial.
2- Na verdade, ainda que o supracitado contrato contenha uma cláusula relativa a competência territorial, o mesmo não pode ser invocado pelos Agravados uma vez que estes por carta datada de 1 de Abril de 2002 decidiram unilateralmente resolver o referido contrato.
3- Ainda que assim não fosse, impor-se-ia julgar improcedente a presente excepção pois que o A. não funda a sua pretensão num contrato mas antes e fundamentalmente no facto de ter entregue ao R. marido a quantia de € 30.676.07, valor esse que se destinaria, segundo as palavras do mesmo R., a um pretenso aumento de capital, que sublinhe-se nunca veio a ocorrer, de uma suposta empresa que o mesmo R. se intitulava de accionista maioritário, tendo esse montante como contrapartida um número de acções correspondente que também nunca chegaram a existir.
4- Mais, a sustentar a tese do A. encontra-se ainda o facto de que o contrato exposto é nulo uma vez que não foi subscrito por quem o poderia subscrever em representação da “DD”.
5- Acresce que, todas as negociações, conversas, documentação junta aos autos e entregas de dinheiro foram também concretizadas no Concelho e Comarca de Albergaria-a-Velha, aí se sediando também a empresa EE.
6- Por último e sem prescindir, importará sublinhar que não devem ser consideradas relevantes as convenções que objectivamente correspondam a manifestações de oportunismo, capricho ou mera comodidade ....já que os RR. não têm qualquer ligação por mínima que seja com a cidade do Porto, pois nenhum deles nela reside ou sequer aí labora.
7- Por último, sempre convirá acrescentar, embora irrelevante, que todos os inúmeros processos cíveis conexos com a actuação do RR., em tudo igual à destes autos (incluindo alguns outros crimes) têm vindo a desenvolver os seus trâmites legais na Comarca de Albergaria – a - Velha”.

6- Não foram apresentadas contra-alegações.

7- Nenhuma prova foi arrolada pelas partes, para além da prova documental que se encontra já junta aos autos.

8- No seu despacho de fls. 85, a srª. juíza do tribunal a quo sustentou a decisão proferida no despacho recorrido.

9- Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos apreciar e decidir
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II- Os Factos e o Direito
1- Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se afere e delimita o objecto do mesmo (cfr. artºs 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC, e, por todos, Acs. do STJ de 23/1/91 e de 23/10/93, respectivamente, in “BMJ nº 403 – 192” e “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T3 – 84”).
Por outro lado, como resulta do prescrito no nº 2 do artº 660 do CPC, é dever do julgador resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
Ora compulsando as conclusões do recurso e tal como, aliás, decorre claramente do atrás exarado, verifica-se que a única e grande questão que nos cumpre aqui apreciar e decidir consiste qual o tribunal, territorialmente, competente para julgar a presente causa ou acção.
É o que vamos ver.

2- Como é sabido, é pela forma como o autor estrutura a acção (em termos de relação jurídica que nela se discute) no articulado da sua petição inicial, e nomeadamente no que concerne à causa de pedir e ao pedido, que se deve determinar a competência de um tribunal (vidé, a propósito, Ac. do STJ de 03/05/2000 e Ac. da RC. de 18/03/2003).
Começaremos por afirmar, e salvo sempre o devido respeito, que a petição inicial se apresenta um tanto ou quanto prolixa, constituindo, a nosso ver, uma peça pouco exemplar ou feliz, em termos de clarividência e raciocínio, quanto à exposição da matéria fáctica alegatória e mesmo no que concerne à qualificação jurídica que dela é feita - o que, todavia, não cabe nessa fase de cuidar e extrair as necessárias consequências, nomeadamente para efeitos do eventual recurso ao uso do artigo 508 do CPC, muito embora tal se reflicta, negativamente, na apreciação do presente recurso.
Pese embora tais dificuldades, compulsando os autos, e nomeadamente o articulado da petição inicial e mais concretamente a sua causa de pedir e o pedido, somos levados a concluir (ao contrário do que parece entender o autor-agravante, nas suas alegações de recurso) que a relação jurídica que se discute na acção, tal como o último aí a configurou, tem subjacente um alegado contrato celebrado entre o autor e o réu-marido, o qual não terá sido respeitado pelo último.
Contrato esse que foi reduzido a escrito, e cuja cópia certificada se encontra junta a fls. 93 a 98 destes autos – cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido -, correspondendo ao documento nº 4 que se encontra junto aos autos da providência cautelar de arresto instaurados como preliminares desta acção, e para o qual o autor remete no final do artigo 2º da p.i. apensados a este processo, que igualmente foi instaurada pelo aqui autor contra os aqui réus. Documento esse que não foi objecto de impugnação ou arguição de falsidade por qualquer das partes.
Na verdade, de tal articulado, em conjugação com o aludido documento, parece resultar que, na sequência de negociações encetadas para o efeito, o autor entregou, faseadamente, determinada quantia em dinheiro ao réu-marido com determinado objectivo ali descrito. Porém, este último não cumpriu o ficara acordado, pelo que visa agora o autor obter de volta a restituição desse montante de dinheiro entregue, acrescido de juros de mora.
Portanto, é com base no incumprimento de tal contrato que o autor estrutura a sua acção, em termos de causa de pedir e do seu pedido, ou seja, é nesse incumprimento contratual que radica ou emerge a pretensão que o autor formulou a final nesta acção.
E que assim parece ser basta percorrer o articulado da petição inicial onde se alega “(...) Em bom rigor, o que tudo isso significaria é que o R. marido se comprometeu com o A. a aplicar tal montante que lhe foi confiadamente depositado em mãos no por si referido aumento de capital, cedendo em contrapartida da sua “carteira de accionista”, o número de acções correspondentes àquele valor” (artº 2 da pi) (....) “e face ao gritante incumprimento do “contratado” pelo R. marido, à não devolução ou restituição dos montantes aqui em causa (e até porque não dizê-lo à total impossibilidade de realizar o negócio prometido delineado e apresentado pelo R. que o A. de boa fé aderiu) outra solução não resta àquele A. que não seja o recurso a juízo, de molde a que veja sentenciada tal restituição...” (artº 8 da pi) - sublinhado nosso -, e ao que acresce o documento atrás referido, consubstanciando a formalização de um contrato celebrado entre o autor e o réu-marido, e para o qual o primeiro remete no final do artigo 2º da sua pi.

Porém, compulsando o aludido contrato verifica-se que do mesmo consta ainda uma cláusula, ou seja, a oitava, contendo a seguinte redacção: “Para a resolução de eventuais litígios emergentes do presente contrato estabelece-se o foro da comarca do Porto” (sublinhado nosso).
Ora foi precisamente baseando-se em tal cláusula, que os réus deduziram a sobredita excepção, dilatória, de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria - a - Velha, para apreciar e julgar a presente acção, e foi também com base nela que a srª juíza do tribunal a quo, proferiu o despacho recorrido no qual julgou procedente tal excepção, considerando ser antes o Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Varas Cíveis) o competente para tal desiderato.
Nas suas alegações de recurso, e mais concretamente na conclusão 2ª das mesmas, defende o agravante que não pode aos agravados aproveitar o aludido contrato, e consequentemente ao sobredita cláusula 8ª, em virtude de eles, por carta datada de 01/04/2002, terem resolvido tal contrato.
Muito embora tal facto possa ser considerado novo (já que só agora foi suscitado), e como tal não pudesse, eventualmente, agora ser tomado em consideração (cfr. por todos, Ac. do STJ. de 21/1/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 172”; Ac. do STJ de 2/10/2003 in “Rec. Rev. nº 2268/03, 3ª sec.” e Ac. do STJ de 11/11/03 in “Rec. Rev. nº 3.053/03, 3ª sec.”), todavia, sempre se dirá que compulsando o dito documento (carta), que se encontra junto a fls. 40/41 destes autos, verifica-se, do seu teor, que o réu-marido, na carta que enviou ao autor, se limitou, com base, nas razões aí por si aduzidas, a propor-lhe a resolução do dito contrato, propondo-lhe, como contrapartida, que aceitasse as opções por si aí indicadas; o que é, assim, coisa bem diferente de ter tomado de “per si”, isto é independentemente da vontade do autor, a iniciativa de resolver (com efeitos imediatos) o dito contrato.
Portanto, tal argumento, não pode colher em desfavor do despacho recorrido
O mesmo se dirá, no que concerne ao argumento invocado, na conclusão 5ª das suas alegações de recurso, pelo autor, e em favor da manutenção da competência do Tribunal de Albergaria - a - Velha para o conhecimento da acção, de que “todas as negociações, conversas, documentação junta aos autos e entregas de dinheiro foram também concretizadas no Concelho e Comarca de Albergaria - a - Velha, aí se sediando também a empresa EE”. É que tais factos constituem também factos novos (não alegados nos respectivos articulados), que não foram submetidos à apreciação da srª juíza da 1ª instância, e como tal não poderá agora este tribunal tomar deles em consideração, sendo ainda que , sempre se dirá, que da documentação junta estes actos nada resulta no sentido da confirmação, ou não, de tais factos (incluindo sobre a sede social da empresa ali referida).
O mesmo se dirá, “mutatis mutandis”, para a conclusão nº 4 das referidas alegações de recurso (ser o contrato nulo por não ter sido subscrito por quem o poderia subscrever em representação da “DD”).
Inócuo, para a decisão do incidente em apreço, é igualmente o argumento invocado sob a conclusão 6ª das alegações de recurso (e cujo teor acima deixámos reproduzido), por ser, como o próprio agravante aí reconhece, completamente despiciendo e irrelevante para a resolução desta “vexata quaestio”, já que não obedece a qualquer critério ou fundamento legal.

Analisemos então a referida cláusula que foi determinante para orientar o sentido do despacho recorrido.
Como é sabido, a instauração das acções para a resolução dos litígios está sujeita a diversas regras pré-determinadas, nomeadamente a nível da competência dos tribunais encarregues de derimir tais conflitos (cfr. artºs 61 e ss do Código de Processo Civil – diploma esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).
E uma das regras tem a ver, a nível interno, com a competência territorial (que é àquela que está aqui em causa, e que por isso só dela aqui nos preocuparemos) dos tribunais portugueses que hão-de derimir tais conflitos.
Competência essa que se encontra regulada nos artºs 73 e ss.
E da leitura de tais normativos pode observar-se que há regras de competência (territorial) que se impõem (de forma absoluta ou imperativamente) à vontade partes conflituantes (vg causas enunciadas no artº 110, nº 1, ex vi artº 100, nº 1-fine), e situações existem em que a lei permite às partes que sejam elas a escolher, antecipadamente, o tribunal que, a nível interno, há-de derimir o conflito de interesses que venha a surgir entre elas (possibilidade essa referente às restantes causas não abrangidas pela restrição acima referida, ou seja, não contempladas no citado nº 1 do artº 110).
Essa faculdade concedida, pela lei, às partes de serem elas a convencionarem ou acordarem no foro que há-de resolver os litígios surgidos entre elas, encontra-se prevista e regulamentada no artº 100, sob a epígrafe “Competência Convencional”.
Preceito esse que estatui o seguinte:
Nº 1 “As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência do território, salvo nos casos a que se refere o artº 110.” (sublinhado nosso).
Nº 2 “O acordo deve satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja reduzido a escrito, nos termos do nº 4 do artº anterior, e deve designar as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente”. (sublinhado e negrito nossos).
Nº 3 “A competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei”.
Nº 4 “A designação das questões abrangidas pelo acordo pode fazer-se pela especificação do facto jurídico susceptível de as originar”.
Ora resulta da leitura de tal normativo que mesmo nesse tipo de situações em que a lei permite às partes convencionarem o foro que, a nível territorial, há-de resolver o conflito que venha surgir entre elas, tal escolha não é totalmente livre, já que a lei impõe algumas condições ou requisitos a observar para que tal convenção possa ser válida.
E será que no caso em apreço esses requisitos ou condições legais foram observados no acordo celebrado entre o autor e o réu-marido com vista à escolha do foro competente para resolução dos litígios emergentes do sobredito contrato que então celebraram?
Não será de mais relembrar que tal cláusula, nº 8, se encontra inserida no sobredito contrato, redigido a escrito, celebrado entre o autor e o réu- marido, e que tem a seguinte redacção “Para a resolução de eventuais litígios emergentes do presente contrato estabelece-se o foro da comarca do Porto” (sublinhado nosso).
Não existem dúvidas de que o primeiro requisito de forma foi observado, já que tal “convenção de competência” foi redigida a escrito, nos mesmos termos em que o foi o acordo (contrato) que lhe serviu de fonte, encontrando-se inclusivé inserida no mesmo documento, e isto para já não falar daquele que é condição de todos (a causa não dizer respeito a nenhuma daquelas previstas no nº 1 do citado artº 110).
E quanto as demais requisitos?
Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que não se mostram preenchidos.
Desde logo, porque se nos afigura que tal cláusula não designa as questões concretas paras as quais o tribunal ali escolhido ficou a ter competência e nem especifica os factos susceptíveis de as originar, limitando-se antes a conter uma fórmula demasiado genérica que, a nosso ver, não se ajusta à exigência feita, a tal propósito, pelos nºs 2 e 4 do citado artº 102 (vidé neste sentido e a propósito de situação que consideramos bastante idêntica à destes autos, Ac. da RC de 26/01/99, in “CJ, Ano XXIV, T1 – 9”).
E, por outro lado, e caso assim não se entenda, igualmente, em tal cláusula,
não se indica, menciona ou designa o critério que presidiu à determinação do tribunal ali mencionado que ficou sendo competente, ou seja, nada ali se diz sobre qual foi o critério que motivou ou determinou a que as partes tivessem optado pela escolha do dito tribunal, tal como também se exige na parte final do aludido nº 2 do citado artº 100 (vidé, a propósito, o prof. Miguel Teixeira in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.124”).
Requisito esse que, adianta-se, não constava da anterior redacção do citado artº 100. Logo se o legislador na actual reforma dada ao CPC (pelos DLs nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9) o acrescentou deliberadamente aos demais é porque o considerou deveras importante, tendo razões subjacentes para o fazer.
Ao acrescentar mais esse requisito afigura-se-nos que foi preocupação deliberada do legislador que tais pactos ou convenções de competência - que retiram aos tribunais, que à priori estavam legalmente destinados a derimir determinados conflitos, a competência para apreciar e julgar as respectivas acções - obedeçam objectivamente a razões sérias e razoavelmente compreensíveis à luz dos interesses em discussão, evitando-se, assim, que tal desvio à competência natural, e que está pré-estabelecida, dos nossos tribunais para julgar certas causas tenha somente a ver com razões ou manifestações de mero capricho, oportunismo ou de mera comodidade das partes .
Ora perante a não observância de tais requisitos legais, teremos de julgar tal cláusula ou convenção atribuitiva de competência como sendo inválida ou nula, e portanto sem qualquer efeito (cfr. ainda, para além do citado nºs 2 e 4 do artº 104 do CPC, o artº 294 do CC, e vidé, neste sentido, e a propósito de caso em tudo idêntico ao destes autos, “Rec. de Agravo nº 786/03, da 3ª secção deste mesmo Tribunal”) .).
Ora sendo inválida ou nula, como é, tal cláusula ou convenção, qual será então o tribunal competente para apreciar e julgar o litígio consubstanciado por esta acção?
Sendo assim, ter-se-á que recorrer aos critérios que estão legalmente estipulados para o efeito.
Preceitua o artigo 74, nº 1, do CPC que “a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu”. (sublinhado nosso).
Ora face à prolixidade de que acima falamos de que enferma, a nosso ver, a petição inicial e bem assim ao pedido formulado, não é completamente claro que a situação aqui em apreço se enquadre totalmente na previsão do citado normativo.
Todavia, e partindo do princípio que ali se enquadra, verifica-se, pela falta de elementos, alegatórios ou probatórios, carreados nesse sentido para os autos (realçando-se, a título de ex., ainda que nem sequer foi alegado e muito menos junta qualquer prova documental sobre a área da sede social da sobredita empresa “EE”), não é possível concluir, claramente e sem tibiezas, sobre o local onde a obrigação deveria ser cumprida. E por outro lado, verifica-se que o tribunal onde acção foi instaurada não corresponde ao domicílio dos réus (e por escolha do autor).
Sendo assim, não se verificando os requisitos ou pressupostos do critério estatuído no citado artº 74, nº 1, (instauração da acção no tribunal onde a obrigação devia ser cumprida ou no domicílio dos réus, por escolha do autor), e bem assim aqueles constantes, quer dos critérios supletivos específicos (nomeadamente os constantes dos artºs 744 e 885 do CC), quer do critério supletivo geral (vg. artº 772 do CC), tem que se recorrer, para determinação de tal competência, à regra geral contida no artº 85, nº 1, do CPC.
Ora, de acordo com este último normativo, ter-se-á de concluir que será o tribunal da área do domicílio dos réus o competente para julgar a presente acção.
Domicilio esse que, nos termos da indicação feita pelo autor na sua petição inicial, se deve considerar como ocorrendo em Vila Nova de Gaia, já que a competência, para esse efeito, se afere pelo momento em que acção foi ou é instaurada, sendo irrelevantes quaisquer modificações posteriores mesmo que ocorridas antes da citação dos réus (cfr. artº 22, nº 1, da LOFTJ e o prof. Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1999, Vol. 1ª, pág. 157”).
E desse modo ter-se-á de concluir ser, neste caso, o Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia (vg. Varas Mistas) o competente para apreciar e julgar a presente causa.
Nesses termos, julga-se improcedente o recurso de agravo interposto pelo autor, e, embora por razões bastantes diferentes daquelas aduzidas no despacho recorrido, procedente a excepção, dilatória, de incompetência territorial invocada pelos réus, decidindo-se, em consequência, julgar incompetente o tribunal judicial da comarca de Albergaria - a - Velha para julgar a presente acção, a qual será da competência do tribunal judicial da comarca de Vila Nova de Gaia (Varas Mistas), para onde oportunamente, e após os autos baixarem à 1ª instância (aos quais deverão ser apensados os autos de providência cautelar que a eles se encontravam apensados antes de serem remetidos a este Tribunal Superior), deverá ser remetida (artº 111, nº 2, do CPC).
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III- Decisão
Assim, nos termos e com os fundamentos supra aduzidos, acorda-se em negar provimento ao recurso de agravo, julgando-se – embora por fundamentos diferentes dos aduzidos no despacho recorrido -, incompetente, em razão do território, o tribunal judicial da comarca de Albergaria - a - Velha para julgar a presente acção, a qual será da competência do tribunal judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia (Varas Mistas), para onde oportunamente, e após os autos baixarem à 1ª instância, deverá ser remetida (artº 111, nº 2, do CPC).
Custas (do recurso) pelos autor-agravante.

Coimbra, 2004/05/04