Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
249/13.6TBSPS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA DE IMÓVEL EM MAIS DO QUE UM PROCESSO
PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
VENDA DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 244º CPPT; ARTº 1º DA LEI Nº 13/2016, DE 23/05.
Sumário: I – O art.º 244º do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23/05, dispõe o seguinte:
1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.

II - Este preceito tem a redacção dada pela Lei 13/2016, de 23.5, cujo art.º 1º dispõe:

A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.

III - Assim, foi introduzida a impossibilidade, após a entrada em vigor da referida Lei - aplicável a todos os processos de execução fiscal pendentes -, de nos processos de execução fiscal serem vendidos mediante impulso da Autoridade Tributária os imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

IV - Esta impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

V - A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito, que forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis.

VI - Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

VII - A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

VIII - Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

IX – A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução.

X - Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Na execução para pagamento da quantia de €26.000,00 que a Exequente moveu, em 26.7.2013, aos Executados, foi em 14.11.2014 penhorado o imóvel propriedade destes, único bem penhorável encontrado.

Pelo facto de sobre esse imóvel incidir uma penhora a favor da Fazenda Nacional registada em 15.3.2011 foi com data de 23.10.2015 sustada esta execução.

Não tendo sido identificados quaisquer outros bens penhoráveis propriedade dos Executados foi em 27.11.2014 notificado o Exequente pela Solicitadora de Execução da extinção da execução nos termos do disposto no art.º 849º, n.º 1, e), do C. P. Civil.

Em 18.5.2017 o Exequente apresentou requerimento ao juiz do processo com o seguinte conteúdo:

1. A presente execução encontra-se extinta nos termos do artigo 794.º do CPC, em face da decisão de sustação integral, pelo facto de o imóvel indicado à penhora pelo exequente (Prédio urbano descrito na CRP de ...) estar penhorado em 1.º lugar à ordem do processo de execução fiscal n.º... – cfr. certidão predial junta aos autos.

2. Ora, face ao teor da Lei 13/2016 de 23/05, os Serviços de Finanças estão impedidos de proceder à alienação de imóveis que correspondam a casa de morada de família dos executados.

3. Face ao ora referido, a Agente de Execução notificou o Serviço de Finanças de ... para informar se iria proceder-se à venda do imóvel penhorado à ordem dos autos referidos em 1.

4. Foi o mesmo Agente de Execução notificado por parte do referido Serviço de Finanças de ..., dando nota que, considerando o teor da Lei n.º 13/2016, de 23/05, não iria proceder à venda do prédio urbano melhor descrito no antecedente n.º 1 – cfr. documento n.º 1.

5. Nesse sentido, requer-se a V.Exa. se digne ordenar o prosseguimento dos presentes autos, com a consequente convocação de credores por parte da Agente de Execução, com vista a posterior venda do imóvel em causa.

6. O deferimento do ora requerido em nada prejudica os créditos fiscais, pois com a referida convocação de credores, a Autoridade Tributária tem toda a legitimidade para reclamar os créditos que detém sobre os executados nos termos do disposto no artigo 788.º do CPC, mantendo os mesmos privilégios de que goza em sede de execução fiscal.

Na sequência do requerimento em causa foi proferido o seguinte despacho:

Nos termos do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o Agente de Execução susta quanto a estes a execução.

Neste caso concreto, está pendente penhora anterior sobre o imóvel penhorado à ordem estes autos, pelo que terá esta execução de ser sustada.

A posição do exequente é compreensível, porém o artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é bem claro quanto à sustação da execução em caso de pendência de penhora anterior.

Face ao exposto, por falta de fundamento legal, indefiro o requerido.

Notifique, comunique e, nada mais sendo requerido, providencie pelo arquivamento.

                                               *

O Exequente interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:

...

Não foi apresentada resposta.

1. O objecto do recurso  

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas a questão a apreciar é a seguinte:

Apesar da existência de penhora anterior efectuada na execução fiscal deve ser ordenado o prosseguimento desta execução?

2. Os factos

Para a decisão deste recurso importa considerar toda a factualidade acima relatada e ainda:

- Em 17.5.2017 o Serviço de Finanças de ..., em resposta a solicitação da Agente de Execução informou, relativamente ao processo de execução fiscal em que foi penhorado o prédio dos Executados, que mantem interesse na penhora efectuada.

- Consta ainda dessa resposta:

Tendo presente que nos termos do disposto no art.º 244.º do CPPT, com a redacção conferida pela Lei 13/2016 de 23.5, não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor e do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afeto a esse fim e considerando que os visados têm domicílio fiscal na morada correspondente à localização do imóvel encontra-se este Serviço de Finanças impedido de proceder à marcação da venda do imóvel.

3. O direito aplicável

A questão que se coloca nos autos reconduz-se ao apuramento de saber se o credor cuja execução foi sustada e posteriormente extinta em consequência de essa sustação ter sido integral, por existência de penhora anterior em execução fiscal, onde o bem não pode ser vendido atento o disposto no art.º 244º do CPTT, pode renovar o prosseguimento da sua execução para venda do bem.

Resulta dos autos que pelo facto do bem penhorado pelo Exequente ter sido objecto de penhora anterior em processo de execução fiscal, a sua execução foi sustada em 27.11.2014 nos termos do disposto no art.º 794º, n.º 1, do C. P. Civil, vindo a ser julgada extinta nos termos do preceituado no art.º 849º, n.º 1, e), do mesmo diploma legal.

Dispõe o art.º 244º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23/05:

1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.

Este preceito tem a redacção dada pela Lei 13/2016 de 23.5, cujo art.º 1º dispõe:

A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.

Assim, foi introduzida a impossibilidade, após a entrada em vigor da referida Lei - aplicável a todos os processos de execução fiscal pendentes -, de nos processos de execução fiscal, serem vendidos mediante impulso da Autoridade Tributária os imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

Esta impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

No caso em apreço a execução movida pelo Exequente foi sustada para este ir reclamar o seu crédito ao processo de execução fiscal em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem.

A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução [1].

Quanto a estes credores escreveu Anselmo de Castro, posição que adoptamos como a correcta[2]:

E nela necessariamente hão-de dispor dos direitos que lhes caberia na sua própria execução, designadamente o de promover o andamento dos termos do processo, quando necessário, o de serem pagos pelo seu crédito na extinção da execução por pagamento voluntário e o de prosseguir com a execução em caso de desistência do exequente, estejam ou não graduados os créditos, etc., até porque, de contrário, a razão de economia processual impeditiva do exercício dos seus direitos na própria execução se frustraria. [3]

A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior [4].

Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, pelo que concluímos que a decisão recorrida ao não admitir o prosseguimento desta execução não viola qualquer preceito constitucional.

Assim, improcede o recurso.

Decisão:

Nos termos expostos, confirmando-se a decisão recorrida julga-se improcedente o recurso.

Custas pelo Recorrente.

                                                              Coimbra, 24 de Outubro de 2017.


***

 








[1] Neste sentido, defendendo também a inoponibilidade do preceito em análise no caso de concurso de credores na execução fiscal, o artigo de J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores publicado no Blog do IPPC em 11.7.2016


[2] A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ed. 1977, pág. 173, Coimbra Editora.

[3]  No mesmo sentido Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., pág. 869-870, Coimbra Editora.

[4] Em sentido contrário o acórdão deste tribunal de 26.9.2017 relatado por Fonte Ramos e acessível em www.dgsi.pt .