Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2554/16.0T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
INCIDENTE DE REVISÃO
PROVA PERICIAL
NÚCLEO ESSENCIAL DA ATIVIDADE PROFISSIONAL
Data do Acordão: 05/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 48º, N.º 3, ALS. B) E C), 67.º, N.º 3, E 75.º DA LEI N.º 98/2009, DE 4-9, E INSTRUÇÃO GERAL 5 DA T.N.I. APROVADA PELO DLEI N.º 352/2007, DE 23-10
Sumário: I – Os laudos emitidos pela junta médica não são vinculativos para o tribunal (princípio da livre apreciação da prova); todavia, o juiz, se adotar posição divergente, terá de a fundamentar, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência, ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova.

II – O sinistrado está incapaz de desempenhar o seu trabalho habitual se, contrariamente às exigências do seu posto laboral, as sequelas de rigidez do joelho direito o impedem de se locomover com agilidade, de permanecer de forma prolongada de pé e noutras posições desconfortáveis (como curvado ou de cócoras em fornos industriais de reduzidas dimensões) e de se equilibrar adequadamente em piso irregular e em altura.

III – A IPATH deve ser encontrada com referência ao conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da atividade profissional, e não com base na ponderação de um conjunto residual de tarefas funcionais do trabalhador.

Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 2554/16.0T8LRA-A.C1

Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...

deduziu o presente incidente de revisão alegando que ocorreu um agravamento da sua situação clínica com a consequente alteração da sua capacidade de trabalho.

                                                             *

Procedeu-se à realização de exame médico de revisão e no qual o perito médico do GML concluiu pela manutenção da IPP anteriormente atribuída de 10%.

                                                             *

O sinistrado, notificado do resultado do exame médico, veio requerer a realização de exame por junta médica.

                                                             *

O IEFP emitiu parecer.

                                                             *

Realizado o exame por junta médica, os senhores peritos médicos entenderam que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 22,5% (já acrescida do fator 1,5) e, por maioria, sem IPATH.

                                                             *

Foi, depois, proferida decisão (fls. 55 e segs.) com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto decido o seguinte:

1- Condeno a Companhia de Seguros, a pagar ao referido sinistrado, o seguinte:

1.1. uma pensão anual e vitalícia no valor anual de € 14.533,67 reportada a 25.03.2019, atualizável nos termos legais, com base na IPP 0,2375 com IPATH, a pagar no seu domicílio em duodécimos no valor de 1/14 da pensão, sendo os subsídios de férias e de natal também no valor de 1/14 da pensão e a pagar nos meses de junho e novembro;

1.2. a quantia de € 4.267,85 relativa a subsídio de elevada incapacidade permanente.

2- Condeno a Companhia de Seguros a pagar os juros de mora à taxa legal de 4% sobre as prestações já vencidas a calcular-se desde a data do seu vencimento e até integral pagamento.

3- Condeno a Companhia de Seguros ao pagamento das custas processuais, com TJ que se fixa em 4UC.”

                                                             *

A seguradora, notificada desta decisão, interpôs o presente recurso, cuja alegação concluiu da seguinte forma:

1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. , que, na sequência de pedido de revisão formulado pelo sinistrado, o declarou afectado de uma incapacidade permanente parcial de 33,75% (factor 1,5 incluído), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde 25 de Março de 2019, data do pedido de revisão, a que corresponde (depois de descontar a IPP inicialmente atribuída ao sinistrado) a pensão anual e vitalícia de 14.533,67 €, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.267,85 €.

2. Salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que a douta decisão recorrida decidiu mal ao considerar que o sinistrado se encontra afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e ao considerar que este está afectado de uma IPP de 33,75% (factor 1,5 incluído), por tais decisões se basearem num errado julgamento sobre a matéria de facto (julgamento este que, no entendimento da apelante, não se adequa à prova produzida);

3. Assim como decidiu também mal, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, ao considerar que a pensão anual e vitalícia a que o sinistrado tem direito é no montante de 14.533,67 €, calculada com base na IPP resultante da subtracção da IPP de 10%, inicialmente fixada ao sinistrado, à IPP de 33,75% que ora fixou.

4. Na verdade, a decisão sobre matéria de facto pertinente àquela decisão não corresponde àquilo que, efectivamente, se provou no presente processo, pelo que a ora apelante pretende que sejam alterados alguns dos factos dados como provados – como o permite o facto de constarem do processo todos os meios de prova relevantes para essas decisões – a saber:

5. QUANTO À ATRIBUÍDA IPP de 0,3375

6. A Mtª Juíza recorrida julga provado, no ponto 11 da matéria de facto dada como provada, que “11 - O sinistrado sofre assim da IPP de 0,3375 (fator 1.5 incluído) com IPATH”.

7. A determinação desta IPP (deixando de lado, por ora, a questão relativa à IPATH) só pode resultar, de acordo com os dados resultantes do processo, dos exames médicos efectuados para apurar a respectiva percentagem e que, neste incidente de revisão, foram 3:

8. O exame médico singular, que entendeu não ter havido agravamento da IPP de 10% inicialmente fixada ao sinistrado no processo principal; o exame por Junta Médica, realizado em 24/06/2021, que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 15% que, já acrescida do factor 1,5, fixou em 22,5%; e o exame por Junta Médica, realizado em 09/12/2021, expressamente para se pronunciar quanto a existência de IPATH e que não alterou o valor da IPP atribuída.

9. Sem que na Junta Médica posteriormente realizada, em 09/12/2021, tivesse havido qualquer alteração daquela IPP e sem que exista no processo qualquer outro elemento que o pudesse justificar, a Mtª Juíza recorrida decidiu, como acima se referiu, fixar em 33,75% a IPP que afecta o sinistrado a partir da data do pedido de revisão.

10. A única explicação para esse valor encontrado pela Mtª Juíza recorrida parece resultar de uma nova aplicação do factor 1,5 àquela IPP de 15% a que já tinha sido aplicado esse factor e de que resultara a IPP de 22,50% (uma vez que 22,5% x 1,5 é igual a 33,75%...), sendo certo que nada na lei permite a dupla aplicação do factor 1,5 à desvalorização resultante da TNI.

11. Assim, quer por absoluta falta de fundamentação para a alteração da IPP atribuída pela Junta Médica realizada para o efeito, quer pela manifesta ilegalidade da dupla aplicação do factor 1,5 (se foi o que motivou essa alteração) à desvalorização arbitrada pela Junta Médica, deve ser alterado o facto dado como provado no ponto 11 da matéria de facto constante da douta decisão recorrida, que deverá passar a ter a seguinte redacção, por ser a que está de acordo com a prova produzida no presente processo: “11 - O sinistrado sofre assim da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído).”

12. QUANTO À IPATH ATRIBUÍDA

13. Para decidir que o sinistrado está afectado de IPATH, a douta decisão recorrida baseou-se, exclusivamente, no facto de o sinistrado ter sido despedido por inadaptação e no parecer emitido por um médico do trabalho e pelo IEFP e pelo parecer do perito nomeado pelo sinistrado que, depois de na Junta Médica realizada em 24/06/2021 ter sido de parecer que o sinistrado não estava afectado de IPATH, integrando a posição unânime dessa Junta Médica, veio a alterar a sua posição na Junta Médica realizada em 09/12/2021 defendendo agora essa IPATH, face ao parecer do IEFP.

14. Para a caracterização do posto de trabalho do sinistrado, o referido parecer do IEFP foi elaborado, como descrito no ponto “Análise de funções/tarefas do posto de trabalho”, com base nas declarações prestadas pelo sinistrado – que não foram objecto de qualquer contraditório e de qualquer verificação da sua veracidade – “devidamente complementadas com a consulta a dados documentais, recurso a estudos já realizados para postos de trabalho idênticos, classificação nacional de profissões, catálogo nacional de qualificações, vídeos e documentação alojada na Web, apresentam-se, de seguida, os elementos considerados mais relevantes no que diz respeito aos conteúdos da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, a qual se insere no âmbito das funções levadas a cabo por um Trabalhador polivalente da construção civil (Servente), no entanto, em contexto de instalações industriais, designadamente com fornos industriais para diversos fins” (realce nosso).

15. Ou seja, o IEFP caracterizou um posto de trabalho que não era o ocupado pelo sinistrado, descrevendo inúmeras acções que, teoricamente, deveriam ser por ele desenvolvidas se, como descreve, se tratasse de um servente da construção civil, quando é certo que o sinistrado não é servente, como descrito, mas sim “montador/reparador de fornos refratários” como bem sabia o técnico do IEFP que elaborou tal relatório (e como consta expressamente da mensagem electrónica que enviou para este Juízo do Trabalho ..., capeando o referido relatório “…junto se envia o N/PARECER 1105/.../EM-OC/2020, relativo ao Trabalhador sinistrado AA, Montador/reparador de , no âmbito do processo 2554/16....”) – realce nosso.

16. Assim, o referido parecer respeita a um posto de trabalho que não é, manifestamente, o do sinistrado, pelo que não pode, obviamente, ser suporte de uma qualquer decisão quanto à incapacidade de o sinistrado poder continuar a exercer o seu trabalho habitual, que não é aquele.

17. Por outro lado, mesmo admitindo – sem conceder – que as tarefas descritas naquele parecer correspondem às que o sinistrado executava, não se pode esquecer que esse parecer foi expressamente submetido ao parecer da Junta Médica realizada em 09/12/2021 e que esta, por maioria dos médicos que a compunham, incluindo o perito do Tribunal, foi de parecer inequívoco que as limitações físicas resultantes da IPP que afecta o sinistrado não são impeditivas do desenvolvimento das funções de montador de fornos, embora com o esforço acrescido resultante da IPP proposta, não sendo legítimo dar mais crédito à opinião de um técnico do IEFP (baseada exclusivamente, nas queixas do sinistrado, naturalmente empoladas) do que ao parecer de médicos especialistas em ortopedia, quanto às reais limitações físicas do sinistrado.

18. Em suma, dos elementos de prova e dos factos que se podem considerar provados no presente processo, não existe um que se possa considerar idóneo para afastar o que resulta dos exames médicos periciais (suportados nos exames auxiliares e complementares de diagnóstico realizados e também juntos ao processo) efectuados nos autos e que atestam, inquestionavelmente, que o sinistrado não está afectado de IPATH, mas tão só de uma IPP de 22,5% (já com o factor 1,5 considerado), pelo que não pode ser considerado provado que o sinistrado está afectado de IPATH.

19. Assim, e por não estar suficientemente fundamentada a divergência quanto ao entendimento unânime na primeira Junta Médica realizada e ao parecer maioritário da segunda Junta Médica no que respeita à atribuição de IPATH, que consideraram inexistente, não pode ser considerado provado que o sinistrado está afectado de IPATH, devendo a redacção do referido ponto 11 da matéria de facto constante da douta sentença ser alterado no sentido acima proposto: “11 - O sinistrado sofre da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído), sem IPATH.”,

20. Considerando-se como não provados os factos constantes dos nºs 6 a 10 da matéria de facto dada como provada na douta sentença.

21.QUANTO AO CÁLCULO DA PENSÃO

22. Na douta decisão de que se recorre, a Mtª Juíza decidiu condenar a ora recorrente no pagamento ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia calculada com base na IPP de 0,2375 (resultante da diferença entre a IPP anteriormente fixada de 0,10 e a IPP actual de 0,3375), com IPATH.

23. Ora, e sempre salvo o devido respeito, também aqui errou a Mtª Juiz, uma vez que, numa situação de revisão de incapacidade com agravamento desta, o valor da pensão deverá corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão que resultar da revisão.

24. Como se referiu acima, no âmbito deste incidente de revisão, deve ser fixada ao sinistrado uma IPP de 0,225, já com o factor 1,5 incluído, a que corresponde – atendendo à remuneração anual de 26.545,52 € por este auferida e transferida para a apelante – uma pensão anual no montante de 4.180,92 €.

25. Ora, como resulta também do processo, fora inicialmente fixada ao sinistrado uma IPP de 0,10 e atribuída a correspondente pensão anual de 1.858,19 €, oportunamente remida, pelo que o sinistrado tem direito a uma pensão anual de 2.322,73 € (4.180,92 – 1858,19), resultante da diferença entre as duas pensões, a partir de 25 de Março de 2019.

26. Assim, ao decidir que o sinistrado está afectado de uma incapacidade permanente parcial de 0,3375, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde 25 de Março de 2019, data do pedido de revisão, e ao decidir, consequentemente, que o sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia de 14.533,67 € desde essa data, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.267,85 €, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 48º-3-b) e c), 67º-3 e 75º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, a instrução geral 5 da T.N.I. aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro,

27. Pelo que essas decisões devem ser revogadas e substituídas por outras que julguem que o agravamento das lesões e sequelas que afectam o sinistrado em consequência do acidente dos autos o desvalorizam em 0,225, sem IPATH e já com o factor 1,5 aplicado, a que corresponde a pensão anual de 4.180,92 €, com base na retribuição anual de 26.545,52 €, a que deverá ser deduzido o montante da pensão anual (1.858,20 €) que serviu de base ao cálculo do capital de remição já pago ao sinistrado, com a correspondente absolvição parcial da recorrente dos pedidos formulados neste apenso de revisão.

Assim se fazendo J U S T I Ç A !”

*

O sinistrado não ofereceu resposta.

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 75, no sentido de que a “sentença deve ser revogada no segmento referente à atribuída IPP de 33,75%, bem como ao modo de cálculo da pensão decorrente do incidente de revisão, mantendo-se, no mais, o decidido designadamente no que tange à existência de IPATH”. 

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Fundamentação

a)-  Factos provados

1. O sinistrado foi vítima de acidente, no dia ..., que consistiu em, quando se encontrava em cima de uma placa a fazer trabalhos de limpeza, desequilibrou-se e caiu para o chão sobre o joelho direito.

2. Tinha a categoria profissional de montador de refratários e trabalhava por conta de C..., S.A.

3. A responsabilidade infortunística estava transferida para a Companhia de Seguros UU..., S.A. pelo salário total anual ilíquido de € 26.545,52.

4. Das lesões verificadas após o acidente resultaram sequelas que determinaram que ao sinistrado tenha sido atribuída a IPP de 0,10 reportada a 28.10.2017.

5. Pelo que a seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição no total de € 30.762,50.

6. São tarefas essenciais do posto de trabalho do sinistrado:

(i) identificar/selecionar e transportar consigo, no local de trabalho, as ferramentas, e equipamentos necessários ao serviço consoante o tipo de tarefa em que trabalha, cuidando do seu bom estado e mantendo-os à sua guarda nas devidas condições;

(ii) identificar e selecionar as ferramentas e equipamentos a utilizar em função da natureza dos trabalhos a levar a efeito, designadamente martelo pneumático, carrinhos de mão, pás, enxadas, martelos, picaretas, colheres de pedreiro, talocha, etc;

(iii) proceder a demolições, abertura de roços em diversas estruturas de construção civil, assim como dentro de fornos, utilizando, com ambos os braços, durante horas consecutivas, ferramentas manuais, tais como pás, picaretas, enxadas e martelos pneumáticos;

(iv) misturar e amassar, com ferramentas apropriadas (enxada e pá), ou com uma betoneira, os diversos componentes (areia, brita, cimento ou outros tipos de cola e água), de modo a obter a argamassa a usar, por outros profissionais na montagem ou reparação de fornos industriais;

(v) transportar a argamassa, em baldes, podendo atingir um peso de, aproximadamente, 10 quilos, à força de ambos os braços, muitas vezes em terreno irregular, tendo de subir e descer escadas, plataformas e andaimes;

(vi) transportar tijolos refratários, nos braços, ou em carrinhos de mão, carregar, descarregar, movimentar sacos de cimento, percorrendo, em passo célere e contínuo, distâncias que podem atingir várias dezenas de metros, conforme as instalações industriais em que atua;

 (vii) montar, e desmontar, à força de ambos os braços, andaimes e plataformas, compostos por estruturas de ferro, algumas das quais podendo atingir mais de 10 quilos de peso;

(viii) proceder a arrumações diversas, nomeadamente de ferramentas e equipamentos, assim como de outros apetrechos; levar a cabo limpezas e lavagens, a fim de remover resíduos, desperdícios e entulhos, utilizando vassouras e pás ou outros equipamentos e apetrechos - encher e despejar baldes, suportando-os com ambas as mãos/braços, apoiado na força muscular de todo o corpo, em especial da zona lombar e membros inferiores;

(ix) manobrar um empilhador, a fim de, por exemplo, descarregar camiões de paletes de tijolo refratário.

7- Pelo que são exigências do posto de trabalho de montador de refratário, os seguintes:

(i) que o trabalhador seja capaz de trabalhar sobretudo em ambientes de interior, em contexto de estaleiro de obras, de instalações fabris e dentro dos fornos que exigem uma locomoção com uma postura curvada (muitos fornos não passam de cerca de 1 metro de altura);

(ii) seja capaz de trabalhar em posições de equilíbrio instável, tendo que usar, sempre que trabalha em altura, em escadas, andaimes, ou outras plataformas elevatórias, cinto de segurança com arnês e guarda-corpos;

(iii) seja capaz de se deslocar em piso irregular, em ambiente de estaleiro de construção civil, com pavimentos muitas vezes repletos de entulho/resíduos de obras, materiais, ferramentas e equipamentos diversos;

(iv) seja capaz de adotar, quase na totalidade do tempo de trabalho diário, e praticamente em todas as atividades que realiza, a postura ortostática, e frequentemente a postura de fletido á frente, curvado, agachado, de joelhos, de cócoras ou outras;

(v) seja capaz de efetuar frequentes flexões frontais e torsões laterais do tronco, flexões e torsões do pescoço, praticamente em todas as atividades realizadas dentro dos fornos refratários em diversas instalações fabris;

(vi) consiga trabalhar, frequentemente, em tensão muscular contínua ao mesmo tempo que desenvolve um esforço de equilíbrio e controlo da totalidade do corpo, sobretudo quando trabalha em cima de escadas, andaimes ou outras plataformas elevatórias;

(vii) seja capaz de suportar pesos nos braços ou nas costas (aproximadamente até aos 30 quilos), designadamente quando tem de carregar, com ambos os braços/mãos e ajuda de todo o corpo, baldes ou sacos com entulho, ferros, tijolos, blocos, equipamentos, ferramentas, plataformas de andaimes, pranchas de cofragem, barrotes, telhas ou outros materiais de construção específicos para a reparação ou montagem de fornos refratários industriais;

(viii) deve possuir robustez e agilidade física, com um adequado nível de destreza manual, especialmente no que diz respeito à coordenação mão/braços, praticamente em todas as atividades que implicam o uso de ferramentas manuais diversas, assim como na manobra de um empilhador;

(ix) deve possuir um adequado sentido de equilíbrio e, preferencialmente, ausência de vertigens para conseguir efetuar trabalho em altura, em cima de andaimes ou outras plataformas industriais, sempre que necessário.

8- Pelo que o sinistrado não está capaz para o desempenho do seu posto de trabalho habitual, nomeadamente, não é capaz de se locomover com agilidade, permanecer na posição de pé em contínuo e noutras posições de grande desconforto, tal como a postura curvada em fornos industriais com dimensões quase sempre de reduzidas dimensões em termos de altura.

9- O trabalhador foi considerado inapto definitivamente para o exercício das suas funções.

10- Por decisão datada de 16.03.2021, a empregadora do sinistrado procedeu ao seu despedimento por inadaptação invocando que:

“(…) desde finais de julho de 2015, verificou-se que o trabalhador tem apresentado dificuldade em executar o trabalho para que foi contratado, nomeadamente no âmbito de execução das obras nos fornos a serem reparados, que, na sua maioria, implicam realizar trabalhos pesados e com recurso a transporte de cargas ou ao transporte de materiais de construção e argamassas, nomeadamente com peso de cerca de 10kg;

(…) o trabalhador padece de doença grave na área do joelho direito, que impossibilita que execute trabalhos na área da construção, nomeadamente, por impossibilidade de transportar materiais e cargas com o peso em causa ou que o impossibilitam de trabalhar com os vários instrumentos de trabalho, nomeadamente, martelo pneumático;

Tal quadro clínico resulta em primeira linha, da impossibilidade de executar trabalhos em locais de construção;

Assim, verificou-se a total impossibilidade de cumprir as funções para que foi contratado, por graves problemas de saúde, que apenas seriam agravados no âmbito das mesmas;

(…) verificou-se que os problemas de saúde do trabalhador são agravados pelas funções concretamente desempenhadas, colocando-se em risco a sua vida, saúde e segurança pessoais, inexistindo na entidade empregadora outro posto de trabalho compatível com as suas funções.”

11- O sinistrado sofre assim da IPP de 0,3375 (fator 1.5 incluído) com IPATH.

 “Convicção do Tribunal:

Em toda a documentação junta aos autos, nomeadamente Parecer do IEFP, ficha de aptidão para o trabalho, carta de despedimento por inadaptação e parecer do perito apresentado pelo sinistrado, conforme junta médica de 09.12.2021, analisados criticamente e de forma livre, de acordo com o senso comum. Com efeito, é de concluir que as sequelas sofridas pelo sinistrado no seu joelho direito, são impeditivas de permanência prolongada, quer de pé quer de cócoras quer curvado; do equilíbrio quando em terreno irregular sobretudo carregado com pesos; da manutenção em cima de andaimes e outras estruturas de forma equilibrada. Com efeito, tudo o que envolve esforço do joelho, conforme a maior parte das funções que constituem o seu posto de trabalho habitual do sinistrado, determinam a impossibilidade de manutenção do seu posto de trabalho de montador de refratários. Aliás a consequência dessa impossibilidade foi, efetivamente, o seu despedimento por inadaptação.”

                                                             * 

b)- Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C., na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 28/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pela seguradora recorrente, quais sejam:

1ª – Alteração da matéria de facto.

2ª – Se o valor da pensão fixada ao sinistrado foi calculado de forma incorreta. 

                                                             *

1ª questão

Alteração da matéria de facto

Alega a recorrente que a matéria descrita no ponto 11 do elenco dos factos provados deve ser alterada passando a constar do mesmo que: o sinistrado sofre assim da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído), na medida em que foi esta a fixada no exame por junta médica e porque não existe no processo qualquer outro elemento que pudesse justificar a fixação de uma IPP de 33,75%, o que parece resultar de uma nova aplicação do fator 1,5 à IPP de 22,5%, duplicação esta ilegal.

Consta do ponto 11 da matéria de facto provada o seguinte:

11- O sinistrado sofre assim da IPP de 0,3375 (fator 1.5 incluído) (…).

Por outro lado, a Exm.ª juiz do tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto nos termos supra transcritos.

No entanto, conforme resulta dos autos (fls. 39), no exame por junta médica foi fixada ao sinistrado a IPP de 22,5% já com aplicação do fator 1,5, posto que, foi-lhe atribuída a incapacidade parcial de 0,15 à qual, aplicado o fator 1,5, corresponde a IPP de 22,5% (0,15 x 1,5 = 0,225), sendo certo que, no auto de exame por junta médica de fls. 53 apenas foram retificadas e esclarecidas as respostas aos quesitos 3 e 5, não tendo sido feita qualquer referência à IPP anteriormente fixada.

Assim sendo, assiste razão à recorrente e, consequentemente, o ponto 11 do elenco dos factos deve ser alterado passando a constar do mesmo o seguinte:

11 - O sinistrado sofre assim da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído) (…).

                                                             *

Mais alega a recorrente que:

- Para decidir que o sinistrado está afetado de IPATH, a decisão recorrida baseou-se, exclusivamente, no facto de o sinistrado ter sido despedido por inadaptação e no parecer emitido por um médico do trabalho e pelo IEFP e pelo parecer do perito nomeado pelo sinistrado que, depois de na Junta Médica realizada em 24/06/2021 ter sido de parecer que o sinistrado não estava afetado de IPATH, integrando a posição unânime dessa Junta Médica, veio a alterar a sua posição na Junta Médica realizada em 09/12/2021 defendendo agora essa IPATH, face ao parecer do IEFP.

- O IEFP caracterizou um posto de trabalho que não era o ocupado pelo sinistrado, descrevendo inúmeras ações que, teoricamente, deveriam ser por ele desenvolvidas se, como descreve, se tratasse de um servente da construção civil, quando é certo que o sinistrado não é servente, como descrito, mas sim “montador/reparador de fornos refratários” como bem sabia o técnico do IEFP que elaborou tal relatório.

- O referido parecer respeita a um posto de trabalho que não é, manifestamente, o do sinistrado, pelo que não pode, obviamente, ser suporte de uma qualquer decisão quanto à incapacidade de o sinistrado poder continuar a exercer o seu trabalho habitual, que não é aquele.

- Mesmo admitindo – sem conceder – que as tarefas descritas naquele parecer correspondem às que o sinistrado executava, não se pode esquecer que esse parecer foi expressamente submetido ao parecer da Junta Médica realizada em 09/12/2021 e que esta, por maioria dos médicos que a compunham, incluindo o perito do Tribunal, foi de parecer inequívoco que as limitações físicas resultantes da IPP que afeta o sinistrado não são impeditivas do desenvolvimento das funções de montador de fornos, embora com o esforço acrescido resultante da IPP proposta, não sendo legítimo dar mais crédito à opinião de um técnico do IEFP (baseada exclusivamente, nas queixas do sinistrado, naturalmente empoladas) do que ao parecer de médicos especialistas em ortopedia, quanto às reais limitações físicas do sinistrado.

- Em suma, dos elementos de prova e dos factos que se podem considerar provados no presente processo, não existe um que se possa considerar idóneo para afastar o que resulta dos exames médicos periciais (suportados nos exames auxiliares e complementares de diagnóstico realizados e também juntos ao processo) efetuados nos autos e que atestam, inquestionavelmente, que o sinistrado não está afetado de IPATH, mas tão só de uma IPP de 22,5% (já com o fator 1,5 considerado), pelo que não pode ser considerado provado que o sinistrado está afetado de IPATH.

- Assim, e por não estar suficientemente fundamentada a divergência quanto ao entendimento unânime na primeira Junta Médica realizada e ao parecer maioritário da segunda Junta Médica no que respeita à atribuição de IPATH, que consideraram inexistente, não pode ser considerado provado que o sinistrado está afetado de IPATH, devendo a redação do referido ponto 11 da matéria de facto constante da douta sentença ser alterado no sentido acima proposto: “11 - O sinistrado sofre da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído), sem IPATH.”,

Vejamos:

Resulta do ponto 11 da matéria de facto provada:

11 - O sinistrado sofre assim da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído) com IPATH.

Conforme resulta dos autos, os peritos do tribunal e da seguradora intervenientes no exame por junta médica (fls. 53), por maioria, não consideraram o sinistrado portador de tal sequela, tendo retificado a anterior resposta no respetivo auto e do qual consta (em resposta ao quesito 3.: se o sinistrado se encontra impedido do desempenho normal das suas funções profissionais habituais como montador de refratários?), que: “face ao agravamento clínico o examinado não se encontra impedido do desempenho das suas funções, encontrando-se isso sim, com limitações muito marcadas na proporção da IPP atribuída considerando para tal o fator 1.5 constante nas respostas aos quesitos 4. e 5.”

Já o perito do sinistrado manteve a resposta de sim ao quesito 3, tendo dito que “uma vez que as limitações muito marcadas referidas, com défice de extensão do joelho em cerca de 10 graus e reflexão, que se encontra limitada a 90 graus, determinam que as funções do núcleo essencial das funções do exercício da profissão, particularmente as descritas no ponto 10.4 do parecer do IEFP o que é exigido uma postura fletida à frente, curvado, agachado, de joelhos, de cócoras para que se encontra manifestamente impedido, tendo ainda em conta os pontos 10.1, 10.2, 10.6 e 10.7, que exigem uma capacidade que o sinistrado não apresenta.” 

No que concerne ao quesito 5.: face às dificuldades referidas no quesito anterior, está o sinistrado incapacitado de exercer a sua atividade profissional habitual? É de atribuir IPATH?, os senhores peritos da seguradora e do tribunal, por maioria, responderam que a junta médica: “entende que o sinistrado não está impedido de desenvolver as funções de montador de fornos, embora reconheçam que algumas dificuldades implicam esforço acrescido na proporção da IPP proposta. De referir que o desempenho da atividade de montador não implica estar sempre de cócoras. O trabalhador nessa atividade tem tarefas em que pode estar de pé e pode deslocar-se com alguns pesos, não estando impedido no que diz respeito à posição de cócoras, isto é uma parte da atividade que tem de desenvolver, para a qual se encontra com proposta de desvalorização.”

Por sua vez, o perito médico do sinistrado ao mesmo quesito respondeu: “face às dificuldades referidas no ponto anterior, a resposta é sim, para o que contribui também o parecer da medicina no trabalho que considerou o sinistrado incapaz para a profissão, fls. 28 dos autos.

Quanto ao quesito 6., a não reconversão do sinistrado na sua profissão de montador de fornos representa um paradigma da IPATH para essa profissão e a aplicação do fator 1.5 inerente a essa situação.”

Por outro lado, encontra-se junto aos autos o parecer solicitado ao IEFP e do qual consta, além do mais, a análise de funções/tarefas do posto de trabalho do sinistrado de montador de refratários, nos seguintes termos: apresentando “os elementos considerados mais relevantes no que diz respeito aos conteúdos da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, a qual se insere no âmbito das funções levadas a cabo por um Trabalhador polivalente da construção civil (Servente), no entanto, em contexto de instalações industriais, designadamente com fornos industriais para diversos fins:

9.1. Identifica/seleciona e transporta consigo, no local de trabalho, as ferramentas, e equipamentos necessários ao serviço, consoante o tipo de tarefa em que trabalha, cuidando do seu bom estado e mantendo-os à sua guarda nas devidas condições;

9.2. Identifica e seleciona as ferramentas e equipamentos a utilizar em função da natureza dos trabalhos a levar a efeito, designadamente martelo pneumático, carrinhos de mão, pás, enxadas, martelos, picaretas, colheres de pedreiro, talocha, etc;

9.3. Procede a demolições, abertura de roços em diversas estruturas de construção civil, assim como dentro de fornos, utilizando, com ambos os braços, durante horas consecutivas, ferramentas manuais, tais como pás, picaretas, enxadas e martelos pneumáticos;

9.4. Mistura e amassa, com ferramentas apropriadas (enxada e pá), ou com uma betoneira, os diversos componentes (areia, brita, cimento ou outros tipos de cola e água), de modo a obter a argamassa a usar, por outros profissionais na montagem ou reparação de fornos industriais;

9.5. Transporta a argamassa, em baldes, podendo atingir um peso de, aproximadamente, 10 quilos, à força de ambos os braços, muitas vezes em terreno irregular, tendo de subir e descer escadas, plataformas e andaimes;

9.6. Transporta tijolos especiais refratários, nos braços, ou em carrinhos de mão, carrega, descarrega, movimenta sacos de cimento, percorrendo, em passo célere e contínuo, distâncias podem atingir várias dezenas de metros, conforme as instalações industriais em que atua;

 9.7. Monta, e desmonta, à força de ambos os braços, andaimes e plataformas, compostos por estruturas de ferro, algumas das quais podendo atingir mais de 10 quilos de peso;

9.8. Procede a arrumações diversas, nomeadamente de ferramentas e equipamentos, assim como de outros apetrechos; levar a cabo limpezas e lavagens, a fim de remover resíduos, desperdícios e entulhos, utilizando vassouras e pás ou outros equipamentos e apetrechos - enche e despeja baldes, suportando-os com ambas as mãos / braços, apoiado na força muscular de todo o corpo, em especial da zona lombar e membros inferiores;

9.9. Manobra um empilhador, a fim de, por exemplo, descarregar camiões de paletes de tijolo refratário.”

Mais constam do mesmo parecer as exigências do citado posto de trabalho/função:

“10.1. O trabalhador deve ser capaz de trabalhar sobretudo em ambientes de interior, em contexto de estaleiro de obras, de instalações fabris e dentro de fornos que exigem uma locomoção com uma postura curvada (muitos fornos não passam de cerca de 1 metro de altura);

10.2. O trabalhador deve conseguir trabalhar em posições de equilíbrio instável, tendo que usar, sempre que trabalha em altura, em escadas, andaimes, ou outras plataformas elevatórias, cinto de segurança com arnês e guarda-corpos;

10.3. O trabalhador deve ser capaz de se deslocar em piso irregular, em ambiente de estaleiro de construção civil, com pavimentos muitas vezes repletos de entulho/resíduos de obras, materiais, ferramentas e equipamentos diversos;

10.4. O trabalhador deve ser capaz de adotar, quase na totalidade do tempo de trabalho diário, e praticamente em todas as atividades que realiza, a postura ortostática, no entanto, frequentemente, a postura de fletido à frente, curvado, agachado, de joelhos, de cócoras ou outras;

10.5. O trabalhador deve ser capaz de efetuar frequentes flexões frontais e torsões laterais do tronco, flexões e torsões do pescoço, praticamente em todas as atividades realizadas dentro dos fornos refratários em diversas instalações fabris;

10.6. O trabalhador deve conseguir trabalhar, frequentemente, em tensão muscular contínua, ao mesmo tempo que desenvolve um esforço de equilíbrio e controlo da totalidade do corpo, sobretudo quando trabalha em cima de escadas, andaimes ou outras plataformas elevatórias;

10.7. O trabalhador deve ser capaz de suportar pesos nos braços ou nas costas (aproximadamente até aos 30 quilos), designadamente quando tem de carregar, com ambos os braços/mãos e ajuda de todo o corpo, baldes ou sacos com entulho, ferros, tijolos, blocos, equipamentos, ferramentas, plataformas de andaimes, pranchas de cofragem, barrotes, telhas ou outros materiais de construção específicos para a reparação ou montagem de fornos refratários industriais;

10.8. O trabalhador deve possuir robustez e agilidade física, com um adequado nível de destreza manual, especialmente no que diz respeito à coordenação mão/braços, praticamente em todas as atividades que implicam o uso de ferramentas manuais diversas, assim como na manobra de um empilhador;

10.9. O trabalhador deve possuir um adequado sentido de equilíbrio e, preferencialmente, ausência de vertigens para conseguir efetuar trabalho em altura, em cima de andaimes ou outras plataformas industriais, sempre que necessário.”

E conclui-se no mesmo que: “o trabalhador apresenta estar incapacitado para o trabalho habitual, não possuindo as condições para o desempenho do seu habitual posto de trabalho, o qual implica locomover-se com agilidade, permanecer na posição de pé em contínuo e noutras posições de grande desconforto, tal como a postura curvada em fornos industriais com dimensões quase sempre de reduzidas dimensões em termos de altura.”

Pois bem, antes de mais, cumpre dizer que os laudos emitidos pela junta médica, mesmo que por unanimidade, não são vinculativos para o tribunal; encontra-se aqui também presente o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal – artigo 389.º, do C.C. e 591.º, do C.P.C..

No entanto, constitui entendimento pacífico na jurisprudência que, não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova.

Cumpre dizer, desde já, que não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que o IEFP caracterizou um posto de trabalho que não era o ocupado pelo sinistrado.

Na verdade, o IEFP faz referência aos conteúdos da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, a qual se insere no âmbito das funções levadas a cabo por um trabalhador polivalente da construção civil (servente) mas em contexto de instalações industriais, com fornos industriais para diversos fins.

Aliás, basta ler a comunicação de despedimento por inadaptação enviada ao sinistrado pela sua entidade patronal, para se concluir que nas suas funções cabem as supra referidas no parecer do IEFP.

Por outro lado, certo é, como já ficou dito, que a junta médica, por maioria considerou que o sinistrado não se encontra afetado de IPATH, no entanto, são os mesmos peritos médicos, agora por unanimidade, que em resposta ao quesito 6. referem: “face às especificidades do posto de trabalho, não foi, alegadamente, possível reconverter o sinistrado no seu posto de trabalho”, pelo que, conjugado o teor dos pareceres da junta médica com a restante prova produzida – parecer do IEFP, carta de despedimento por inadaptação e o parecer da medicina do trabalho no sentido da inaptidão definitiva – é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível dos factos descritos nos pontos 6 a 10 e, ainda, de que o sinistrado se encontra afetado de IPATH.

Na verdade, se o sinistrado não retoma, pelo menos, o conjunto fundamental das suas funções, das suas anteriores tarefas, embora com limitações, <<se o sinistrado não as consegue retomar, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.>>[2]

Tendo em conta, por um lado, as tarefas essenciais e as exigências do posto de trabalho do sinistrado (pontos 6 a 7 da matéria de facto provada) e, por outro, as limitações/sequelas apresentadas pelo mesmo (rigidez do joelho direito), é de concluir que o sinistrado está incapaz de desempenhar o seu trabalho habitual, posto que, aquelas o impedem de se locomover com agilidade, de permanecer de forma prolongada de pé e noutras posições desconfortáveis como curvado ou de cócoras em fornos industriais de reduzidas dimensões e de se equilibrar devidamente em terreno irregular e em altura, sendo certo que a atribuição de IPATH não pode ser feita com a ponderação de um conjunto residual de tarefas que compõem as funções do trabalhador como parece resultar da resposta, por maioria, da junta médica ao quesito 5, supra referida.

Tanto assim é que o sinistrado foi despedido por inadaptação nos termos supra descritos no ponto 10 da matéria de facto provada.

Conforme se decidiu no acórdão da RP, de 30/05/2018, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:   

<<I - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.

II - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), devendo, no entanto, a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária e sendo que o juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.

III - No caso, e em síntese, tendo em conta a matéria de facto provada e decorrendo do parecer emitido pelo Centro de Reabilitação ...… que as sequelas apresentadas pelo A. determinam IPATH por, funcionalmente, o impossibilitarem de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de operador de máquinas de produção industrial, deverá ser-lhe atribuída tal incapacidade.>>[3]

Em suma, tendo em conta as limitações funcionais que o sinistrado apresenta e as exigências concretas das tarefas que compõem o núcleo fundamental da sua atividade profissional de montador de fornos refratários, o sinistrado encontra-se na situação de IPATH, tal como e decidiu na sentença recorrida.

Improcedem, assim, estas conclusões da recorrente.

2ª questão

Se o valor da pensão fixada ao sinistrado foi calculado de forma incorreta. 

Esta decisão está naturalmente dependente da pretendida alteração da matéria de facto.

Ora, como se decidiu supra, ficou a constar do ponto 11 da matéria de facto apurada que:

11 - O sinistrado sofre assim da IPP de 0,225 (fator 1.5 incluído) com IPATH.

Assim sendo, ponderando os seguintes cálculos:

Salário anual = € 26.545,52

€ 26.545,52 x 70% = € 18.581,86

€ 26.545,52 x 50% = € 13.272,76

€ 18.581,86 - € 13.272,76 = 5.309,10

€ 5.309,10 x 22,5% = € 1.194,55

€ 13.272,76 € + € 1.194,55 = € 14.467,31

A pensão anual e vitalícia devida pela seguradora ascende ao montante de € 14.467,31, no entanto, uma vez que já foi remida a pensão de € 1.858,20, impõe-se a dedução desta àquela pensão anual e vitalícia e, assim, o sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia no montante de € 12.609,11 e não de € 14.533,67 como se decidiu na sentença recorrida.

Face ao que ficou dito, procedem, estas conclusões da recorrente.

*

Na parcial procedência das conclusões da recorrente impõe-se a manutenção e revogação da decisão recorrida em conformidade.

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[4]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se:

- em julgar parcialmente procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, fixa-se em 22,5% o coeficiente global de incapacidade do sinistrado, com IPATH e condena-se a Ré Seguradora a pagar ao sinistrado AA a pensão anual e vitalícia de € 12.609,11 (doze mil seiscentos e nove euros e onze cêntimos), reportada a 25/03/2019, atualizável nos termos legais e, no mais,

- em manter a sentença recorrida.

*

                                                             *

Custas a cargo da Ré recorrente e sinistrado recorrido, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente, posto que, pese embora o sinistrado não tenha contra-alegado, a decisão reflete-se negativamente na sua esfera jurídica, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

                                                             *

                                                             *


                                                                                                    Coimbra, 2022/05/13

                                          (Paula Maria Roberto)

(Azevedo Mendes)

(Felizardo Paiva)




[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Azevedo Mendes
                     Felizardo Paiva

[2] Acórdão da RL, de 07/03/2018, disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido, cfr. os acórdãos da RP, de 13/02/2017 e da RG, de 24/10/2019 e de 17/12/2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.