Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
105/11.2IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: FRAUDE FISCAL
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS103º DO REGIME GERAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
Sumário: 1.- O crime de fraude fiscal é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social e é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem;

2.- O crime de fraude fiscal só pode ser cometido através de ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável, da ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária ou da celebração de negócio simulado.

3.- O tipo objetivo de ilícito preenche-se, pois, com a adoção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador concretizado esses comportamentos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 103.

Decisão Texto Integral: Processo nº 105/11.2IDCBR.C1, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede.
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Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Mº Pº contra os arguidos:
A..., Lda., pessoa coletiva com o n.º (...), com sede social na (...), freguesia e concelho de Cantanhede,
B..., divorciado, empresário, filho de (...) e de (...), natural de Angola, nascido em 05.04.1971, residente na (...), Praia de Mira,
Sendo decidido:
a) condenar o arguido B... como autor material de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigo 103, nº 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, com referência ao artigo 14, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, e artigo 14, alínea a) do Código do IVA, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), perfazendo o montante global de € 3.000,00 (três mil euros), fixando-se desde já a pena de prisão subsidiária em 100 (cem) dias para o caso de o arguido não pagar a pena de multa,
b) condenar a arguida A..., Lda. como autora material de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigo 103, nº 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, com referência ao artigo 14, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, e artigo 14, alínea a) do Código do IVA, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo o montante global de € 3.000,00 (três mil euros),
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Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido B....
1.A arguida vendeu em 18.01.2010 à sociedade de direito espanhol C..., S.L.U 9013 peças de vestuário no valor global de 169.269,50€ sendo tal venda titulada pela fatura 090046 e a mesma contém a menção de «Isento de IVA ao abrigo do artigo 14 alínea a) do Código do IVA», sendo que tal indicação era totalmente verídica à altura dos factos.
2.Em 02.07.2009, a sociedade arguida, representada pelo recorrente, pelas 15H35m52’’, apresentou a pertinente declaração de início de atividade, declaração essa que obteve a referência tributária (...) e o código eletrónico (...) (cfr. a respetiva tradução a fls.).
3.A sociedade arguida na declaração de início de atividade requereu a sua inscrição como operador para efeitos do Registo das Operações Intracomunitárias (vide campo 582).
4.Tal declaração foi recebida pela Autoridade Tributária Espanhola sem que fossem assinalados quaisquer erros (vide a tradução da respetiva comunicação a fls.).
5.Igualmente resultou provado em Juízo que em 24.02.2010 – pouco mais de um mês passado sobre a emissão da discutida fatura – a Autoridade Tributária Espanhola enviou à sociedade arguida o respetivo cartão de contribuinte definitivo (cfr. tradução do documento a fls.).
6.Só a partir da inspeção levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira em Maio de 2011 é que se detetou que os Serviços Tributários Espanhóis não tinham levado a cabo a inscrição definitiva da C..., S.L.U. como uma operadora inscrita no VIES.
7.O recorrente não tinha a noção de que tal inscrição não estivesse feita em definitivo tanto mais que em Portugal tal inscrição é automática dependendo apenas de requerimento.
8.Os arguidos nunca ocultaram a transação, antes a comunicaram no tempo legalmente estatuído para tal efeito [alínea f) dos factos provados], pelo que, também por esta via, resulta reforçada a bondade da atuação dos arguidos.
9.A compra e venda em crise seria sempre neutral do ponto de vista do IVA para a sociedade vendedora aplicando-se – ou não – as regras do RITI pois caso a operação estivesse sujeita a IVA este seria sempre devido pela sociedade de direito espanhol e não pela arguida, pelo que nenhuma vantagem adviria para esta independentemente da isenção aplicável à operação.
10.Assim, e da ponderação dos elementos documentais juntos e dos depoimentos trazidos à colação neste articulado, transparece manifestamente que as conclusões vertidas nos factos dados como provados sob as alíneas l), n), o), r), s), t) e u) terão, e salvo o devido respeito, de soçobrar e serem, naturalmente, dados como “não provados” e, consequentemente, os arguidos absolvidos.
11. Não pode autorizar-se a conclusão que os arguidos, em algum momento, tenham agido com dolo, nem direto, nem necessário, nem mesmo a título de dolo eventual, pois que, não tendo aqueles conhecimento dos factos em causa à data dos mesmos (a não conclusão do processo administrativo em território espanhol), não podem ter assumido o risco de, com o seu agir, produzir determinado resultado, ou seja, praticar o facto não permitido por lei.
12.Aos arguidos, não tendo agido com dolo, só se lhes poderia imputar a alegada fraude a título de negligência, pois na verdade atuaram sempre convencidos da lisura do seu procedimento o que se veio a revelar não ser verdade, sem que qualquer responsabilidade lhes possa ser assacada, pelo que ocorreu um erro sobre as circunstâncias de facto.
13.O crime de fraude fiscal é um crime doloso não estando a punição prevista para o seu cometimento sob a forma negligente, pelo que terão os arguidos de serem absolvidos sob pena de violação do princípio da legalidade.
14.Sob pena de violação dos artigos 10 e 13 do CP, 103/1, 14, a) do RITI e 14/1, a) do CIVA deve o presente proceder revogando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e absolvendo-se os arguidos ou quando assim não se entenda, o que não se concede, devem os arguidos ser absolvidos atento o disposto nos artigos 2/1 do RGIT, 1/1 e 13 do CP.
Responde o Magistrado o Mº Pº ao recurso do arguido, concluindo que o mesmo não merece provimento.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da improcedência do recurso, porque o “crime imputado se mostra preenchido com a conduta realizada pelo recorrente”.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta. 
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
II. Da discussão da causa e com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação
a)A arguida A..., LDA, pessoa coletiva com o n.º (...), com sede social na (...), freguesia e concelho de Cantanhede, tem como objeto social o exercício da atividade de “comércio a retalho de vestuário para adultos, estabelecimento especializado”, CAE 47711.
b)No ano de 2010, era gerente da arguida A..., LDA. o arguido B..., cabendo a este os atos de gestão e de regularização tributária da pessoa coletiva, ou seja, era o mesmo quem lidava diretamente com os clientes da pessoa coletiva arguida, orientava os serviços prestados a terceiros e geria os movimentos de negócios da pessoa coletiva arguida, com acesso à documentação da estrutura organistico-financeira da contabilidade interna daquela.
c)Durante o período temporal acima referido, a arguida A..., LDA., na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, encontrava-se enquadrada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal, com periodicidade trimestral, e estava tributada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no regime geral de tributação, na área da Repartição de Finanças do Concelho de Cantanhede.
d)Em 18 de Janeiro de 2010, os arguidos contabilizaram uma transmissão intracomunitária, titulada pela fatura n.º 090046, no valor de € 169.269,50, para o operador Espanhol C..., SLU, contribuinte n.º (...), na qual não tinha sido liquidado IVA, com a indicação de “Isento de IVA ao abrigo do artigo 14 alínea a do Código do IVA”.
e)O acima referido operador espanhol não se encontra inscrito no cadastro VIES (VAT Informations Exchange System) como operador intracomunitário, nem declarou aquisições intracomunitárias provenientes do operador português “ A..., Lda”, contribuinte n.º PT (...).
f)Os arguidos apresentaram declaração periódica de IVA, referente ao primeiro trimestre de 2010, inscrevendo no quadro 07 da declaração o montante de €169.270,00 como se de uma transmissão intracomunitária se tratasse.
g)O valor mencionado, inscrito no quadro 07 da declaração periódica tinha por suporte a fatura n.º 090046, no valor de €169.269,50, na qual se encontra em causa a transmissão de 9.013 peças de vestuário.
h)O pagamento desta fatura teve por base um documento interno, sem data, cujo recebimento foi efetuado em numerário, no montante de €169.269,50.
i)A sociedade arguida também não declarou a verba atrás mencionada no respetivo anexo recapitulativo.
j)Como a transmissão em causa não pode ser considerada isenta de IVA conforme consta da fatura, a operação em causa origina a liquidação de IVA, no valor de €33.853,90 (trinta e três mil oitocentos e cinquenta e três euros e noventa cêntimos) [€169.269,50 x 20%], uma vez que se trata de bens tributáveis à taxa normal de IVA, imposto este que os arguidos não liquidaram, nem entregaram nos cofres do Estado.
k)Ao arguido B... cabia, na respetiva qualidade de gerente da pessoa coletiva arguida, a obrigatoriedade de proceder ao apuramento do I.V.A. devido, que deveria ter entregue nos serviços de administração deste imposto, até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitavam as operações passíveis de tributação, o que era do conhecimento do arguido.
l)O arguido B... sabia, portanto, que estava legalmente obrigado a contabilizar e a declarar ao Fisco todos os rendimentos auferidos pela sociedade arguida, por conta e no interesse de quem procedia, e não obstante, o agindo, com o intuito de ocultar à Administração Tributária as vantagens patrimoniais obtidas com a transação acima referida, declarou que a mesma se tratava de uma transmissão intracomunitária e estaria isenta de IVA, quando sabia que a mesma não era e que não estava isenta do pagamento de IVA.
m)Pelo que, em virtude da conduta do arguido B..., agindo por conta e no interesse da arguida A..., LDA, deixou de entrar nos cofres do Estado o montante total de €33.853,90, vantagem patrimonial obtida com a declaração de que a transmissão em causa era intracomunitária e por isso estaria isenta de IVA, quantia essa de que se apoderou o arguido B..., dela dispondo como se sua fosse e em seu benefício individual e respetivo, bem como da pessoa coletiva arguida.
n)Os arguidos agiram com o propósito, que concretizaram, de omitir ao Estado (Administração Fiscal) a vantagem patrimonial, efetivamente, recebida no ano de 2010, para desse modo, não pagar IVA sobre o referido montante total da transação, alcançando, assim, vantagem patrimonial a que não tinham qualquer direito.
o)Ao inscrever no quadro 07 da declaração periódica de IVA, referente ao primeiro trimestre de 2010, a transmissão acima referida como se intracomunitária fosse, o arguido sabia e queria impedir os Serviços da Administração Fiscal de liquidar, sobre tal montante, o respetivo IVA, atuando com a intenção de se furtar ao pagamento de tal imposto, como quis e conseguiu.
p)Com efeito, o recebimento de tais rendimentos só veio a ser descoberto aquando da realização duma ação inspetiva interna, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, aos sujeitos passivos e ora arguidos.
q)Assim, e em virtude de tal conduta, os arguidos não pagaram aos cofres do Estado Português o montante total de €33.853,90, a título de IVA, sendo tal montante correspondente à vantagem patrimonial que os arguidos obtiveram, em sede fiscal, ao ocultar a vantagem patrimonial obtida.
r)Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido B... por conta e no interesse da sociedade arguida que geria e da qual era sócio à época, com o propósito de obter a referida vantagem patrimonial, bem sabendo e querendo, causar o correlativo prejuízo ao Estado Português, como de facto causou, pois não entregou à Administração Fiscal os mencionados €33.853,90, a título de IVA a que estava obrigado, diminuindo, assim, as receitas tributárias e, por via disso, lesou o erário público da Fazenda Nacional naquele montante, correspondente ao IVA que não entrou nos cofres do Estado.
s)De forma indireta, os arguidos lesaram ainda a generalidade dos contribuintes cumpridores, ofendendo, desse modo, o regular funcionamento do sistema fiscal e, consequentemente, os interesses de ordem pública que o mesmo deve satisfazer, impedindo assim a realização da justiça fiscal.
t)Para além disso, os arguidos, ao ocultarem à Administração Tributária a liquidação e cobrança daquele montante IVA, ofenderam e colocaram em crise a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando também assim o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal.
u)O arguido B... agiu voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, por conta e no interesse da pessoa coletiva A..., LDA.
Mais se provou
v)Foi o arguido que preencheu a factura n.º 090046, no valor de € 169.269,50.
w)O arguido é empresário no ramo da venda de roupa há 23 anos.
x)O arguido aufere rendimento mensal, por intermédio de vencimento, despesas de representação e lucros no montante de cerca de € 2.000,00.
y)Reside em casa do ex-cunhado, não pagando qualquer renda.
z)Tem o 9º ano de escolaridade.
aa)A sociedade arguida encontra-se em atividade.
bb)Os arguidos não têm antecedentes criminais.
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III. Factos não provados
Com eventual interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
O arguido era a única pessoa com acesso à documentação da estrutura organistico-financeira da contabilidade interna da sociedade arguida.
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IV. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal fundou a sua convicção na conjugação das declarações do arguido com os depoimentos ouvidos em sede de audiência de julgamento e toda a documentação constante dos autos, relevando em especial o auto de notícia, a fatura n.º 090046, a declaração periódica de IVA, extrato de conta corrente da C..., SLU, documento interno relativo ao pagamento da fatura, informação relativa à falta de registo da sociedade C..., SLU no VIES, documentação trocada entre a Autoridade Tributária Portuguesa e Agência Tributária Espanhola, bem como ainda a documentação relativa à constituição da sociedade espanhola e inscrição na Agência Tributária Espanhola.
O arguido admitiu a prática dos factos constantes na acusação, esclarecendo ter sido ele próprio a preencher a fatura em causa, afirmando no entanto desconhecer que a sociedade espanhola por ele criada não estivesse inscrita no VIES, uma vez que contactou com um notário e contabilista espanhóis que ficaram de lhe tratar de toda a documentação. Juntou ainda a documentação relativa à constituição da sociedade espanhola e inscrição na Agencia Tributária Espanhola, onde é solicitado a fls. 177, ponto 582, o registo como operador comunitário.
As testemunhas arroladas pelo arguido, António Luís Pereira de Figueiredo e Francisco Faria de Paiva Batista, ambos amigos do arguido, respetivamente Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Registos e Notariado e empresário de hotelaria, não obstante nunca se terem deslocado à sociedade espanhola do arguido, ambos afirmaram ter auxiliado o arguido no contacto com notário e contabilista espanhóis para a constituição da sociedade espanhola.
No sentido de a C..., SLU ter solicitado o registo no VIES vai igualmente a informação das autoridades espanholas que igualmente respondem dizendo que tal registo nunca se concretizou uma vez que a sociedade espanhola não cumpriu todos os requisitos necessários, designadamente a entrega de todos os documentos.
Não obstante o arguido afirmar que desconhecia que a sociedade espanhola por ele criada não estivesse inscrita no VIES, não se convenceu o Tribunal que assim tenha acontecido.
Desde logo, o arguido dedica-se ao comércio de venda de roupa há cerca de 23 anos e era ele próprio quem preenchia as faturas, como preencheu aquela que se encontra em causa nos autos, tendo tido o cuidado de referir expressamente “ISENTO DE IVA AO ABRIGO DO ARTIGO 14 ALINEA A DO CODIGO DO IVA”, bem como fazer preceder o número de contribuinte do destinatário das letras “ES”, tudo como se de uma transmissão intracomunitária se tratasse.
Ora, tendo em conta a experiência no ramo do arguido, o facto de ser ele a tratar da faturação da sociedade arguida, bem como os cuidados que teve ao tratar a transação como de uma transmissão intracomunitária se tratasse, tudo revela por parte do arguido conhecimentos nesta mesma área não compatíveis com o invocado desconhecimento.
Ao proceder à faturação, o arguido decidiu não cobrar o IVA, pelo que para tomar tal decisão cabia-lhe informar-se acerca do registo da sociedade espanhola no VIES, tanto mais que tratou a transação como de uma transmissão intracomunitária se tratasse.
O próprio arguido alegou que a burocracia em Espanha era muita e que tudo era mais fácil em Portugal. Ora, se efetivamente a burocracia em Espanha é maior, mais uma razão para o arguido ter cuidado e verificar o registo no VIES do destinatário para decidir se cobraria IVA, ainda mais, sendo a sociedade espanhola por si criada.
Depois, os inspetores tributários inquiridos, D... e E..., chamaram a atenção para o facto de a descoberta desta fatura ter resultado de uma ação de inspeção aos exercícios de 2007 e 2008 sem a qual a falta de cobrança do IVA na fatura passaria despercebida.
O suporte documental de pagamento da fatura constituiu o documento interno de fls. 45, sem data, sem assinatura, apenas indicando o pagamento de € 169.269,50, traduzindo-se tal pagamento na contabilidade da sociedade arguida e conta-corrente com a sociedade espanhola.
Confrontado com tal documento interno, o arguido afirmou que a sua elaboração se tratou de um lapso, mais esclarecendo que o seu contabilista falecera. Dificilmente se compreende um lapso na elaboração de um documento interno relativo ao recebimento da quantia de € 169.269,50, tanto mais quando tal pagamento é traduzido na contabilidade da sociedade arguida e conta-corrente com a sociedade espanhola.
Finalmente, mesmo que se estivesse perante uma transmissão intracomunitária e assim isenta de IVA, sempre teria a sociedade arguida que preencher o anexo recapitulativo, o que não foi feito.
Tendo em conta tudo o que se referiu no que respeita à experiência do arguido, do facto de ser ele próprio a emitir a fatura e o documento comprovativo ser um mero bilhete onde está inscrito o pagamento, a falta de elaboração de anexo recapitulativo, tudo conduz à conclusão que efetivamente o arguido elaborou a fatura em causa como de uma transmissão intracomunitária se tratasse para evitar o pagamento do IVA, apesar de a sociedade espanhola que criou não se encontrar registada no VIES.
Não se provou que o arguido fosse a única pessoa com acesso à documentação da estrutura organistico-financeira da contabilidade interna da sociedade arguida uma vez que o arguido referiu a existência de um contabilista.
As condições pessoais do arguido foram pelo próprio relatadas.
A falta de antecedentes criminais dos arguidos resultou dos respetivos certificados de registo criminal.
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Conhecendo:
-O recorrente impugna a matéria de facto dos pontos l, n, o, r, s, t, u, dos provados, entendendo que devem ser julgados como não provados.
Daí partindo para a não verificação do crime (preenchimento dos elementos típicos, nomeadamente o elemento subjetivo, o dolo) e consequente absolvição.
Matéria de facto:
O recurso do arguido incide no facto que alega de que pensava que a sociedade interveniente no negócio como compradora se encontrava inscrita no VIES, como operador intracomunitário. Entendendo por isso que a mesma estava isenta do pagamento de IVA.
Aquelas alíneas impugnadas pelo recorrente assentam no elemento subjetivo do crime, de que não agiu intencionalmente com o intuito de enganar a Administração Tributária e obter um benefício.
Incide sobre a matéria de facto e apreciação da mesma.
Entende o recorrente ter havido erro de julgamento da matéria de facto, que esta foi incorretamente apreciada.
De acordo com o preceituado no artigo 124, nº1 do Código de Processo Penal, “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.
Neste artigo, onde se define qual o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da responsabilidade civil conexa.
A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com exceção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais, é afloramento do princípio da demanda da verdade material, que continua a dominar o processo penal (cfr. Conselheiro Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 12ª ed., págs. 331).
Por sua vez, o artigo 127 do Código de Processo Penal prescreve:
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.     
É o chamado princípio da livre apreciação da prova, cujo tem duas vertentes. Na sua vertente negativa, significa que, na apreciação (valoração, graduação) da prova, a entidade decisória não deve obediência a quaisquer cânones legalmente preestabelecidos. Tem o poder-dever de alcançar a prova dos factos e de valorá-la livremente, não existindo qualquer pré-fixada tabela hierárquica elaborada pelo legislador. Do lado positivo, significa que os factos são dados como provados, ou não, de acordo com a íntima convicção que a entidade decisória gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio" (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).
Segundo os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão” (Direito Processual Penal, vol. II, pág. 111). Também, o S.T.J., em acórdão datado de 13 de Fevereiro de 1992, referiu que “a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Col. Jur. ano XVII, tomo I, pág. 36). Por sua vez, o Tribunal Constitucional, acórdão n.º 464/97/T se pronunciou por não julgar inconstitucional a norma do artigo 127 do Código de Processo Penal.
Perante estes ensinamentos, está pois, o Tribunal autorizado a valorar factos, que com a segurança necessária à verdade prática-jurídica, sirvam de suporte à decisão.
Nos termos do prescrito no artigo 374, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve na sentença indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.           Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio que há de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
Na sentença fundamenta-se a convicção, o que é feito de forma bastante completa e sem deixar dúvidas acerca da forma e modo da convicção do julgador para dar como provados aqueles factos –tudo conforme se pode verificar através da transcrição supra.
Simplesmente, o recorrente não concorda com a forma como o julgador se “convenceu”.
No caso vertente demonstrados ficaram os elementos objetivos, a atuação em concreto, pretendendo o recorrente justificar essa sua atuação com o desconhecimento de que estava a praticar uma ilegalidade. E, aponta o seu depoimento revelando “estranheza quando confrontado com situação que desconhecia que era a empresa não estar inscrita no chamado VIES em Espanha”, já que havia requerido essa inscrição.
As testemunhas apenas referem que o arguido havia pedido a inscrição e que em Portugal basta o pedido, sendo automática a assunção pelo sistema, da isenção.
Nos termos do art. 14 do RITI (REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS), referente a “Isenções nas transmissões”:
 Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.
No caso presente, o recorrente era sócio da empresa portuguesa que efetuou a venda e era “dono” da empresa espanhola que efetuou a compra.
Assim, como era possível o recorrente desconhecer que a “sua” empresa espanhola não estava registada para efeitos do IVA em outro estado membro?
E, no decurso temporal, desde o início da atividade da sociedade espanhola até à deteção desta transação pela autoridade tributária portuguesa, aquela apenas efetuou esta transação?
Como podia o recorrente desconhecer a situação se na al. e) dos provados consta que a sociedade espanhola “não declarou aquisições intracomunitárias provenientes do operador português”, a sociedade arguida?
Se o recorrente estivesse convencido da legalidade da sociedade espanhola no que respeita a isenção de IVA neste tipo de transações, haveria de declarar em Espanha as aquisições que efetuasse.
Assim como, com a declaração a entregar perante a Autoridade Tributária portuguesa deveria ter entregado o anexo recapitulativo, a partir do qual poderiam as autoridades tributárias de ambos os países ter conhecimento da transação intracomunitária efetuada.
O que afasta a ideia expressa pelo recorrente de que estava convencido de que estava tudo legal e havia isenção de IVA ao abrigo do art. 14 al. a) do CIVA.
Até porque lhe é acessível saber se uma sociedade espanhola (sendo do arguido ou não) se encontra inscrita no VIES, bastando uma consulta na base de dados da Autoridade Tributária Portuguesas e indicar o NIF da empresa em causa.
Assim como há benefício para o recorrente e empresas, dado que é sócio da empresa arguida (vendedora) e “dono” da empresa compradora, espanhola e prejuízo para o Estado Português que deixou de receber o montante do IVA correspondente calculado à taxa legal, assim como o não pagou em Espanha.
Da situação objetiva se há de retirar o elemento subjetivo, a intenção de atuação do arguido.
Dos elementos objetivos provados, necessariamente resultam provados aqueles pontos impugnados, que integram o elemento subjetivo.
Para se apurar o elemento subjetivo do crime, não tem de o mesmo resultar da confissão do arguido, pois se tal fosse necessário, inexistiriam crimes.
Se assim fosse estaria descoberta uma nova consequência do exercício do direito ao silêncio pelos arguidos, a saber a sua absolvição - tudo, no modo como as ações estão provadas aponta no sentido de elas se referirem a ações voluntárias e nada faz presumir que o arguido, não tenha tido consciência da ilicitude dos mesmos, porque se trata de factos cuja ilicitude é de imediata compreensão para um homem médio, por os conceitos envolvidos serem pertença comum, desde sempre.
Basta atentar na jurisprudência a este respeito, e que transcrevemos:
- Acórdão da Relação do Porto de 23/02/83, in B.M.J. 324°, pág. 620 (cfr. Manuel de Oliveira Leal-Henriques/Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 1.º volume, Parte Geral, Editora Rei dos Livros, 2002, pág. 218): -¬“Dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência".
- Ac. do S. T. J. de 25/09/97, Processo n.º 479/97 (Ibidem, pág. 223):-- “Os elementos subjetivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Contudo, é possível captar a sua existência através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum".
- Acórdão da Relação de Coimbra, de 16/11/2005, proferido no Processo n° 3380/05, n° convencional JTRC, in www.dgsi.pt/jtrc quando, a esta propósito, se disse que "não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um ato interior, revestindo natureza subjetiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através de dados objetivos, através das regras da experiência comum. "
A intenção constitui matéria de facto, a apurar pelo tribunal em função da prova ao seu alcance, e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; não é por ser um facto psicológico que a intenção deixa de ser um facto, e a conclusão de ter ocorrido intenção deduz-se de factos externos que a revelem.
Isso é manifestado na motivação da matéria de facto na sentença recorrida: “Não obstante o arguido afirmar que desconhecia que a sociedade espanhola por ele criada não estivesse inscrita no VIES, não se convenceu o Tribunal que assim tenha acontecido.
Desde logo, o arguido dedica-se ao comércio de venda de roupa há cerca de 23 anos e era ele próprio quem preenchia as faturas, como preencheu aquela que se encontra em causa nos autos, tendo tido o cuidado de referir expressamente “ISENTO DE IVA AO ABRIGO DO ARTIGO 14 ALINEA A DO CODIGO DO IVA”, bem como fazer preceder o número de contribuinte do destinatário das letras “ES”, tudo como se de uma transmissão intracomunitária se tratasse.
Ora, tendo em conta a experiência no ramo do arguido, o facto de ser ele a tratar da faturação da sociedade arguida, bem como os cuidados que teve ao tratar a transação como de uma transmissão intracomunitária se tratasse, tudo revela por parte do arguido conhecimentos nesta mesma área não compatíveis com o invocado desconhecimento.
Ao proceder à faturação, o arguido decidiu não cobrar o IVA, pelo que para tomar tal decisão cabia-lhe informar-se acerca do registo da sociedade espanhola no VIES, tanto mais que tratou a transação como de uma transmissão intracomunitária se tratasse.
O próprio arguido alegou que a burocracia em Espanha era muita e que tudo era mais fácil em Portugal. Ora, se efetivamente a burocracia em Espanha é maior, mais uma razão para o arguido ter cuidado e verificar o registo no VIES do destinatário para decidir se cobraria IVA, ainda mais, sendo a sociedade espanhola por si criada”.
Donde resulta que tem fundamento a convicção do julgador ao dar como provados os factos demonstrativos de o arguido ter atuado intencionalmente.
As regras da experiência assim impõem.
Pelo exposto, entendemos que na sentença recorrida não foram violados os princípios a que deve obedecer a apreciação e valoração da prova.
Do exposto se conclui da sem razão do recorrente ao alegar na motivação e conclusões do recurso que o crime lhe foi atribuído sem prova, nomeadamente no que concerne aos factos integradores do elemento subjetivo do crime.
O recorrente interpreta a prova existente de modo não coincidente com a interpretação do Tribunal.
Assim, sem violação de normas ou princípios penais, na sentença recorrida, podia concluir-se como se concluiu em relação à matéria de facto provada.
Na decisão recorrida foi feito um correto enquadramento jurídico-penal da factualidade apurada, cargo que, na vertente da livre apreciação da prova, está vedado aos intervenientes processuais, sendo incumbência exclusiva do julgador - art. 127 CPP.
Face ao exposto, temos como improcedentes, nesta parte, as conclusões do recurso.
            Fraude fiscal:
            Constitui infração tributária (crimes e contraordenações fiscais), todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior – art. 2 nº 1 do RGIT.
A infração tributária considera-se praticada no momento e no lugar em que o agente atuou ou devia ter atuado – art. 5 do RGIT.
Prevê o artigo 103 do RGIT que:
1– Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c)Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
A fraude fiscal abrange todas as condutas ilegítimas que tenham em vista a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causar a diminuição das receitas tributárias. Tal pode processar-se por ocultação ou alteração dos factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas, a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria tributável, a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal e a celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
O crime de fraude fiscal é um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer pessoa e é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social.
Como referem António Tolda Pinto e Jorge Manuel Bravo, in Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, em anotação ao art. 103, e relativamente ao crime de fraude fiscal, «este crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efetivamente, bastando-se a lei com a circunstância de "as condutas ilegítimas tipificadas" visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais "suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias". Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena».
Neste sentido, Ac. desta Relação de 09-05-2007, proc. 11/04.7IDCBR.C1, que refere, “o crime de fraude fiscal, previsto no art. 103 do RGIT, consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial venha a ocorrer efetivamente”.
“Para a punição do agente basta comprovar que este quis as respetivas (ações ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias”.
Face ao exposto e perante a matéria de facto apurada e supra transcrita, temos que foi cometido o crime de fraude fiscal.
Entendemos que o crime de fraude fiscal constitui um crime comum e não um crime próprio ou específico de sujeitos passivos de imposto, uma vez que da norma em análise não resulta nenhuma delimitação expressa em relação à autoria. Na verdade, e tal como entende Isabel Marques da Silva (in Regime Geral das Infrações Tributárias, cadernos do IDEFF, nº 5, 3ª edição, página 205, Almedina) afigura-se-nos que o crime de fraude fiscal pode ser cometido por qualquer pessoa.
“Trata-se de um crime de execução vinculada, tal como é unanimemente reconhecido pela doutrina, e que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do nº 1 do artigo 103 do RGIT” (obra citada, página 206).
Isto significa que o crime de fraude fiscal só pode ser cometido através de ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável, da ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária ou da celebração de negócio simulado.
O tipo objetivo de ilícito preenche-se, pois, com a adoção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador concretizado esses comportamentos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 103.
E destas condutas se pode retirar o tipo subjetivo.
Na esteira do entendimento sufragado por Figueiredo Dias e Costa Andrade (in O crime de fraude fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português – considerações sobre a factualidade típica e o concurso de infrações, páginas 432 a 434), consideramos que o crime de fraude fiscal é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem (no entendimento de que se trata de um crime de perigo, Susana Aires de Sousa, Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, página 73)”.
Assim que se julga improcedente o recurso
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Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido B... e, em consequência, mantem-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 5 Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brizida Martins