Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1559/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DEMOLIÇÃO DE OBRAS
OMISSÃO DE PROTECÇÃO NAS BORDADURAS DAS LAJES DOS TERRAÇOS DE MODO A PREVENIR O RISCO DE QUEDA DOS TRABALHADORES EM ALTURA
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 40º, 42º, 47º E 50º DO R.S.T.C.C., APROVADO PELO DEC. Nº 41821, DE 11/08/1958; 25º, Nº 4, DO D.L. Nº 273/2003, DE 29/10; E 11º DA PORTARIA Nº 101/96, DE 3/04 .
Sumário: I – Todo o processo tramitado perante a Autoridade Administrativa (incluída a decisão) vale tão só, na fase judicial, como mera acusação (artº 62º, nº 1, do RGCO), não sendo susceptível de ser sindicado .
II – A disciplina dos trabalhos de demolições integra a Capítulo IV do RSTCC, constando do artº 47º e segs.

III – A lógica dos trabalhos de demolição não implica fazer aberturas nos soalhos ou nas plataformas de trabalho semelhantes, aberturas em paredes ou obras em telhados, com as respectivas protecções, situações a cuja prevenção respeita a disciplina que integra os Títulos II e III do Regulamento – artºs 40º e segs.

IV – As regras basilares a observar nas demolições constam dos artºs 50º e segs., devendo a demolição ser conduzida de cima para baixo, gradualmente, de andar para andar e dos elementos suportados para os elementos suportantes, não sendo permitido que os operários trabalhem em cima dos elementos a demolir .

V – Relativamente à protecção de aberturas, dispõe o artº 63º que todas as aberturas dos pavimentos do andar em demolição serão convenientemente tapadas para protecção do pessoal que trabalha nos andares inferiores, excepto se tiverem de ser utilizadas na passagem de materiais ou utensílios .

VI – Não se exige que, na execução de trabalhos de demolição, se proceda à instalação de protecções nas bordaduras das lajes, nomeadamente nas lajes dos terraços.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – Na sequência de Auto de notícia levantado a 5 de Julho de 2004, a I.G.T., Delegação de Aveiro, aplicou à sociedade arguida «A.... S.A.» a coima de € 11.500,00 por infracção às disposições constantes dos arts. 42.º e 47.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo D.L. n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, art. 25.º, n.º4, do D.L. n.º 273/2003, de 29 de Outubro e art. 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril.

2 – Não se conformando com a decisão, impugnou-a judicialmente junto do Tribunal do Trabalho de Aveiro, tendo sido desatendida, conforme fls. 133.

3 – Ainda irresignada, recorre ora para esta Instância.
Alegou e concluiu:

§ A recorrida recorreu para o Tribunal do Trabalho de Aveiro da decisão de aplicação de coima;

§ O Tribunal decidiu manter a decisão primeiramente impugnada;

§ A arguida não se conforma, nem se pode conformar com tal decisão, porquanto:

§ A matéria dada como provada não integra o normativo que fundamenta a condenação, a saber: o art. 42.º do RSTCC, que, consequentemente, não se pode encontrar violado, existindo incorrecta qualificação jurídica dos factos;

§ A matéria dada como provada não preenche mesmo qualquer outro normativo daquele diploma legal, nem tal poderia ser considerado, atendendo aos estritos limites da condenação ora em crise;

§ Pelo que os Autos devem ser arquivados ou ser ordenado o reenvio do processo para a Autoridade Administrativa de forma à mesma reformular a decisão;

§ Caso assim se não entenda, é certo que a sentença ora recorrida enferma do vício de falta de fundamentação, com a consequente violação do disposto no art. 374.º/2 do C.P.P.;

§ Inexistindo, como inexiste, ‘exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão’, a sentença é nula, atendendo ao disposto no art. 379.º, n.º1, a), do CPP;

§ Mesmo que assim não se entenda, a qualificação da contra-ordenação enquanto ‘muito grave’ é falha, uma vez que não se mostra violado o art. 42.º do RSTCC, nem foi dado como provado que a arguida violasse qualquer outro do mesmo diploma legal, o que ‘deita por terra’ tal qualificação, com reflexos no montante mínimo da coima a pagar;

§ Sem prescindir, não é verdade que a arguida tenha praticado a infracção pela que qual foi condenada, encontrando-se indevidamente fixada a matéria de facto dada como provada;

§ Com efeito, abundam nos Autos elementos de prova que contrariam frontalmente a decisão;

§ E inexiste qualquer indício que possa levar a que se dê como provado que foi por instruções da ora recorrente que os trabalhadores em questão procederam da forma descrita nos Autos;

§ Os trabalhadores agiram impensada e inconscientemente, ao arrepio das instruções recebidas, pelo que a decisão não foi correctamente valorada, ao ignorar a prova produzida em sede de defesa da arguida;

§ O Tribunal incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova – art. 410.º, n.º2, b), do C.P.P.;

Deve assim concluir-se que a arguida não violou qualquer normativo legal e desta forma não pode ser mantida a decisão ora em crise, devendo sim ser ordenado o reenvio dos Autos para a Autoridade recorrida ou o seu arquivamento.

4 – Respondeu o MºPº, concluindo em síntese que a sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do Tribunal, que fez uma correcta aplicação do direito aos factos.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir o seu proficiente Parecer, a que ainda respondeu a arguida – cumpre ora apreciar e decidir.
___

II –

1 – DE FACTO
Vem seleccionada a seguinte factualidade:
- No dia 18 de Junho de 2004, pelas 14:00 horas, na obra de recuperação do Edifício do Mercado Manuel Firmino, sito no Largo do Mercado, em Aveiro, estavam em curso trabalhos de demolição do edifício, designadamente trabalhos de remoção de materiais (tijolos, argamassas, entulho de obra, etc.);
- No decurso desses trabalhos foram removidas tábuas que se encontravam a vedar o acesso aos dois terraços do lado Norte do edifício, a cerca de 4 metros de altura acima do nível do solo;
- Os trabalhadores efectuavam estes trabalhos sem que as bordaduras das lajes dos referidos terraços tivessem alguma protecção colectiva (guarda-corpos) que evitasse as quedas em altura, e não utilizando os trabalhadores qualquer equipamento de protecção individual que prevenisse o risco de queda em altura;
- No final dessa operação os trabalhadores passaram de um terraço para o outro, numa distância de cerca de 5 metros, através das paredes de suporte (com cerca de 15 centímetros de largura e 4 metros de altura), de onde já tinha sido retirada a cobertura, sem qualquer protecção que evitasse as quedas em altura;
- Envolvidos nesses trabalhos estavam os trabalhadores Ventura Correia Sona, trolha e Vasyl Mosiychuk, servente, ambos pertencentes aos quadros da recorrente;
- Tais trabalhos eram realizados sob a orientação do técnico permanente, Eng.º José Maurício Cardoso de Oliveira;
- É dona da obra a sociedade ‘Aveiro Polis – Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis’ em Aveiro, S.A.’, com sede na Av. Dr. Lourenço Peixinho, n.º6, 2.º, sala 1, Aveiro;
- A recorrente elaborou ‘plano de trabalhos com riscos especiais’ para a obra que estava a levar a cabo (fls. 32-35);
- A recorrente sofreu já a condenação por contra-ordenação constante de fls. 8.
___

2 – O DIREITO
A arguida/recorrente foi oportunamente sancionada pela I.G.T. por infracção às disposições constantes dos arts. 42.º, conjugado com o 47.º, ambos do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, (adiante referido apenas por Regulamento), do art. 25.º, n.º4, do D.L. n.º 273/2003, de 29 de Outubro e do art. 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril.

A sentença a que ora se reage, negando provimento ao recurso/impugnação judicial da decisão da Autoridade Administrativa, manteve a condenação da arguida…nos termos constantes daquela, a fls. 81-88 e 90.
No respectivo enquadramento/fundamentação jurídica – e enfrentando a alegação da recorrente de que o citado art. 42.º do Regulamento não é aplicável à situação factual descrita, nem o art. 11.º da referida Portaria é conjugável com o art. 25.º/4 do também identificado D.L. n.º 273/2003 – considerou-se, depois de se invocar o teor do art. 63.º do Regulamento (que se refere à ‘protecção de aberturas’ em ‘demolições’ – Título IV), que …’não estavam a decorrer trabalhos de demolição no sentido de aniquilar o piso onde se encontravam …(os trabalhadores), mas estava o piso com as bordaduras da laje (nos terraços do lado norte) expostas e nele se encontravam trabalhadores em serviço, que não tendente a aniquilar o piso, e não havia protecção.
Assim, afigura-se-nos ser de aplicar as normas referidas supra e na decisão administrativa (arts. 40.º e 42.º do Regulamento), que têm aplicação aos trabalhos de construção civil, sem dúvida aos que decorriam’.


Feito este breve enquadramento – que facilita, cremos, a compreensão da reacção da arguida… – vejamos então os termos desta.
A postulante pugna e clama, a final, pelo reenvio dos Autos para a Autoridade recorrida, (em caso de anulação da decisão, a devolução do processo far-se-ia para o Tribunal recorrido, como prescreve a alínea b) do n.º2 do art. 75.º do RGCO), ou pelo seu arquivamento.
Fá-lo por duas vias.

I –
É mister que comecemos por abordar – se por mais não fôra, ao menos por imperativos de ordem lógica, já que, como é sabido, a fixação dos factos precede necessariamente a tarefa da sua subsunção jurídica – a segunda/última questão proposta, a da valoração e erro notório na apreciação da prova/discordância da decisão da matéria de facto, que integra as asserções conclusivas finais no alinhamento que remata a motivação do recurso.

Não pode ignorar-se que, como se estampa no n.º1 do art. 75.º do D.L. n.º 433/82, que instituiu o RGCO, a 2.ª Instância apenas conhece, por regra, da matéria de Direito.
Como excepção a esse cânone – como bem denuncia o Exm.º P.G.A. no seu proficiente Parecer, a fls. 178-181 – o conhecimento, mesmo oficioso, dos vícios previstos no art. 410.º/2 do C.P.P., sempre implicará que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum…e se analise na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, finalmente, no erro notório na apreciação da prova.
E o que questiona afinal a recorrente?
Não se reportando propriamente ao texto da decisão recorrida na identificação do pretenso vício/fundamento, vai buscar elementos à prova que diz ter-se produzido em sede administrativa, por um lado, e, por outro, à prova oferecida em julgamento, quando deveria ter ponderado que nem uma nem outra são relevantes para o efeito, seja porque todo o processo tramitado perante a Autoridade Administrativa (incluída a decisão) vale tão-só, na fase judicial, como mera acusação (art. 62.º/1 do RGCO), seja porque esta não é susceptível de ser sindicada, uma vez que não consta dos Autos.

Sob a epígrafe ‘Dos Factos’, como preenche/demonstra/objectiva a denúncia de que houve erro notório na apreciação da prova?
Alegando simplesmente que, apesar de na decisão recorrida se ter feito constar que se valorou especificamente o depoimento de Sandra Magueta, António Gama e Ventura Sona, inexiste qualquer referência à forma e quantum de valoração anunciada dos documentos juntos aos Autos, não se tendo feito menção ao depoimento de José Maurício Oliveira…sendo que, afinal – e é esta a essência do seu fundamento – a valoração devida desses depoimentos implicaria decisão oposta à proferida!
Sintetiza depois o que foi, na sua perspectiva e tese, o teor válido desses depoimentos que – se tivessem sido os escrutinados pelo Tribunal…mas não o foram assim – conduziriam ao desejado resultado de facto!
De todo o modo, lá se concede – o que se saúda – que relativamente à testemunha José Maurício, tendo embora mantido o que dissera em sede administrativa, não poderá avaliar-se o seu depoimento, por falta de elementos escritos…fls. 144-145 – assumindo-se também ser facto indesmentível que os trabalhadores em causa estavam a realizar trabalhos em altura sem a protecção adequada.

O erro notório na apreciação da prova consistiria, afinal, na circunstância de o Tribunal não ter acolhido a versão das testemunhas da R….’não compreendendo que os trabalhadores fizessem mais do que aquilo para que tinham instruções’…
Invocando depois o que entende ser a realidade que se vive na construção civil, em Portugal – e que o Tribunal ignorará de todo… – pretende significar por certo o que, na sua leitura, serão as regras da experiência, no sector.

Mas a prova, sendo apreciada embora segundo as regras da experiência, não dispensa, como se sabe, a livre convicção do Julgador – art. 127.º do C.P.P.
E se é certo que o protótipo do trabalhador que se emprega na actividade, padece, por regra, das limitações e dos vícios comportamentais de que se fala – realidade social que quiçá o Tribunal até tenha (também) percepcionado, por ser de conhecimento mais ou menos notório… – não é menos verdade que, sendo os argumentos reversíveis, não nos repugna que se possa ter como pouco crível/’incompreensível’ que os trabalhadores em causa tivessem excedido assim as instruções recebidas!
E se as excederam foi com um objectivo plausível….que não nos parece que fosse em desfavor ou prejuízo dos interesses do seu empregador!
No mais, estamos todos de acordo: é difícil prevenir, de todo, que um trabalhador, em obra, corra riscos desnecessários; impedir que tomem alguma acção menos correcta ou que arrisquem, por vezes, comportamentos menos correctos, julgando não haver qualquer problema nisso.

Tudo isso – e o que mais adrede se expende –, sendo indiscutível em tese, não nos basta, para poder concluir que, no caso, se praticou um flagrante erro notório na apreciação da prova.

A recorrente insurgir-se, pois, contra a sentença por uma via claramente inconsistente, não havendo motivo bastante para equacionar a pretendida alteração da matéria de facto à luz da normatividade ínsita no n.º2, c), do art. 410.º do CPP.

II –
Invoca a recorrente, por outra banda, que houve incorrecta qualificação jurídica dos factos, enfermando a decisão, além disso, do vício de falta de fundamentação.
Manda o art. 64.º/4 do RGCO que em caso de manutenção da condenação deve o Juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado.
A sentença penal começa por um relatório, a que se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, seguida de uma exposição concisa, mas tão completa quanto possível, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, terminando pelo dispositivo – art. 374.º do C.P.P.
Compulsada a decisão sob protesto, na sua estrutura formal e no seu conteúdo, logo somos levados a concluir que se mostram tecnicamente respeitadas, no essencial, aquelas regras da Lei adjectiva.
Não é pois desse vício que padece a decisão aprecianda, mostrando-se minimamente fundamentada.
Como bem expende o Exm.º P.G.A., poderá discordar-se, isso sim, do bom fundamento da decisão.

Esse será o problema nuclear.
E é disso que ora cuidamos.
A I.G.T. interveio, no tempo e lugar já referidos, numa visita inspectiva a obra de recuperação no edifício do Mercado Manuel Firmino, sito no Largo do Mercado, Aveiro, onde estavam em curso trabalhos de demolição do edifício, designadamente trabalhos de remoção de materiais, nomeadamente tábuas …que se encontravam a vedar o acesso aos dois terraços do lado norte do edifício, a cerca de 4 metros de altura acima do nível do solo.
Os trabalhadores executavam os trabalhos acima referidos sem que as bordaduras das lajes dos referidos terraços reunissem as adequadas condições de segurança: não tinham qualquer protecção colectiva (guarda-corpos) que evitasse as quedas em altura.
No final dessa operação os trabalhadores passaram de um terraço para o outro, numa distância de cerca de 5 metros, através das paredes de suporte, (com cerca de 15 cms. de largura e de 4 metros de altura), de onde tinha já sido retirada a cobertura, sem qualquer protecção que evitasse as quedas em altura.

Foi esta a factualidade descrita no Auto de Notícia e imputada à arguida como constituindo infracção aos arts. 42.º, conjugado com o 47.º, ambos do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Dec. n.º 41.821, de 11 de Agosto de 1958, art. 25.º/4 do D.L. n.º 273/2003 e art. 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril.
Como depois se pormenorizou – cfr. proposta de decisão administrativa, a fls. 81 – a infracção consistiu na violação de normas e regras técnicas regulamentares de prevenção de riscos profissionais, designadamente na omissão de protecção nas bordaduras das lajes dos terraços de modo a prevenir o risco de queda dos trabalhadores em altura.

Na decisão ora 'sub judicio' fixaram-se como relevantes os factos já descritos, maxime que no dia, hora e local identificados, estavam em curso trabalhos de demolição do referido edifício do Mercado, designadamente trabalhos de remoção de materiais (tijolos, argamassas, entulho de obra, etc.) …e que no decurso desses trabalhos foram removidas tábuas que se encontravam a vedar o acesso aos dois terraços do lado norte do edifício, a acerca de 4 metros de altura acima do nível do solo.
No final dessa operação os trabalhadores passaram de um terraço para o outro, numa distância de cerca de 5 metros, através das paredes de suporte (com cerca de 15 cm de largura e 4 metros de altura), de onde já tinha sido retirada a cobertura, sem qualquer protecção que evitasse as quedas em altura…
…E, depois de ter percepcionado que – no que tange ao enquadramento jurídico da materialidade da infracção – esta não seria subsumível tão seguramente assim, (como nos parece subentender-se…), na previsão legal tida por infringida, fazendo nomeadamente alusão ao art. 163.º do RSTCC (integrado no Capítulo IV, que dispõe sobre as regras a observar nas ‘Demolições’), acaba afinal por manter a condenação da recorrente, nos termos que constam da decisão administrativa impugnada de fls.

Tudo visto, também nós cremos que a materialidade em causa não é realmente subsumível na identificada previsão do art.42.º/40.º do falado Regulamento, contrariamente ao que se entendeu na decisão administrativa e se confirmou na sentença ora sob censura.

Não há dúvidas que os trabalhos em execução aquando da intervenção da I.G.T. consistiam na demolição de um edifício, com remoção de materiais diversos (argamassas, tijolos, entulho de obra, tábuas, etc.).
A disciplina dos trabalhos de demolições integra o Capítulo IV do Regulamento, constando do art. 47.º e seguintes.
E não foi por acaso, certamente, que o legislador estabeleceu regras específicas para este tipo de trabalho, diversas das demais, nomeadamente das de construção, apesar de numas e noutras existirem riscos básicos/comuns de actividade…
A lógica dos trabalhos de demolição não implica naturalmente aberturas nos soalhos ou plataformas de trabalho semelhantes, aberturas em paredes ou obras em telhados, com as respectivas protecções, (guarda-corpos, guarda-cabeças, estrados ou outros meios afins), situações a cuja prevenção respeita a disciplina que integra os Títulos II e III do Regulamento – art. 40.º e seguintes.

As regras basilares constam do art. 50.º e seguintes: a demolição deve conduzir-se gradualmente, de cima para baixo, de andar para andar e dos elementos suportados para os elementos suportantes; o pessoal empregado em tais trabalhos deve equipar-se adequadamente, não sendo permitido que os operários trabalhem em cima dos elementos a demolir; sempre que se torne necessário ou vantajoso, serão montados andaimes para a demolição e na demolição de paredes exteriores, em edifícios de muitos andares, serão instaladas plataformas de descarga.
Relativamente à protecção de aberturas, dispõe-se no art. 63.º que todas as aberturas dos pavimentos do andar em demolição serão convenientemente tapadas para protecção do pessoal que trabalha nos andares inferiores, excepto se tiverem de ser utilizadas na passagem de materiais ou utensílios.
Não sendo possível mantê-las tapadas, as aberturas deverão ser resguardadas com corrimãos e guarda-cabeças.

Não vemos que se exija concretamente, na execução de trabalhos de demolição, a instalação de protecções nas bordaduras das lajes, nomeadamente nas lajes dos terraços do edifício em causa, pois, em princípio e por regra, na prevista normalidade da respectiva actividade, não haveria que desenvolver aí qualquer trabalho que impusesse a protecção dos terminais dessas estruturas.
Só no caso contrário se imporia tal protecção, a fim de acautelar o risco de queda em altura.

Reportados aos factos fixados, o que se verifica?
Que estavam em curso trabalhos de demolição no referido edifício, concretamente, ao tempo, trabalhos de remoção de materiais.
Havia tábuas que vedavam o acesso aos dois falados terraços, que foram retiradas no decurso desses trabalhos …de demolição e de subsequente remoção de materiais.
Não vem factualizado – não se podendo por isso ponderar acerca do dever de prevenir tal risco… – se o trabalho cometido aos referidos trabalhadores (remoção de materiais) implicava a passagem de um para o outro dos terraços, passagem essa que ocorreu já no final dessa operação.
Afigura-se-nos que, no contexto de uma obra em demolição, não havendo quaisquer trabalhos a realizar ao nível desses terraços, integrados na estrutura em desconstrução/destruição, não se imporia a implementação de uma qualquer guarnição protectora…
E, como se retira da economia do art. 63.º, apenas as aberturas dos pavimentos do andar em demolição serão convenientemente tapadas…
Com que objectivo?
…Para protecção do pessoal que trabalha nos andares inferiores…
E ainda assim/excepto se tiverem de ser utilizadas na passagem de materiais ou utensílios.
Só no caso de não ser possível mantê-las tapadas, é que as aberturas deverão ser resguardadas com corrimãos e guarda-cabeças.

Não vemos – contrariamente ao ajuizado – que, não estando sequer a decorrer, como se diz, trabalhos propriamente de demolição, e não se demonstrando que houvesse trabalhos a desenvolver ao nível dos terraços (também em demolição), se impusesse a implantação da protecção das bordaduras da respectiva laje, por cuja omissão vem a arguida condenada.

Em resumo e conclusão:
Não operando no contexto factual da previsão a que se reportam os arts. 40.º/42.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, a arguida não estava obrigada ao cumprimento daquelas normas, que, por isso, não infringiu.

III – DECISÃO
Nos termos expostos, delibera-se conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença impugnada, absolve-se a arguida e determina-se o arquivamento do processo.
Sem custas.
***

Coimbra,