Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
585/05. 5TATNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Data do Acordão: 05/05/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2° DA LEI N° 65/2003, DE 23-8
Sumário: 1 É legal a emissão de mandado de detenção europeu (MDE) contra condenado, cidadão nacional que se encontre no estrangeiro, Espaço Shengen e que tenha de cumprir 186 dias de pena de prisão subsidiária.
Decisão Texto Integral: 9

9

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, foi proferido o despacho cuja cópia se encontra a fls. 45, destes autos, no qual o Mm.ª Juiz do processo ordenou a passagem de mandados de detenção referente ao arguido C. o qual foi julgado na sua ausência, nos termos do disposto nos artigos 332°, nº l e 333°, nº 2 do C.P.P., tendo sido condenado, como autor material, de um crime de falso testemunho agravado, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros).
Mais tarde veio o mesmo arguido requerer autorização para realizar o pagamento dessa pena em 48 prestações mensais, tendo sido autorizado o pagamento da pena de multa em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas de 196 euros cada uma.
O arguido não procedeu ao pagamento logo da 1ª prestação. Deste modo, operou-se o vencimento de todas as prestações ainda não vencidas. O arguido também não apresentou em Tribunal qualquer justificação para a sua omissão.
Tendo em conta as informações existentes nos autos quanto à situação económica do arguido, concluiu-se não ser possível proceder à execução patrimonial de forma a obter o valor suficiente para pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 491º, do Código de Processo Penal, pelo nos termos do artigo 49°, nº1, do Código Penal, o arguido deverá cumprir pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente a 2/3 da pena de multa, ou seja 186 dias de prisão.
Na sequência de tal, foi ordenada a passagem de mandados de detenção referente ao arguido C para cumprimento de tal pena de prisão.
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2. Inconformado com tal, o Ministério Público, interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões.

“1.º
O arguido foi condenado por um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo art. 360°, nº1, e 3 do C.P., tendo sido aplicada em concreto uma pena de multa posteriormente convertida em 186 dias de prisão subsidiária nos termos do art. 49° do C.P.
2.°
O Mmo. Juiz a quo emitiu mandados de detenção europeus para captura do arguido a fim de cumprir esta pena de prisão subsidiária.

Do conteúdo de tais mandados não consta a possibilidade de o arguido obstar à prisão através do pagamento da multa em dívida.

Assim, o despacho violou o art. 2°, nº 1 da referida Lei, bem como o art. 49°, nº2 do C.P. e ainda o princípio contido no art. 27° da CRP.

Razão pela qual deverá ser revogado, revogando-se a ordem de detenção do arguido através de tais mandados e ordenando-se a consequente recolha ou não expedição dos mandados respectivos.
Assim decidindo, V. Excelências farão a costumada
JUSTIÇA!”

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Nesta instância o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Dos autos consta que o arguido foi condenado numa pena de multa e que após se constatar que o mesmo não pagava a multa foi proferido o seguinte despacho, de 25/2/2008:
“O arguido C. foi condenado nos presentes autos na pena de multa de 280 dias à razão diária de 7 euros, o que perfaz o total de 1.960 euros através de sentença entretanto transitada em julgado, como se extrai de fls. 87, verso.
A fls. 12 veio o arguido requerer autorização para realizar o pagamento dessa pena em 48 prestações mensais.
A fls. 107 foi autorizado o pagamento da pena de multa em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas de 196 euros cada uma. Determinou-se igualmente que o não pagamento de uma das prestações importaria o vencimento de todas as demais, dando cumprimento ao disposto no artigo 47°, nº5, do Código Penal.
O arguido não procedeu ao pagamento logo da 1ª prestação. Deste modo, operou-se o vencimento de todas as prestações ainda não vencidas. O arguido também não apresentou em Tribunal qualquer justificação para a sua omissão.
Tendo em conta as informações existentes nos autos quanto à situação económica do arguido, ter-se-á que concluir não ser possível proceder à execução patrimonial de forma a obter o valor suficiente para pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 491º, do Código de Processo Penal.
Desta forma, e nos termos do artigo 49°, nº1, do Código Penal, o arguido deverá cumprir pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente a 2/3 da pena de multa.
Essa pena de prisão subsidiária só seria passível de ser suspensa se estivessem preenchidas as condições previstas no artigo 49°, n03, do Código Penal, cabendo então ao condenado que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável. O arguido não apresentou em tribunal qualquer justificação para a sua omissão. Deste modo, não será possível proceder à suspensão da prisão.
Procede-se assim à conversão da pena de multa aplicada no presente processo na pena de prisão subsidiária de 186 dias, que corresponde àqueles 2/3.
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Pelo exposto, decide-se aplicar ao arguido C a pena de prisão subsidiária de 186 dias.
Passe mandados de captura e de condução do arguido C ao Estabelecimento Prisional e envie os mesmos aos OPCs competentes. Dos mandados deverá constar que os OPCs que os cumprirem deverão fazer a advertência ao arguido que o mesmo poderá evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa em que foi condenado, nos termos do artigo 49°, nº2, do Código Penal. ”
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Mais tarde, na sequência daquele despacho foi proferido, em 9/10/2009, o despacho ora recorrido, que é do seguinte teor:
“Dos elementos juntos aos autos designadamente o facto do mesmo não ter sido encontrado pelos OPCs a quem foram enviados os mandados de detenção e tendo em conta que o arguido C tem de cumprir a pena de prisão subsidiária de 186 dias, suscita-se uma possibilidade muito forte de o mesmo ter abandonado o pais e fugido para o estrangeiro
Por outro lado, tendo em conta que o arguido foi condenado nos autos na pena de 186 dias de prisão efectiva a situação em causa integra-se na previsão do nº1 do artigo 2° da Lei n° 65/2003, de 23-8. Na verdade o mandado tem como finalidade que o arguido cumpra uma pena de prisão superior a 4 meses
Consequentemente por se suspeitar que o arguido tenha saído de Portugal e se encontre actualmente dentro de um outro território europeu que faz parte do Espaço Shengen decide-se ordenar que se proceda á passagem de mandados de detenção europeu referentes ao arguido C nos termos do disposto nos artigos 2° nº1, 3°, 4°, 5° e 36° da Lei nº 65/2003 de 23-8 para que o mesmo seja detido e entregue neste Tribunal para o arguido cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos.
Deverá para o efeito
a) preencher um formulário anexo à citada lei devidamente preenchido a remeter directamente ao Gabinete Nacional SIRENE para difusão nos Estados da União Europeia integrados no Espaço Shengen com os elementos necessários para a Identificação de arguido e dos crimes pelos quais o mesmo se encontra acusado;
b) Um formulário, em duplicado, devidamente preenchido, a remeter directamente ao Gabinete Nacional da INTERPOL para difusão no Reino Unido e na Irlanda.
Para efeitos do preenchimento dos formulários de Mandado de Detenção Europeu, consigna-se que os mesmos podem ser obtido no site da rede Judiciária Europeia (www.atlas.mj.pt, com o nome do utilizador rje e a password dgsi) na rubrica annonces/anoucementes.
Com vista à determinação do paradeiro do arguido C:
a) Averigúe Junto da Base de Dados da D S I C qual a residência constante do último pedido de bilhete de Identidade;
b)Oficie ao C RS.S solicitando informação no sentido de saber se o arguido ai se encontra inscrito e, na afirmativa, qual a morada e entidade patronal;
C) Oficie à Direcção-Geral de Impostos solicitando informação no sentido de saber se o arguido aí se encontra inscrito e, em caso afirmativo, qual o respectivo domicílio fiscal
d) Solicite ao Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral do M A I que averigúe e informe se o arguido se encontra aí recenseado e em caso afirmativo qual a sua actual residência
e) Oficie ao Instituto de Mobilidade Terrestre solicitando Informação no sentido de saber se o arguido e titular de carta de condução e na afirmativa, qual a sua morada actual.
f) Oficie à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais solicitando Informações no sentido de saber se o arguido se encontra detido e em caso afirmativo em que estabelecimento prisional.”

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III - O DIREITO.

As conclusões formuladas pelo recorrente, delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 409.º, do Cód. Proc. Penal.
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir.
Face às alegações e conclusões do recorrente, temos que o que importa a esta Relação apreciar é o saber se é legalmente admissível a passagem de mandados de detenção europeus no caso em apreço. Ou por outras palavras o que importa saber é de manter o despacho recorrido ou se o mesmo deve ser alterado nos termos defendidos pelo M.P.
Vejamos então.
Verifica-se que o arguido C foi julgado na ausência, nos termos do disposto nos artigos 332°, nºl e 333°, nº 2 do C.P.P., tendo sido condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falso testemunho agravado, previsto e punido pelo artigo 360°, nº 3, com referência ao nº1, do Código Penal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de 7 euros (sete euros), o que perfaz o total de 1.960 euros (mil, novecentos e sessenta euros).
E foi advertido que se não pagasse a pena de multa em que foi condenado, no prazo legal que lhe for indicado, a mesma seria convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49°, nº1, do Código Penal. Foi ainda advertido que poderia pedir a conversão desta pena de multa em trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 48°, do Código Penal.
Dado o facto de o arguido não ter pago a multa nem justificado tal comportamento, veio a ser proferido, em 25/02/2008, o despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão.
Mais tarde e uma vez que se não encontrou o arguido nem este se apresentou em juízo, veio a ser proferido, em 09/10/2009, o despacho agora sob recurso.
Vejamos então.
Segundo a Lei n.º 65/2003, de 23.8, o Mandado de Detenção Europeu enquanto decisão judiciária emitida por um Estado Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado Membro de uma pessoa procurada, destina-se a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias desses Estados e, baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo e de respeito e confiança entre os Estados Membros aderentes à Decisão - Quadro de 13-6-2002.
Todavia, o MDE está previsto para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade. O MDE pressupõe a captura de alguém que anda fugido (e daí a expressão “pessoa procurada”) e relativamente ao qual se pretende a sua detenção para cumprimento de pena ou para imposição de uma medida privativa de liberdade (art. 1º).
Por despacho de 09-10-2009 foi ordenada a emissão de mandados de detenção europeus para efeito da captura do arguido para que este cumpra a pena de prisão subsidiária que lhe foi aplicada.
O regime do Mandado de detenção europeu está previsto na Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto.
Ao abrigo art. 1.º, nº 1 deste normativo, mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
Relativamente aos mandados emitidos em Portugal, regulados no Capítulo III da Lei, preceitua o art. 37° que os mesmos estão sujeitos às regras previstas no Capítulo I.
Assim, nos termos do art. 2°, que define o âmbito de aplicação do mandado, prescreve-se que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por facto puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.
O recorrente /Ministério Publico defende que o Mmo. Juiz a quo emitiu mandados de detenção europeus para captura do arguido a fim de cumprir esta pena de prisão subsidiária mas do conteúdo dos mesmos não consta a possibilidade de o arguido obstar à prisão através do pagamento da multa em dívida. Por isso, defende o mesmo que o despacho violou o art. 2°, nº 1 da referida Lei, bem como o art. 49°, nº2 do C.P. e ainda o princípio contido no art. 27° da CRP, devendo ser revogado, revogando-se a ordem de detenção do arguido através de tais mandados e ordenando-se a consequente recolha ou não expedição dos mandados respectivos.
Porém a razão não assiste ao recorrente.
Na verdade, o legislador da Lei 65/2003, de 23/8, ao estipular que o MDE é uma “decisão judiciária” com vista à entrega (artº 1º) quis dizer que a emissão do mandado apenas é possível, quando tem em vista a aplicação de medida de coacção privativa da liberdade, com as mesmas exigências decorrentes dos artºs 191º e segts do CPP, ou, claro está para cumprimento de pena.
Ora, no caso dos autos, o arguido já foi julgado, essa sentença já transitou em julgado e foi condenado numa pena de multa, a qual mais tarde foi convertida em pena de prisão.
Por isso, como já se referiu o fim em vista com o mandado de detenção europeu é para que o arguido “…….. seja detido e entregue neste Tribunal para o arguido cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos”

Com efeito, não poderemos esquecer que se mostram efectivamente preenchidos os requisitos formais para a sua emissão, e isto quer à luz da referida Lei n.º 65/2003, de 23/08, como da sua própria fonte, ou seja, a Decisão-Quadro n° 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Julho de 2002, pois que embora inicialmente, nos termos do art.º 70°, se tenha optado pela pena de multa, o que é facto é que hoje, perante o Despacho exarado nos termos e para os efeitos do artº 49° nº 1, ambos do C.P., a pena que o arguido tem a cumprir é a pena de 186 dias de prisão, a qual é de facto superior aquele mínimo de 4 meses para a emissão do MDE, tal como se exige no artº 2° da citada Lei nº 65/2003, de 23/08.

Ainda que o requerido seja ou esteja elucidado da possibilidade de se libertar da execução da pena de prisão com o pagamento da multa, tal será um processo a desenvolver-se no específico processo da condenação, onde, acaso o arguido ou alguém por si efectue esse pagamento, só levará a que aí se conclua e decida pela caducidade das razões que levaram à emissão do MDE, com o subsequente pedido de cancelamento à Autoridade Judiciária do Estado a quem foi pedida a sua execução, se ainda não se tiver procedido à sua entrega à Autoridade Judiciária emitente.
Assim, não existe, no caso ora ajuizado qualquer razão formal que possa obstar à emissão de MDE contra o requerido, C.
Por tudo isso, deve improceder o recurso.

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IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o despacho recorrido, que é o que se encontra, por cópia, a fls. 45/46 deste recurso, e que foi proferido a 9/10/2009.
Sem custas.
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(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)


Coimbra, 5 de Maio de 2010.


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Calvário Antunes



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Mouraz Lopes