Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134/06.8GASRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
REQUERIDO APÓS A SENTENÇA
Data do Acordão: 04/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 20º, 27º, 28º.44º,1 DA LEI Nº 34/2004, DE 29 DE JULHO
Sumário: 1. A lei é muito clara nesse aspecto – o apoio judiciário deve ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final (artº 44º nº 1- L. 34/04) –, não havendo qualquer restrição no caso deste ser formulado após a sentença.

2. Assim sendo, tendo tal apoio sido requerido antes do trânsito da sentença proferida nos autos, e tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício só porque tem um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido, ignorando que a competência para essa concessão é agora dos serviços de segurança social.

Decisão Texto Integral: Rec. nº 134/06.8GASRE-A.C1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Nos autos de processo comum singular, o arguido M, requereu a junção aos autos do deferimento do pedido de apoio judiciário concedido pelo ISS, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo.
O Sr. Juiz proferiu então decisão, indeferindo a referida pretensão, fundamentalmente por entender que, tendo sido proferida sentença final, tal deferimento apenas seria aplicável no caso do arguido pretender interpor recurso.
Inconformado, o arguido recorreu, concluindo:
1) O despacho ora censurado viola o disposto nos artigos 20º, 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho
2) A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.
3) É, portanto, um procedimento administrativo.
4) Não tendo havido impugnação da decisão sobre o pedido de apoio judiciário, nem recurso dela nos termos dos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, a decisão consolidou-se, impondo-se dentro e fora do processo.
5) Tendo sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, um vez que, como se extrai do ofício da Segurança Social, datado de 1 de Agosto de 2007, o arguido "não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos do processo," torna-se claro, em conformidade com o que vem sendo dito, que o arguido não tem que liquidar as custas em que foi condenado.”
O Ministério Público, na sua resposta, apoiou a decisão recorrida, concluindo que o douto despacho deverá ser mantido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir a questão suscitada.

FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a apreciação do presente recurso importa atentar no seguinte:
- Em 28 de Junho de 2007, foi proferida sentença.
- Em 11 de Julho de 2007, o arguido requereu a junção aos autos do conhecimento do pedido de apoio judiciário formulado junto do ISS, em 6 de Julho de 2007.
- Em 17 de Agosto de 2007, o arguido requereu a junção aos autos do despacho de deferimento do pedido de apoio judiciário.
Como é sabido, o artº 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, estabelece que “ A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Na sequência de tal princípio constitucional, a Lei 34/2004 de 29 de Julho, veio estabelecer os mecanismos de acesso à Justiça, entendida esta em termos amplos, regulamentando o acesso ao direito e aos tribunais, com vista “a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento ou a defesa dos seus direitos” (artº 1º nº 1 )
Nos termos desse diploma, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário cabe aos serviços de segurança social (artº 20º).
Daí que se estabeleça no seu artº 22º que o requerimento seja apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços de segurança social, sendo certo que, nos termos do artº 19º, o mesmo pode ser requerido:
a) Pelo interessado na sua concessão;
b) Pelo Ministério Público em representação do interessado;
c) Por advogado, advogado estagiário ou solicitador, em representação do interessado, bastando para comprovar essa representação as assinaturas conjuntas do interessado e do patrono;
Entre as várias modalidades previstas no artº 16º nº 1, o apoio judiciário pode abranger a dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo, exactamente aquela que foi concedida ao arguido.
Pressupõe isto necessariamente a pendência de uma causa judicial.
Ora no caso em análise o arguido requereu a concessão do referido apoio judiciário, em 6 de Julho de 2007, isto é, antes da sentença ter transitado em julgado, sendo completamente indiferente que a decisão sobre tal pedido tenha já sido proferida após o seu trânsito.
Logo, o arguido formulou tal pedido na pendência do processo!
Ora se a causa em que os seus direitos se discutem ainda se encontra pendente no momento em que se formula o pedido, é evidente que o efeito da concessão desse pedido se deve repercutir no processo.
Por outro lado, estando na altura da formulação do pedido de apoio judiciário, a decorrer o prazo para a interposição do recurso da sentença condenatória, não é correcto que daí se possa concluir que o requerente já se tinha conformado com tal decisão. É que até que o referido prazo se esgote, o arguido podia sempre interpor recurso.
Para além disso não impõe o legislador que, se tal pedido for requerido após a sentença, o recorrente tenha de manifestar no seu requerimento a intenção de vir a interpor recurso.
A lei é muito clara nesse aspecto – o apoio judiciário deve ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final (artº 44º nº 1) -, não havendo qualquer restrição no caso deste ser formulado após a sentença.
Assim sendo, tendo tal apoio sido requerido antes do trânsito da sentença proferida nos autos, e tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício só porque tem um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido, ignorando que a competência para essa concessão é agora dos serviços de segurança social.

DECISÃO


Em conformidade com o exposto, acordam os Juizes desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que, deferindo a pretensão do recorrente, retire as necessárias consequências. Sem tributação.
Notifique.

Coimbra, 9 de Abril de 2008.