Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/08.0TBMGL
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
PROPRIEDADE
COMPROPRIEDADE
EMISSÃO DE FUMOS
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.1305, 1346, 1403, 1550 CC
Sumário: 1.- Não pode reconhecer-se o direito de servidão de passagem ( a pé e de carro de mão para transporte de estrume, adubos, sementes e produtos de colheita ), constituída por usucapião, a favor de prédio rústico ( dominante ) e sobre um prédio urbano ( casa de habitação de rés do-chão, primeiro andar e pátio ), cujo trajecto situa-se no pátio, junto à porta da casa, porque a devassa resultante do exercício do direito de passagem sobre prédio urbano, destinado à habitação, não é compatível com o direito à privacidade, ínsita no direito à habitação, e com base em argumento de maioria de razão com o art.1550 do CC( servidão em benefício de prédio encravado ), que apenas permite a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos.
2.- Compropriedade e propriedade ut singuli são realidades jurídicas diversas e nem aquela é um minus em relação a esta, pois que ali nem sequer o conteúdo do direito real fica reduzido no confronto com terceiros em comparação com o conteúdo da propriedade singular, pelo que reconhecer o direito de compropriedade não é reconhecer menos do que o direito de propriedade.
3. - Para a proibição da emissão, nos termos do art.1346 do CC, basta a comprovação de um dos requisitos ( prejuízo substancial para uso do imóvel ou utilização anormal no prédio emitente).
4. - Provando-se que os réus construíram uma chaminé com altura de cerca de 2 metros, perto da cozinha do prédio vizinho, predisposta a proporcionar a exalação de fumos, que quando tomam a direcção da casa vizinha, em função do vento, entram na referida cozinha através de janela, incomodando os autores, não é suficiente para justificar a sua demolição, ao abrigo do art.1346 do CC, porque a emanação de fumos resulta da utilização normal do prédio, nem importa prejuízo substancial para o uso do imóvel dos autores.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA O SEGUINTE:

I – Relatório:
1. J (…) e mulher E (…), propuseram, como acções autónomas mas posteriormente apensadas, a presente acção 24/08 e a acção nº 311/09.0TBMGL, que constitui o apenso B, ambas sob a forma sumária, contra JM (…) e mulher MF (…).
2. Neste processo 24/08, cuja petição foi apresentada aos 10.01.2008, os AA. pedem a condenação dos réus a reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artigo 1.º da petição inicial e que sobre o terreno dos réus, indicado no artigo 5.º do mesmo articulado, e a favor daquele prédio, se encontra estabelecida uma servidão de passagem, a pé e de carro de mão e de pessoas; a retirar o portão indicado no artigo 25.º da petição inicial ou a dar do mesmo uma chave aos autores; e a pagar aos autores uma indemnização “pela atitude de má fé que tiveram”.
Como fundamento da referida pretensão, alegam, em resumo, a aquisição por compra, bem como a aquisição por usucapião, do prédio rústico que identificam no artigo 1.º da petição inicial a confrontar do nascente com o prédio dos réus através do qual acedem àquele prédio e sobre o qual foi constituída, por usucapião, uma servidão de passagem, a pé, de pessoas e de carros de mão, para transporte de estrumes, adubos, sementes, plantas e produtos de colheita. Referem depois que os réus, há cerca de dois meses, com referência à data da petição inicial, com o único objectivo de privarem o uso do caminho por parte dos autores, colocaram um portão de ferro e que se recusam a dar-lhes uma chave.
Contestaram os réus fundamentalmente impugnando a matéria da petição inicial, incluindo a identificação matricial do seu prédio, acrescentando que a entrada para o prédio dos autores que identificam no artigo primeiro da contestação, faz-se como sempre se fez pelo caminho a norte, conhecido como “Caminho ou Rua da Fonte” e que o portão foi colocado há mais de dois meses nos velhos tranqueiros onde já existia outro portão.
Os réus reconvieram alegando, em síntese, que para acederem ao seu prédio rústico têm que atravessar uma parte do prédio dos autores, invocando a aquisição, por usucapião, de uma servidão de passagem a pé sobre o prédio dos autores e a favor do seu prédio. Acrescentam que os autores têm vindo a entrar em terreno que pertence ao logradouro da casa dos réus e onde se projecta o futuro jardim, ocupando cerca de 30 a 50cm de parte do prédio dos réus. Mais invocam que a conduta dos autores tem provocado despesas de deslocação, preocupações e incómodos.
Concluem os réus pela improcedência da acção e procedência da reconvenção pedindo que se declare e condene os autores/reconvindos a reconhecerem que a delimitação do seu prédio a nascente é de forma a deixar descoberto o penedo mencionado na contestação, que a faixa de terreno de cerca de 30 a 50cm em linha recta pertence ao prédio dos réus de forma plena e exclusiva; que a favor do prédio dos réus e a onerar o dos autores se encontra constituída uma servidão de passagem a pé com o conteúdo, forma e extensão definidos no articulado e a pagarem aos réus/reconvintes a quantia total de €1.900,00, sendo o montante de €600,00 a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais.
Os autores responderam à reconvenção referindo que, pelas confrontações e indicações mencionados na contestação, não reconhecem os prédios urbano e rústico identificados neste articulado, impugnaram a matéria da reconvenção e concluíram pedindo a procedência da acção e a improcedência da reconvenção.
Foi proferido despacho saneador, com a admissão da reconvenção, a fixação do valor da causa em €6.750,00 e a dispensa da selecção da matéria de facto. As partes indicaram as suas provas.
Os réus apresentaram articulado superveniente e ampliaram o pedido, que foram rejeitados liminarmente, em síntese, por os factos alegados não interessarem à decisão do pedido reconvencional mas apenas à ampliação do pedido reconvencional, considerada inadmissível por não constituir o desenvolvimento ou consequência do pedido reconvencional primitivo.
Também os autores, alegando que os réus, no trajecto indicado no artigo 10.º da petição inicial, taparam com pedras de granito o portal aí referido, que dava entrada nomeadamente para o prédio dos autores, apresentaram articulado superveniente e ampliaram o pedido, pedindo a condenação dos réus a retirar as pedras do portal que integraram na parede que separa o seu pátio que lhe fica a ponte (a); portal com a largura não inferior a 1,65m (b); e a cerca de 0,5m do vizinho António Fernandes Monteiro (c); a retirar a construção referida nos artigos 17.º a 23.º (d); e a pagar aos autores as indemnizações mencionadas nos artigos 11.º, 16.º e 26.º (e) e a multa referida no artigo 26.º todos do articulado superveniente (f).
Com excepção do pedido contido em e), foi admitida a ampliação do pedido formulada no articulado superveniente.
3. Na acção n.º 311/09.0TBMGL (apenso B), os autores pediram a condenação dos réus:
a) a reconhecer que os autores são donos exclusivos dos dois prédios indicados no artigo primeiro; b) que aos autores assiste o direito de utilizarem para rega do seu prédio identificado no artigo 1.º, alínea b), em dias alternados, a água do poço indicado no artigo sétimo; c) a retirar a chaminé indicada nos artigos 15.º a 17.º; d) a reconhecer ter cessado a servidão de passagem a pé indicadas nos artigos 30.º e 31.º, nomeadamente sobre o espaço indicado nos respectivos artigos 26.º e 27.º; e) que os autores adquiriram por usucapião a propriedade da canada mencionada no artigo 27.º; f) a cortar a parte da cornija e do telhado que se encontram por cima daquela referida parte da canada; g) a reconhecer que a parte do penedo de granito que se encontra a nascente da linha divisória indicada nos artigos 43.º e 44.º é pertença dos autores, h) a não transformar a parte norte do socalco em caminho de acesso ao prédio dos autores, indicado no artigo 1.º, alínea b), todos da respectiva petição inicial.
Como fundamento da referida pretensão, alegam, em síntese, a aquisição por compra, bem como a aquisição por usucapião, dos prédios que identificam no artigo 1.º da petição inicial, o último a confrontar do nascente com um dos prédios dos réus. Acrescentam que as águas de um poço existente num prédio rústico dos réus têm sido destinadas a regra, em dias alternados, aos prédios rústicos de ambas as partes. Sustentam ainda que os réus na reconstrução e ampliação da parte urbana do prédio, construíram uma chaminé para saída de fumos, situada a cerca de 1,5m da cozinha dos autores, predisposta a proporcionar a exalação e a entrada de fumos para a cozinha dos autores. Invocam ainda a utilização de uma canada, acrescentando que não é utilizada pelos réus há mais de quarenta anos, quer para trânsito, quer para arrumos, com excepção da colocação de uns andaimes com anuência dos autores, aludindo ainda à extinção da servidão de passagem pelo não uso durante mais de quarenta anos. Acrescentam ainda que as águas do telhado da casa antiga dos réus encimavam a parede norte e sobressaíam para a canada cerca de 10 centímetros e que, por força da reconstrução da casa dos réus, os réus estão a ocupar cerca de 70cm do espaço aéreo da canada, tornando a canada mais sombria.
Finalmente, referem que paralelamente à parede nascente do prédio urbano dos réus existe um socalco de terra que se estende até um penedo que sempre foi ocupado, no seu lado nascente, pelos autores.
Contestaram os réus fundamentalmente impugnando a matéria da petição inicial.
Os autores apresentaram articulado superveniente e ampliaram o pedido. Referem, em síntese, que nos dias 28 e 29 de Julho de 2009, os réus taparam com uma circunferência maciça de cimento armado e uma caixa de cimento o referido poço; subiram com pedras de granito um muro “divisório” e prolongaram-no para norte, fazendo absorver o referido penedo; encheram de terra o socalco e construíram uma escada na sua parte norte.
Pedem que: a) os réus sejam condenados a retirar a tampa e a caixa indicadas no artigo 1.º; b) a retirar o muro que construíram em cima do pequeno muro divisório e do penedo indicados nos artigos 4.º e 7.º; c) bem como as terras e a escada indicadas nos artigos 9.º e 11.º; c) como ainda o tubo indicado no artigo 16.º, todos daquele articulado superveniente, d) e a pagar aos autores uma indemnização por danos morais não inferior a €2.500,00 e e) a indemnização por danos materiais não inferior a €2.000,00 e a multa correspondente.
Com excepção da primeira parte do pedido contido em e), foi admitida a ampliação do pedido formulada no articulado superveniente.
4. Realizado o julgamento conjunto, foi proferida decisão a julgar a matéria de facto em relação aos dois processos, sem reclamação.
A sentença conjunta concluiu decisoriamente:
«Nestes termos, julgo a acção e reconvenção parcialmente procedentes, por provadas e, em consequência:
a) Condeno os réus a reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 68, sito ao Largo do Jogo, da freguesia de Lobelhe do Mato, concelho de Mangualde, composto casa de habitação de altos e baixos, a confrontar do norte com caminho público, nascente com os réus (prédio rústico mencionado no artigo 62º dos factos provados) e do sul com o quintal, bem como deste quintal, com dois barracões ou casas de arrumos, destinado a cultivo, no mesmo sítio e limite, imediatamente a sul daquela casa e que confronta do poente com os réus (prédio urbano a que se refere o facto 61º), actualmente inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 549;
b) Condeno os autores a reconhecerem que a delimitação do lado poente, do quintal mencionado no artigo anterior, é de forma a deixar a descoberto o penedo mencionado nos artigos 41º e 92º e que essa faixa de terreno com a largura de cerca de cinquenta centímetros e extensão pouco inferior à parede nascente da casa referida no artigo 4º dos factos provados, pertence a este prédio composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar e pátio, inscrito sob o artigo matricial 204, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º 00315.
c) Declaro que sobre o prédio identificado no artigo anterior e a favor do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 549, mencionado no artigo 1º e 58º, alínea b), dos factos provados, está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé e de carro de mão para transporte de estrumes, adubos, sementes, plantas e produtos de colheita, que [aliás, cujo local de passagem] naquele prédio dos réus chega à portada da entrada do prédio referido no artigo 4º dos factos provados, segue dentro do mesmo no sentido poente – sudeste, no percurso de cerca de sete metros, continua depois no sentido agora poente – nascente no rés-do-chão da casa de habitação referida no artigo 4º dos factos provados e dá entrada no quintal existente no prédio dos autores inscrito na respectiva matriz sob o artigo 549, com a largura de um metro.
d) Condeno os réus a reconhecerem o direito de servidão mencionado na alínea anterior e a entregarem aos autores a chave do portão referido no artigo 26º dos factos provados, a retirarem as pedras de granito mencionados nos artigos 47º e 48º, com excepção das que já foram demolidas referidas no artigo 57º, bem como a retirarem a parede curva mencionada nos artigos 50º 3 55º na parte em que ocupa o leito da referida servidão e dificulta o acesso de carro de mão, ao referido quintal.
e) Declaro e condeno os autores a reconhecer que sobre o prédio identificado no artigo 1º e 58º alínea b), inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de Lobelhe do Mato, concelho de Mangualde, sob o artigo 549, a favor do prédio referido no artigo 6º (prédio rústico, sito à Fonte Nova, da freguesia de Lobelhe do Mato, concelho de Mangualde, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00314), está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, que [aliás, cujo local de passagem] a partir do prédio referido no artigo 4º, nos termos descritos no artigo 36º, atravessa parte do quintal mencionado no artigo 1º, prossegue nesse quintal através de uma faixa de terreno, com a mesma extensão da parede nascente da casa do prédio mencionado no artigo 4º, situada junto ao logradouro de tal prédio, sendo que o logradouro confina com a parede nascente da casa referida no artigo 4º, segue em linha recta e, uma vez chegados à canada ou quelha que se interpõe entre a casa de habitação referida no artigo 1º e a casa referida no artigo 4º, flecte para a direita e prossegue ao longo das traseiras da casa de habitação referida no artigo 4º, findo o que, através de uma abertura, entra-se no prédio referido no artigo 6º, todos dos factos provados, com a largura de sessenta centímetros.
f) Declaro e condeno os réus a reconhecer que os autores são titulares, em compropriedade, dos últimos três metros, mais a nascente, da canada mencionada nos artigos 76º a 81º dos factos provados.
g) Condeno os réus a retirar a cornija e o telhado da casa referida no artigo 4º dos factos provados, na parte que ultrapassa, em cerca de sessenta a setenta centímetros, a parede exterior da mesma casa e se situa sobre o espaço aéreo dos três metros da canada mencionada na alínea anterior de que os autores são comproprietários.
h) Condeno os réus a retirar o tubo mencionado no artigo centésimo décimo.
i) Julgo os demais pedidos formulados na petição inicial, articulados supervenientes e reconvenção improcedentes e, em consequência, deles absolvo respectivamente os réus e os autores.
j) Condeno os autores e réus respectivamente nas custas das acções e reconvenção em partes iguais».

Inconformados, os RR recorrem de apelação, concluindo a sua alegação:
1) A sentença na parte recorrida devia ter absolvido os RR /Recorrentes, dado que a matéria de facto apurada e aquela que devia constar como tal, necessariamente determina a improcedência do pedido dos AA /Recorridos!
2) A matéria de facto nos pontos que supra e infra se elencam deve ser objecto de alteração nos termos do Art.º 712º CPC;
3) A Sentença enferma ainda de nulidade nos termos das alíneas b) e c) do artº668º do CPC;
4) Não há matéria de facto dada como provada onde possa assentar a Decisão de considerar o quintal da casa, constante da escritura, como sendo hoje o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 504.º e que este seja muito menos propriedade dos Recorridos, como é feito na Sentença;
5) De que forma, quando, porque e se o quintal foi autonomizado e deu origem ao prédio rústico – Art.º da matriz 504.º - é algo que não consta dos factos dados como provados (pontos 1, 2 e 3).
6) Pelo que o ponto 3 não tem qualquer fundamentação fáctica sendo a Sentença nula neste ponto – Art.º 668º b) e c) CPC
7) Quanto á alegada servidão de passagem a onerar a casa de habitação dos Recorrentes dos Factos Provados, a resposta dada aos Quesitos (Base Instrutória) que se reportam a tal questão, deveriam ter sido dados como não provados, ou provado apenas que os Recorridos ali passaram quando a casa esteve desabitada e em ruínas.
8) Com efeito falta desde logo o caracter de boa fé e de publicidade dado que não resultou das provas carreadas um exercício por parte dos Recorridos, ao passarem, de modo a poder ser conhecido pelos interessados – Recorrentes e antecessores.
9) Além de que o objecto pretensamente onerado por tal “passagem “- casa desabitada e em ruínas há mais de 20 anos-, nada tem a ver com o objecto actualmente pretendido onerar, com a Sentença ora recorrida- a casa de habitação dos Recorrentes, onde ultrapassado o pátio se pretende fazer uma passagem de pessoas, animais e estrumes pelo interior da mesma (R/C).
10) Os pontos 11 a 25 e pois a Base Instrutória a tal respeitante, deviam ter sido dados como não provados, por tal resultar do depoimento das testemunhas supra identificados, que aqui se dão por reproduzidos, e dos quais resulta no conjunto que os Recorridos só passaram por uma casa em ruínas e desabitada, tendo tal sido feita apenas quando esta assim se encontrava.
11) Aliás consta dos factos provados a existência em tempos de uma porteira fechada, não constando depois em nenhum desses factos provados de que forma os Recorridos teriam acesso nesse ponto concreto através da porteira. Tinham ou não chave da mesma? Ela existia ao tempo da passagem dos Recorridos? (Ponto 14 e 32 dos factos provados). Consideram pois esses factos essenciais onde a Sentença não logra assentar por inexistentes!
12) Também os factos provados- pontos 47, 48, 49, 56, 57, 89 e 90 da Sentença e pois a Base Instrutória a tal referente deviam ter sido dados como não provados, por tal resultar com clareza da prova documental e testemunhal produzida, como supra transcrita para o que se remete e aqui se dá por reproduzida.
13) Há contradição flagrante entre a Decisão que refere não haver devassa e os factos provados que concluíram havê-la. Se a devassa foi considerada é porque é relevante, pois se não o fosse não haveria necessidade da mesma ser realçada como tendo sido provada. Pelo que é nula também nesta parte a Decisão/Sentença – art.º 668.º, c) do C.P.C.
14) Não há factos provados quanto ao “corpus” e ao “animus” necessários à aquisição de um direito de propriedade sobre a canada; com efeito mais não consta de que a mera utilização pelos Recorridos/AA de acederem a casa através de alguns metros dela, ou seja a passarem pela mesma. Tal legitima um mero direito de passar que não um direito de propriedade sobre a mesma – art.º 1287.º do Código Civil; - Art.º 1316.º; Orlando de Carvalho, RLI, Ano 122, pág. 68-69 “Nota do corpus (“quando alguém actua…”) e a nota do animus (“por forma correspondente ao exercício d Direito de propriedade”). Sendo que aquela é o exercício de poderes de facto e este uma intenção.
15) A Decisão/Sentença sobre a propriedade da canada está em oposição aos factos provados que apenas falam num direito de passagem e não em actos materiais de ocupação e posse.
- Pelo que também aqui a Sentença é nula por contradição evidente.
- Devendo não ser reconhecida a propriedade sobre a dita canada.
16) E concludentemente não serem os RR/Recorrentes condenados a tal reconhecerem, bem como a retirarem tubos, beirados e cornija, por não estar provado ser tal compropriedade dos AA/Recorridos.
17) E concludentemente também não se pode falar, porque não há factos que a tal conduzam, no espaço aéreo da canada como pertença dos AA/Recorridos pelo que não se pode condenar a cortar a cornija e beirado.
18) Provado ficou apenas tornarem a canada mais sombria sem que ficasse provado quais as consequências negativas ou positivas que tal acarreta ou se acarreta aos Recorridos no direito de nela passarem (nessa parte da canada).
19) Também nos Quesitos/ Base Instrutória devia ter sido constatado e pois dado como provado que os AA/Recorridos derrubaram paredes fora do local onde existiam os velhos tranqueiros – por tal resultar dos depoimentos das Testemunhas e concretamente das fotos dos Autos. (Depoimentos supra transcritos que se dão aqui por reproduzidos).
20) O Quesito da Base Instrutória relativo á parede que alegadamente dificulta a passagem, devia ter sido como não provado.
21) Ponto 35 – devia ter sido dado como provado que a casa está reconstruída, só faltando os acabamentos – depoimentos e fotos e ainda autos de embargo apensos.
22) Ao decidir pela condenação dos RR /Recorrentes nos termos em que o fez violou a Sentença em apreço o disposto nos artigos 334º, 342º, 369º, 1260º e 1262º do Código Civil, 1287º do Código Civil, 1302º e seguintes do Cód. Civil, 1344º,1403º 1543º e 1565º também do mesmo C. Civ. e artigos 515º e 668º alínea b) e c) do C.P.C. Termos em que deve a matéria de facto nos pontos que supra se elencam ser objecto de alteração nos termos do art.º 712º do CPC; e deve a sentença ser revogada.

Os AA contra-alegaram e deduziram recurso subordinado com alegação onde concluíram:
1- Uma chaminé colocada a cerca de 2 metros de uma cozinha, onde os AA. passam uma grande parte dos seus dias, sobretudo em dias de vento, é atentória do seu bem estar e da sua saúde;
2- O princípio da normalidade e da experiência comum dizem-nos que muitíssimos são os dias do ano em que acontecem ventos de toda a espécie e em várias direcções;
3- E que a distância de cerca de 2 metros de uma janela os fumos de uma chaminé incomodam e de que maneira o bem estar das pessoas na situação dos AA.
4- Estas as razões que apontamos com a convicção de que a decisão acerca desta matéria deva ser a que formulámos na correspectiva petição inicial.

Os RR contra-alegaram ao recurso subordinado, concluindo:
- A Sentença deve manter-se inalterada no tocante à parte da chaminé, e pois no tocante ao âmbito do recurso subordinado, com a absolvição dos aqui Recorridos;
- Com efeito, não há qualquer violação do disposto nos normativos legais, nomeadamente no disposto no RGEU e no art.º 1346.º do C.Civ.
- Não assistindo assim qualquer suporte fáctico e jurídico para a pretensão dos ora Recorrentes que deve pois improceder.

II- Fundamentos:
A 1ª instância julgou, como factos provados, o seguinte:
- Destes autos 24/08:
1) Existe um quintal, contíguo a uma casa de habitação onde habitam os autores, constituído por terreno de cultivo com barracões, sito ao Largo do Jogo, limite do lugar e freguesia de Lobelhe do Mato, a confrontar do poente com o prédio dos réus referido no artigo 4.º (3.1).
2) Esse quintal, juntamente com a casa de habitação contígua, foi comprado a António Almeida Rodrigues e mulher, por escritura levada a efeito no Cartório Notarial de Mangualde em 09-06-1981 (documento n.º 2 – fls. 10 a 12 -3.2).
3) Os autores, por si e pelas pessoas que os antecederam, há mais de trinta anos que andam na posse do dito quintal, cultivando-o e dando-o a cultivar e fruindo todas as utilidades que é susceptível, ignorando lesarem interesses alheios, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e interrupção e na convicção de exercerem um direito próprio (3.3.).
4) A confrontar do nascente com o quintal referido em 1), existe um prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar (desde há vários anos em ruínas e presentemente em reconstrução) e pátio, inscrito sob o artigo matricial 204, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º 00315/120404, cuja aquisição o réu marido tem registada em seu nome (3.4).
5) O réu marido tem registada a seu favor a aquisição do prédio referido em 4) por sucessão em partilha judicial por morte de (…), avós do réu marido (3.25).
6) [Existe um] Prédio rústico, sito à Fonte Nova, em Lobelhe do Mato, terra de cultura de regadio com laranjeiras, com a área de 280 m2, o qual confronta actualmente a poente com a casa de habitação dos réus referida em 1 e 4 e a sul com o quintal referido 1 (3.26).
7) Tal prédio foi adquirido por compra e venda formalizada por escritura pública em que outorgaram como vendedores José Ferreira, representado por procuradora, e compradores o réu marido e um seu irmão, representados pelo pai, que adquiriram cada um metade indivisa (doc. de fls. 56 a 61 – 3.27).
8) Estando a aquisição da totalidade do prédio hoje registada na Conservatória do Registo Predial a favor do réu marido (doc. de fls. 46 – 3.28).
9) Ademais os réus, por si e seus antecessores, andam na posse dos prédios referidos em 4 e 6, de modo ininterrupto, há mais de 20, 30 e até 50 anos, à vista de todos, sem lesar interesses alheios, sem oposição de ninguém, de modo exclusivo e na convicção legítima de um direito de propriedade (3.29).
10) Agindo como verdadeiros proprietários do prédio urbano (referido em 4) quer do prédio rústico (referido em 6), habitando, fazendo obras, guardando animais nos arrumos, no primeiro, cultivando o segundo, colhendo frutos, podando as árvores, fruindo das respectivas utilidades (3.30).
11) O quintal referido em 1) tem tido um caminho de acesso que nasce no Largo do Jogo, em Lobelhe do Mato e se inicia no espaço que existe entre a casa de (…) à direita de quem segue em direcção ao quintal e o lagar de azeite de (…) (3.5.).
12) Neste percurso o acesso tem a largura de cerca de 2 (dois) metros e o comprimento de cerca de 6 (seis) metros e vai no sentido poente – nascente (3.6).
13) Depois, com a mesma largura, entra num pequeno largo e desvia-se sensivelmente para sudeste, num percurso de cerca de 10 metros (3.7).
14) Aqui chega à portada da entrada do pátio referido em 4) (visível na fotografia de fls. 49) e segue dentro do mesmo no sentido poente - sudeste, no percurso de cerca de 7 (sete) metros (3.8).
15) Continua depois no sentido agora poente-nascente no rés-do-chão da casa de habitação referida em 4) e dá entrada no quintal referido em 1) através de um portal (3.9).
16) Percorrendo aí (na dita casa em ruínas) cerca de 5 (cinco) metros (3.10).
17) A largura do dito caminho, no prédio referido em 4), é de 1 (um) metro (3.11).
18) O trilho do caminho é e sempre foi de terra batida e bem firme (3.12).
19) Visível e permanente (3.13).
20) E em que os autores sempre transitaram a pé, de carro de mão, para transporte de estrumes, adubos, sementes, plantas e produtos de colheita (3.14).
21) Durante mais de 25 (vinte e cinco) anos (3.15).
22) À vista de toda a gente (3.16).
23) Sem oposição de ninguém (3.17).
24) E sem interrupção (3.18).
25) E na convicção de exercício de um direito próprio (3.19).
26) Em 2008 os réus colocaram um portão de ferro na portada indicada em 14) (3.20).
27) E recusaram-se a dar uma chave do mesmo portão aos autores (3.21).
28) O que os impede de utilizarem o caminho em questão (3.22).
29) O acesso ao quintal referido em 1) pode fazer-se pelo caminho a Norte, progredindo depois através de uma porta que dá acesso ao piso inferior da casa de habitação dos autores e daí tem duas portas nas traseiras da casa que dão acesso ao dito quintal, terreno onde se cultivam produtos hortícolas (3.31).
30) Tal acesso permite passagem de pessoas e animais até ao quintal, sem passar pelo prédio referido em 4 (3.32).
31) Em tempos, a casa referida em 4) foi servida por uma porteira fechada que assenta nos dois tranqueiros antigos ainda hoje existentes (3.33).
32) E onde foi assente a nova porteira (3.34).
33) A passagem dos autores referida em 14) a 17) constitui uma devassa do prédio urbano referido em 4), desvalorizando-o (3.35).
34) A casa referida em 4) esteve em ruínas durante vários anos e encontra-se devoluta há cerca de 30 (trinta) anos (3.23).
35) Os réus estão a proceder à reconstrução da casa e espaço adjacente do prédio referido em 4), tendo um projecto para o efeito (3.24).
36) Para acederem ao prédio rústico referido em 6) a partir do prédio referido em 4), os réus e seus antecessores atravessam uma parte do quintal referido em 1), de tal modo que na estrema nascente do prédio referido em 4) existe uma abertura que dá para o quintal mencionado em 1), prosseguindo depois nesse quintal através de uma faixa de terreno com a mesma extensão da parede nascente da casa do prédio mencionado em 4), situada (a faixa de terreno) junto ao logradouro de tal prédio, sendo que o logradouro confina com a dita parede nascente da casa referida em 4) (3.36).
37) Segue em linha recta e, uma vez chegados à canada ou quelha que se interpõe entre a casa de habitação referida em 1) e a casa referida em 4), flecte para a direita e prossegue ao longo das traseiras da casa de habitação referida em 1), findo o que, através de uma abertura, entra-se no prédio referido em 6 (3.37).
38) Sempre por aí foi feito o acesso a pé, a partir do prédio referido em 4) ao prédio rústico referido em 6), que não tem outro, através desse trilho pisado onde nada é cultivado ou colocado, com a largura de 60 centímetros (3.38).
39) Há mais de 20 e 30 anos, os réus, por si e seus antecessores, por aí passaram de modo contínuo, à vista de todos, sem oposição de ninguém, na convicção de não lesarem interesses alheios, de forma exclusiva e na convicção do exercício legítimo de um direito de passagem (3.39).
40) Os autores têm vindo a dizer que lhes pertence parte de um logradouro ou socalco, situado (o logradouro) imediatamente a nascente da casa do prédio referido em 4 (3.40).
41) Incluindo nessa parte uma porção do penedo nela localizado, com a largura de cerca de 50 centímetros (3.41).
42) A mencionada parte do logradouro (reivindicada pelos autores) tem a dita largura de cerca de 50 centímetros e, por comprimento, extensão pouco inferior a da parede nascente da casa dos réus (casa situada no prédio referido em 4), com forma aproximadamente rectangular, tem sido ocupada há mais de 30 e 40 anos pelos réus e seus antecessores (3.42).
43) De forma ininterrupta, como logradouro do prédio referido em 4), de modo exclusivo, à vista de todos, sem oposição de ninguém, sem lesar interesses alheios e na plena convicção do legítimo exercício de um direito de propriedade (3.43).
44) Nela sendo colocados ramos de oliveira (3.44).
45) Por causa da propositura desta acção, os réus tiveram despesas de deslocação (3.45).
46) Entre Lisboa e Lobelhe do Mato e vice-versa, em virtude do processo, os réus já fizeram quatro deslocações só na fase de julgamento, gastando pelo menos € 100,00 (combustível e portagens) em cada deslocação de ida e volta (3.46).
47) Nos passados dias 28 e 29 de Julho de 2009 e no trajecto que foi indicado no facto 15), os réus taparam com pedras de granito o portal aí referido que dava entrada para o quintal do prédio referido em 1) e ainda dois outros portais que estavam inseridos em duas paredes de granito, um na própria parede Nascente da casa do prédio referida em 4) e o outro na parede da mesma casa, a cerca de 5 metros daquela para o lado poente (3.47).
48) E todos os três portais a cerca de 0,5 metros da parede da casa do vizinho do lado sul, António Fernandes Monteiro (3.48).
49) Impossibilitando dessa forma o caminho referido em 11) e ss., de entrada e saída para o quintal referido em 1 (3.49).
50) No princípio do ano 2010, no troço do trajecto do caminho referido em 14) e ss., depois da portada de entrada, os réus levaram a efeito a construção de uma parede de forma curva, de cerca de 6 a 7 metros de comprimento e espessura de cerca de 20 centímetros (3.50).
51) Que revestiram com granito (3.51).
52) E onde embutiram tubos e tomadas para a electrificação (3.52).
53) Tal parede começa na proximidade do tranqueiro direito da portada de entrada (atento o sentido Largo do Jogo - prédio urbano referido em 4) e segue no sentido poente - sudeste, em forma de curva, com a espessura de cerca de 20 centímetros (3.53).
54) Tal parede tem cerca de 2 metros de altura (3.54).
55) E está junta à parede, situada a sul, do prédio do vizinho (…) (3.55).
56) E dificulta o acesso de carro de mão, através de tal caminho, ao quintal referido em 1 (3.56).
57) Entretanto, os réus demoliram ou mandaram demolir as pedras de granito colocadas nos dois portais situados mais a nascente: o portal situado no muro nascente do prédio referido em 4) e o portal situado na parede nascente da casa do mesmo prédio (3.57).
- Do apenso B:
58) [Existe um] Prédio composto de:
a) Casa de habitação de altos e baixos, sita ao Largo do Jogo, no limite do lugar e freguesia de Lobelhe do Mato, a confrontar do Norte com caminho público, nascente com os réus (prédio rústico a que se refere o facto 62) e do Sul com o quintal referido em b) (a referência à alínea a) resulta de lapso manifesto que aqui se corrige), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 68.
b) Quintal, com dois barracões ou casas de arrumos, destinado a cultivo, no mesmo sítio e limite, imediatamente a sul da casa referida em a) e que confronta do poente com os réus (prédio urbano a que se refere o facto 61), actualmente inscrito na matriz sob o artigo 549 (3.1.).
59) Os autores compraram o prédio referido em 58) a (…) e mulher, por escritura levada a efeito no Cartório Notarial de Mangualde em 09-06-1981 (3.2).
60) Demais, os autores, por si e pelas pessoas que os antecederam, andam na posse do prédio referido em 58), há mais de 30 e de 40 anos, habitando a casa de habitação e cultivando o quintal, fruindo deles todas as utilidades de que são susceptíveis, ignorando lesarem interesses alheios, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e interrupção e no exercício de um direito próprio (3.3).
61) A confrontar com o lado poente do quintal referido em 58), alínea b), os réus são donos do prédio urbano, agora em reconstrução, que confronta do Sul com (…), inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo 204 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n. ° 315 (3.4.).
62) Os réus são também donos de um prédio rústico, no mesmo sítio e limite, a confrontar do Norte com caminho, Poente com a casa referida em 58), alínea a), e sul com o quintal referido em 58, alínea b), inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo 261 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º 314 (3.5).
63) Este prédio rústico, situado a um nível mais alto (não mais de 1 metro) que o quintal referido em 58), alínea b), com que confina, contem um poço de exploração e retenção de água para rega, forrado com pedra de granito, de forma circunferencial (3.6).
64) A água captada nesse poço vem sendo aproveitada pelos antepossuidores dos réus e pelos autores, destinando-a estes a rega do quintal referido em 58), alínea b) (3.7).
65) O poço vem sendo arranjado e limpo pelos antepossuidores dos réus e pelos autores (3.8).
66) O que os autores (a referência aos réus resulta de lapso manifesto – v. art.º 94.º - que aqui se corrige) fazem há mais de 20 anos, ignorando lesar interesses alheios, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém ou interrupção e no exercício de um direito próprio (3.9).
67) O prédio urbano dos réus referido em 61) era composto por uma construção urbana (casa de habitação), um pátio/terreiro na frente e logradouro/socalco nas traseiras (3.10).
68) A casa de habitação está em ruínas há vários anos e não é habitada há cerca de 30 anos (3.11).
69) Em 2008 os réus colocaram um portão à entrada do respectivo pátio/terreiro e deram inicio ao processo de reconstrução e de ampliação da casa de habitação (3.12).
70) Reconstrução e ampliação que começaram a fazer há alguns meses (3.13).
71) Na referida reconstrução, e por cima do telhado, canto nascente/norte, os réus construíram uma chaminé para a saída de fumos (3.14).
72) Essa chaminé tem a altura de cerca de 2 metros (3.15).
73) E situa-se a cerca de 2 metros de distância da cozinha da casa referida em 58, al. a) (3.16).
74) Predisposta a proporcionar a exalação de fumos, os quais, quando tomem a direcção da casa referida em 58, al. a), em função da direcção do vento, entrarão na dita cozinha através de uma janela próxima (3.17).
75) Incomodando os autores (3.18).
76) Ao longo de todo o comprimento da parede norte da casa de habitação do prédio dos réus, referido em 61, imediatamente a seguir à dita casa, existe uma canada de cerca de 10 metros de comprimento e de cerca de 1,20 de largura (3.19).
77) Na base da referida parede norte, canto inferior poente, existe uma porta (3.20).
78) Essa porta dá directamente para a referida canada (3.21).
79) Na sua extensão mais a nascente (da canada), nos últimos 3 metros, a mesma canada fica em frente à parede sul da casa referida em 58, alínea a) (3.22).
80) E nessa frente a dita parede dispõe de uma porta de entrada para a casa do prédio referido em 58), alínea a) (3.23).
81) A mesma canada termina no início do quintal referido em 58), alínea b), que lhe serve de sequência (3.24).
82) Os autores, além de outros confinantes com a canada, vêm utilizando aqueles últimos 3 metros da dita canada, sendo os autores para entrada e saída da casa referida em 58), alínea a) para a canada (3.25).
83) O que fazem há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e interrupção e no exercício de um direito de co-proprietários (3.26).
84) Recentemente, os réus, com a concordância dos autores, colocaram andaimes na canada para as obras de reconstrução da casa em referência (3.27).
85) As águas do telhado da casa antiga dos réus, referida em 61), encimavam a parede norte acima indicada e sobressaíam para a dita canada cerca de 20 centímetros (3.28).
86) Na reconstrução que os réus estão a levar a cabo, colocaram em todo o comprimento da dita parede norte uma cornija em cimento (3.29).
87) E por cima dessa cornija colocaram em todo o seu comprimento um beirado de telhas, sobressaindo o conjunto (cornija e telha) em cerca de 60-70 centímetros da parede da casa e sobre o espaço aéreo da canada em causa (3.30).
88) Não colocaram ali qualquer caIeiro (3.31).
89) E aquela cornija e as telhas tomaram a dita canada mais sombria (3.32).
90) E as águas pluviais que caírem daquele telhado tornam incómoda a utilização da canada por parte dos autores em frente à porta acima indicada da casa referida em 58), alínea a) (3.33).
91) Paralelamente à parede nascente da casa do prédio urbano dos réus, referido em 61), e pertença destes, existe um socalco de terra com vários metros de comprimento e cerca de 0,80 metros de altura, delimitado na sua parte nascente por um muro de pedra de granito (3.34).
92) Esse socalco inicia-se na sua parte sul depois de uma abertura e orienta-se dali no sentido sul - norte até encontrar um penedo de pedra de granito (3.35).
93) Os réus dão em afirmar que o dito penedo lhes pertence e faz parte do seu prédio (3.36).
94) Os réus e seus antepossuidores também aproveitam as águas do poço referido em 63), que também limpam e arranjam, há mais de 20 e 30 anos (3.37).
95) À vista de todos, de forma continuada, sem oposição de ninguém, na convicção do exercício de um direito próprio (3.38).
96) Para a canada referida em 76) está aberta uma porta que pertence ao Lagar do Azeite (3.39).
97) E uma outra porta que pertence ao prédio urbano dos Réus (a porta referida em 77) e ainda janelas da casa de uma vizinha, terceira em relação a esta lide (3.40).
98) Pelo menos os antepossuidores do prédio dos réus referido em 61) transitaram a pé na canada referida em 76) durante mais de 20 e 30 anos (3.41).
99) Os réus ainda não acabaram a obra de reconstrução e projectam colocar caleiros no beirado que deita para a canada (3.42).
100) Em data incerta do ano 2009, os réus taparam com uma circunferência maciça de cimento armado e uma caixa de cimento, com abertura, o poço que vem indicado em 63) (3.43).
101) Dificultando aos autores a possibilidade de dali extraírem água para a rega do quintal referido em 58, alínea b) (3.44).
102) E para consumo dos animais domésticos que os autores possuem naquele quintal (3.45).
103) Na mesma altura os réus subiram com pedras de granito o muro do socalco/logradouro referido em 91) (3.46).
104) Os réus também prolongaram para Norte o muro agora subido, nele absorvendo o penedo de granito indicado em 92 (3.47).
105) Os réus colocaram mais terra no socalco referido em 91), que ficou com uma altura de terra acrescida não inferior a 40 cm (3.48).
106) Parte dessas terras têm caído para o quintal referido em 58), alínea b), através dos buracos do muro agora subido, por influência da água das chuvas (3.49).
107) Os réus construíram uma escada na parte norte do socalco, com degraus a descerem para a canada (3.50).
108) Com a evidência de virem a estabelecer passagem pela dita canada (3.51).
109) Trata-se de uma escada com 6 degraus (3.52).
110) Na parte da canada referida em 79) e junto à parede norte da casa do prédio referido em 61), os réus enterraram um tubo (3.53).
111) O muro do socalco foi construído pelos antepossuidores do prédio dos réus referido em 61), servindo de suporte à terra do socalco/logradouro da casa desse prédio (3.54).
112) Os degraus referidos nos factos 107) e 109) são para facilitar o acesso ao socalco/logradouro (3.55).

Sobre a impugnação da decisão de facto:
(…)
Assim, com a eliminação do ponto nº 25, a redacção dos pontos de facto nºs 11 a 24 passa a ser a seguinte:
11) O quintal referido em 1) teve um caminho de acesso que nasceu no Largo do Jogo, em Lobelhe do Mato, e se iniciava no espaço que existe entre a casa de Alberto Amaral Sampaio à direita de quem segue em direcção ao quintal e o lagar de azeite de António Prazeres Ramos (3.5.).
12) Neste percurso o acesso tinha a largura de cerca de 2 (dois) metros e o comprimento de cerca de 6 (seis) metros e ia no sentido poente – nascente (3.6).
13) Depois, com a mesma largura, entrava num pequeno largo e desviava-se sensivelmente para sudeste, num percurso de cerca de 10 metros (3.7).
14) Aqui chegava à portada da entrada do pátio referido em 4) (visível na fotografia de fls. 49) e seguia dentro do mesmo no sentido poente - sudeste, no percurso de cerca de 7 (sete) metros (3.8).
15) Continuava depois no sentido agora poente-nascente no rés-do-chão da casa de habitação referida em 4) e dava entrada no quintal referido em 1) através de um portal (3.9).
16) Percorrendo aí (na dita casa ameaçando ruína) cerca de 5 (cinco) metros (3.10).
17) A largura do dito caminho, no prédio referido em 4), era de 1 (um) metro (3.11).
18) O trilho do caminho era de terra batida e bem firme (3.12).
19) Visível e permanente (3.13).
20 a 24) E em que os autores transitavam a pé, de carro de mão, para transporte de estrumes, adubos, sementes, plantas e produtos de colheita (3.14), durante cerca de trinta anos, desde que Isaura e José Fonseca deixaram de a habitar e até ser iniciada a sua reconstrução (3.15), à vista de toda a gente (3.16), sem oposição de ninguém (3.17) e sem interrupção (3.18).
Em consonância, deve alterar-se a redacção do ponto de facto 68 para a seguinte: A casa de habitação (dos RR) ameaçava ruína há vários anos e não era habitada desde há cerca de 30 anos, até ser iniciada a sua reconstrução. Nos pontos nºs 4 e 34, onde se lê «em ruínas» deve passar a ler-se «ameaçando ruína».

Sobre as restantes questões colocadas nos recursos:
As decisões proferidas sob as alíneas a), b), e) e i) (salvo quanto ao pedido de retirada da chaminé), da parte estatutiva da sentença, não vêm impugnadas pelas partes em recurso, não nos cabendo reapreciá-las.
Apenas há que apreciar as nulidades de sentença invocadas e reapreciar-se as decisões sob as al. c), d), f), g) e h) e a de improcedência do pedido de retirada da chaminé.
Os RR apelantes invocam as nulidades de sentença previstas nas al. b) e c) do nº 1 do artigo 668º do CPC a respeito da decisão de facto sob o ponto nº 3, bem como a respeito da contradição entre a decisão de facto sob o ponto nº 33 e a decisão de direito de inexistir devassa.
Quanto ao primeiro aspecto, sucede que a decisão do provado sob o ponto nº 3 foi motivada de facto e não tinha de ser fundamentada de direito, nem há qualquer oposição entre ela e a motivação. Inexistem as invocadas nulidades.
Quanto ao segundo aspecto, alegam os apelantes: «Há contradição flagrante entre a Decisão que refere não haver devassa e os factos provados que concluíram havê-la. Se a devassa foi considerada é porque é relevante, pois se não o fosse não haveria necessidade da mesma ser realçada como tendo sido provada. Pelo que é nula também nesta parte a Decisão/Sentença – art.º 668.º, c) do C.P.C.».
A esse respeito vem provado sob os pontos nºs 50 e 56: No princípio do ano 2010, no troço do trajecto do caminho referido em 14) e ss., depois da portada de entrada, os réus levaram a efeito a construção de uma parede de forma curva, de cerca de 6 a 7 metros de comprimento e espessura de cerca de 20 centímetros; (Tal parede) dificulta o acesso de carro de mão, através de tal caminho, ao quintal referido em 1 (quintal dos AA).
Na fundamentação da sentença consta a este respeito, como se transcreve: … «Finalmente, não está provada qualquer devassa superior à resultante da existência da servidão. O que tudo leva a considerar pela inexistência de qualquer facto extintivo do direito dos autores e consequente procedência do segundo pedido formulado a fls. 7».
Repare-se que esta referência à devassa não consiste na negação do que antes fora dado como provado, mas significa sim a formulação de um juízo valorativo. Não se afirma que inexiste devassa, mas sim que inexiste provada outra devassa que seja superior à devassa resultante da existência da servidão.
De resto, a afirmação de que «não está provada qualquer devassa superior à resultante da existência da servidão» não é conteúdo de qualquer decisão mas sim da fundamentação.
Independentemente do mérito da valoração efectuada, certo é que não ocorre o vício formal de oposição entre o fundamento de facto e a decisão de direito, nem qualquer outro vício formal da sentença previsto no art. 668º/1 do CPC. Inexistem as invocadas nulidades.

Acerca das decisões sob as al. c) e d):
Na decisão c) vem reconhecido o direito de servidão de passagem dos titulares dos prédios matriciados 204 e 549 (casa e quintal dos AA) cujo trajecto se situa entre uma porta nas traseiras dessa casa e esse quintal, passando pelo rés-do-chão da casa dos RR. Esta é uma casa destinada à habitação.
Evidentemente, não pode ser reconhecido esse invocado direito contra os RR, desde logo porque ele sacrificaria o direito de privacidade implicado no direito à habitação dos RR. A devassa resultante do exercício do direito de passagem pelo prédio urbano, ademais destinado à habitação, não é compatível, em qualquer grau, com o direito à privacidade ínsita no direito de habitação.
Tanto assim é que, mesmo para casos mais gravosos como são os de prédios encravados, o artigo 1550º do Código Civil apenas permite a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos (embora o conceito de prédios rústicos ali seja extensível a quaisquer terrenos, como logradouros). E se assim é para esses casos mais gravosos, por maioria de razão o é para esta situação em que se pretende à outrance a passagem através de casa de habitação. Aliás, não está posta fora de hipótese qualquer solução alternativa para os AA.: parte da traseira da casa dos AA é contígua ao dito quintal por ela podendo abrir um acesso ou possivelmente poderão os AA fazer o trajecto desde a frente da sua casa, passando pelo caminho público e rodearem o rústico dos RR, até chegarem ao dito quintal (cf esboço junto com o despacho de respostas à matéria de facto- fl. 231).
Há, pois, impossibilidade legal de estabelecimento de servidão de passagem sobre o r/c de um prédio urbano e, com maior acuidade, sobre o r/c de prédio urbano destinado à habitação.
Consequentemente, o recurso deve proceder quanto à decisão c).
O portão, as pedras de granito e a parede referidas na decisão d) impediam ou dificultavam o exercício da dita servidão de passagem reconhecida aos AA e daí a condenação dos RR conforme a decisão d). É evidente a dependência deste pedido dos AA reconvintes em relação ao pedido de reconhecimento de tal servidão. Mas, revogando-se a decisão c) como se revoga, por inexistir o direito a tal servidão, igualmente a decisão d) deve ser revogada.

Acerca das decisões sob as al. f), g) e h):
Estão em causa no recurso a decisão f), de reconhecimento do direito de compropriedade dos AA sobre 3 metros da canada, e as subordinadas decisões g) e h) de condenação dos RR a retirar a cornija e o telhado que pendem sobre a canada e a retirar o tubo que os RR enterraram na canada.
A compropriedade implica a existência de uma pluralidade de titulares do direito de propriedade.
O que os AA haviam pedido era o reconhecimento do direito de propriedade sobre a canada, ou seja, tal direito real como direito singular. A sentença, optando pela compropriedade, não diz quem eram os outros ou o outro titular além do casal formado pelos AA., nem nós o descortinamos.
A sentença entendeu que, com a decisão f), estaria a condenar em menos do que o pedido, o que legitimaria tal condenação. Transcreve-se a atinente fundamentação:
«2.6. A canada de terreno identificada no artigo 27.º da petição inicial do apenso B) corresponde, na numeração dos factos provados, à identificada nos artigos 76.º a 83.º e tem a área total de 12m2 (v. art.º 76.º dos factos provados).
«Resulta daqueles factos que se provou que os autores, além de outros confinantes com a canada, vêm utilizando os últimos três metros da canada, na sua extensão mais a nascente (artigos 79.º e 82.º), sendo os autores para a entrada e saída da casa referida em 58.º, alínea a) para a canada (art.º 82.º), o que fazem há mais de vinte anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e interrupção e no exercício de um direito de comproprietários (art.º 83.º, todos dos factos provados).
«Os autores invocaram a aquisição do direito de propriedade sobre aquela canada por usucapião (v. alínea e), do pedido do apenso B), o que corresponde a um dos modos de aquisição do direito de propriedade (artigo 1316.º).
«Resultam demonstrados os elementos que constituem a posse (“corpus”). É uma posse pública e pacífica que dura há mais de vinte anos de forma ininterrupta. Resulta ainda demonstrado que a posse é exercida com “animus” de comproprietários. Existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – art.º 1403.º, n.º 1.
«Embora em compropriedade, o direito de propriedade pode ser adquirido por usucapião através de actos de composse.
«Por conseguinte, mostram–se reunidos os requisitos para que se reconheça que os autores são comproprietários dos últimos três metros da mencionada canada, sendo certo que está em causa uma procedência parcial do pedido, o que não representa uma condenação além do pedido por não haver lugar a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-07-2006, Processo n.º 780/06, in www.dgsi.pt )».
Todavia, a compropriedade tem na lei um regime parcialmente diverso do simples direito de propriedade (cfr. artigos 1403º e segs do CC), diferença de regime que radica na diferença de titularidade (titular singular ou pluralidade de titulares). Logo, compropriedade e propriedade ut singuli são realidades jurídicas diversas e não se pode dizer que aquela é um minus em relação a esta, pois que ali nem sequer o conteúdo do direito real fica reduzido no confronto com terceiros em comparação com o conteúdo da propriedade singular. Deste modo – e como em outros acórdãos desta Relação já se decidiu com o mesmo relator – reconhecer o direito de compropriedade não é reconhecer menos do que o direito de propriedade. Aquele direito é um alius, não um minus.
Por outro lado, sucede que aquela fundamentação e a decisão f) assentam em facto que não foi alegado, mas a sentença inscreveu-o no ponto de facto nº 83, assim: …«O que [os AA] fazem há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e interrupção e no exercício de um direito de co-proprietários». Esta asserção ainda que fosse factual não podia ser inscrita no provado, por força do disposto no artigo 664º do CPC, por falta de alegação. Aliás, a bem dizer, e em rigor, essa é uma conclusão de direito, não um facto.
Por isso, elimina-se do provado a expressão «e no exercício de um direito de co-proprietários» e deve revogar-se a decisão f). Note-se que, nessa parte, os AA não recorreram, ainda que subordinadamente. E note-se que a testemunha (…), perguntada sobre “de quem é a canada”, respondeu: não é de ninguém. O que sabemos é que há três casas que são contíguas à canada e cujos donos (os AA, mas também os RR, e seus antecessores, e terceiros) usavam passar pela canada – cf. ponto nº 82. Logo, mesmo a pretensão de reconhecimento da propriedade singular por usucapião, que requereria a prova de uma posse exclusiva (ou seja, exclusão de outros além dos AA), sempre estaria votada ao fracasso.
Os RR foram condenados a retirar a cornija, o telhado e o tubo, referidos nas decisões g) e h), com base em que ofendiam o direito de compropriedade dos AA sobre a canada (aliás, sobre 3 metros da canada). Note-se que, não tendo a sentença definido todos os titulares da compropriedade, é pertinente a dúvida sobre se os RR não haveriam de figurar entre os contitulares, sendo certo que os RR eram (são) “confinantes” que utilizavam a canada (na expressão da sentença - ponto 83) e, a ser assim, sempre ficaria por justificar por que razão os RR não poderiam usar a coisa comum (no espaço aéreo com a cornija e a beira do telhado e no subsolo com o tubo) de igual modo como os AA o poderiam fazer (cfr. artigo 1406º do CC).
Mas, sendo evidente como é a dependência dos pedidos objecto das decisões g) e h) em relação ao pedido objecto da decisão f) que temos de revogar, então igualmente as decisões g) e h) devem ser revogadas, por não resultar do provado a ofensa de qualquer direito real dos AA sobre a canada, ofensa essa que cabia aos AA alegar e provar (art. 342º/1 do CC).

Sobre a decisão de improcedência do pedido de retirada da chaminé:
Provou-se que: «Na referida reconstrução, e por cima do telhado, canto nascente/norte, os réus construíram uma chaminé para a saída de 3 fumos. Essa chaminé tem a altura de cerca de 2 metros e situa-se a cerca de 2 metros de distância da cozinha da casa referida em 58, al. a). A chaminé está predisposta a proporcionar a exalação de fumos, os quais, quando tomem a direcção da casa referida em 58, al. a), em função da direcção do vento, entrarão na dita cozinha através de uma janela próxima, incomodando os autores» (pontos nºs 71 a 75).
A sentença teceu as seguintes considerações:
«Está em causa um conflito entre os titulares de direitos de prédios vizinhos, relativo a relações de vizinhança (v. conceito de direito de vizinhança José Alberto González, Restrições de Vizinhança – de interesse particular – pág. 44 a 46 e autores citados). O direito de propriedade é considerado como o direito real de gozo máximo ou pleno (art.º 1305.º, Luís A. Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 332). Tais poderes têm que ser exercidos dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, designadamente as que decorrem do artigo 1346.º, do Código Civil que dispõe que “o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros ou ruídos, bem como à produção de trepidações e outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importarem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.
«As emissões podem ser definidas como a repercussão, sobre o imóvel vizinho, dos efeitos de um comportamento humano dirigido ao aproveitamento das utilidades proporcionadas por (outro) certo imóvel (José Alberto González, ob. cit., pág. 170 a 171).
«No artigo 1346.º, do Código Civil são enunciados dois critérios:
1) prejuízo substancial para o uso do imóvel;
2) utilização anormal do prédio do emitente.
«Basta a verificação de uma das hipóteses para que se possa proibir a emissão (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág. 178 a 179, nota 5 e José Alberto González, ob. cit., pág. 181 a 195).
«Apenas ficou provado que os fumos provenientes da chaminé construída pelos autores, “quando tomem a direcção da casa” referida no artigo 58.º, alínea a), dos factos provados, “em função da direcção do vento, entrarão na cozinha desta casa através de uma janela próxima”, incomodando os autores (artigos 71.º a 75.º dos factos provados).
«Desde logo, ressalta que o prejuízo resultante da emissão de fumo não é efectivo, constituindo antes uma mera possibilidade.
«Por outro lado, nas circunstâncias apuradas, considera-se que não se verifica um “prejuízo substancial” para o uso do imóvel dos autores quando, em função da direcção do vento, os fumos tomem a direcção da casa daqueles.
«Dos factos provados não resulta que tais emissões produzam um “dano essencial”, objectivamente apreciado, mas apenas que, a verificar-se o circunstancialismo referido no artigo 74.º dos factos provados, ocasionarão incómodos aos autores (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2007, Processo n.º 10822/2006-2 e de 28-09-2006, Processo n.º 6592/2006-6, in www.dgsi.pt).
«Por outro lado, a emissão de fumo pela chaminé, com dois metros de altura, a seguir um curso normal, não pode deixar de configurar uma utilização normal do prédio de que emana, já que está em causa um prédio urbano.
«O que tudo conduz à improcedência do pedido da condenação dos réus a retirarem a chaminé».
Afigura-se-nos que a decisão é a mais sensata e está em harmonia com a lei.
Apenas não é a mais correcta a consideração segundo a qual «a emissão de fumo pela chaminé, com dois metros de altura, a seguir um curso normal, não pode deixar de configurar uma utilização normal do prédio de que emana, já que está em causa um prédio urbano». O requisito da utilização normal não deve ser aferido para a hipótese de o fumo seguir um curso normal, pois que se assim fosse dir-se-ia que, quando o fumo siga outro curso por força do vento de modo a atingir a casa dos AA, a utilização deixaria de ser normal e a chaminé deveria ser retirada. A normalidade da chaminé não tem a ver com a direcção do fumo mas sim com a utilização da chaminé. Se o dono da chaminé apenas a utilizasse para incomodar o vizinho através da produção de fumo (vg fumo produzido apenas para esse efeito) ou o dono duma casa mais baixa construísse a chaminé, numa dada zona da cobertura, sob o andar mais alto da casa contígua do vizinho para incomodar este, quando podia ter construído a chaminé numa outra zona da cobertura sem incomodar, então aí a utilização do prédio emitente não seria normal.
Também não será o mais correcto afirmar-se que a utilização do prédio emitente é normal «já que está em causa um prédio urbano». O requisito da utilização normal não tem a ver com a qualificação do prédio em urbano ou rústico. Um prédio pode ser urbano e ser utilizado de forma anormal: exemplo é o conhecido caso pioneiro do abuso de direito, consistente no facto da construção da chaminé de Colmar (França), por emulação para com o vizinho.
Mas, no essencial, a restante fundamentação e a decisão estão correctas, como se disse.
Em suma, a chaminé não tem de ser retirada, porque, atento o disposto no art. 1346º do CC:
-- os incómodos gerados para os AA pela exalação de fumos, quando estes atinjam a sua casa em função da direcção do vento e entrem na cozinha através de uma janela próxima, não importam um prejuízo substancial para o uso do imóvel dos AA., nem a emissão de fumos o importa. Os AA podem fechar a janela, assim evitando o incómodo dos fumos. E não é esforço inexigível que os AA fechem a janela quando os ventos direccionem o fumo para a cozinha, por um lado porque as janelas servem para abrir e para fechar e por outro porque só esporadicamente aquilo sucederá. Tais incómodos serão os normais entre casas de habitação próximas, as quais usual e tradicionalmente, sobretudo no interior do país e em zonas rurais, utilizam fornos a lenha em vez de fogões a gás ou eléctricos, sendo que a lenha em combustão necessariamente origina fumos, geralmente escoados para o exterior da habitação através das tão comuns chaminés rurais;
-- a emanação dos fumos resulta da utilização normal do prédio dos RR, como se depreende do contexto do litígio e do provado. Lobelhe do Mato é aldeia rural. Os réus construíram uma chaminé para a saída de 3 fumos, não constando que a tenham construído por emulação ou com o fim de prejudicar ou incomodar os vizinhos.
Competia aos RR reconvintes a alegação e prova de factos donde se pudesse concluir que a emanação de fumos importa um prejuízo substancial para o uso do seu imóvel ou que a emanação de fumos não resulta da utilização normal do prédio dos RR (art. 1346º e 342º/1 do CC), mas o provado não é suficiente para qualquer uma dessas conclusões, pelo que o recurso subordinado deve improceder.

Em síntese final:
- A impugnação da decisão de facto procede em parte, nos termos sobreditos;
- A decisão de direito sob a al. c) deve ser revogada por inadmissibilidade legal do reconhecimento do direito de servidão de passagem sobre a casa de habitação dos RR e, em consequência, também deve ser revogada a decisão d);
- A decisão de direito sob a al. f) deve ser revogada por os factos da compropriedade não terem sido alegados e por a compropriedade ou a propriedade singular não resultarem suficientemente caracterizadas através do provado e, em consequência, também devem ser revogadas as decisões g) e h);
- A decisão de improcedência sob a al. i) deve ser confirmada na parte impugnada (isto é, quanto ao pedido de retirada da chaminé) porque, atento o disposto no artigo 1346º do CC, a emissão dos fumos não importa um prejuízo substancial para o uso do imóvel dos AA. nem se pode concluir que essa emissão não resulta da utilização normal do prédio dos RR.

III- Parte decisória:
Pelo exposto, acordam nesta Relação:
A). Em alterar a decisão da matéria de facto nos termos sobreditos na fundamentação;
B). Em revogar as decisões de direito contidas na sentença sob as alíneas c), d), f), g) e h), absolvendo-se os réus dos correspondentes pedidos;
C). Em confirmar a decisão de direito sob a al. i) da sentença, na parte impugnada, absolvendo-se os réus do pedido de retirada da chaminé.
Custas em 1ª instância pelos AA e pelos RR, na proporção de dois terços pelos AA e um terço pelos RR; custas do recurso principal e do recurso subordinado pelos AA.

Coimbra, 2012-09-11

Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira