Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1392/09.1TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
SENTENÇA
ACÇÃO DECLARATIVA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.277 E) CPC, 847 CC
Sumário: 1. - Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência do devedor, fica impedido o efeito útil normal da pendente ação creditória de cumprimento ou do subsequente incidente de liquidação (para reconhecimento/ liquidação do crédito), restando julgar extinta a instância (da ação de cumprimento ou daquele incidente), por inutilidade superveniente da lide.

2. - O prosseguimento do incidente de liquidação apenas serviria, perante devedor insolvente, para obter a quantificação do crédito peticionado (já reconhecido, quanto à sua existência, na ação), o que não obteria efeito útil, por o direito creditório só poder ser exercido durante a pendência do processo de insolvência e segundo a disciplina do CIRE.

3. - O que não impediria a invocada compensação creditória, estando fixado o débito da recorrente, mas tendo o seu crédito de se sujeitar à disciplina do processo insolvencial (concurso entre todos os credores, numa dinâmica de execução universal), sabido não ser obstáculo à compensação a iliquidez da dívida (art.º 847.º, n.º 3, do CCiv.).

Decisão Texto Integral:




Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

Em autos incidentais de liquidação de sentença condenatória ([1]),

que M (…), com os sinais dos autos,

intentou, em 04/07/2016, contra

M (…), S. A.”, representada pelo seu Administrador de Insolvência (AI), com os sinais dos autos, e

I (…), S. A.”, representada pelo mesmo Administrador de Insolvência (AI), com os sinais dos autos,

pediu aquela que:

«(…) o respectivo crédito supra mencionado (…) seja liquidado no montante de € 419.170,92 (quatrocentos e dezanove mil cento e setenta euros e noventa e dois cêntimos – já com o IVA à actual taxa legal em vigor), ao que, doravante, acrescerão, os respectivos juros moratórios, tudo em cumprimento com o que consta nas alíneas b), c), e e), da douta sentença condenatória», ordenando-se «a citação das Rés, para, querendo, contestarem, no prazo e sob a cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos até final.».

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- no âmbito da sentença proferida, aqui a liquidar, foi a R. condenada, com trânsito em julgado, nos seguintes termos:

“a)Condeno a ré a fixar o valor do preço da empreitada de trabalhos a mais em €25.644,74 (…), acrescido de IVA, nada mais tendo a reclamar dos autores;

b)Condeno a ré a efectuar, à sua custa, todas as obras necessárias com a aplicação de todos os materiais adequados, à conclusão da empreitada, conforme o convencionado, à imediata eliminação e reparação de todos os vícios e defeitos susceptíveis da obra, alegados e descritos na petição inicial, em especial nos artigos 13º. a 26º, no prazo máximo de 30 dias;

c) Em alternativa, condeno a ré no pagamento do valor das referidas obras a executar por terceiros cujo valor se relega para liquidação de sentença;

d) Condeno a ré a ver reduzido o preço da empreitada, tendo em conta os valores e os defeitos que não são susceptíveis de reparação da obra e os em desconformidade com o projecto, no valor de €35.000,00 (…);

e) Condeno ainda a ré no pagamento de juros moratórios, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, além de compulsórios a partir do trânsito em julgado desta decisão.” ([2]);

- a A./Requerente vem dar à liquidação a condenação genérica proferida, ascendendo o respetivo crédito ao montante de “€340.789,37, (acrescido de IVA à taxa legal – e a qual, actualmente, se fixa em 23%), o que assim computado o respectivo IVA em vigor, perfaz o montante total de €419.170,92, e para cujo respectivo montante ora aqui se requer a sua liquidação.” (cfr. fls. 293 do processo físico).

Foi deduzida contestação ([3]), com invocação, por exceção (para além de defesa por impugnação):

- da ilegitimidade ativa, por a A./Requerente se apresentar agora, no plano incidental, desacompanhada do co-A., J (…) quando se trata de situação de litisconsórcio necessário ativo;

- da ilegitimidade passiva, por a demandada incidental “M (…)” jamais ter tido intervenção no processo declarativo, não sendo os AA. seus credores, posto o seu invocado crédito ser muito anterior à declaração de insolvência, com a consequência de os AA. apenas poderem ser considerados credores da insolvência e nunca da massa insolvente, como pretendem, pelo que a legitimidade passiva incidental cabe apenas à “I (…) S. A.”, devendo aquela “Massa Insolvente” ser mesmo absolvida do pedido;

- da inutilidade da lide, por na pendência da ação declarativa condenatória ter ocorrido (sido declarada em 11/02/2010, com trânsito em julgado) a insolvência da sociedade R., deixando impedida a instauração ulterior de qualquer execução para cobrança do crédito, o qual teria de haver sido oportunamente reclamado no âmbito do processo insolvencial;

- inutilidade essa que se impõe agora que se pretende renovar incidentalmente a instância declarativa, para dela extrair quantificação que será totalmente inútil, na linha até do decidido no Ac. STJ de Uniformização de Jurisprudência de 08/05/2013 (Uniformização n.º 1/2014), publicado no DR, 1.ª Série, de 25/02/2014, pelo que apenas cumpre decretar a extinção da instância, nos termos do disposto no art.º 277.º, al.ª e), do NCPCiv. (correspondente ao art.º 287.º. al.ª e), do CPCiv. revogado);

- da ineptidão do requerimento inicial da liquidação, por omissão de indicação de cada uma das anomalias em causa e respetiva quantia estimada de custo de execução por terceiro;

tudo para pugnar, na procedência da matéria excecionada, pela absolvição ou extinção da instância ou pela improcedência do pedido.

A A./Requerente, no exercício do contraditório, veio pugnar pela improcedência de toda a defesa apresentada na contestação e pela intervenção principal provocada do seu co-A. na ação declarativa.

Deferido o chamamento, e nada tendo o Chamado vindo dizer, foi junta aos autos certidão do processo de insolvência, certificando que a sentença declarativa da insolvência é datada de 19/07/2010, com trânsito em julgado, e que os autos não foram objeto de encerramento, encontrando-se a decorrer a liquidação do ativo, nos termos do disposto no art.º 61.º do CIRE (cfr. fls. 527 do processo físico).

Seguidamente, foi proferida decisão sobre a matéria de “nulidades, exceções e questões prévias invocadas”, assim se julgando:

a) Improcedente a nulidade por ineptidão do requerimento inicial;

b) Sanada a suscitada ilegitimidade processual ativa (ante a operância do chamamento);

c) Procedente a exceção de ilegitimidade processual passiva da Requerida “Massa Insolvente…”, absolvendo-a da instância;

d) Extinto o incidente de liquidação, por inutilidade superveniente da lide (cfr. fls. 528 a 533 do processo físico).

Inconformada, recorre a A./Requerente – recurso admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo (fls. 561) –, apresentando alegação, culminada com as seguintes

(…)


***

A Requerida “Massa Insolvente…” contra-alegou, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso, e concluindo pela total improcedência da apelação.

***

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi mantido o regime e efeito fixados ao recurso, pelo que, nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, importa saber ([5]):

a) Se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto;

b) Se deve ser julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da “Massa Insolvente...” ou se, com lastro prejudicial, a lide incidental de liquidação é mesmo inútil, justificando, sem mais, a extinção da respetiva instância.


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III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A base factual a considerar é a explicitada no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que na decisão recorrida nenhuma matéria de facto foi isolada, nem qualquer fundamentação da convicção foi enunciada a respeito.


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B) Da intentada impugnação de matéria de facto

A Apelante defende que terá ocorrido erro de julgamento de facto, afirmando mesmo (conclusão 29.ª) impugnar a concreta matéria de facto “referente ao alegado e invocado pelo Tribunal” ao afirmar que o crédito a liquidar, já se encontra reconhecido, faltando é liquidá-lo.

Ora, é certo que na decisão em crise se fundamentou assim:

«Também o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência de 15 de Maio de 2013, Recurso n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 - 4.ª Secção, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt e que firmou jurisprudência no mesmo sentido atrás referido. Conforme se poder ler no sumário do Acórdão Uniformizador acima citado “[t]ransitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do C.P.C.”.

A circunstância de estarmos perante um incidente de liquidação de condenação genérica posterior à sentença que reconheceu o crédito aos autores, aqui requerentes, em nada altera o entendimento “supra” plasmado, uma vez que, o crédito a liquidar, já se encontra reconhecido. O que falta é liquidá-lo.» (negrito aditado).

Que dizer?

Em primeiro lugar, dir-se-á que não se trata aqui de matéria de facto, nem de fundamentação da decisão de facto, mas, ao invés, de matéria jurídica/valorativa, de direito.

Com efeito, as afirmações citadas do Tribunal a quo inserem-se na sua fundamentação de direito.

Em segundo lugar, o que se diz em tal fundamentação de direito é que o “crédito dos autores” já está reconhecido, mediante “condenação genérica”, na sentença condenatória anteriormente proferida nestes autos e já transitada em julgado.

Assim, é certo que o “crédito a liquidar” já foi objeto de reconhecimento, como tal, naquela sentença condenatória (já se reconheceu que a parte demandante é credora nos moldes definidos no dispositivo da sentença proferida nos autos de ação declarativa em 27/04/2011).

E, como se trata de crédito ilíquido (ou “a liquidar”) – no que não pode haver controvérsia –, o que “falta” é mesmo “liquidá-lo”.

Assim, nem estamos perante matéria factual, nem a conclusão jurídica adotada merece censura.

O que parece ocorrer é que a Recorrente procede a uma interpretação errónea de tal “reconhecimento”, projetando-o sobre a economia do processo de insolvência (pugnando por não ter o crédito sido reconhecido em sede insolvencial), quando o Tribunal recorrido apenas afirma um outro reconhecimento, numa outra sede processual, o derivado do dispositivo condenatório transitado da ação declarativa.

É patente, pois, salvo o devido respeito, a improcedência da intitulada “impugnação de concreta matéria de facto” (dita conclusão 29.ª).

C) Da (i)legitimidade da R. “Massa Insolvente…” ou da manifesta inutilidade da lide

A Recorrente continua a pugnar pela legitimidade passiva da “Massa Insolvente ….”, considerando, pois, ter ocorrido errado juízo de absolvição dessa R. da instância incidental.

É certo que, havendo ainda outra R., o Tribunal a quo a julgou parte ilegítima e a absolveu da instância.

Mas fez mais, posto que, seguidamente, julgou mesmo extinta a instância (toda ela, pondo fim aos autos), por via de inutilidade superveniente da lide, vertente decisória com que a Apelante também não se conforma.

Assim, embora, em termos de lógica formal (e de técnica jurídica), fosse de abordar primeiro a questão da ilegitimidade – pressuposto processual, capaz de provocar a absolvição da instância da respetiva R. (e só dela) – e só depois a da inutilidade (superveniente) da lide, como causa de extinção (total) da instância, a eventual afirmação, no plano recursivo, dessa inutilidade sempre teria de arrastar toda a economia do incidente, levando à (completa) extinção da instância respetiva, tornando, nesse caso, sem significado a sindicância quanto à (i)legitimidade de uma das RR..

Por isso, abordar-se-á desde já a questão da diagnosticada inutilidade superveniente da lide.

Já se viu que o Tribunal recorrido se fundou, nesta parte, em jurisprudência firmada/autorizada/uniformizadora – o Ac. Uniformizador do STJ n.º 1/2014, Proc. 170/08.0TTALM.L1.S1 (Cons. Manuel Augusto Fernandes da Silva), em DR n.º 39/2014, Série I, de 25/02/2014, com o seguinte sumário (linha de uniformização para os nossos Tribunais), que importa ponderar: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.».

Ancorado nesta solidez uniformizadora, ainda adiantou o Tribunal recorrida quanto ao caso dos autos:

«E não se afigura ter qualquer utilidade liquidar o crédito já reconhecido, porquanto, a decisão a proferir no presente incidente não teria qualquer eficácia no processo de insolvência, porquanto, é no processo de insolvência que se procede à liquidação de todo o património do insolvente e ao pagamento dos créditos verificados; e se esses créditos têm obrigatoriamente que ser reclamados e pagos no processo de insolvência, ainda que se encontrem reconhecidos por decisão definitiva, revela-se inútil o prosseguimento das ações declarativas com vista a tal reconhecimento e (diríamos, também) liquidação.

Termos em que, atentos os fundamentos acima explanados, atenta a declaração de insolvência da Ré insolvente, aqui requerida, a qual transitou em julgado, entendemos existir causa de extinção da instância (do presente incidente) por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, com a redação agora em vigor.».

Ora – diremos nós, seguindo também a aludida uniformização de jurisprudência –, no caso resulta incontroverso estar transitada em julgado a sentença que declarou a insolvência da devedora.

A ação declarativa dos AA. (credores) contra tal devedora (instaurada anteriormente à declaração de insolvência) destinava-se, em matéria de contrato de empreitada, a obter o reconhecimento do crédito peticionado (o petitório da ação reconduzia-se à condenação da R. na execução de determinadas obras ou no pagamento do respetivo valor/custo “a executar por terceiros”) e a estabilizar a dívida dos AA. perante a contraparte (valor dos trabalhos a mais e redução do preço da empreitada).

Ora, tal estabilização foi fixada no dispositivo da sentença (condenação da R. a fixar o valor do preço da empreitada de trabalhos a mais em € 25.644,74, acrescidos de IVA, nada mais tendo a reclamar, bem como a ver reduzido o preço da empreitada, no valor de € 35.000,00), com trânsito em julgado, pelo que nesta parte o litígio ficou definitivamente decidido, nada mais, por isso, havendo a conhecer, por esgotamento do objeto da causa.

Por isso, resta o crédito dos AA., parte em que também ocorreu condenação, transitada, com o inerente reconhecimento (na ação), mas dependente de ulterior liquidação (crédito ilíquido).

Mas quanto a tal crédito (ainda ilíquido) vale a lógica da uniformização da jurisprudência: ante a definitiva insolvência do devedor, fica impossibilitado o efeito útil normal da ação declarativa do credor, destinada a obter o reconhecimento/quantificação do crédito peticionado.

Por isso, ocorre fundamento para extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do atual art.º 277.º, al.ª e), do NCPCiv. (correspondente à al.ª e) do art.º 287.º do CPCiv. revogado), o que, valendo para as ações, vale também, por identidade de razão, para subsequentes incidentes de liquidação, como o dos autos.

Na verdade, como consta da síntese conclusiva do citado Ac. Uniformizador:

«- Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;

- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE - cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados -, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (…), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.».

No caso dos autos, o prosseguimento do incidente de liquidação apenas serviria, perante devedor insolvente, para obter a quantificação do crédito peticionado (este até já objeto de reconhecimento, quanto à sua existência, na ação), o que não obteria “efeito útil normal”, por o direito creditório só poder ser exercido durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE.

E nem a invocada compensação creditória ficaria impedida, posto estar já estabilizado, como visto, o débito dos AA. e, por outro lado, o seu crédito ter de se sujeitar às exigências da disciplina do processo insolvencial (concurso entre todos os credores, numa dinâmica de execução universal), podendo a Apelante declarar a compensação, desde que para isso tenha fundamento, ao que nem sequer é obstáculo a iliquidez da dívida (cfr. art.ºs 847.º, mormente o seu n.º 3, e segs. do CCiv.).

Urge, pois, concluir, também aqui – releve-se a repetição –, que, uma vez transitada a sentença declaratória da insolvência do devedor, fica impedido o efeito útil normal da ação creditória de cumprimento (para reconhecimento do crédito e sua liquidação), restando julgar extinta a instância incidental, por inutilidade superveniente da lide.

Caso em que, fundada a extinção de tal instância, seria ocioso, com o devido respeito, apreciar a questão da (i)legitimidade da Requerida “Massa Insolvente…”, matéria que se tem por manifestamente prejudicada.

Improcede, pois, a apelação.


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IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência do devedor, fica impedido o efeito útil normal da pendente ação creditória de cumprimento ou do subsequente incidente de liquidação (para reconhecimento/ liquidação do crédito), restando julgar extinta a instância (da ação de cumprimento ou daquele incidente), por inutilidade superveniente da lide.

2. - O prosseguimento do incidente de liquidação apenas serviria, perante devedor insolvente, para obter a quantificação do crédito peticionado (já reconhecido, quanto à sua existência, na ação), o que não obteria efeito útil, por o direito creditório só poder ser exercido durante a pendência do processo de insolvência e segundo a disciplina do CIRE.

3. - O que não impediria a invocada compensação creditória, estando fixado o débito da recorrente, mas tendo o seu crédito de se sujeitar à disciplina do processo insolvencial (concurso entre todos os credores, numa dinâmica de execução universal), sabido não ser obstáculo à compensação a iliquidez da dívida (art.º 847.º, n.º 3, do CCiv.).

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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da A./Apelante (sem prejuízo de benefício do apoio judiciário).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 11/12/2018

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Esta proferida em autos, intentados em 18/06/2009, que seguiram a forma de processo ordinário de declaração, cuja sentença condenatória foi proferida em 27/04/2011 e retificada, no seu dispositivo, em 27/06/2011 (cfr. fls. 243 e segs. e 257 e seg. do processo físico).
([2]) Efetivamente, assim foi decidido por sentença de fls. 243 a 246, com retificação do dispositivo a fls. 257-258.
([3]) Por C (…), na qualidade de legal representante da “M (…) S. A.” e de AI de “S (…) S. A.”.
([4]) Se o processo declarativo foi instaurado já em junho de 2009 e a respetiva sentença condenatória foi proferida em 27/04/2011, certo é que o presente incidente de liquidação só viria a ser apresentado em 04/07/2016, sendo, por sua vez, a decisão recorrida de 24/04/2018 (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 15 e seg.).
([5]) Caso nenhuma das questões suscitadas resulte prejudicada pela decisão das demais.