Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1313/13.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONCORRÊNCIA DESLEAL
INDEMNIZAÇÃO
CLIENTELA
RELAÇÃO LABORAL
CESSAÇÃO
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 316, 318 CPI
Sumário:
1. - No âmbito da concorrência desleal, o desvio de clientela ocasiona direito a indemnização se for causado por uma conduta contrária às normas e usos honestos – mediante um comportamento ferido de deslealdade, quanto aos meios utilizados –, uma atuação desonesta/incorreta e, como tal, inaceitável para o direito.
2. - A cessação da relação laboral devolve ao trabalhador a liberdade de emprego e de trabalho, o qual passa a poder exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo anterior empregador, mormente se não foi celebrado pacto de não concorrência e desde que não incorra em concorrência desleal.
3. - Se dois trabalhadores da sociedade autora puseram fim aos respetivos contratos de trabalho, após o que foram trabalhar para sociedade concorrente, não pode aquela limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de pacto de não concorrência.
4. - Tais ex-trabalhadores não incorrem em concorrência desleal se, embora angariando clientes que eram da autora e levando-os a vincular-se à sua nova empregadora (mesmo que constituída e gerida por familiares seus), não se mostra que tal tenha ocorrido antes da extinção do vínculo laboral, nem que para tanto tenham usado meios desleais, designadamente enganando os clientes ou usando informação reservada da autora ou cujo acesso não lhes tivesse sido facultado para o exercício comum da sua prestação laboral anterior.
5. - Também a prática de preços mais baixos que os praticados pela autora, potenciando a transferência de clientela para quem oferece preço inferior para semelhante serviço, não traduz, sem mais, concorrência desonesta/desleal, antes permitindo o normal funcionamento do mercado, em benefício dos consumidores.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1313/13.7TBLRA.C1
2.ª Secção – Cível

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I – Relatório (() Segue-se, no essencial, nesta parte, por economia de meios, o relatório da decisão recorrida.)
L (…), LDA.”, com os sinais dos autos,
intentou (() Em 15/03/2013 (cfr. fls. 68 dos autos em suporte de papel).) ação declarativa condenatória, então com processo ordinário, contra
1.ª - “R (…), LDA.”,
2.º - I (…) e
3.º - D (…), todos também com os sinais dos autos,
pedindo:
a) Seja ordenada a cessação imediata da atividade da 1.ª R., comunicando-se tal facto ao 2.º Serviço de Finanças;
b) Sejam os RR. condenados a absterem-se de, por si ou por intermédio de outrem, contactar e prestar aos clientes que a A. tinha à data de 18/12/2012 (data em que os RR. rescindiram os seus contratos de trabalho com a A.), os serviços que a A. exerce e, de um modo geral, a absterem-se da prática dos atos de concorrência desleal que têm vindo a praticar contra a A.;
c) Sejam os RR. condenados solidariamente a pagar à A. a quantia de € 30.000,00 relativa a perdas e danos que a A. já sofreu e ainda na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença por perdas e danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude dos atos de concorrência desleal.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- os RR. I (…) e D (…), utilizando para o efeito interpostas pessoas (M (…), avô do R. D (…), e A (…), mãe do R. I (…)), constituíram, em 08/11/2012, a sociedade 1.ª R., com objeto social idêntico ao da A., para, através daquela nova sociedade, exercer atividade concorrente com a da A.;
- ainda com os contratos de trabalho celebrados com a A. em vigor, os RR. I (…) e D (…), no desconhecimento e contra a vontade da sua então entidade patronal, começaram a apresentar os serviços e produtos desta nova empresa aos clientes da A. que visitavam no cumprimento das sua funções para a A., levando os clientes da A. a transferir os seus contratos de controlo de pragas para a 1.ª R. no termo da sua duração (antes da respetiva renovação);
- confrontados com a situação, os RR. I (…) e D (…) apresentaram cartas de despedimento à A. no dia 18/12/2012, com vista a impedir a instauração dos respetivos processos disciplinares, e logo após celebraram contratos de trabalhos com a 1.ª R., passando a ser funcionários da mesma;
- os RR. D (…) e I (…) constituíram a mencionada sociedade através dos seus avô e mãe, respetivamente, para assim exercerem atividade concorrente com a da A., sendo os mesmos quem, de facto, gere a 1.ª R. e toma todas as decisões relativas à vida da mesma;
- nesse âmbito, após janeiro de 2013, os RR. I (…) e D (…) passaram a visitar massivamente todos os clientes que a A. tinha na zona norte de …, vindo a conseguir que 83 dos clientes da A. nessa área geográfica em que exerciam funções rescindissem o contrato com a A., celebrando contrato de controlo de pragas com a 1.ª R.;
- Os RR. I (…) e D (…) visitaram exclusivamente clientes que foram angariados para a A. na zona norte de …, valendo-se, para o efeito, das circunstâncias de conhecerem os contratos em vigor, a sua duração, o prazo de renovação e o seu preço, bem como o facto de terem o conhecimento e a confiança dos clientes, tudo informações e elementos obtidos quando estavam ao serviço da A. e no exercício das suas funções enquanto funcionários desta;
- aqueles 83 clientes só transferiram para a 1.ª R. os seus contratos de controlo de pragas por, tendo confiança nos 2.º e 3.º RR., estes lhe oferecerem um preço mais baixo do que o praticado pela A., inferior mesmo ao custo da prestação do mencionado serviço, por não levar em conta os custos de formação e legalização do exercício daquelas funções;
- a perda destes clientes pela A., só com referência ao período compreendido até 18/02/2013, importou numa perda de receita anual para esta de € 16.220,00, bem como um decréscimo no volume de negócios relativo à venda dos produtos relacionados com a atividade superior a € 15.000,00;
- os RR. I (…) e D (…) adquiriram equipamentos e produtos idênticos aos utilizados pela A., utilizavam as mesmas técnicas e os conhecimentos que adquiriram na A., apropriando-se de forma gratuita e ilícita de todo o investimento e trabalho desenvolvido pela A. em 10 anos de atividade, da sua clientela e da sua organização, para lhe fazerem concorrência desleal.
Contestaram os 2.º e 3.º RR. (conjuntamente), impugnando diversa factualidade alegada pela A. e concluindo pela improcedência da ação, para o que alegaram, no essencial, que:
- nunca exerceram quaisquer cargos de gerência de facto ou de direito na sociedade A., apenas tendo sido sempre meros funcionários dela, pelo que não estavam obrigados ao dever, após a cessação dos respetivos contratos de trabalho, de não lhe fazer concorrência;
- o contrato de trabalho de ambos estes RR. terminou por rescisão por mútuo acordo com a A., sendo que nada tiveram a ver com a constituição da 1.ª R., nunca exerceram nem exercem qualquer gerência de direito ou de facto relativamente à mesma, ou qualquer cargo administrativo ou de direção, vindo, somente, a celebrar com a mesma, em 02/01/2013, contrato de trabalho, com funções idênticas às que exerciam para a A., nenhuma técnica ou segredo exclusivo desta usando para esse efeito;
- ambos os 2.º e 3.º RR. apostaram a sua formação profissional no ramo de atividade que vêm desenvolvendo desde a data em que começaram a trabalhar, sendo por força das suas habilitações profissionais que foram contratados pela R. sociedade, num setor de atividade em que não existem preços fixos, valendo a lei da oferta e da procura, com mais de doze empresas no distrito de ..., existindo forte concorrência entre elas.
Também a 1.ª R. contestou, impugnando diversa matéria de facto alegada pela A., concluindo pela improcedência da ação e invocando, em suma, que, litigando a A. de má-fé (() Também a A., por sua vez, viria, alegar litigarem os todos os RR. de má-fé (cfr. fls. 483), requerendo a sua condenação como tal, ao que estes se opuseram.), apenas M (…) e A (…)tiveram intervenção na constituição da sociedade R., sendo que os 2.º e 3.º RR. apenas celebraram contrato de trabalho com tal sociedade, com início em 02/01/2013, nunca antes tendo prestado qualquer serviço para a mesma.
Realizada audiência prévia, saneado o processo e fixados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à realização da audiência de discussão e julgamento.
Da sentença – proferida em 23/01/2018 – consta dispositivo totalmente absolutório dos RR., tendo sido julgada improcedente a ação, por não provada, tal como improcedente foi julgada toda a matéria da suscitada litigância de má-fé.
Inconformada, vem a A. interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes
Conclusões (() Que se deixam transcritas (com destaques retirados).)
(…)
A R./Apelada sociedade contra-alegou, pugnando pela inobservância, em sede de impugnação da decisão de facto, dos ónus previstos no art.º 640.º do NCPCiv. e pela total improcedência do recurso.
Também os demais RR./Apelados contra-alegaram, pugnando pela inobservância de ónus previsto no art.º 640.º do NCPCiv. – não especificação dos meios probatórios, nem dos fundamentos, que impusessem decisão da facto diversa, levando a que não se saiba “porque razão a decisão deverá ser aquela que propõe” –, com a consequência da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, e pela total improcedência do recurso.
***
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento da matéria recursiva, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito dos Recursos
Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 (() Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença de fls. 730 e segs. dos autos em suporte de papel, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursiva, o regime do NCPCiv.).) –, incidindo a impugnação recursiva sobre matéria de facto e de direito, importa saber (() Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.):
a) Em matéria de facto:
1. - Se é admissível e deve proceder a impugnação da decisão de facto, designadamente por haver contradições no seu seio, ou se é manifestamente inconcludente;
b) Em matéria de direito:
2. - Se assiste, ou não, à A. o direito a indemnização, por via de ilícito de concorrência desleal.
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III – Fundamentação
A) Matéria de facto
É a seguinte a factualidade provada a considerar:
«1) - A Autora é uma sociedade comercial, registada na Conservatória do Registo Comercial de ... em 22.03.2004, e tem como objecto exterminação de insectos, exterminação de roedores, desinfecção, fumigação, tratamento de térmitas, fertilização de jardins e eliminação de ervas daninhas. Comércio por grosso de produtos de limpeza, outras actividades de limpeza em edifícios e equipamentos industriais.
2) - O 2.º Réu foi admitido ao serviço da requerente em 09.11.2007 e o contrato de trabalho cessou em 18.12.2012.
3) - O 3.º Réu foi admitido ao serviço da requerente em 01.08.2008 e o seu contrato de trabalho cessou em 18.12.2012.
4) - O 2.º Réu desempenhava ao serviço da A., as funções de técnico de vendas e o 3.º Réu o de técnico de controlo de pragas.
5) - A Autora é a representante da marca TRULY NOLEN para a área dos distritos de ...,, …e …, para a qual comprou a concessão.
6) - Desde a data da sua constituição, em Março de 2004 e até ao presente, a Autora vem constantemente divulgando os seus serviços, angariando clientes, adquirindo instalações, veículos, equipamentos, produtos, admitindo funcionários, dando-lhes formação técnica contínua, melhorando sempre a qualidade dos seus serviços e aumentando o volume de vendas.
7) - O legal representante da A. tomou conhecimento, em data não concretamente apurada mas sempre até 18.12.2012, da existência da R. R (…) e que esta empresa estava ligada às famílias dos RRI (…) e D (…)
8) - No início de Dezembro de 2012 a requerente concedeu aos 2.º e 3.º Réus a última ação de Aptidão Profissional Contínua para técnicos de controlo de pragas com a duração de 16 horas a cada um.
9) - Sempre teve com 2.º e 3.º Réus, e demais funcionários, um relacionamento amistoso, leal e de colaboração.
10) - Nos dias 14, 15 e 16 de Dezembro de 2012 a Autora gratificou o 2.º e 3.º Réus e demais funcionários com uma Festa de Natal durante um fim-de-semana, no Alentejo, (não tendo o 3.º Réu ido por motivos familiares).
11) - A 1.ª Ré foi constituída em 08.11.2012 e tem por objeto a prestação de serviços de desinfestação, desratização e outros serviços de limpeza. Comércio de produtos de limpeza, produtos químicos e consumíveis afins à atividade.
12) - Tem inscritos como sócios M (…) e A (…)
13) - O M (…) é avô do Réu I (…).
14) - A A (…) é mãe do Réu D (…).
15) - O M (…) exerceu a atividade de taxista, estando reformado à data da constituição da R (…) e a A (…) é empregada de escritório, e nenhum deles tinha, até à data, nem exercia qualquer atividade relacionada com a desinfestação e desratização.
16) - O segundo Réu, no exercício das suas funções de técnico de vendas da Autora, angariava clientes, negociava com eles os serviços a prestar, os respetivos preços, a duração dos contratos e visitava-os regularmente.
17) - O 3.º Réu, como técnico de controlo de pragas, ao serviço da Autora, prestava regularmente os serviços da Autora aos seus clientes.
18) - Os 2º e 3º RR. tinham conhecimento da identificação de todos os clientes da Autora com quem trabalhavam diretamente, dos serviços que esta prestava a estes, dos preços contratados com eles e dos prazos dos respetivos contratos.
19) - Os contratos utilizados pela 1ª R. têm a mesma disposição gráfica, o mesmo clausulado, as mesmas condições contratuais e garantias, a mesma cor dos duplicados; apenas foi alterada a identificação da sociedade, contactos e o NIB.
20) - No dia da rescisão do contrato, o Réu I (…) tinha em seu poder uma PEN com informações confidenciais da Autora, e tendo-lhe sido pedido para a devolver, o 2.º Réu procedeu à sua destruição, sem a entregar à Autora.
21) - Após terem cessado os contratos de trabalho dos 2º e 3º RR. com a Autora, esta recebeu até 18.02.2013 as seguintes rescisões dos seus clientes:
NOME - DATA
(…)
22) - Com exeção das cartas indicadas sob os números 1, 2, 3, 10, 12, 16, 31, quase todas têm idêntica terminologia na sua redação.
23) - O que, aliado ao facto de terem sido quase todas registadas fora da localidade da sede dos respetivos remetentes, e remetidas várias no mesmo dia, (como é o caso das ultimas 18), é legítimo presumir que tivessem sido colocadas no correio pelos próprios Réus.
24) - Todas aquelas rescisões foram efectuados a pedido dos 2.º e 3.º Réus.
25) - Quase todas foram efetuadas com a antecedência não inferior a 90 dias prevista nos contratos.
26) - Quase todas as entidades referidas nos artigos 26º e 27º da petição inicial (() Essencialmente, as aludidas em 21) supra.) celebraram já contratos de controlo de pragas com a 1.ª Ré, conforme lista junta aos autos por esta última.
27) - Por intermédio dos 2.º e 3.º Réus.
28) - Depois de 18.02.2013 a Autora vem recebendo, quase todas as semanas, dos seus clientes mais cartas de rescisão dos respetivos contratos de prestação de serviços, rescisões incentivadas pela Ré para passarem estes a prestar idênticos serviços àqueles clientes.
29) - Nos estabelecimentos das entidades cujas rescisões já produziram efeitos, os serviços de controlo de pragas e de desratização já estão a ser efetuadas pelos 2.º e 3.º Réus em representação da 1.ª Ré.
30) - As referidas rescisões correspondem a zonas cuja área de trabalho estava atribuída aos 2.º e 3.º Réus, ou seja a zona Norte de ....
31) - Na zona a sul de ..., por enquanto, nenhum cliente da Autora rescindiu o seu contrato desde Setembro de 2012 até ao presente, com exceção dos estabelecimentos que encerraram.
32) - O que demonstra que os Réus começaram por visitar e angariar os clientes da Autora dos quais tinham maior conhecimento pessoal, incluindo os respetivos contratos, prazos e preços.
33) - A 1.ª Ré iniciou o exercício da sua atividade de controlo de pragas com os clientes que haviam sido angariados pela Autora e apenas na zona em que trabalharam ao serviço da Autora.
34) - A Autora e a 1.ª Ré exercem parcialmente atividade idêntica na área de desinfestação e controlo de pragas.
35) - Foi emitida pela 1ª R. a favor dos 2º e 3º RR. a procuração junta a fls. 476 e 477 para intervirem junto da Caixa (…)
36) - Os 2.º e 3.º Réus vêm continuando a contactar os demais clientes da Autora que ainda restam.
37) - Porque os Réus conheciam os preços praticados pela Autora e conheciam os contratos celebrados por esta, quanto àqueles a que se reportava os serviços que prestavam enquanto trabalhadores da A., a 1.ª Ré vem praticando preços mais baixos que a Autora.
38) - A Autora tinha ao seu serviço em 2012 14 trabalhadores.
39) - Nos 10 anos de existência investiu em meios técnicos e humanos e tornou-se uma empresa credível e de referência no sector da sua atividade.
40) - Por causa da descrita atuação dos Réus, perdeu entre 19 de Dezembro de 2012 e 18 de fevereiro de 2013 pelo menos 83 clientes, o que lhe provocou diminuição de receitas líquidas em montante em concreto não apurado.
41) - Os clientes referidos nos artigos 26º e 27º da petição inicial representaram uma perda da receita anual bruta de 16.220,00 €.
42) - E um volume de negócios, relacionado com a venda de produtos relacionados com a atividade, em montante em concreto não apurado.
43) - A Autora teve que revisitar todos os seus clientes e propor-lhes baixar os respetivos preços contratuais para prevenir o aliciamento dos Réus, suportando com isso perdas de receita em concreto não apuradas.
44) - Os 2º e 3º RR. não são, nem nunca foram sócios da sociedade A., nem nunca foram por qualquer forma detentores de participações sociais na mesma, por si ou por interposta pessoa.
45) - Os 2º e 3º RR. nunca exerceram, nem de facto nem de direito, quaisquer cargos sociais – administração e/ou gerência – na sociedade A.
46) - Os 2º e 3º RR. nunca desempenharam qualquer cargo de gestão ou administrativo na sociedade A., limitando-se a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional que tinham nessa empresa, cumprindo as ordens desta e estando sempre sob a sua direção e fiscalização.
47) - Os 2º e 3º RR. não são, nem nunca foram, sócios da sociedade R., nem nunca foram por qualquer forma detentores de participações sociais na mesma.
48) - [SUPRIMIDO, por se tratar de mera repetição do facto 4)].
49) - O avô do R. I (…), tinha à data da entrada em juízo da presente ação 71 (setenta e um) anos de idade e encontrava-se reformado desde os 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
50) - Os RR. D (…) e I (…) foram contratados em 02/JAN/2013 pela sociedade R., sendo que o R. D (…) exerce nesta pelo menos as funções de técnico de desinfestação, e o R. I (…) pelo menos as funções de técnico de vendas.
51) - A sociedade A. assinou, em 19/DEZ/2012, declaração pela qual prescindia do prazo de aviso prévio subjacente à cessação do vínculo laboral com o R. I (…)
52) - Nessa mesma data (19/DEZ/2012) a mesma sociedade A., assinou outra declaração pela qual prescindia também do prazo de aviso prévio subjacente à cessação do vínculo laboral com o R. D (…)
53) - Os documentos juntos com a petição inicial sob a designação de DOCS. 3 e 5 (() Trata-se dos documentos de fls. 34 e 37 dos autos em suporte de papel, referentes, respetivamente, a “cartas”, ambas datadas de 18/12/2012, dos 2.º e 3.º RR., de apresentação de rescisão unilateral do contrato de trabalho com a A..), não foram enviadas por via postal para a sociedade A., antes tendo sido o seu legal representante que as apresentou aos 2º e 3º RR. para as assinarem, nas instalações da sua firma.
54) - A cessação do vínculo laboral foi efetuada por mútuo acordo entre A. e 2º e 3º RR. nas instalações desta, declarando nessa cessação os 2º e 3º RR. que se encontram pagos de todos os seus direitos e que assinaram tais documentos de livre e espontânea vontade.
55) - Nem durante, nem depois da cessação do vínculo laboral que unia A. e RR. foi feito qualquer acordo ou pacto de não concorrência que impedisse os RR. D (…) e I (…) – por eles ou por interposta pessoa ou empresa – de trabalharem ou exercerem atividade na mesma área de atividade levada a cabo pela A..
56) - O R. , após a cessação do vínculo laboral com a AA, não foi indemnizado por esta pela clientela por ele angariada enquanto funcionário da mesma.
57) - O R. , tal como os demais técnicos de vendas da sociedade A., só tinha acesso aos elementos dos clientes por ele angariados e/ou visitados e não aos demais clientes da mesma, sendo que o R., D (…) tinha apenas acesso ao planeamento do serviço a executar para determinado cliente, tendo, por vezes, acesso aos contratos por este assinados, em caso de dúvida de qual o serviço efetivamente contratado com o cliente e a executar no terreno.
58) - As formações dadas aos RR. D (…) e I (…) eram maioritariamente, feitas fora do seu horário de trabalho (40 horas) de forma não remunerada, e com o objetivo por parte da sociedade A. de ter técnicos qualificados.
59) - Os RR., apesar de não remunerados, também tinham interesse em tais formações em ordem a obterem melhores conhecimentos e qualificações profissionais para o futuro, naquela ou em qualquer outra empresa do ramo.
60) - O R. D (…) tinha à data 27 (vinte sete) anos de idade e tem o 12º ano como habilitações literárias e o seu primeiro trabalho foi para a sociedade A..
61) - Por sua vez, o R I (…) tinha à data 25 (vinte cinco) anos de idade, tem o 12º ano como habilitações literárias e o seu primeiro trabalho também foi para a sociedade A..
62) - Ambos apostaram a sua formação profissional, o futuro da sua atividade laboral e, em suma, a sua vida profissional no ramo de atividade que vêm desenvolvendo desde a data em que começaram a trabalhar sendo que, foi fruto desse seu conhecimento e habilitações profissionais que foram contratados pela R. sociedade.
63) - O R. D (…) obteve a sua formação já em Janeiro de 2013 (numa altura em que já trabalhava para a sociedade R), conforme certificado emitido pela ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONTROLO DE PRAGAS URBANAS (ANCPU).
64) - Após a saída dos 2º e 3º RR. dos quadros da sociedade A. esta veio a empregar novos trabalhadores, tendo no final do ano de 2015 18 trabalhadores ao seu serviço.
65) - O modelo de contrato que os RR dão a assinar aos clientes da sociedade RR, são também em tudo idênticos aos contratos da mesma natureza apresentados por quase todas as empresas que trabalham no mesmo ramo de atividade, sendo também as suas publicidades em tudo idênticas porque todas elas operam no mesmo ramo profissional.
66) - A título de exemplo diga-se que as empresas Q (…) LDA e B (…) que laboram nesse mesmo ramo de atividade, usam minutas de contratos semelhantes, conforme se comprova pelas cópias de dois exemplares dos mesmos que ora se juntam sob a designação de DOCS 6 e 7.
67) - No setor de atividade em que labora a sociedade R. não existem preços fixos, valendo a lei da oferta e da procura.
68) - Existem mais de 12 (doze) empresas no distrito de ..., entre elas a já indicada …, existindo forte concorrência entre elas, o que vem implicando que, ao longo dos tempos, todos elas percam e ganhem clientes umas às outras.
69) - A sócia … é funcionária da empresa J (…), LDA., da qual o seu marido M (…) é sócio maioritário.
70) - E, através das funções que aí desempenha, tomou conhecimento da empresa – E (…), especialista em produtos de higiene e limpeza que fornece a supra dita empresa, há cerca de dois anos sendo atualmente a principal fornecedora da R..
71) - Após uma competente prospeção, a sócia A (…), chegou à conclusão de que o mercado atual aceitaria bem este tipo de produtos, ainda que em fins diversos dos que aí utilizavam.
72) - Nesse sentido, contactou uma pessoa da sua total confiança, M (…)que se encontrava reformado há já mais de 5 anos, para consigo constituir a empresa R..
73) - Nessa esteira, ambos, pugnaram pela constituição da sociedade R (…), tendo estes procedido à outorga do contrato da sociedade.
74) - Depositando o capital social respetivo, na proporção de cada uma das suas quotas, na conta que abriram para a sociedade que haviam constituído, junto do banco “C (…)
75) - Os 2º e 3º RR. celebraram contrato de trabalho com a 1ª R. já dias depois da cessação dos seus contratos de trabalho com a A., mais concretamente em 2 de Janeiro de 2013.
76) - Ambos são remunerados tendo pelo menos por base as funções que aí desempenham, sendo que o R I (…) tem pelo menos a categoria profissional de técnico de vendas, e o R. D (…) tem pelo menos a categoria profissional de técnico de desinfestação, sendo também remunerada a gerente A (…), conforme documentos de fls. 411 a 413.
77) - A sociedade R., pauta a sua conduta por elevados padrões técnicos, sendo uma empresa certificada, e com técnicos certificados, bem como peleja pelas normas de segurança, suas e dos seus trabalhadores.».
E são os seguintes os factos julgados não provados:
«A) - O 2.º Réu rescindiu o contrato de trabalho em 18.12.2012.
B) - O 3.º Réu foi admitido ao serviço da requerente em 01.08.2008 e rescindiu o seu contrato de trabalho em 18.12.2012.
C) - No dia 18.12.2012 o legal representante da Autora foi alertado por um seu fornecedor que uma empresa nova com o nome de R (…) com sede em … o havia contactado para obter o fornecimento dos mesmos produtos para o controlo de pragas que a requerente lhe adquiria.
D) - O gerente da Autora veio a saber que tal sociedade pertencia aos 2.º e 3.º Réus que confrontados com tal facto confessaram que haviam constituído a 1.ª Ré e pediram a sua demissão para evitarem processos disciplinares.
E) - Foram os 2.º e a 3 Réus que procederam à obtenção do nome da 1.ª Ré, que diligenciaram pela sua constituição, publicação e registo, que procederam ao pagamento dos respectivos custos.
F) - Utilizaram os nomes e consentimentos do seu avô e mãe, respectivamente, para figurarem como sócios da referida sociedade para, desse modo, ocultarem a sua real titularidade das mesmas cotas.
G) - Os 2.º e 3.º Réus apoderaram-se dos ficheiros dos clientes da Autora, a sua base de dados dos clientes.
H) - Os Réus apropriaram-se da minuta de contrato utilizada pela Autora para estabelecerem os contratos com os seus clientes e copiaram-na “ipsis verbis” para utilização da 1.ª Ré.
I) - Nos últimos meses que estiveram ao serviço da Autora, iam contactando os clientes desta, oferecendo-lhes os próprios serviços, negociando com eles os termos do novo contrato a celebrar com a sociedade R (…) que viriam a constituir e incentivando-os a denunciarem os contratos com a Autora nos termos das suas renovações.
J) - Os 2.º e 3.º Réus, enquanto funcionários da Autora, incentivaram pelo menos os seguintes clientes da Autora (desconhecendo-se se tal sucedeu com o …) a rescindirem nas seguintes datas os seus contratos com vista a com eles celebrarem novos contratos em nome de R (…)
(…)
K) - No dia 11.02.2013 a Autora dirigiu-se ao estabelecimento de R (…) para efectuar o serviço de controlo de pragas contratado e deparou que os Réus já tinham efectuado o serviço (sem que o contrato com a Autora tivesse sido rescindido).
L) - E no dia 08.02.2013 a Autora dirigiu-se ao estabelecimento de S(…)para efectuar o serviço de controlo de pragas contratado e deparou que os Réus já tinham efectuado o serviço.
M) - Os 2º e 3º RR. utilizaram, para angariar os anteriores cliente da R., elementos essenciais do segredo do negócio da Autora e os seus elementos reservados.
N) - A 1.ª Ré colocou no seu “site” a publicidade e informações que a Autora continha nos seus folhetos.
O) - A Autora e a 1.ª Ré exercem precisamente a mesma atividade.
P) - São os 2.º e 3.º Réus que na realidade representam e administram a 1.º Ré que, em representação dela contactam clientes e fornecedores, celebram os respetivos contratos.
Q) - Para os actos e contratos formais, designadamente perante os bancos, os 2.º e 3.º Réus dispõem de procuração emitida pela 1.ª Ré.
R) - Os preços praticados pela 1.ª Autora são inferiores ao custo real dos serviços que pratica, por não tomar em consideração os investimentos na formação de pessoal, nas prospeções de mercado, na angariação de clientes, no aperfeiçoamento das técnicas a utilizar, pois que tudo isso foi usurpado pelos Réus.
S) - Os Réus vêm alegando aos clientes da Autora que esta pratica preços muito elevados, ofendendo assim o crédito e o bom nome da Autora
T) - Os clientes referidos nos artigos 26º e 27º da petição inicial representavam uma perda de volume de negócios, relacionado com a venda de produtos relacionados com a atividade em montante superior a 15.000,00 €.
U) - Em virtude da atuação dos Réus, a Autora está em vias de ter que despedir trabalhadores e suportar os elevados custos das respetivas indemnizações compensatórias e de imobilizar veículos.
V) - A actuação dos Réus põe em sério risco a subsistência futura da Autora.
W) - Os Réus porque conheciam todos os segredos, técnicas, produtos, clientes e preços da Autora, criaram uma empresa, cópia desta, para praticarem preços mais baixos e assim aliciarem os seus clientes.
X) - Os Réus adquiriram equipamentos e produtos idênticos aos utilizados pela Autora, utilizavam as mesmas técnicas e os conhecimentos que adquiriram na Autora.
Y) - Nos preços que praticam, os Réus não tiveram em conta os custos inerentes a formação técnica e cientifica inerente aos serviços prestados, os custos de angariação de clientes e prospecção de mercado, a margem de lucro que terão de retirar, aos preços praticados no mercado para idênticos serviços, tendo apenas e tão só em conta os preços praticados pela Autora.
Z) - Os Réus apropriaram-se de forma gratuita e ilícita de todo o investimento e trabalho desenvolvido pela Autora nestes 10 anos de actividade, da sua clientela, da sua organização para lhe fazerem concorrência manifestamente desleal.
AA) - A 1.ª Ré foi constituída com o único objectivo de se apoderar e aproveitar-se de forma ilícita dos segredos do negócio da Autora, dos seus clientes, das suas técnicas, da sua organização, do seu mercado, dos seus investimentos técnicos e humanos, do conhecimento dos seus contratos com os respetivos prazos e preços.
BB) - Os 2º e 3º RR. nunca exerceram, nem de facto nem de direito, quaisquer cargos sociais na sociedade R., nomeadamente na sua administração e/ou gerência.
CC) - Os 2º e 3º RR. nunca desempenharam qualquer cargo administrativo ou de gestão na sociedade R., limitando-se a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional que têm nessa empresa, sob as ordens direção e fiscalização da mesma.
DD) - Nunca os 2º e 3º RR. se apoderaram de quaisquer ficheiros da sociedade A., nem da base de dados de clientes, ou quaisquer outros elementos internos da sociedade AA, aqui se incluindo contratos ou quaisquer outros elementos documentais.
EE) - Se após a saída dos RR I (…) e D (…) para a sociedade RR, esta perdeu clientes é porque estes não estavam satisfeitos ou, com a prestação dos seus serviços, ou com a abordagem dos seus técnicos de vendas, ou com os preços da A. devendo, em conformidade, talvez repensar a sua abordagem ao mercado.
FF) - Os 2º e 3º RR. têm conhecimento que a RR, sociedade, tem bastantes clientes na zona a sul de ..., por ser esta a área preferencial de angariação e captação de clientes para a R. Sociedade, por parte do R. I (…)
GG) - Apenas M (…) e A (…) tiveram intervenção em todo o processo de constituição da sociedade R..
HH) - Os 2º e 3º RR., também aqui demandados na ação, não obstante os laços familiares que têm com os sócios da R., não têm, nem nunca tiveram, reitere-se, qualquer vínculo à sociedade R. que não o de trabalhadores, não tendo qualquer papel decisório ou representativo na sociedade.
II) - Os 2.º e 3.º Réus, em data anterior a Janeiro de 2013 nunca prestaram qualquer serviço para a R. Sociedade, a qualquer título.
JJ) - A A. alega factos cuja falsidade não pode ignorar.».
***
B) Impugnação da decisão de facto
Da inobservância de ónus previstos no art.º 640.º do NCPCiv. ou da manifesta inconcludência da impugnação
Invocam os RR./Apelados, perante a impugnação da decisão da matéria de facto empreendida pela A./Apelante – fundando-se esta, designadamente, em imputadas contradições no seu seio –, a inobservância de ónus legal a cargo da impugnante, tal como previsto no art.º 640.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.: a não especificação dos concretos meios probatórios (e dos fundamentos) que impusessem decisão de facto diversa.
Daí a conclusão dos Apelados no sentido de, não se sabendo “porque razão a decisão deverá ser aquela que propõe” a impugnante, dever ocorrer rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto.
Vejamos.
Esperava-se que a Apelante esclarecesse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda quais as concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto (() Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou, ou não, adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos ou documentos indicados pela parte recorrente, tudo por forma a verificar se as provas produzidas impunham decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).
Como bem explicita Abrantes Geraldes (() Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e seg., com negrito aditado.), “(…) b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (…)”.
Para depois concluir que a rejeição do recurso – total ou parcial – quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, na situação de “Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais registo escrito, etc.)”, acrescentando que “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” (() Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..).
Ante este quadro referencial, vejamos a impugnação oferecida.
A Apelante impugna a decisão da matéria de facto, essencialmente, com base em contradições que considera existirem entre factos elencados, razão pela qual não se fundamenta em quaisquer provas gravadas.
Nas suas conclusões, aponta, desde logo, contradição entre o facto provado 45 e o facto não provado BB), bem como entre o facto provado 46 e o facto não provado CC).
Nessa perspetiva, considera que a contradição deve ser sanada no sentido da eliminação dos factos n.ºs 45 e 46 [permanecendo como não provados os pontos BB) e CC)] (() Ou, assim não se entendendo, deveriam ser alterados os factos provados 45 e 46, «com as seguintes redações: “Os 2.º e 3.º RR exerceram, pelo menos de facto, cargos de administração e / ou gerência na sociedade R.”». ).
Porém, é patente que inexiste qualquer contradição, posto que os factos 45 e 46 se reportam – expressamente – à “sociedade A.”, enquanto os pontos BB) e CC) se referem, diversamente, à “sociedade R.”. Isto é, trata-se de factualidade reportada a sujeitos diversos, pelo que nenhuma contradição ocorre nessa parte.
E também seria inviável a alteração dos factos provados 45 e 46, de molde a constar que “Os 2.º e 3.º RR exerceram, pelo menos de facto, cargos de administração e / ou gerência na sociedade R.”, posto que esses pontos fácticos se referem, não à R., mas à A., pelo que a alteração pretendida extravasaria do âmbito fáctico definido.
Acresce que desse modo se entraria – então, sim – em contradição com os pontos BB) e CC), que a Recorrente pretende que permaneçam como não provados (cfr. conclusão 9.ª da apelante).
Depois, aponta contradição entre o facto não provado P) e os factos não provados BB) e CC), devendo ser eliminado aquele facto P) [cfr. conclusão 10.ª].
Porém, mais uma vez nenhuma contradição existe.
Não é, realmente, contraditório dar-se como não provado, por um lado, que são os 2.º e 3.º Réus que representam e administram a 1.º Ré que, em representação dela contactam clientes e fornecedores, celebram os respetivos contratos [ponto P)] e, por outro, que tais RR. nunca exerceram, nem de facto nem de direito, quaisquer cargos sociais na sociedade R., nomeadamente na sua administração e/ou gerência [ponto BB)], ou que nunca desempenharam qualquer cargo administrativo ou de gestão na sociedade R., limitando-se a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional que têm nessa empresa, sob as ordens direção e fiscalização da mesma [ponto CC)].
Contraditório/conflituante poderia ser – isso, sim – dar como provado o ponto P) e não provados aqueloutros pontos BB) e CC).
Todavia, não foi isso que ocorreu: deu-se como não provado que fossem os 2.º e 3.º RR. a representar e administrar a R. sociedade e também como não provado que jamais tenham exercido cargos ou funções de administração ou gerência/gestão (o Tribunal não se convenceu nem de uma coisa nem da outra, donde, o juízo negativo, sem contradição/oposição, quanto a ambas).
Acrescenta a Recorrente que os factos provados 44 e 47 são idênticos, devendo ser alterados de modo a passarem a ter a seguinte redação: “Os 2.º e 3.º RR. não são, nem nunca foram formalmente sócios da sociedade R.”.
Porém, novamente sem razão.
Não se trata, manifestamente, de factos idênticos, pois que reportados a sujeitos/partes diferentes.
Assim, enquanto o ponto 44) se reporta à ora A./Apelante, ali podendo ler-se que os 2º e 3º RR. não são, nem nunca foram sócios da sociedade A., nem nunca foram por qualquer forma detentores de participações sociais na mesma, por si ou por interposta pessoa, já o ponto 47) é reportado, ao invés, à ora R./Apelada sociedade, dele constando que os 2º e 3º RR. não são, nem nunca foram, sócios da sociedade R., nem nunca foram por qualquer forma detentores de participações sociais na mesma.
Acresce que a alteração pretendida não pode retirar-se, como consequência – necessária ou simplesmente lógica – dos factos provados 50 e 76, nem sequer da fundamentação da convicção probatória exarada na sentença (mormente, nos moldes em que citada na alegação da Recorrente), onde se salientou, diversamente, que não foi possível formar convicção positiva num sentido ou noutro quanto à informal intervenção, ou não, dos 2.º e 3.º RR. na formação/constituição e/ou gerência ou gestão da sociedade R..
Também o teor do documento/procuração de fls. 476 e seg., só por si, não permite formar convicção diversa, pois se limita a conferir, em representação da R. sociedade, poderes para movimentação de conta bancária dessa sociedade.
Por fim, refere a impugnante que no facto não provado Q) não se tomou em consideração o facto provado 35, pelo que aquele facto Q) deverá ser eliminado.
Mais uma vez, a Recorrente incorre em equívoco.
No facto provado 35 consta que “Foi emitida pela 1ª R. a favor dos 2º e 3º RR. a procuração junta a fls. 476 e 477 para intervirem junto da C (…)
E no ponto Q) – não provado – consta que “Para os actos e contratos formais, designadamente perante os bancos, os 2.º e 3.º Réus dispõem de procuração emitida pela 1.ª Ré”.
Ora, o teor do ponto Q) é claramente mais abrangente que o do facto provado 35. A circunstância ocorrida de se dar como provado este (o menos abrangente) em nada contende com o juízo negativo quanto àquele (com outro âmbito de abrangência).
Acresce que o julgamento de não provado é apenas isso: o Tribunal não se convenceu da veracidade do facto alegado, não podendo daí retirar-se, em caso algum, a veracidade do facto oposto/contrário.
O efeito do juízo probatório negativo quanto a um facto é apenas o de esse facto não poder ser considerado, já que se não fez prova da sua existência/verificação (() Cfr. o Ac. TRP de 09/02/2006, Proc. 0536911 (Rel. Fernando Baptista), em www.dgsi.pt, referindo que «a falta de prova aos quesitos, ou resposta negativa, apenas significa que os factos constantes desses quesitos se têm de entender como não alegados, sequer» ou, «dito de outra forma, a não prova dos quesitos apenas significa isso mesmo: não se terem provados os factos quesitados, e não que se tenham demonstrado os factos contrários (Acs. STJ de 8.2.66, 28.5.68, 30.10.70, 11.6.71, 23.6.73, 5.6.73, 23.10.73, 4.6.74, in Bol. M.J., respectivamente, 154-304,177-260, 200-254, 208-159, 218-239, 228-195, 228-239 e 238-211).».).
Por isso, inútil seria suprimir um facto julgado como não provado do elenco dos factos não provados, posto que a sua presença nesse elenco não permite tirar outras conclusões, designadamente no sentido da existência/verificação do facto contrário.
Assim sendo, independentemente de a Apelante ter correspondido, ou não, a todos os ónus, a seu cargo, tal como estabelecidos pelo art.º 640.º do NCPCiv. – conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, o certo é que a sua impugnação da decisão de facto é, desde logo, manifestamente inconcludente ou improcedente.
Termos em que falece, por isso, e sem necessidade de outras considerações, a impugnação da decisão de facto, permanecendo incólume, no âmbito impugnado, a parte fáctica da sentença em crise – apenas devendo, como já sinalizado, suprimir-se o ponto 48) dos factos provados, por se tratar de mera repetição do ponto 4) do mesmo factualismo (() Supressão efetuada no local próprio.) – e improcedendo as conclusões da Apelante em contrário (() Embora se surpreenda a presença, nalguns segmentos do acervo fáctico não provado, de matéria conclusiva/valorativa – o que não foi objeto de impugnação recursória –, trata-se de material inócuo para a decisão da causa e sorte da ação (e do recurso), razão pela qual se optou por não proceder à respetiva supressão.).

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C) O Direito
Do direito a indemnização por concorrência desleal
Na sentença recorrida, a ação foi julgada improcedente por se ter concluído pela não demonstração da invocada concorrência desleal.
E é certo que os pressupostos do direito indemnizatório por via de concorrência desleal teriam de radicar em factos concretos de suporte, que demonstrassem, designadamente, a deslealdade da atuação dos RR., matéria fáctica essa cujo ónus probatório sempre teria de competir à A./Recorrente, por força do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CCiv..
Na busca da reversão do juízo absolutório do Tribunal recorrido, a A./Apelante, nesta instância recursória, invoca desvio de parte da sua clientela pelos 2.º e 3 .º RR. para a 1.ª R., para a qual passaram a trabalhar depois de se desvincularem da A., sua anterior entidade empregadora.
Nesse âmbito, alega a Recorrente que as 78 rescisões de clientes seus ocorreram a pedido dos 2.º e 3 .º RR., seguindo-se, em quase todos os casos, a celebração de contrato com a 1.ª R., ao que acresce que aqueles RR. continuaram depois a contactar os demais clientes da A., ocasionando novas rescisões de clientes.
Complementa que a 1.ª R. iniciou a sua atividade com os clientes desviados pelos demais RR., já que estes conheciam a prática de preços e contratos da A., passando a oferecer e praticar preços mais baixos que a Demandante.
E conclui que, ao assim agir, os 2.º e 3 .º RR. serviram-se de elementos da A. obtidos ao serviço dela – referentes a clientes, preços contratados, prazos dos respetivos contratos – para, de forma encapotada (à sombra da sociedade R., criada, por eles, para esse efeito), influenciarem os clientes da A. a rescindir os contratos, oferecendo preços mais baixos, minutando cartas de rescisão e entregando-as eles próprios no serviço dos correios, em atuação organizada e sistemática, para obter benefícios quanto a clientela em prejuízo da A., sua anterior entidade patronal, assim violando as normas e usos honestos de qualquer atividade económica, o que traduz “grave deslealdade e desonestidade”, em suma, danosa concorrência desleal.
Importa decidir.
A jurisprudência vem considerando que haverá direito de indemnização se o desvio de clientela for causado por uma conduta contrária às normas e usos honestos, mediante um comportamento desleal, importando aqui a deslealdade do meio utilizado, uma atuação desonesta e, como tal, inaceitável para o direito (() Cfr., inter alia, Ac. STJ de 26/09/2013, Proc. 6742/1999.L1.S2 (Rel. Oliveira Vasconcelos), em www.dgsi.pt, aliás, citado na decisão recorrida.).
Assim, “a concorrência desleal é uma actividade voluntária, desonesta e conscientemente praticada com a intenção de desviar clientela alheia em proveito próprio, mas distingue-se da concorrência ilegal, proibida ou não autorizada pois nesta há violação da lei ou de contrato enquanto naquela há apenas o uso excessivo da liberdade de concorrência” (() V. Ac. TRL de 17/06/2010, Proc. 9431/04-6TBOER.L1-8 (Rel. Catarina Arêlo Manso), em www.dgsi.pt.).
Como, por outro lado, enfatizado no Ac. TRP de 09/02/2006 (() Proc. 0536911 (Rel. Fernando Baptista), em www.dgsi.pt, debruçando-se sobre caso com alguns traços de semelhança face ao caso em presença.), pode falar-se «num direito à leal concorrência – exigível por todos os comerciantes –, o qual se concretiza no direito à abstenção, por parte dos concorrentes, de todos os actos susceptíveis de prejudicar a obtenção do resultado económico considerado legítimo, de acordo com o mecanismo da liberdade de concorrência. É um direito pessoal com conteúdo patrimonial (…).
Impõe-se, assim, ver se a conduta dos réus deve, ou não, ser, censurada. E só o poderá ser, não por ser concorrente da actividade da autora – dedicam-se ambos à mesma actividade – mas apenas sendo desenvolvida de forma incorrecta, desleal, para com a mesma.
Antes, porém, referira-se que estando em causa uma alegada retirada de clientela da autora por parte do réu – ou réus –, não é pelo simples facto de, eventualmente, a clientela se ter desviado da autora para os réus que se pode dizer que estes tiveram uma conduta desleal, contrária às normas e usos do respectivo ramo de actividade económica.
É certo que a concorrência desleal se fundamenta na protecção do estabelecimento, como organização concreta, posicionada no mercado, de factores produtivos, especialmente a clientela sua principal projecção exterior.
No entanto, não se pode deixar de considerar que a clientela é, de per si, algo de movediço que, naturalmente, se desloca em função da qualidade do serviço, da forma de apresentar os produtos, do seu preço e qualidade, de uma enorme variedade de factores de ordem económica, social, sociológico e psicológica (…)».
E, como consta do sumário do Ac. TRP de 16/12/2015 (() Proc. 1347/15.7T8PNF.P1 (Rel. António José Ramos), também em www.dgsi.pt.):
«I - Durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador. Após a cessação da relação laboral renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo o mesmo exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador. As únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa atividade concorrencial seja desleal ou se haja firmado um pacto de não concorrência.
II - A liberdade de concorrência readquirida pelo trabalhador com a cessação da relação laboral, se não restringida através do pacto de não concorrência, está sujeita a alguns limites. Desde logo, temos os limites decorrentes da concorrência desleal (artigos 317º, 318º e 331º do Código da Propriedade Industrial) (…).
III - Mas mesmo que se defenda que, na ausência da celebração de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho existe uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador – vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade – a verdade, é que esta (pós eficácia) não é apta a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que apenas este protege o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador (…).
IV - (…) Se a liberdade de trabalho e de emprego tem proteção constitucional e apenas pode ser limitada desde que se verifiquem os requisitos exarados no artigo 136º do Código do Trabalho, seria totalmente desproporcional, desadequado e sem qualquer sustentáculo legal, proceder a uma limitação do exercício da atividade dos réus, mesmo que apenas circunscrito a uma empresa determinada, fora do âmbito daquele normativo legal.» (() E acrescenta-se nesse sumário que “O exercício da atividade desenvolvida pelos ex-trabalhadores da recorrente também não constitui abuso de direito (artigo 334º do Código Civil). Isto porque, o direito à concorrência leal é um direito derivado da liberdade de emprego e de trabalho e que apenas pode ser limitado mediante a existência de um pacto de não concorrência dentro de estritos requisitos, e a concorrência desleal não constitui qualquer direito, nem sequer tem proteção legal. (…) Por outro lado, não pode haver abuso de direito na atitude do trabalhador que rescinde um contrato de trabalho para celebrar um outro com uma empresa concorrente da sua ex-empregadora, procurando ter melhores condições, sejam elas salariais ou outras e que desenvolve essa sua atividade aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos anteriormente durante a execução do contrato de trabalho (…)”.).
No caso dos autos, como logo salientado na decisão recorrida, inexiste qualquer pacto de não concorrência. Por esta via – convencional –, a posição da A. não está, pois, protegida.
Resta, então, a via legal, a da proibição da concorrência desleal, que materializada, como visto, na deslealdade dos meios – apelando, pois, a uma conduta incorreta, desonesta, desleal – e descentrada dos fins, se pode medir pelo padrão de conduta da boa-fé objetiva, inserida no âmbito da prática comercial e por referência ao comerciante médio ou comum, que adota procedimentos corretos, honestos e leais para com os seus concorrentes, aqueles que consigo disputam o mercado (aqui quanto a angariação de clientela), sem esquecer que, no caso, estamos perante ex-trabalhadores da A., os quais, logo após a extinção do vínculo laboral com aquela, passaram a trabalhar para sociedade concorrente (() De notar que o princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, designadamente de natureza laboral, seja na sua extinção.).
Ora, olhando para os factos provados – e sem esquecer que o ónus da prova cabe à A./Recorrente –, constata-se que a 1.ª R., embora concorrente da A., foi constituída por familiares dos demais RR. e não por estes.
Os 2.º e 3.º RR., tendo-se desvinculado da A., passaram a trabalhar para a 1.ª R., com o que não perderam os conhecimentos obtidos ao longo de anos ao serviço da A., seja quanto a clientes com quem trabalhavam, seja quanto aos serviços que àqueles eram prestados ou aos preços praticados e prazos de duração dos respetivos contratos.
Trata-se, pois, de conhecimentos decorrentes do exercício diário da atividade laboral, que implicava o contacto com esses clientes e os conhecimentos necessários à prestação de serviços aos mesmos no âmbito da atividade da A., em vez de conhecimentos abusivamente obtidos, sobre informações reservadas e contra a vontade da entidade patronal.
É certo que, após a cessação da relação laboral entre a A. e os 2.º e 3.º RR., aquela recebeu, em curto período temporal (até 18/02/2013), rescisões de clientes, em número de 78, todas elas a pedido daqueles RR..
Porém, tais rescisões têm início em 20/12/2012 (a primeira delas), pelo que são todas posteriores à cessação do vínculo laboral entre A. e 2.º e 3.º RR. (cessação em 18/12/2012), sem que, repete-se, a posição da A. tivesse sido acutelada com um qualquer pacto de não concorrência (que limitasse os RR. a partir de então).
Assim, embora quase todos esses clientes que então rescindiram o contrato que mantinham com a A. tenham vindo a celebrar contrato com a 1.ª R. e por intermédio dos demais RR., e ainda que outras rescisões semelhantes se tenham seguido, tal não traduz, só por si, concorrência desleal dos Demandados/Apelados, pois até aqui não se demonstra a imprescindível conduta incorreta, desonesta ou desleal, já que não se encontra qualquer meio abusivo ou enganoso de captação de clientela.
Se os 2.º e 3.º RR. angariaram de facto clientes que eram da A. e os levaram a vincular-se à 1.ª R., para a qual passaram a exercer funções profissionais, não se mostra que tal tenha ocorrido antes da extinção do vínculo laboral com a A./Apelante, nem que para tanto tenham usado meios desleais, designadamente enganando os clientes ou usando informação reservada da A. ou cujo acesso não lhes tivesse sido facultado para o exercício comum da sua prestação laboral anterior.
Também a prática pela 1.ª R. de preços mais baixos que os que vinham sendo praticados pela A., potenciando a transferência de clientela para quem pratica preço mais baixo para semelhante serviço, não traduz, sem mais, concorrência desonesta/desleal, antes permitindo o normal funcionamento do mercado, cabendo ao cliente escolher, a seu tempo, com quer se quer vincular contratualmente, o que pode até levar os restantes operadores de mercado a baixar também os seus preços, em benefício, pois, dos consumidores.
Por outro lado, não se prova que os 2.º e 3.º RR. sejam sócios da 1.ª R., seus gerentes ou sequer titulares de quaisquer cargos no âmbito desta, mostrando-se que são seus trabalhadores, beneficiando, é certo, mas sem abuso, da experiência profissional que adquiriram ao longo de anos de trabalho e de aposta pessoal na sua formação profissional, também em formações obtidas ao serviço da A., mas maioritariamente feitas fora do horário de trabalho e de forma não remunerada, no escopo de obtenção pela A. de técnicos qualificados e desses RR. de melhorarem os seus conhecimentos e qualificações profissionais (valorização pessoal no plano profissional).
Assim sendo, não pode, salvo o devido respeito, concluir-se por uma conduta abusiva, desonesta, incorreta, desleal, dos ditos RR., mesmo se ocasionaram aquela mutação de clientela, que veio a beneficiar a 1.ª R., para a qual os demais RR. passaram a trabalhar.
Não se demonstram, pois, factos que permitam concluir pela incorreta/desonesta utilização de elementos da A. obtidos ao seu serviço, pela criação de qualquer engano ou atuação encapotada, o que não se consubstancia através da dita influência para a rescisão de contratos por clientes (após a cessação do vínculo laboral, não se provando que tal tivesse ocorrido antes), através da oferta de preços mais baixos.
Não há, por outro lado, prova clara/segura de terem sido os RR. a minutar as cartas de rescisão de clientes da A. e a entregá-las no serviço dos correios [cfr. redação não perentória do ponto 23) do quadro fáctico provado], argumentos em que se baseava a alegada atuação organizada e sistemática em prejuízo da anterior entidade patronal.
Tudo visto – e ponderada também a factualidade não provada –, não se encontra motivo, salvo o devido respeito, para se divergir da fundamentação absolutória encontrada pelo Tribunal a quo, o qual, à luz das normas dos art.ºs 316.º a 318.º do CPI e dos preceitos reguladores da responsabilidade civil extracontratual e da definição da obrigação indemnizatória, concluiu pela não demonstração da imputada concorrência desleal e pela não atribuição da pretendida indemnização ou concessão do demais peticionado na ação (() Concorda-se, pois, a decisão em crise, quando ali se enfatiza: «(…) não resultou provado, ou sequer alegado, que estes RR. obtivessem a celebração de tais contratos para a R. R (…) enganando esses clientes, ou seja, fazendo-os crer que estavam a celebrar o contrato com entidade que sucedia juridicamente à A., ou por impossibilidade da A. em prosseguir a sua atividade comercial.
Antes resultou provado, claramente, que os RR. ali se apresentavam na qualidade de agora trabalhadores da R. R (…) que exercia a mesma atividade da A., pelo facto de os RR. I (…) e D (…) serem agora trabalhadores desta R..
E mais resultou provado que os clientes da A. (…) rescindiram o contrato com a A. e celebraram o contrato com a R R (…), pelo menos no período compreendido até 18.02.2013, pelo simples facto de esta R. apresentar um contrato com um valor anual inferior ao praticado pela A..
Ora, tanto esta conduta em nada contende com as normas da concorrência desleal que, deste mesmo modo, a A. foi, de seguida, visitar novamente os mesmos clientes e, informada do preço oferecido pela R. R (…), também a mesma ofereceu preço inferior, assim conseguindo que alguns clientes novamente celebrassem contrato consigo.
Não estamos aqui, claramente, perante qualquer concorrência desleal, mas apenas e tão só perante o regular funcionamento das regras de mercado – maior oferta, a mesma procura, descida do preço do consumidor.
E, saliente-se, as perdas verificadas pela A. no ano de 2013, que já não foram verificadas nos anos subsequentes, tiveram, naturalmente, a ver com o surgimento no mercado desta nova oferta de serviços, obrigando a novo reajustamento dos preços.
E nenhuma conduta ilícita é imputável aos RR. no que concerne à obtenção de elementos confidenciais da vida da A. para usar em favor da RR (…), porquanto a forma de trabalhar pelos mesmos empregue advém da formação de qualquer entidade que ministra formação na área, nenhum segredo ou modo de trabalhar específico tendo sido transmitido pela A. aos RR. I (…) ou D (…), ou, pelo menos, tal não foi concretamente alegado, pelo que também nada foi apurado pelo Tribunal nessa matéria».).
Em suma, improcedem as conclusões em contrário da Apelante, devendo manter-se inalterada a decisão absolutória recorrida.
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IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - No âmbito da concorrência desleal, o desvio de clientela ocasiona direito a indemnização se for causado por uma conduta contrária às normas e usos honestos – mediante um comportamento ferido de deslealdade, quanto aos meios utilizados –, uma atuação desonesta/incorreta e, como tal, inaceitável para o direito.
2. - A cessação da relação laboral devolve ao trabalhador a liberdade de emprego e de trabalho, o qual passa a poder exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo anterior empregador, mormente se não foi celebrado pacto de não concorrência e desde que não incorra em concorrência desleal.
3. - Se dois trabalhadores da sociedade autora puseram fim aos respetivos contratos de trabalho, após o que foram trabalhar para sociedade concorrente, não pode aquela limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de pacto de não concorrência.
4. - Tais ex-trabalhadores não incorrem em concorrência desleal se, embora angariando clientes que eram da autora e levando-os a vincular-se à sua nova empregadora (mesmo que constituída e gerida por familiares seus), não se mostra que tal tenha ocorrido antes da extinção do vínculo laboral, nem que para tanto tenham usado meios desleais, designadamente enganando os clientes ou usando informação reservada da autora ou cujo acesso não lhes tivesse sido facultado para o exercício comum da sua prestação laboral anterior.
5. - Também a prática de preços mais baixos que os praticados pela autora, potenciando a transferência de clientela para quem oferece preço inferior para semelhante serviço, não traduz, sem mais, concorrência desonesta/desleal, antes permitindo o normal funcionamento do mercado, em benefício dos consumidores.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, na improcedência do recurso, manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela A./Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 26/06/2018
Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro