Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1582/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PROVAS
DEPOIMENTO DE PARTE
PROPRIEDADE
DEPÓSITO
Data do Acordão: 05/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 516.º , 1142.º E 1144.º E 1311.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Não tendo a parte, que reside no estrangeiro, sido obrigada a comparecer em audiência para prestar depoimento, não havendo, igualmente, sido solicitados meios alternativos ao seu depoimento presencial, não importa considerar a eventualidade da recusa da colaboração do autor ser apreciada, livremente, pelo Tribunal, para efeitos probatórios, «maxime», consagrando o princípio da inversão do ónus da prova.
2. A confissão judicial provocada, a que se destina o depoimento de parte, só é relevante, sendo o seu valor probatório apreciado, livremente, pelo Tribunal, se for realizada contra o confitente, isto é, se lhe for desfavorável e favorecer a parte contrária, pelo que os depoimentos de testemunhas, favoráveis à tese das respectivas partes que as arrolaram, não podem ser considerados como relevantes para a factualidade a consagrar, sob pena da admissibilidade da confissão indirecta, que a lei, em princípio, não consente, ou da figura processual extravagante do depoimento de parte, através da participação de uma testemunha, que não tem cabimento legal.

3. Não se deve confundir o direito de crédito emergente da abertura da conta, ou seja, a titularidade da conta, com a propriedade dos fundos depositados, sendo certo que a designação «solidária» exprime, exclusivamente, a disponibilidade dos valores depositados na conta, independentemente de quem seja de facto e, juridicamente, o proprietário dos mesmos.

4. Não tendo sido superada, pela prova produzida, a controvérsia suscitada entre as partes sobre a proveniência do dinheiro depositado, não tendo a ré realizado, minimamente, esta prova, não se tendo demonstrado a autoria dos depósitos na conta do autor e de sua ex-esposa, a contitularidade da mesma faz presumir a compropriedade do dinheiro nela depositado.

5. Tendo a ré, com base na procuração que lhe foi outorgada pelo autor e a esposa, levantado o dinheiro depositado em conta de que estes eram titulares, recebeu-o com a obrigação de o entregar aos mesmos, na qualidade de seus proprietários, passando, a partir de então, a ser possuidora precária ou mera detentora desse capital, com a consequente obrigação de o restituir.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A..., divorciado, residente nos EUA, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra B..., divorciada, residente no lugar de Serém de Cima, freguesia de Macinhata do Vouga, Águeda, pedindo que, na sua procedência, esta seja condenada a restituir ao património comum do dissolvido casal, ou seja, do autor e da filha da ré, 13.490.795$50, mais juros, a partir da citação, alegando, para tanto, e, em síntese, que este montante é o valor dos depósitos, acrescidos de juros, que ele e a sua mulher fizeram numa conta de ambos, enquanto casados e emigrantes, e que a ré, sua sogra, levantou e se recusa a devolver ao casal.

Na contestação, a ré excepcionou a ilegitimidade do autor, porque desacompanhado da ex-mulher, e impugnou os factos por ele alegados, já que os valores depositados seriam dela, ré, e não do casal, e apenas teriam sido depositados numa conta, em nome destes, a fim de que a mesma não lhe fosse penhorada pelos seus credores e para beneficiar das taxas de juro mais elevadas dos emigrantes, para além de que os valores depositados eram, em parte, capitalização de anteriores depósitos, pelo que o total, realmente, depositado era diferente, muito inferior, ao alegado pelo autor, acabando por pedir a condenação deste, em multa e, numa indemnização de 1.000.000$00, a seu favor, como litigante de má fé, com a consequente absolvição da instância ou do pedido.
Na réplica, o autor entende que a excepção não pode proceder, bem como o pedido da sua condenação como litigante de má fé.
No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa do autor.
A sentença julgou a acção, apenas, parcialmente procedente, condenando a ré a restituir ao património comum do dissolvido casal, representado pelo autor, tão-só, 8.146.706$30, mais juros, a partir da citação, absolvendo-a do resto que lhe era pedido.
Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal a quo para decidir como o fez teve em consideração os documentos juntos pelo apelado na petição inicial a fls. 11 a 27, o que não deveria ter feito por os mesmos terem sido impugnados pela apelante que referiu que o dinheiro foi depositado e levantado nos anos de 1991 e 1995 (resposta ao quesito 20) por ela e com dinheiro que exclusivamente lhe pertencia, tendo apenas como titulares o apelado e a sua ex-mulher.
2ª - O apelado não logrou provar, cabendo-lhe o ónus probandi, que só em 1999 é que teve conhecimento de que as contas 0006028174922 e 0006028174200 não apresentavam qualquer saldo por acordo tácito; pelo que, desde logo, se infere que o Tribunal a quo teria forçosamente de decidir no sentido de absolver a apelante.
3ª - Também pela resposta aos quesitos 1 a 17, que foram todos não provado, ou seja, o apelado não logrou provar que ele e a sua ex-mulher tenham efectuado depósitos na conta referida em D) dos factos assentes.
4ª - O Tribunal a quo mal andou ao ter dado como não provados os quesitos 24, 25, 26 e 27, havendo assim, no modesto entendimento da apelante, erro na valoração da prova produzida como infra se demonstrará, pois não valorou correctamente, desde logo, o depoimento da testemunha C..., que respondeu aos quesitos 24 a 27, cujas declarações se encontram gravadas em cassetes áudio, identificadas com o n° 79-1/05 lado B no contador de 1929 a 2497 e cassete n°79-2/05 do lado A no contador de 0001 a 0821.
5ª - Sendo certo que a referida testemunha tinha conhecimento directo dos factos e, em última análise até interesse em que a acção fosse julgada totalmente procedente, já que teria direito a metade do valor resultante da condenação, mesmo assim, o seu depoimento foi isento e no sentido de que nunca ela e o apelado transferiram para as referidas contas quaisquer montantes.
6ª - Perante esta situação, ou seja, do divórcio, bem como da declaração perante o Juiz de que não havia qualquer outro bem para além dos que mencionou no seu depoimento, é muito estranho, para não chamar outra coisa, que apenas em 5 de Fevereiro de 2001 é que o apelado se lembra de instaurar uma acção, desacompanhado da sua ex-mulher, contra a apelante para desta tentar obter uma quantia que sabia não ter qualquer direito, tendo inclusive, duplicado valores.
7ª - Tanto assim foi, ou seja, tanto o apelado como a ex-mulher não remeteram para Portugal, qualquer quantia.
8ª - Por aqui se infere que o depoimento da ex-mulher do apelado deverá ser tido como sério e totalmente isento e que deveria merecer toda a credibilidade ao Tribunal, mas que não foi minimamente valorado.
9ª - E se a apelante logrou fazer prova de tais factos, o mesmo não sucedeu com o apelado, já que as testemunhas por si indicadas e ouvidas em sede de julgamento nada disseram relativamente à existência das duas contas na Caixa Geral de Depósitos, muito menos aos montantes aí depositados ou a concreto conhecimento de transferências que o apelado e a sua ex-mulher tenham feito para as mesmas.
10ª - Assim, contrariamente ao que consta da douta sentença e pese embora as contas tivessem como titulares o apelado e a sua ex-mulher não se pode só por si presumir a comparticipação em partes iguais daqueles; já que, se é certo que numa situação normal essa é a realidade, o mesmo não sucede com a situação dos autos como ficou sobejamente demonstrado pelo depoimento das testemunhas C..., Celeste de Jesus Laranjeira (cujo depoimento se encontra gravado na cassete 79-01/05 lado A a voltas 2326 a 2497 e lado B a voltas 0001 a 0594), Manuel Pinto Videira (cujo depoimento se encontra gravado nas cassetes n° 79/01-05 lado B desde o n° 0595 ao n° 1400) e Elisa Teixeira Costa (cujo depoimento se encontra gravado nas cassetes n° 79-1/05 lado B desde o n° 1401 ao n° 1928),
11ª - As quais referiram que a conta aberta na Caixa Geral de Depósitos, agência de Águeda, não obstante ter como titulares o apelado e a sua ex-mulher, tal assim era em virtude da apelante na altura ter problemas com credores e, por outro lado, por as taxas de juro de uma conta poupança emigrante serem mais elevadas.
12ª - Pelo que a apelante, contrariamente ao que consta da douta sentença, conseguiu ilidir a presunção de que os titulares da conta (apelado e ex-mulher) não eram na verdade os donos do dinheiro, antes e sim, "emprestavam" o seu nome, para de certa forma, a apelante salvaguardar o pouco que tinha, uma vez que, com os problemas financeiros que tinha passou inclusive bastantes dificuldades.
13ª - Se o apelado não tivesse certeza de que o dinheiro pertencia única e exclusivamente à apelante nunca a teria mandatado com os poderes que constam da procuração, ou seja, para proceder a levantamentos das quantias depositadas ou de qualquer outro modo movimentar a sua conta (documento de fls. 30 a 33).
14ª - Se tais montantes depositados na conta sub judice o tivessem sido, efectivamente, pelo apelado e ex-mulher, esta porque também teria interesse em reaver esses montantes, teria vindo no seu depoimento dizer que as quantias que a apelante levantou lhes pertenciam, o que não fez, antes de forma isenta e coerente, afirmou peremptoriamente perante o Tribunal a quo que tal conta, não obstante ser ela titular, o dinheiro lá depositado pertencia à sua mãe e aqui apelante, porquanto,
15ª - Desde Maio de 1995 que se encontrava separado da sua ex-mulher, tendo-se divorciado desta, em 1997, pelo que se o dinheiro pertencesse ao apelado e à sua ex-mulher - o que esta negou - imediatamente antes ou após o divórcio teria ele levantado e partilhado como o fizeram em relação ao que possuíam nos Estados Unidos, até porque todos os anos como ficou provado vinha a Portugal passar férias e nunca movimentou tal conta, não se acreditando que estivesse 4 anos para reclamar uma quantia que diz pertencer ao casal, até porque a sua ex-mulher referiu nada mais possuíam que os bens móveis, que tinha em casa 2 viaturas uma delas ainda por pagar e 500.00 dólares em numerário para cada um.
16ª - No entanto, não o fez, e isto porque o apelado tem plena consciência de que tal dinheiro pertencia, e pertence, exclusivamente à apelante e que esta só o depositou, como produto do seu trabalho, e movimentou e unificou, em três títulos, em 1994, como se ele comparecesse como devia na audiência de julgamento a fim de depor para responder aos quesitos 24°, 25°, 26°, e 27° iria confirmar, porém recusou-se a comparecer, alegando que estava nos Estados Unidos, porém na semana seguinte já estava em Águeda, mas que não foi prescindido pela apelante, porém,
17ª - Como se infere da acta de fls. 202, pelo Meritíssimo Juiz a quo perante tal requerimento foi proferido que "a única consequência será eventualmente tirada nos termos do artigo 359° n°2 do Cód. Civil, e 519° n°2 do CPC, sendo que aquando da resposta aos quesitos e na avaliação da prova o Meritíssimo Juiz a quo tal não teve em conta, pois
18ª - Se o apelado tivesse a consciência que o que mandou escrever era verdade sempre viria a Portugal até porque estava em causa um pedido que formulou de 13.490.796$00 e ninguém acredita que com tal pedido e tendo em conta que foi requerido o seu depoimento, que era importante, e do qual ele teve conhecimento o visado não se deslocasse a Portugal no sentido de demonstrar a verdade dos factos, e colaborar com o Tribunal como era sua obrigação. Assim,
19ª - Decidindo o Meritíssimo Juiz a quo que as quantias mencionadas em tais quesitos não foram depositadas naquela conta pelo apelado e pela sua ex-mulher, não poderia apenas partindo da presunção de que os titulares da conta são os donos dos montantes aí depositados ter condenado a apelante na restituição da quantia identificada na sentença ora recorrida.
20ª - Além do mais ao dar como não provados os quesitos 1 a 17, o que se aceita, não se compreende, todavia, a resposta negativa que foi dada aos quesitos 24, 25, 26 e 27, já que se o dinheiro não foi depositado pelo apelado e pela sua ex-mulher, teria de ser forçosamente pela apelante, que tinha mandato para depositar, movimentar e levantar quantias de tal conta.
21ª - Para além disso também não se pode aceitar a posição do Meritíssimo Juiz a quo ao referir que a apelante tinha " apenas" procuração dos membros do casal para movimentar a conta. Ora,
22ª - Do documento junto aos autos pelo apelado sob o n°1 infere-se que não dá "apenas" poderes para movimentar a conta, mas sim trata-se de um mandato nos mais amplos termos e poderes que é possível conceder, pois tal procuração concedia poderes à apelante entre outros para: a)com livre e geral administração civil reger e gerir todos os seus bens e direitos; d)na Caixa Geral de Depósitos, Credito e Previdência ou em qualquer outra instituição bancária, proceder a levantamentos e de qualquer outro modo movimentar a sua conta; e) fazer e contrair empréstimos e aceitar confissões de divida; f) vender trocar, hipotecar, ..., daí que,
23ª - A apelante ainda que o dinheiro a ela não pertencesse, mas pertence, pois foi ela que única e exclusivamente o aí depositou, e era fruto do seu trabalho, também pelo mandato que lhe foi conferido pelo apelado dele podia fazer o uso que melhor entendesse nos termos da procuração que foi emitida em 13 de Setembro de 1985 onde lhe foram por aquele e sua filha conferidos os mais amplos poderes e não simples poderes para movimentar a conta.
23ª - Pelo que andou mal o Tribunal a quo pois na procuração, ao contrário do que consta na douta sentença, referem-se expressamente poderes para proceder a levantamentos de quantias.
24ª - Também não se aceitam os valores que o Meritíssimo Juiz encontrou, uma vez que como resulta à evidência o montante de 2.062.129$10 e 3.281.960$10, já resulta do levantamento de quantias que existiam no banco e posterior depósito em conjunto dos depósitos anteriores, e daí ainda que se fosse verdade que o apelado eventualmente tivesse direito a alguma quantia juntamente com a ex-mulher, que não tem, sempre esta também seria inferior à que foi encontrada e consta da douta sentença. Assim,
25ª - O Tribunal a quo ao dar como não provados os quesitos 1 a 17, que se aceita, não se compreende, todavia, a resposta negativa que foi dada aos quesitos 24, 25, 26 e 27, já que se o dinheiro não foi depositado pelo apelado e pela sua ex-mulher, teria de ser forçosamente pela apelante.
26ª - Ao decidir pela procedência parcial da acção e não pela absolvição total, violou, além do mais, o disposto nos artigos 262°, 342°, 344° n°2, 359° n°2, 516o, 1311 ° do Código Civil e artigos 519o n°2 e 668° do Código de Processo Civil.
Nas suas contra-alegações, o autor defende que deve confirmar-se, na totalidade, a sentença apelada, por não se mostrarem violadas quaisquer normas legais.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da propriedade do capital depositado em conta bancária.

I

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Sustenta a ré que o Tribunal «a quo» deveria ter respondido, afirmativamente, aos pontos nºs 24 a 27, inclusive, da base instrutória.
Os referidos pontos da base instrutória contendem com a realização dos depósitos, por parte da ré, a quem pertenciam, de acordo com a alegação desta, tendo conhecido a resposta de “não provado”, encontrando-se redigidos em conformidade, ou seja, “todos os montantes acima mencionados em 1º a 17º foram depositados em tal conta pela ré?” [24º], “e eram pertença exclusiva desta?” [25º], “o autor sabe que os montantes acima referidos em 1º a 17º foram depositados na conta em causa pela ré?” [26º] “e sabe que o dinheiro pertence exclusivamente à ré?” [27º].
Resulta da audição da prova objecto de gravação, neste particular que importa conhecer, que a testemunha Carlos Vidal, irmão do autor, referiu saber, por informação do autor, que este “mandava para cá quantias para depósito na CGD de Águeda”, “que houve depósitos do irmão, de 1987 a 1994, que totalizavam onze mil e tal contos”, enquanto que a testemunha Antero Vidal, também, irmão do autor, disse que “o autor lhe contou que tinha ido à CGD de Águeda e que não tinha lá dinheiro nenhum” e que ele lhe referiu “que o dinheiro que mandava era para comprar uma casa”.
Por sua vez, a testemunha Celeste Laranjeira, dona de um restaurante que a ré frequentava e amiga íntima desta e visita de casa, há cerca de vinte anos, referiu que a ré lhe disse “que não podia ter nada em nome dela, que era uma desgraçada e que tinha vendido a casa à irmã”, não sabendo “se era a ré que fazia depósitos na conta, e se o dinheiro aí depositado era só dela ou não”.
Por outro lado, a testemunha Manuel Videira, vizinho da ré, disse que esta lhe contou os problemas da empresa Angoleite e que “tinha posto a conta dela em nome da filha”, enquanto que a testemunha Elisa Costa mencionou que “as empresas da ré, Vouga Sumo e Angoleite, faliram, e que a ré lhe disse que tinha posto o dinheiro na conta da filha e do genro, mas que era só dela, para não virem em cima dos bens”.
Finalmente, a testemunha C..., filha da ré e ex-esposa do autor, disse que “as empresas da mãe tiveram problemas bastante graves e que a mãe pôs a casa em nome da tia, que lha comprou, e o dinheiro em nome da testemunha, enquanto solteira, e dela e do autor, depois de casados, mas que o dinheiro não era destes”, e que “o autor não fez transferências de dinheiro dos Estados Unidos para Portugal, mas que quando foram para os Estados Unidos a ré já tinha 4000 contos nessa conta” e ainda que “deixaram de viver juntos, em 31 de Maio de 1995, não sabendo qual o vencimento do autor”.
As testemunhas inquiridas em audiência enquadram-se em três grupos, sendo o primeiro constituído pelos dois irmãos do autor, o segundo por amigos da ré e o terceiro pela filha desta e ex-esposa do autor.
Porém, todas elas, com excepção da última, afirmam conhecer a realidade da conta bancária em discussão e a propriedade dos depósitos na mesma efectuados, através e, exclusivamente, da boca das partes, isto é, das informações que as mesmas lhes transmitiam, nada sabendo por conhecimento directo, adquirido pela apreensão pessoal dos factos.
Efectivamente, nem o autor, nem a ré prestaram depoimento de parte, aquele, apesar de requerido, por se encontrar a residir nos Estados Unidos e não ter sido obrigado a comparecer, nem haverem sido solicitados meios alternativos ao seu depoimento presencial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 623º, nº 4, 644º e 552º, nº 1, todos do CPC, sendo irrelevante a alegação de que o mesmo não foi prescindido, até porque não corresponde à verdade documentada em acta, e a ré, por nem sequer ter sido solicitado.
Assim e, desde logo, não importa considerar a questão da livre apreciação pelo Tribunal, para efeitos probatórios, «maxime», consagrando a tese da inversão do ónus da prova, com particular acuidade, na hipótese em apreço, da eventual recusa da colaboração do autor, em conformidade com o estipulado pelos artigos 357º, nº 2 e 344º, nº 2, do Código Civil (CC), e 519º, nº 2, do CPC.
Efectivamente, só quando for ordenado o depoimento de parte ou o seu comparecimento para prestar informações ou esclarecimentos e esta não se encontre presente ou se recuse a depor, a prestar informações ou esclarecimentos, sem provar o justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, o Tribunal apreciará, livremente, o valor da sua conduta, para efeitos probatórios.
Porém, se é verdade que não houve depoimento de parte, nem, por isso, as testemunhas presentes, com excepção da testemunha C..., deixaram de se comportar como emissárias das partes, desenvolvendo todo o seu depoimento, exclusivamente, na óptica do que as mesmas lhes tinham transmitido, o mesmo é dizer, por outras palavras, que as partes, que não prestaram o seu depoimento pessoal, mas que já tinham expresso os seus pontos de vista nos articulados, trouxeram á audiência os seus familiares chegados e os seus amigos íntimos para dizer o que elas já tinham contado, mas que não pode assumir um alcance superior aquele que o depoimento destas permitiria obter.
Ora, se a confissão judicial provocada, a que se destina o depoimento de parte, só é relevante, sendo o seu valor probatório apreciado, livremente, pelo Tribunal, se for realizada contra o confitente, isto é, se lhe for desfavorável e favorecer a parte contrária, nos termos do preceituado pelos artigos 352º, 355º, nº 2, 356º, nº 2 e 358º, nº 4, todos do CC, importa concluir que os depoimentos das aludidas testemunhas, com o âmbito já registado, favoráveis à tese das respectivas partes que as arrolaram, não podem ser considerados como relevantes, com vista à factualidade a consagrar, sob pena da admissibilidade da confissão indirecta, que a lei, em princípio, não consente, ou da figura processual extravagante do depoimento de parte, através da participação de uma testemunha, que não tem tutela legal.
Relativamente à C..., até por se tratar da ex-mulher do autor e da filha da ré, demarcando-se deste estatuto de “testemunha de ouvir dizer”, pelo conhecimento que tem da intimidade familiar, não consegue, porém, ultrapassar a situação incómoda do divórcio com o autor, com o qual ficou de relações cortadas, em confronto com a posição de filha da ré, com quem se identifica.
Assim, este depoimento isolado de alguém, cujo casamento se dissolveu por divórcio, no momento de testemunhar contra a sua mãe e a favor do seu ex-marido, requereria, com vista a merecer uma credibilidade, acima de qualquer suspeita, um grau de quase heroísmo, que a sua audição, acompanhada da leitura da respectiva transcrição, está muito longe de tranquilizar.
Se a lógica da vida ainda é o que é, a excepção teria de ser suportada num depoimento, exemplarmente, convincente que servisse para nele repousar a convicção do Tribunal «a quo», tão próximo do mesmo, mas que não se verificou.
Diz ainda a apelante que mal se compreende que, tendo merecido respostas negativas os quesitos 1 a 17, também hajam obtido respostas negativas os quesitos 24, 25, 26 e 27, já que se o dinheiro não foi depositado pelo apelado e pela sua ex-mulher, teria de ser, forçosamente, pela apelante, que tinha mandato para depositar, movimentar e levantar quantias de tal conta.
Porém, e, como o devido respeito, a inversa também é verdadeira, isto é, não se tendo demonstrado que tenha sido a apelante que efectivou os depósitos, daí não decorreria, necessariamente, que se tivesse que dar como provado que fora o autor e sua ex-esposa quem o tinham feito.
No âmbito da produção de prova em que a questão se situa, não vigora o método do raciocínio lógico, por exclusão de partes, em que a catalogação numa categoria depende da mera não inclusão noutra.
Ora, se o autor não logrou provar que ele e sua ex-mulher tenham efectuado depósitos, na contra controvertida, outrotanto aconteceu, em relação à ré, quanto à sua realização na mesma, em seu nome pessoal, e não como mera procuradora daqueles.
A isto acresce que os documentos juntos aos autos com a petição inicial, se não provam que tenha sido o autor a efectuar esses depósitos, com o produto das suas economias e da esposa, como era versão daquele articulado, face à impugnação da ré, não podem deixar de constituir base sólida no sentido de demonstrar a sua existência, em resultado de vários actos voluntários de quem se afadigou em ir provisionando, gradualmente, a aludida conta, não obstante contestados pela ré.
Aliás, se a apelante impugnou os documentos juntos pelo autor com a petição inicial, acabou por anexar à contestação outros documentos, de folhas 61 a 70, inclusive, que mais não são do que meras duplicações daqueles.
A existência dos depósitos e a propriedade do capital em conta são realidades distintas que ao julgamento da matéria de facto não compete qualificar.
Por outro lado, a existência de uma procuração que lhe concedia os necessários poderes para proceder a levantamentos e, de qualquer outro modo, movimentar a conta, na Caixa Geral de Depósitos, em nada concorre para dar guarida à tese da ré, porquanto era devido aquele instrumento notarial que esta podia depositar, movimentar e levantar quantias, sendo certo que, sem a procuração, grande parte da razão de ser da presente acção se teria perdido, pelo que, neste caso, a sua existência, na posse da ré, não é relevante da propriedade do capital depositado, a seu favor, com exclusão do autor e da esposa.
O que importa é perceber o sentido da procuração passada pelo autor e sua esposa, a favor da ré, no âmbito do acordo a que as partes chegaram, com vista à contratualização do depósito bancário, em nome daqueles.
Diz ainda a ré que não aceita alguns dos valores constantes da alínea f) dos factos assentes, uma vez que os montantes de 2.062.129$10 e 3.281.960$10 já resultam do levantamento de quantias que existiam no banco e do posterior depósito, em conjunto com depósitos anteriores.
Efectivamente, as importâncias em causa, porque representativas de juros de depósitos do capital, não foram contabilizadas, mas, tão-só, no diferencial de 69343$50 (2131472$60-2062129$10=69343$50) e 110363$50 (3392323$60-3281960$10=110363$50), que constituem o valor da capitalização dos juros, consentida pelo artigo 560º, nº 2, do CC.

A versão da ré, que se não provou, bem assim como a do autor, traria consigo, a ter-se demonstrado, o anátema do embuste e da fraude, qual seja a de, na qualidade de funcionária da agência depositária da Caixa, ter encenado uma situação em que, sem á mesma ter direito, lhe seria permitido beneficiar do regime de privilégio da conta poupança emigrante, dotada de isenção fiscal, ao nível de IRS, e de bonificação da taxa de juros, independentemente de outras benesses que poderia usufruir, no quadro da redução do pagamento do imposto autárquico, de emolumentos em escrituras e nos respectivos registos prediais.

Assim sendo, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:
O autor e C... contraíram casamento entre si, em 8 de Janeiro de 1980, sob o regime de comunhão geral de bens, o qual foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença, datada de 27 de Março de 1997 – A).

Intervieram os mesmos numa procuração, exarada no Cartório Notarial de Águeda, em 13 de Setembro de 1985, onde declararam, além do mais, que "(...) nomeiam e constituem bastante procuradora B... (...) a quem concedem os necessários poderes para: (...) na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência ou em qualquer outra instituição bancária, proceder a levantamentos e de qualquer outro modo movimentar a sua conta (...)" - B).

O autor, em 28 de Setembro de 1998, no Cartório Notarial de Águeda, através de documento intitulado de instrumento de revogação, declarou que "(...) revoga e considera de nenhum efeito em relação a ele outorgante, a partir desta data, a procuração que outorgou neste Cartório Notarial em 13/9/1985 (...) conjuntamente com a sua ex-mulher C..., a favor de B... (...) " – C).

O autor e a sua ex-mulher eram titulares de uma conta poupança emigrante, com o nº 0006028174922, da Caixa Geral de Depósitos, existente num balcão de Águeda - D).

A Caixa Geral de Depósitos, agência de Águeda, enviou uma carta ao autor, expedida ao cuidado do mandatário deste, com data de 17 de Março de 1999, com o seguinte teor: "em resposta à carta de 0302199, informo V.Exa. que as contas n° 0006028174922 e 0006028174200, não apresentam qualquer saldo (...)" - E).

Na conta 0006028174922, foram efectuados os seguintes depósitos:

Nºs. de depósito relevantesFls. Data ValorValor com juros em...
112/2/87218.691$50259.461$10 em 13/8/93
1216/3/8762.299$10141.262$30 em14/9/93
133/4/87226.542$20555.268$00 em 17/10/94
1413/5/87200.000$00331.489$20 em 11/6/91
10615 e 6124/6/87458.923$701.114.992$60 em 30/12/94
10716 e 662/7/87223.125$70539.276$60 em 13/12/94
10817 e 6711/6/91131.000$00192.442$00 em 13/12/94
1820/9/91217.301$00301.062$50 em 16/9/94
11019 e 6231/12/91246.705$00339.216$50 em 30/12/94
2027/7/92125.274$00165.739$00 em 1/8/95
11221 e 6811/12/92380.486$00460.812$00 em 13/12/94
2216/3/93757.500$00868.628$00 em 16/9/94
11423 e 6911/6/93763.300$00869.598$50 em 13/12/94
11524 e 6322/12/93951.635$001.025.371$00 em 30/12/94
(= 107 + 108 + 112 + 114 + juros)25 e 7013/12/942.062.129$102.131.472$60 em 14/6/95
11726 e 6426/12/94802.380$00802.380$00 em 30/12/94
(= 106 + 110 + 115 + 117 + juros)27 e 6530/12/943.281.960$103.392.323$60 em 29/6/95
- F).

A ré levantou todos estes montantes, acrescidos dos juros vencidos, num total de 13.490.795$50, entre 1991 e 1995 – 18º, 19º e 20º.

II

DA PROPRIEDADE DO CAPITAL DEPOSITADO

O autor e a sua ex-mulher eram titulares de uma conta poupança emigrante, com o nº 0006028174922, da Caixa Geral de Depósitos, existente num balcão de Águeda, onde foram efectuados vários depósitos, que a ré levantou, na sua totalidade, entre 1991 e 1995, e que ascendeu, incluindo juros vencidos, a 13.490.795$50, facto este de que aquela instituição só deu conhecimento ao autor, através de carta, com data de 17 de Março de 1999, comunicando-lhe que a mesma não apresentava qualquer saldo, não obstante este, já, em 28 de Setembro de 1998, ter declarado revogar e considerar de nenhum efeito, em relação a si próprio, a partir da mesma data, a procuração que outorgara, em 13 de Setembro de 1985, com sua ex-mulher, C..., a favor da ré, na qual a nomearam e constituíram bastante procuradora, e a quem concederam os necessários poderes para, na Caixa Geral de Depósitos ou em qualquer outra instituição bancária, proceder a levantamentos e, de qualquer outro modo, movimentar a sua conta.

Com efeito, o autor e a aludida C... contraíram casamento entre si, em 8 de Janeiro de 1980, sob o regime de comunhão geral de bens, dissolvido por divórcio, decretado por sentença, datada de 27 de Março de 1997.

A relação estabelecida entre o autor e a sua ex-esposa, com a Caixa Geral de Depósitos, consubstancia-se, pois, num contrato de depósito bancário, de natureza irregular, por ter como objecto coisa fungível, aplicando-se-lhe, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo, atento o disposto pelos artigos 1205º e 1206º, que se define como aquele, através do qual o depositante empresta a um banco uma quantia em dinheiro, mediante uma retribuição, a título de juros, ficando o banco depositário, proprietário dela, por efeito da transferência contratual, mas com a obrigação de restituir outro tanto, do mesmo género e qualidade, logo que o depositante o exija, como resulta do preceituado pelos artigos 1142º e 1144º, todos do CC, o que significa que o banco pode dispor das importâncias depositadas, nas suas múltiplas actividades, na condição de respeitar as normas de liquidez e solvabilidade a que está submetido.

Porém, a Caixa Geral de Depósitos entregou à ré, que levantou a totalidade dos depósitos existentes na conta aberta pelo autor e sua esposa, incluindo capital e juros, até a saldar, em virtude de procuração que lhe permitia a sua movimentação.

Trata-se de um contrato de depósito conjunto ou colectivo que se formaliza através da abertura de uma conta, em estabelecimento bancário, em nome do autor e de sua ex-esposa, cada um dos quais com o direito de a fazer funcionar, tanto a débito como a crédito( RL, de 10-10-88, CJ, Ano XIV, T4, 143; e de 3-6-82, CJ, Ano VII, T3,115.), e que se traduz no depósito ou conta solidária, regulado pelos princípios que comandam a solidariedade activa, presumindo o disposto no artigo 516º, do CC, que, “nas relações entre si,…os…credores solidários comparticipam em partes iguais…no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as duas partes, ou que só um deles deve…obter o benefício do crédito”.

Esta regra jurídica visa indicar, na falta de prova da comparticipação dos dois depositantes [credores] no crédito, qual a medida da respectiva quota, porquanto qualquer dos dois pode dispor da totalidade do crédito, muito embora, em regime de solidariedade activa, como acontece na hipótese dos autos, se presuma, com base no «id quod plerumque accidit», enquanto não for feita a prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta( Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 532 e 529; Vaz Serra, RLJ, Ano 105º, 118; STJ, de 27-1-98, CJ (STJ), Ano VI, T1, 42; RP, de 4-3-97, BMJ nº 465, 643.).

Contudo, não se deve confundir o direito de crédito emergente da abertura da conta, ou seja, a titularidade da conta, com a propriedade dos fundos depositados, sendo certo que o direito de crédito resultante do depósito, que atribui aos titulares a faculdade de o levantar, nada tem a ver com a propriedade do mesmo depósito, porquanto a relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica obrigacional, enquanto que o direito real sobre os bens objecto de depósito é uma realidade diferente( Pinto Coelho, RLJ, Ano 81º, 237 e 277; Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, 422; STJ, de 20-1-99, CJ (STJ), Ano VII, T1, 48.), sendo certo que a designação «solidária» exprime, exclusivamente, a disponibilidade dos valores depositados na conta, independentemente de quem seja de facto e, juridicamente, o proprietário dos mesmos( Rita Lobo Xavier, RDES, Ano XXXVII, nº 173, 243, e 244, nota 13.).

A isto acresce que a circunstância de várias pessoas poderem movimentar um depósito não significa que a todas o mesmo pertença, para mais, no caso da ré, que nem sequer é contitular da conta, mesmo de último lugar, mas mera procuradora dos respectivos titulares, com vista á sua movimentação, ela que era, além do mais, funcionária da própria agência, numa situação ética de duvidosa aceitação, mesmo para a chefia local que em tal consentia, mas, tão-só, que poderão accioná-la, sendo certo que é frequente depositarem-se capitais, em nome de várias pessoas, não obstante pertença exclusiva de uma só, com vista a facilitar a sua movimentação por alguém em quem se confia ou a quem se está ligado por fortes vínculos de parentesco ou amizade.

Ora, na falta de prova em contrário, presume-se que a pessoa que efectua um depósito bancário é titular da importância constante da conta respectiva, pelo que, tratando-se de dois depositantes, existindo presunção legal de compropriedade, em partes iguais, dos valores depositados( STJ, de 7-7-77, BMJ nº 269, 136.), o autor tem, portanto, a seu favor, a presunção legal de ser contitular solidário da referida conta, recaindo sobre a ré o ónus de ilidir tal presunção, isto é, de demonstrar que nenhum direito aquele detinha sobre os saldos dos aludidos depósitos, por os mesmos serem pertença exclusiva desta, em conformidade com o disposto pelo artigo 342º, nº 2, do CC, mas que não logrou realizar.

Não tendo sido superada, pela prova produzida, a controvérsia suscitada entre as partes sobre a proveniência do dinheiro depositado, não havendo a ré realizado, minimamente, esta prova, não se tendo demonstrado a autoria dos depósitos, na conta do autor e de sua ex-esposa, a contitularidade da mesma faz presumir a compropriedade do dinheiro nela depositado.

Porém, tendo levantado o dinheiro, com base na procuração que lhe foi outorgada pelo autor e esposa, a ré recebeu-o com a obrigação de o entregar aos mesmos, na qualidade de seus proprietários, passando, a partir de então, a ré a ser possuidora desse capital, em nome do casal, ou seja, como sua possuidora precária ou mera detentora, atento o estipulado pelo artigo 1253º, c), do CC.

O proprietário não possuidor pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor da coisa, não proprietário, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, nos termos do preceituado pelo artigo 1311º, nº 1, do CC, como corolário do direito real de sequela, em que se consubstanciam o direito e a correspondente acção de reivindicação ou petitória( Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 92, 238 e 239; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, RLJ, Ano 57º, 144.).

Porém, havendo reconhecimento do direito de propriedade, o réu só pode recusar a restituição, nos casos previstos por lei, sendo certo que a ré não demonstrou qualquer um dos fundamentos que a tal obstam, designadamente, a propriedade do capital depositado, atento o estipulado pelo nº 2, do citado artigo 1311º, do CC.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da ré, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas ou quaisquer outras de que importe conhecer.

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CONCLUSÕES:

I – Não tendo a parte, que reside no estrangeiro, sido obrigada a comparecer em audiência para prestar depoimento, não havendo, igualmente, sido solicitados meios alternativos ao seu depoimento presencial, não importa considerar a eventualidade da recusa da colaboração do autor ser apreciada, livremente, pelo Tribunal, para efeitos probatórios, «maxime», consagrando o princípio da inversão do ónus da prova.
II - A confissão judicial provocada, a que se destina o depoimento de parte, só é relevante, sendo o seu valor probatório apreciado, livremente, pelo Tribunal, se for realizada contra o confitente, isto é, se lhe for desfavorável e favorecer a parte contrária, pelo que os depoimentos de testemunhas, favoráveis à tese das respectivas partes que as arrolaram, não podem ser considerados como relevantes para a factualidade a consagrar, sob pena da admissibilidade da confissão indirecta, que a lei, em princípio, não consente, ou da figura processual extravagante do depoimento de parte, através da participação de uma testemunha, que não tem cabimento legal.
III - Não se deve confundir o direito de crédito emergente da abertura da conta, ou seja, a titularidade da conta, com a propriedade dos fundos depositados, sendo certo que a designação «solidária» exprime, exclusivamente, a disponibilidade dos valores depositados na conta, independentemente de quem seja de facto e, juridicamente, o proprietário dos mesmos.
IV - Não tendo sido superada, pela prova produzida, a controvérsia suscitada entre as partes sobre a proveniência do dinheiro depositado, não tendo a ré realizado, minimamente, esta prova, não se tendo demonstrado a autoria dos depósitos na conta do autor e de sua ex-esposa, a contitularidade da mesma faz presumir a compropriedade do dinheiro nela depositado.

V – Tendo a ré, com base na procuração que lhe foi outorgada pelo autor e a esposa, levantado o dinheiro depositado em conta de que estes eram titulares, recebeu-o com a obrigação de o entregar aos mesmos, na qualidade de seus proprietários, passando, a partir de então, a ser possuidora precária ou mera detentora desse capital, com a consequente obrigação de o restituir.


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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida.

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Custas da apelação, a cargo da ré-apelante.