Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
265/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98 DE 19 DE NOVEMBRO; ARTIGO 4º DO DL Nº 164/99 DE 13 DE MAIO; 2006º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 2º, 63º Nº 3 E 69º Nº 2 DA LEI FUNDAMENTAL
Sumário: 1. A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a inten-ção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência.
2. Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos.

3. A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria.

4. A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desen-cadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a col-matar as necessidades do menor.

5. O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribu-nal, suporta perfeitamente que na respectiva interpre-tação nos orientemos pelo o disposto no "lugar para-lelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que as alimentos são devidos desde a pro-po-situra da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora.

6. Nesta conformidade o pagamento das prestações ali-mentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra.
A Magistrada do Ministério Público na comarca de
Tomar veio em representação do menor A..., requerer que o pagamento de alimentos fixados ao mesmo seja efectuado pelo Fundo de Garantia de Ali-mentos devidos a Menores.
Procedeu-se a inquérito, tendo o IRSS de Tomar apresentado informação em como a mãe da menor se encon-tra sem meios económicos bastantes, subsistindo com o trabalho doméstico por conta de terceiros e auferindo cerca de € 440 mensais de subsídios. Ao pai da menor, obrigado à prestação alimentar, não são conhecidos ren-dimentos, para além de alguns trabalhos ocasionais.
O Sr. Juiz por despacho de fls. 19 s decidiu:
- Reconhecer à B... como representante legal de seu filho A..., o direito a receber a prestação alimentar no montante de € 100 do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menor desde a data em que foi formulado o pedido (3-2-2004).
- Ordenar o pagamento de tal quantia do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menor sem prejuízo do direito de reembolso do obrigado.
Daí o presente recurso de agravo interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que no termo da sua alegação pediu se revogue o decidido, pronunciando-se este Tribunal no sentido de que não compete ao Estado garan-tir os alimentos a que o proge-nitor estava obrigado por decisão judicial anterior a prestar e que não satisfez.
Apresentou para tanto as seguintes,

Conclusões.

1) Não foi intenção do legislador da Lei 75/98 de 19 de Novembro e do DL 164/99 de 13 de Maio prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos.
2) Foi preocupação dominante, nomeadamente do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de Diploma, a de evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.
3) Também o legislador não teve em vista uma situa-ção que a médio prazo se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura socio-econó-mica já então perfeitamente delineada.
4) Deve ter-se presente a ratio legis dos diplomas no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores – FGADM, que, na sua razão de ser, visa assegu-rar a prestação de alimentos a menores, um mês após a notificação da decisão do Tribunal (conf. nº 5 do artº 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio), e não o pagamento dos débitos acumulados anteriormente pelo progenitor responsável pelo pagamento dessas prestações.
5) Dos diplomas que regem o FGADM, deve fazer-se uma interpretação restritiva, pelo que o elemento gra-matical tem de ser dimensionado pelo princípio herme-nêutico contido no artigo 9º do Código Civil, onde se expressa que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensa-mento em termos adequados”.
6) Assim, não se pode considerar objectivamente que esteja aludida nos diplomas, a responsabilidade do Estado-FGADM pelo pagamento de débitos acumulados pelo progenitor relapso.
7) A admitir o contrário e face ao que foi dito quanto à posição do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de lei e a preocupação de que o legislador se revestiu no sentido de evitar um agravamento das despe-sas públicas, estar-se-ia a iludir o espírito da lei, apostada em não fomentar a irresponsabilidade por parte dos progenitores, quanto à obrigação de zelar pelos alimentos aos seus filhos menores.
8) Ressalta pois, ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros, artigo 3º nº 3 e artigo 4º nº 1 do DL 164/99 de 13/5 e artigo 2º da Lei 75/98 de 19/11.
9) Não se encontra no espírito da lei, que se tenha querido garantir ao menor os alimentos a que o progenitor estava obrigado por decisão anterior e que nunca satisfez. Não é correcto pôr-se o Estado a pagar os débitos do progenitor relapso.
10) O débito acumulado do devedor relapso, não será assim da responsabilidade do Estado.
11) Fazer impender sobre o Fundo a obrigação de satisfazer o débito acumulado anularia ab initio - subvertendo, efectivamente, o espírito da lei – a verificação de tal pressuposto, porquanto deixariam de subsistir prestações em dívida.
12) A nova legislação - Lei 75/98 e DL 164/99 -decorre, essencialmente, da falta de cumprimento da obrigação de alimentos, da preocupação do Estado em instituir uma garantia de alimentos ao menor para lhe assegurar os de que carece (por força do incumpri-mento), garantia que se traduz na fixação de uma pres-tação em função das condições actuais do menor e do seu agregado familiar e que podem ser bem diferentes das que determinaram a primitiva prestação.
13) É pois uma prestação autónoma e actual que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária a satisfação de uma necessidade actual de alimentos.
14) De salientar ainda que não há qualquer seme-lhança entre a razão de ser da prestação alimentar fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a então fixada no âmbito do Fundo.
15) A primeira consubstancia a forma de concretiza-ção de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal, a última visa, assegurar no desenvolvimento da política social do Estado, a necessária protecção à criança, relativamente ao acesso da mesma às condições de subsistência mínimas.
16) A prestação a satisfazer pelo Fundo reveste pois, a natureza de uma prestação social tendo por objecto o reforço da protecção social que o Estado deve a menores, não assumindo assim, a natureza de uma obri-gação de garantia da pensão antes fixada pelo Tribunal, ou seja, é verdade que é uma garantia de alimentos para o menor deles carecido por incumprimento do primitivo obrigado, contudo não se trata de uma garantia de paga-mento das anteriormente fixadas que estejam em divida.
17) A decisão violou assim, o artigo 2º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e o nº 3 do artigo 3º e 4º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
18) Os diplomas em apreço só se aplicam para o futuro, não tendo eficácia retroactiva, conforme o artigo 12º do Código Civil.
19) E isto, independentemente de os seus efeitos se produzirem na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento para o ano 2000.
20) Na verdade, o pagamento das prestações de ali-mentos sai das verbas do Orçamento.
21) O pagamento das prestações de alimentos terá início no mês seguinte à notificação ao organismo da Segurança Social, cf. nº 5 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
22) Não poderá aplicar-se por analogia o artigo 2 006º do Código Civil.
Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela confirmação do despacho agravado.
O Sr. Juiz sustentou o decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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Com interesse para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes,
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2.1. Factos.

2.1.1. O A... nasceu a 2/5/1992.
2.1.2. É filho de C... e de B....
2.1.3. A 2/10/2003 foi homologado por sentença o acordo quanto à regulação do exercício do poder pater-nal, ficando o requerido obrigado a pagar à requerente a prestação alimentar mensal de € 50 por mês ou € 100, se tiver uma ocupação remunerada.
2.1.4. O C... não tem pago a prestação alimentar.
2.1.5. Não lhe são conhecidos bens ou rendimentos para além do que aufere ocasionalmente em trabalhos que realiza como carpinteiro.
2.1.6. A requerente encontra-se sem meios económi-cos bastantes, subsistindo com o trabalho doméstico ocasional por conta de terceiros, auferindo cerca de € 440 mensais de subsídios.
2.1.7. O pedido de intervenção do Fundo de Garan-tia de Alimentos foi formulado a 3/2/2004. +
2.2. O Direito.
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À luz do estatuído nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, mas sem pre-juízo das questões cujo conhecimento oficioso se impo-nha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar a seguinte questão:
- O Fundo de Garantia de Alimentos devidos a meno-res suporta as prestações devidas desde a data da sen-tença que fixa a sua contribuição ou desde a data da entrada do pedido em Juízo?
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2.1.1. O Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores suporta as prestações devidas desde a data da sentença que fixa a sua contribuição ou desde a data da entrada do pedido em Juízo?


Por acordo homologado em 2/10/2003, no âmbito dos autos de regulação do Poder paternal nº 881/03.67BTMR que correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal da comarca de Tomar, ficou estabelecido que C... contribuiria com € 50 por mês a título de prestação de alimentos para o seu filho menor.
Estando o dito C... desempregado e sem pos-sibilidades de cumprir com o que se havia obrigado em matéria de alimentos foi solicitada em 3-2-2004 fixação de uma prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores. Realizadas as pertinen-tes diligências, o Sr. Juiz, em 9/7/2004, acabou por reconhecer à B..., como representante legal de seu filho A..., o direito a receber a prestação alimentar no montante de € 100 do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menor, desde a data em que foi formulado o pedido (3-2-2004).
O agravante discorda do decidido, entendendo que a sua obrigação vigora apenas para o futuro cobrindo tão só as prestações que se forem vencendo desde a data da sentença.
Vejamos:
O artigo 2º da Lei Fundamental refere que a Repú-blica Portuguesa é um Estado de direito demo-crático baseado na soberania popular, no pluralismo de expres-são e organização política democráticas, no res-peito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fun-damentais e na separação e interdependên-cia de pode-res, visando a realização da democracia eco-nómica, social e cultural e o aprofundamento da demo-cracia par-ticipa-tiva". Este princípio genérico é em seguida con-creti-zado nos artigos 63º nº 3 e 69º nº 2 da Constitui-ção da República onde é cometida ao Estado a protecção dos cidadãos no que toca à falta ou diminuição dos meios de subsistência assegu-rando nomeadamente especial protec-ção às crianças órfãs, abandonadas ou por qual-quer forma privadas de um ambiente familiar normal.
No desenvolvimento da ideia programática de Estado social, consagra a Constituição vários direitos dessa índole no título III, sob a epígrafe de Direitos e Deve-res económicos sociais e culturais; no elenco dos direitos e deveres sociais, ali se patenteia todo um conjunto de princípios ordenadores votado a uma cober-tura protectora daqueles direitos de que são exemplos as medidas a tomar no campo da saúde – artigo 64º, habitação e urbanismo – artigo 65º, ambiente e quali-dade de vida – 66º, famí-lia, paternidade e maternidade, infância, juventude e terceira idade – artigos 69º a 72º. No que toca a alimentos, nomeadamente devidos a menores (e que são objecto da nossa análise), esse direito aparece claramente consagrado no artigo 63º nº 2 e 69º nº 2 do Diploma Fundamental como uma obrigação do Estado em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência; existe nestes casos um direito origi-nário a prestações Cfr. implicações do direito originário a prestações in Gomes Canotilho "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", Almedina, Coimbra 5ª Edição pags. 473 ss.; o Estado tem aqui o dever de criar os pressupostos mate-riais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos. Não se trata na verdade aqui de sugerir um objectivo; muito embora reconhecendo ao legislador ordinário liberdade na esco-lha de meios com vista à realização do programa social neste domínio, a Constituição compromete os poderes públicos na consecu-ção dos seus objectivos, mau grado considerando os con-dicionalismos econó-micos que rodeiam a respectiva con-cretização O direito a uma vida digna não se encontra constitucionalmente contemplado em todos os ordenamentos jurídicos; assim em Espanha este direito só indirectamente se reconhece; sirva de exemplo também naquele País o reconhecimento do direito ao trabalho, de onde, no dizer de Jordi Ribot Igualada o direito que apreciamos se pode inferir – cfr. A. citado "Alimentos entre Parientes e Subsidiariedade de la Proteccion Social" Tirant lo Blanch 1999, pags. 21 ss. No que concerne à Alemanha, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado mesmo na ausência de lei específica sobre a constitucionalidade daquele direito; Apud Ribot Igualada ob. cit pags. 22. Na senda desta tomada de posição somos em crer que no que toca aos alimentos concernentes a menores face ao Estado, o respectivo direito poderá até do artigo 6º nsº 1 e 4º da Constituição Alemã, onde se refere expressamente que "Ehe und Familie stehen unter dem besonderen Schutze der staatlichen Ordnung" e "Den unehelichen Kindern sind durch die Gesetzgebung die gleichen Bedingungen für ihre leibliche und seelische Entwicklung und ihre Stellung in der Gesellschaft zu schaffen wie den ehelichen Kindern". A ausên-cia de legislação neste domínio é mesmo susceptível de enqua-drar "incons-titucionalidade por omissão". Na verdade e nos termos do preceituado no artigo 293º da CRP "o Tribunal Cons-titu-cional aprecia e verifica o não cumprimento da Consti-tuição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exe-quíveis as normas constitu-cionais.
2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente".
A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a inten-ção programática fixada na Lei Fundamental.
Do artigo 1º da referida Lei ressalta a função pri-mária do Fundo i.e. de suprir as necessidades do menor quando não for possível obter alimentos da pessoa judicialmente obrigada a tal pelas formas a que alude o artigo 187º do DL 314/78 de 27 de Outubro e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional; Por seu turno, o DL 164/99 de 13 de Maio, veio no artigo 3º nº 1 alínea a), a acrescentar um outro pressuposto da intervenção estadual "não benefi-ciar [o menor] de rendimentos de outrem a cuja guarda se encon-tre, superiores ao salário mínimo nacional". Exige-se ainda para que o Fundo intervenha, a falta de pagamento voluntário e que tenham resultado infrutífe-ros os esforços envidados para obter o pagamento, no âmbito de um processo de incumprimento a que alude o artigo 189º da Organização Tutelar de Menores.
À semelhança do que sucede nos ordenamentos jurídi-cos europeus congéneres e nomeadamente o alemão, como frisámos, também a lei veio subrogar o Fundo no lugar em todos os direitos do menor a quem sejam atri-buídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
A questão que nos ocupa não vem expressamente regu-lamentada em qualquer dos Diplomas que regulam a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menor, pelo que não é possível recolher através do ele-mento literal da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro ou do DL nº 164/99 de 13 de Maio, a solução que se pretende; tal só será viável através da interpretação teleológica das normas em causa com inserção no sistema de que fazem parte.
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Em abono da sua tese, sustenta o agravante nunca ter sido intenção do Legislador suprir as prestações em dívida do devedor relapso. O pagamento destas pelo Fundo de Garantia, para além de se tornar um encargo insustentável para aquele, seria ainda nocivo sob o ponto de vista social, pois só incentivaria o incumpri-mento por parte dos devedores relapsos.
Em nosso entendimento não colhem as considerações do agravante nesta parte. Em parte alguma da Lei se pode inferir que o Legislador pretendeu consagrar tal entendimento; nomeadamente tal não se deduz, ao contrá-rio do que o agravante sustenta, do artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio, ao estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal". Na verdade, o facto de a enti-dade iniciar o pagamento numa determinada data, não sig-nifica necessariamente que o mesmo se reporte apenas a prestações futuras, já que suporta perfeitamente que na respectiva interpretação nos orientemos pelo dis-posto no "lugar paralelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil; "Os alimentos são devidos desde a propo-sição da acção ou, estando já fixados pelo tri-bunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se consti-tuiu em mora, sem prejuízo no disposto no artigo 2 273º". É bem certo que o paralelismo de situa-ções não é total, desde logo devido à natureza da intervenção do Fundo de Garantia, cuja obrigação não está, como temos vindo a decidir ao abordar esta temá-tica Cfr. o nosso Ac. desta Relação de 05-03-2002 (R. 3431/01) in Col. de Jur., 2002, 2, 5.

, necessaria-mente dependente da do primitivo obri-gado. E é precisa-mente esta relativa independência de obrigações e par-tindo para já do estatuído no citado normativo legal que nos permite desde logo concluir que ao caso que apreciamos não é aplicável a 2ª parte do normativo supracitado. Concretizando, não compete ao Fundo asse-gurar as prestações que antes da propositura da acção eventualmente estejam em dívida. A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo atra-vés do requeri-mento que vai desencadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pre-tende adequada a colmatar as necessida-des do menor em montante que se bem que tendencialmente equivalente à do obrigado, não está em princípio limi-tada pela mesma. Na verdade é sobre a factualidade exposta no requeri-mento que vai incidir primordialmente o inquérito a que alude o artigo 4º do DL 164/99, sendo certo que o Fundo não tem nem pode ocupar-se de neces-sidades e faltas ocorridas anteriormente à sua solici-tação, as quais que têm de presumir-se superadas. Caso assim não fosse, teriam cabimento as objecções opostas pelo CRSS por via do presente agravo. Seria na verdade incomportável para o Estado colmatar carências pretéri-tas do menor, bem como pedagogicamente inadequado subs-tituir o originário obrigado a alimentos no seu inalie-nável dever de prover ao sustento e educação do menor a seu cargo. Tal incen-tivaria o desleixo do obrigado, sabendo o mesmo a priori que o Estado supriria as suas faltas. Só que ao contrário do que o agravante pretende fazer crer, o caso em análise não pode subsumir-se ao que acima refe-rimos; trata-se tão só de ponderar o pagamento de retroactivos reportados à data do pedido de intervenção do Fundo de Garantia, os quais visam colmatar uma necessidade actual e cujos fundamentos se pretende que sejam de averiguação célere. Este entendi-mento, que se impõe como o único correcto face à Lei, é também um postulado "princípio constitucional da igual-dade", a que se reporta o artigo 13º da Lei Fundamen-tal, cuja violação se verificaria sistematicamente, caso entendêssemos que a prestação do Fundo cobria ape-nas as prestações pos-teriores, decorridos que fossem 30 dias após a prolação da sentença; é que os processos incorporam casos da vida real com a sua peculiaridade, que postula trâmites de averiguação mais ou menos com-plexos. Também por razões diversas que se prendem com o funcionamento dos Tribunais de comarca, o andamento dos processos não é uniforme, daí resultando, caso optásse-mos pelo entendi-mento da agravante, um tratamento desi-gual para os beneficiários. Por último a posição que defendemos in casu é a única que não deixa margens para hipotéticas manobras dilatórias em evidente prejuízo daqueles que a Lei deve proteger.
Nesta conformidade a decisão recorrida não é mere-cedora de qualquer censura, o que dita a improcedência do agravo.

Pode pelo exposto concluir-se o seguinte:

1) A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a inten-ção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência.
2) Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos.
3) A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria.
4) A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desen-cadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a col-matar as necessidades do menor.
5) O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribu-nal, suporta perfeitamente que na respectiva interpre-tação nos orientemos pelo o disposto no "lugar para-lelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que as alimentos são devidos desde a pro-po-situra da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora.
6) Nesta conformidade o pagamento das prestações ali-mentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar não provido o agravo, confirmando-se desta forma o despacho agravado.
Sem custas.