Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5022/17.0T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
EFEITOS DA CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
REPETIÇÃO DO PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
PRAZO
INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO SUMÁRIA DO RELATOR
Legislação Nacional: ARTIGO 29.º, N.º 4, DA LEI 34/2004, DE 29 DE JULHO.
Sumário: I) A constituição de mandatário judicial por parte de quem beneficia de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono apenas determina a cessação de funções do patrono nomeado, não implicando a cessação da eficácia do apoio judiciário concedido.

II) A apresentação de um novo pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, na mesma acção em que esse benefício já tinha sido concedido ao mesmo requerente, não provoca a interrupção de prazo determinada no artigo 29.º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29 de Julho.

Decisão Texto Integral:





            Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            M…, no âmbito da acção com processo especial para interdição por anomalia psíquica, de que provém a presente reclamação, que lhe move MC…, já ambas identificadas nos autos, veio interpor recurso da sentença ali proferida, em 17 de Dezembro de 2020, que decretou a favor da requerida a medida de administração parcial de bens, nos termos ali expressamente consignados.

A referida sentença foi notificada à requerida, por carta registada datada de 17 de Dezembro de 2020 mas, efectivamente, enviada no dia 22 desse mês e ano – cf. doc.s de fl.s 5 e 6 e cota de fl.s 29.

Em 15 de Março de 2021, a requerida interpôs recurso de tal decisão, para o que apresentou as respectivas alegações e conclusões de recurso (cf. fl.s 30 a 43, do presente apenso de reclamação (125 e seg.s do processo principal).

Recurso, esse, que não foi admitido conforme despacho, de fl.s 143 e v.º dos autos principais (aqui junto a fls. 20 e 21, proferido em 24 de Abril de 2021, que se passa a reproduzir:

“Do recurso:

Como já dissemos, o recurso foi interposto a 15/03/2021 pela Beneficiária que, nos termos do art. 901º do CPC tem legitimidade.

A sentença foi notificada à Beneficiária (que na altura não tinha mandatário – prescindira do Patrono nomeado na sequência de requerimento de apoio judiciário formulado pela mesma, constituindo mandatário e os sucessivos mandatários que foi constituindo uns renunciaram ao mandato e quanto a outros revogou o mandato), por carta registada de 17/12/2020 (refª 95554894), considerando-se notificada a 21/12/2020 (art. 249º, nº1 do CPC).

A 07/01/2021 (ref.ª 73639800) a Beneficiária veio juntar cópia do pedido de apoio judiciário apresentado na mesma data, em que além do mais requer nomeação e pagamento de compensação de patrono para “contestar ação”.

O processo de acompanhamento de maior acompanhado tem natureza urgente, diz o art. 891º, nº1 do CPC. Consequentemente, o prazo de recurso é contínuo, não se suspendendo nas férias judiciais, como dispõe o art. 138º, nº1 do CPC.

O prazo para interpor recurso conta-se a partir da notificação da sentença e é de 15 dias, nos termos do disposto no art. 638º, nº1 do CPC.

Do exposto resulta que quando a Beneficiária requereu o beneficio de apoio judiciário já decorrera o referido prazo de 15 dias para interpor recurso, que terminara a 05/01/2021, não podendo, assim beneficiar da interrupção prevista no art. 24º, nº4 da Lei 34/2004, de 29/07, sendo que não juntou aos autos a decisão ali proferida, nem invocou a mesma, antes constituindo mandatária – cfr. procuração junta com na refª 7529412 – o que faz supor ter visto indeferido o seu pedido.

O recurso é, pois, manifestamente intempestivo.

Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 641º, nº2, a) do CPC indefere-se o requerimento de recurso da Beneficiária, por ter sido interposto fora de prazo”.

            Notificada de tal despacho, a mesma veio, em 06 de Maio de 2021, apresentar requerimento de reclamação, pugnando pela respectiva procedência e consequente admissão do recurso que apresentou, com base na seguinte fundamentação:

            - contrariamente ao referido no despacho reclamado, a requerida foi notificada da sentença em causa através de carta expedida no dia 22 de Dezembro de 2020 e não em 17 desse mês, pelo que só se presume notificada de tal sentença no dia 26 de Dezembro de 2020 e não em 22 desse mês, como considerado;

            - o que não se coaduna com um processo justo e equitativo;

            - quando a reclamante deu entrada de requerimento de pedido de nomeação de patrono e pagamento da respectiva compensação, em 07 de Janeiro de 2021, para beneficiar da interrupção prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29/07, ainda se encontrava em curso o prazo legal de 15 dias para interpor recurso;

            - assim não se considerando, da notificação da sentença não consta a presunção da notificação ao 3.º dia posterior ao do registo e como a reclamante não se encontrava representada por advogado, desconhecia que assim era, o que viola o seu direito à defesa e acesso aos tribunais e o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e o direito a um processo justo e equitativo.

            A requerente respondeu, pugnando pela manutenção do despacho reclamado, com o fundamento em que o pedido de apoio judiciário formulado pela reclamante em 07 de Janeiro de 2021, não interrompe o prazo para interposição do recurso em apreço, porque já lhe havia sido nomeado patrono em 23 de Agosto de 2019, no seguimento de pedido para tal efectuado pela reclamante, de que abdicou, tendo constituído vários mandatários forenses, a quem revogou o mandato ou renunciaram ao mesmo, apenas tendo em vista, com o pedido formulado em 07 de Janeiro de 2021, obstar ao decurso do prazo para interpor recurso.

            Tanto assim que não informou o Tribunal da decisão nele proferida, constituindo novo mandatário para efeito de apresentação de recurso.

            E, ainda, porque já lhe havia sido concedido o benefício do apoio judiciário ora pedido, a que renunciou.

            A reclamante, embora notificada da resposta apresentada pela requerente, nada veio alegar quanto ao respectivo teor.

            Como resulta de fl.s 50 a 52 dos autos principais, a ora reclamante, em 31 de Julho de 2019, formulou o pedido de apoio judiciário, para contestar a acção de que provém a presente reclamação, na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “nomeação e pagamento da compensação de patrono”.

            Por decisão proferida no ISS de Leiria, em 23 de Agosto de 2019, foi tal pedido deferido, nas requeridas modalidades (fl.s 56/7, dos autos principais).

            No seguimento do que, cf. fl.s 55, através da Ordem dos Advogados, nesta data, lhe foi nomeado patrono, que veio a participar, pelo menos, no auto de inquirição da requerida (cf. acta de fl.s 59/60).

            Em 16 de Dezembro de 2019, a reclamante veio juntar procuração a favor da Dr.ª L… e Dr.ª S… (fl.s 73/4).

            Em 17 de Setembro de 2020, juntou nova procuração a favor dos Dr.s G… e A… (fl.s 87/8).

            Mandato que lhes revogou, em 23 e 28 de Outubro de 2020, respectivamente (fl.s 91/2).

            Como resulta de fl.s 121 a 123 v.º, dos autos principais, a reclamante, em 07 de Janeiro de 2021, requereu a concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “nomeação e pagamento da compensação de patrono”, igualmente, com vista a contestar a acção de que provém a presente reclamação.

            Conforme informação solicitada ao ISS de … constante do ofício que antecede, cf. audiência de interessados ocorrida em 26/2/2021, foi a requerente informada da duplicidade de pedidos do apoio judiciário, para a mesma acção, acompanhada de proposta de indeferimento, com fundamento na referida duplicidade de pedidos, do que foi notificada em 01/03/2021, convertendo-se tal proposta de indeferimento, como definitiva, em 9/5/2021.

            No seguimento do que, como acima já referido, em 15 de Março de 2021, a reclamante veio interpor recurso da sentença proferida nos autos principais.

            Cumpre decidir:

            No requerimento de reclamação para a conferência, a reclamante limita-se a repetir a argumentação que esteve na base da decisão singular anteriormente proferida, pelo que se passa a reproduzir a mesma.

Assim, há que ter em conta que os autos principais – acompanhamento de maior – têm natureza urgente, cf. artigo 891, n.º 1, do CPC, pelo que os prazos são contínuos, devendo o recurso ser interposto no prazo de 15 dias, cf. artigos 138.º, n.º 1 e 638.º, n.º 1, ambos do CPC.

            Contrariamente ao referido no despacho reclamado, a reclamante não foi notificada da sentença por carta enviada em 17 de Dezembro de 2020, mas sim em 22 de Dezembro de 2020 (cf. cota de fl.s 29, deste apenso).

            Assim sendo, a requerida, que ao tempo não tinha mandatário, presume-se notificada em 26 de Dezembro de 2020 (cf. artigo 249.º, n.º 1, CPC).

            Dispondo do prazo de 15 dias para interpor recurso, este poderia ser interposto até ao dia 11 de Janeiro de 2021.

            Veio o mesmo a ser interposto, como vimos, em 15 de Março de 2021.

            Entretanto, a reclamante em 07 de Janeiro de 2021, formulou o pedido de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e nomeação de patrono.

            Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29/7, a apresentação do pedido de apoio judiciário na pendência de acção judicial e o requerente pretenda a nomeação de patrono, interrompe-se o prazo em curso com a junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo e que se inicia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, como resulta do n.º 5 deste preceito.

            Tudo está, pois, em saber se o prazo para interposição de recurso (que terminava em 11 de Janeiro de 2021), se interrompeu ou não, nos termos ora referidos, com a comprovação da entrega de requerimento para obter o benefício do apoio judiciário por parte da reclamante, em 07 de Janeiro de 2021.

            E a conclusão a que se tem de chegar é a de que este pedido não tem virtualidades para interromper o prazo para interposição do recurso em apreço, pela singela razão de que, nesta data, a requerente já gozava de tal benefício, que já lhe havia sido atribuído/concedido, em 23 de Agosto de 2019, na mesma modalidade do ora requerido e com vista à mesma finalidade.

            Não é pelo facto de a reclamante ter constituído diversos mandatários que a concessão do benefício do apoio judiciário anteriormente concedido deixou de ter eficácia. A única coisa que daí derivou foi que cessou funções o patrono nomeado, mas mantendo-se a concessão de tal benefício.

            O que era lícito à reclamante era requerer, fundamentadamente, a substituição do patrono nomeado, cf. artigo 32.º, n.º 1, da citada Lei 34/2004. Ou, quando muito, pedir a nomeação de um outro, por ter cessado funções o inicialmente nomeado. O que não pode é, com referência ao mesmo processo, na mesma modalidade e idênticos fundamentos, pedir um benefício que já lhe havia sido atribuído.

            Face ao que, se impõe concluir que o requerimento datado de 07 de Janeiro de 2021, a solicitar a concessão do benefício do apoio judiciário, não interrompeu o prazo para a interposição do recurso em apreço e, ao pretender fazê-lo, como o fez, em 15 de Março de 2021, já há muito (em 11 de Janeiro) havia expirado o prazo para o fazer.

            A acolher a tese da reclamante, estava encontrada a forma de contornar o decurso do prazo para a interposição de recurso em casos como o em apreço.

Efectivamente, bastava solicitar, repetidamente, no mesmo processo, o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono para obter a interrupção de tal prazo, desiderato que a própria reclamante refere ter em vista, cf. item 12 do seu requerimento de reclamação, onde refere que deu entrada ao requerimento de 7 de Janeiro de 2021 “para beneficiar da interrupção prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004”.

            Finalidade que não pode merecer acolhimento, sob pena de se estar a desvirtuar o objectivo tido em vista pelo legislador que não pode ser outro se não o de permitir que o patrono nomeado disponha, por inteiro, do prazo em curso para a prática de determinado acto processual, mas dentro das regras processuais estabelecidas e legítimas e não o de possibilitar que a parte a quem foi concedido tal benefício o possa usar para obter o alargamento do prazo previsto para a prática de actos processuais, para além do que resulta da regulamentação da concessão do apoio judiciário.

De salientar, apenas, reforçando o anteriormente decidido, que a decisão proferida, no sentido de se considerar que o recurso é extemporâneo, não viola o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.

Efectivamente, não foi negado à reclamante o acesso ao direito, nem a um processo justo e equitativo. Tanto assim que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário e nomeado patrono, com vista à defesa das suas pretensões, como requereu. E foi no exercício de tal direito que a mesma dispensou o patrono nomeado e, sucessivamente, tem vindo a revogar o mandato a inúmeros Advogados que constituiu como seus mandatários (o que, de novo, assim sucedeu, entre a decisão singular e a presente) e a constituir outros.

Nem de qualquer forma a reclamante foi privada do direito a um processo justo e equitativo, o qual se tem de conformar com as regras processuais estabelecidas pelo legislador ordinário, designadamente, quanto aos prazos a cumprir, insistindo a reclamante que mercê de ter renunciado ao patrono nomeado, cessou automaticamente a concessão do benefício do apoio judiciário, o que assim não sucede, como acima já explicitado.    

            Em suma, o requerimento de interposição do recurso em apreço, foi extemporaneamente apresentado, pelo que não pode ser atendido.

Nestes termos, embora por diferente fundamentação, não é admissível o recurso em causa, em função do que se indefere a reclamação apresentada.

            Notifique.

            Sem custas, dado o benefício do apoio judiciário concedido à reclamante.

            Coimbra, 09 de Novembro de 2021.