Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
99/12.7TBAMM-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
IMPULSO PROCESSUAL
NEGLIGÊNCIA DAS PARTES
Data do Acordão: 06/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 277º E 281º, Nº 5 DO NCPC.
Sumário: I- Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.

II- Como decorre do texto do artº. 281º, nº. 5, do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

III- A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na aceção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.

IV- Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.

Decisão Texto Integral:

Apelação nº. 99/12.7TBAMM-B.C1

(3ª. secção cível)

Relator: Isaías Pádua

Adjuntos:

Des. Teresa Albuquerque

Des. Manuel Capelo


Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório


1. Em autos que correm atualmente no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução –, a exequente P..., S.A., instaurou (20/12/2012) contra o executado J..., ambos com os demais sinais dos autos, execução para pagamento de quantia certa,

2. Em 02/11/2019, pela sra. juíza do processo foi proferido o seguinte despacho:

« O executado, J..., veio aos autos requerer que o processo seja declarado encerrado por estar parado há mais de 6 (seis) meses. Alega, para o efeito, que a outra parte nada faz nem dá resposta às várias comunicações que lhe foram enviadas.

Notificados para se pronunciarem, tanto o exequente como a Senhora A.E. se opõem a tal pretensão, considerando que a paragem dos autos se deveu à anterior A.E. que exerceu funções nos autos.

Compulsados os autos verifica-se que, efectivamente, e como bem descreve a Senhora A.E. na sua posição vertida e fls. 42 verso, a paragem dos mesmos se deveu à actuação da anterior A.E. e não ao exequente. Ora, a inércia do agente de execução em promover os seus termos não equivale a inércia do exequente nem se pode repercutir neste.

Tal entendimento tem vindo a ser acolhido, de forma unânime, pela jurisprudência, na medida em que o artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil exige expressamente a verificação da negligência da parte, ou seja, a inércia da mesma em promover a execução do direito a que se arroga.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 10 de Outubro de 2019 (proferido no processo n.º 1001/13.4TBLGS.E1), “O agente de execução, mesmo que escolhido pelo exequente (art.º 720.º, n.º., n.º 1), não é representante deste nem actua em seu nome. Ele não é parte e não defende, paralelamente com o exequente, o interesse deste. A função dele é a de tramitar a execução em ordem em ordem a se conseguir o seu objectivo final. Trata-se de um terceiro estranho à lide; ele é o «auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução» (artigo 162.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015) – (cfr., sobre este aspecto, o ac. de 1 de Dezembro de 2015).”.

Nesta medida, e sem necessidade de maiores considerandos, verificando-se que a responsabilidade pela paragem dos autos não se pode imputar ao exequente, improcede o requerido, por não se verificarem os pressupostos contidos no artigo 281.º, n.º5, do Código de Processo Civil.

Notifique. »

3. Inconformada com tal despacho decisório, o executado dele apelou, tendo concluído as suas conclusões de recurso nos seguintes termos:

...

4. Contra-alegou a exequente, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.

5. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto.

Com relevância e interesse para a compreensão, apreciação e decisão do presente recurso – e tendo sobretudo em conta o período que o executado/apelante imputa à exequente a falta de impulso processual da execução - devem ter-se como assentes os factos que se deixaram descritos no Relatório que antecede e ainda os seguintes (extraídos das peças processuais e documentais que constam dos autos principais de execução - pois que estes autos de recurso subiram em separado, e do despacho recorrido não se procedeu à descrição factual – a sequência da consulta feita ao processo eletrónico a que tivemos acesso):

1. Na sequência da execução instaurada pela exequente veio a ser penhorado imóvel do executado, tendo este deduzido – após terem encetadas várias diligências no sentido de proceder à sua citação - embargos à execução (proc. 99/12/TBAMM-AC1), que vieram a serem julgados improcedentes por sentença de 26/1/2017, a qual veio a ser confirmada, na sequência de recurso que aquele interpôs, por acórdão desta Relação, que se tornou definitinho em dezembro do ano de 2017.

2. Em 06/02/2018, a sra. agente de execução de então (doravante AE), em cumprimento do disposto no artº. 812º, nº 1, do CPC, procedeu à notificação dos ilustres mandatários da exequente e do executado para, no prazo de 10 dias, indicarem a modalidade de venda pretendida em relação ao imóvel penhorado.

3. Na sequência dessa notificação, a exequente (através da sua ilustre mandatária, sendo sempre através dos seus mandatários quando nos refiramos às partes – quer no que concerne a requerimentos juntos, quer no que concerne às suas notificações, e salvo indicação em contrário), através de requerimento de 09/02/2018 dirigido à AE, pronunciou-se no sentido dessa venda ser efetuado por meio de leilão eletrónico (nos termos do artº. 837º do CPC), e pelo valor base constante do auto de penhora.

4. Em 31/03/2018, o tribunal informou, a solicitação da mesma, a AE de não terem, até à data, sido reclamados créditos nos autos de execução.

5. Por requerimento de 15/02/2018, e na sequência daquela notificação referida em 3., o executado informa a AE de estar a aguardar a decisão da exequente relativamente a uma proposta de pagamento que lhe apresentou, pois pretender proceder ao pagamento voluntário, sem mais despesas e delongas para os autos.

6. Em de 05/03/2018, a exequente remete requerimento à AE a requerer a suspensão das diligências, pelo prazo de 15 dias, em virtude de se encontrar a analisar uma proposta que lhe foi feita pelo executado.

7. Em requerimento datado de 23/10/2018 (entrado no tribunal em 24/10/2018), e pelo próprio assinado, o executado pede que o processo seja “declarado encerrado” por estar parado há mais de 6 meses e “por a outra parte nada fazer nem dar resposta às várias comunicações que lhe foram enviadas”, visando resolver o problema.

8. Em 25/10/2018, o tribunal notifica a AE do teor do aludido requerimento do executado, o mesmo fazendo no que concerne aos ilustres mandatários de ambas as partes.

9. Em 08/11/2018, o ilustre mandatário o executado dirige requerimento ao tribunal dizendo que subscreve aquele requerimento do seus constituinte - alegando que “desde a data da prolação da decisão definitiva nos embargos que vem tentando contactar com a exequente no sentido de resolver o assunto sem mais delongas” sem que, não obstante o tempo decorrido, se mostre dada uma resposta definitiva - considerando, assim, estar deserta a instância, por falta, durante mais de 6 meses, de impulso processual da execução por parte da exequente.,

10. Notificado de tal requerimento, em 13/11/2018 a exequente dirigiu ao tribunal do seguinte teor:

« (…) EXPÕE

- Já foram comunicadas em tempo as condições aprovadas pela exequente para acordo judicial;

- Uma das condições seria o pagamento integral da conta final da Sra. Agente de Execução pelo executado,

- Conta essa que já foi solicitada e enviada ao Exmo. Colega mandatário do executado,

- Tendo o Exmo. Colega detetado lapsos na mesma e tendo a signatária, nessa conformidade, solicitado a sua retificação,

- Retificação que ainda se aguarda seja efetuada pela Exma. Sra. Agente de Execução

Pelo que,

A V/ exa. se

REQUER

- Seja indeferido o requerido em 08/11/2018 por falta de fundamento legal. »

11. Esse requerimento da exequente foi notificado, pelo tribunal, à AE em 19/11/2018.

12. Em 04/06/2019 o executado dirigiu ao tribunal requerimento do seguinte teor:

« (…) Tendo compulsado os autos e contactado a Secção, por esta foi informado para contactar o AE, pois que este notificado, nada disse aos autos.

Ora, como decorre da tramitação, o executado requereu a extinção da instância por inércia do exequente e, notificado o Senhor AE, nada disse.

Com efeito, salvo o devido respeito, nada cumpre ao executado fazer, outrossim, tem o Tribunal de se pronunciar quanto ao requerido, o que se renova, com as legais consequências.”

13. Em 04/06/2019, esse requerimento do executado foi notificado à AE e à exequente.

14. Em 06/06/2019, a exequente dirigiu ao tribunal requerimento do seguinte teor:

« (… REQUER

A V.ª Ex.ª:

Atendendo aos motivos invocados pela Sr.ª A.E ..., noutros Processos em que a signatária é Mandatária, que por motivos de saúde não tem podido movimentar os processos prevendo inclusive encerrar a actividade enquanto Agente de Execução, requer a sua substituição pela Sr.ª A.E ... c.p 3338. »

15. Pedido de esse que foi deferido, tendo sido designa uma nova AE, que em 11/06/2019 efetuou diligências junto da Segurança Social, da Autoridade Tributária e da Conservatória do Registo Predial no sentido de indagar novos bens propriedade do executado.

16. Em 11/06/2019 o executado dirige requerimento ao tribunal no sentido de que haja pronúncia sobre os seus anteriores requerimentos em que suscita a questão de da deserção da instância.

17. Notificado desse requerimento, e em resposta ao mesmo, a exequente, em 19/06/2019, dirigiu ao tribunal requerimento do seguinte teor:

« (…) Vem esclarecer ,

1) O aqui Executado fez uma proposta de pagamento ao Exequente, proposta esta que foi analisada pela Exequente e aceite;

2) Tendo a Exequente pedido a conta final à A.E, esta remeteu e a Exequente encaminhou ao Executado para ser liquidada,

3) No entanto, a pedido do Exmo. colega remetemos a conta novamente à Sr. A.E para ser retificada,

4) Nunca obtivemos a retificação da mesma, nem mesmo obtivemos qualquer resposta da Sr. A.E anteriormente nomeada,

5) De tudo isto, já tinha sido dado nota aos autos no N/ requerimento de 13/11/2018.

6) Por razões de saúde a Sr.ª A.E está a cessar atividade enquanto Agente de Execução,

7) Em consequência disso em 6/6/2019, a Exequente requereu a substituição da Sr.ª A.E ...

Assim, vem requerer a V/Exa,

- Seja indeferido o requerido pelo Executado e subscrito pelo Exmo. Colega a 8/11/2018 e 4/6/2019, por falta de fundamento legal. »

18. Por requerimento de 24/06/2019, dirigido ao tribunal, o executado renova o pedido da extinção da instância, por deserção, com os fundamentos anteriormente aduzidos derivados do facto de entre os períodos de 5.03.2018 e 8.11.2018 e 13.11.2018 e 6.6.2019 nenhum ato ter sido foi praticado pelo exequente no sentido d e impulsionar a execução e nessa medida não devem ser considerados válidos os atos entretanto praticados pela nova AE.

19. Por despacho de 19/09/2019, o tribunal ordena a notificação da AE para se pronunciar a tal respeito, o que a mesma fez, defendendo (em 11/10/2019) não se verificarem os pressupostos para ser decretada a deserção, nomeadamente por a alegada falta de impulso processual não ser imputada à negligência das partes, e particularmente à exequente.

20. É na sequencia de tal que depois é proferido do despacho de que aqui se recorre.

B) De direito.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º ex vi 852º do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do executado, e tal com deflui do que se deixou exarado, a única questão que importará aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se deve (como defende o executado/apelante) ou não (como defendeu o tribunal a quo, em entendimento que também é perfilhado pela exequente) declarada deserta a instância a executiva, por falta de impulso processual da exequente, com a consequente extinção da mesma.

Apreciemos.

Como se sabe, a deserção é uma das formas legalmente previstas que conduz à extinção da instância (artº. 277º, al. c), do CPC).

Essa figura processual emana da paralisação do processo, em consequência da inatividade (processual) das partes.

Dispõe o artº. 281º do CPC ( e tendo em conta o caso em apreço)  que:

1- Sem prejuízo do disposto no nº. 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência da das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.

2- (...)

3- (…)

4- (…)

5- No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer despacho judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.” (sublinhado nosso)

Decorre do texto de tal normativo que são pressupostos (cumulativos) para que deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, por falta de impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

Antes de entrarmos na indagação de saber se no caso se verificam ou não os referidos dois pressupostos legais da deserção da instância, importa deixar referido que vem constituindo jurisprudência prevalecente que a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente, à prolação do despacho, que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, se ficou ou não a dever à negligência das mesmas, o que, num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, do CPC, impõe ao tribunal que, previamente, ouça as partes a esse respeito. (Vide, neste sentido, entre outros, Acordãos desta Relação de 27/06/2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1, de 29/09/2016, proc. 3690/14.3T8CBR.C1, de 06/07/2016, proc.132/11.0TBLSA.C1, de 14/06/2016, proc. 4386/14.1T8CBR.C1, de 07/06/2016, proc. 302/15.6TBLSA.C1, de 18/05/2016, proc. 127/12.6TBVL.C1 e de 07/01/2015, proc. 366/12.6TBVIS.C1; Acs. da RL de 09/07/2015, proc. 3224/11.1TBPDL.L, e de 16/06/2015, proc. 1404/10.6TBPDL.L1-L; Ac. da RP de 14/03/2016, proc. 317/06.0TBLSD.P1, e Ac. da RG de 06/2016, proc. 1128/08.4TBBGC-B.G1, todos publicados in www.dgsi.pt).

Como decorre da matéria factual que acima se deixou descrita, as partes tiveram oportunidade de se ir pronunciando sobre a questão aqui em discussão, e em respeito do princípio contraditório.

Posto isto, vejamos então se mostram preenchidos os dois pressupostos legais supra elencados de que depende a declaração da deserção da instância executiva (que, como vimos, são cumulativos).

Com tal normativo visa-se (numa emanação daquilo que decorre dos artºs. 20º, nº. 1, da CRP, 6º, nº. 1, e 7º, nº. 1, do CPC) sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo (neste caso executivo), o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.

A negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, responsabilizando-se as partes, devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.

Assim, essa figura processual emana da paralisação do processo (por período superior a 6 meses) em consequência da inatividade (processual das) partes, sendo a isso que se reconduz a falta de impulso processual, constituindo a deserção da instância, conducente à extinção da instância, uma sanção para essa i(culposa) inércia processual.

Ou seja, a falta de impulso processual pressupõe que as partes (ou alguma delas) não praticaram, de forma culposa, e durante aquele período de tempo, o ato (processual) que condicionava o andamento do processo, deixando, assim, de promover o andamento do mesmo quando se lhe incumbia fazê-lo. (Neste sentido, apontam, entre outros, os profs. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil anotado, Vol. 1º., 3ª. edição, Coimbra Editora, págs. 556 e 557”; Ac. da RE de 19/05/2016, proc. 2455/06.0TBLLE.E1; Ac. da RL de 28//04/2016, proc. 437/07.0TTBRR-4; Ac. da RC de 29/09/2016, proc. 3690/14.3T8CBR.C1 e Ac. da RP de 20/10/2014, proc. 189/13.9TJPRT.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Revertendo-nos ao caso em apreço, verifica-se que a situação suscitada tem a ver com a paragem que o processo sofreu quando o mesmo se encontrava na fase de venda judicial do imóvel penhorado,

Ora vejamos.

Em 06/02/2018, a AE (em cumprimento do disposto no artº. 812º, nº. 1, do CPC), procedeu à notificação dos ilustres mandatários da exequente e do executado para, no prazo de 10 dias, indicarem a modalidade de venda pretendida em relação ao imóvel penhorado.

Na sequência dessa notificação, a exequente através de requerimento de 09/02/2018 dirigido à AE, pronunciou-se (portanto em tempo) no sentido dessa venda ser efetuado por meio de leilão eletrónico (nos termos do artº. 837º do CPC), e pelo valor base constante do auto de penhora. Por sua vez, o executado, através do seu requerimento de 15/02/2018, informa a AE de estar a aguardar a decisão da exequente relativamente a uma proposta de pagamento que lhe apresentou, pois pretender proceder ao pagamento voluntário a da quantia exequenda.

Nesse entretanto – infere-se, na sequência das negociações encetadas pelas partes com vista a por termo ao litígio/execução, através de uma proposta que para o efeito lhe foi apresentada pelo executado -, em de 05/03/2018, a exequente remete requerimento à AE a pedir a suspensão das diligências, pelo prazo de 15 dias, em virtude de se encontrar a analisar a referida proposta que lhe foi feita pelo executado.

E partir daí e até 06/06/1019 (data que a exequente dirigiu ao tribunal requerimento a pedir a substituição da AE, e que veio a ser deferido), não só não se vislumbra dos autos que tenha sido concretizado/formalizado entre as partes o anunciado acordo com vista a por termo à execução, como igualmente que neles não se observa que tenha sido praticado qualquer ato processual destinado a impulsionar os ulteriores termos da execução.

O que significa que a execução esteve então parada por mais de 6 meses.

E porque?

Haverá, a esse respeito, que analisar a questão sobre duas perspetivas:

Na primeira delas (e tal como decorre do alegado nos dois requerimentos, a que se alude nos pontos 10. e 17. dos factos assentes, que a exequente dirigiu ao tribunal, e cujo conteúdo o executado/apelante não desmente/impugna) é que essa paragem se terá ficado a dever ao pedido retificação da conta dirigido à então AE, e pela qual passava a concretização do acordo que terão chegado a exequente e o executado visando põr termo ao processo de execução, e que aquela não terá apreciado em tempo útil.

A segunda delas, e de qualquer modo, haverá que considerar o seguinte:

Como se sabe, na sequência da acentuada vertente da desjudicialização da estrutura do processo executivo a que vimos assistindo nas últimas reformas legislativas, cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo, que não estejam atribuídas à secretaria ou que sejam da competência do juiz (artº. 719º, nº. 1, do CPC).

Entre essas diligências da estrita competência do AE encontra-se a de decidir sobre a venda – ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia real sobre os bens penhorados a vender – (artº 812º, nº. 1, do CPC).

A requerimento da exequente foi solicitado (05/03/2018) à AE de então que procedesse, pelo prazo de 15 dias, à suspensão das diligências para a venda do bem penhorado, a fim de poder analisar a proposta que lhe fora apresentada pelo executado visando por termo ao processo de execução.

No referido prazo não foi junto aos autos qualquer acordo formalizado que pusesse termo à execução.

Sendo assim - e dado que o exequente e o executado já haviam sido convidados a pronunciar-se sobre a venda, sendo certo que no caso não havia credores  que tivessem vindo à execução reclamar créditos -, incumbia à AE prosseguir com os autos para a venda do bem penhorado, pois que o andamento do processo, nessa sua fase em que se encontrava, não estava (como não está) então condicionado ou dependente da prática de qualquer ato ou diligência processual de qualquer das partes, e particularmente por parte da exequente.

Em suma, no caso em apreço dos autos não se pode concluir que a paragem do processo de execução, por período superior a 6 meses, se ficou a dever à falta do impulso processual das partes, e em particular por parte da exequente.

Não se mostra, assim, e desde logo, preenchido o primeiro pressuposto legal acima enunciado para que possa declarar-se a instância deserta.

E o mesmo se deva dizer, de qualquer modo ainda, em relação ao segundo, pois que, face à matéria factual que acima a se deixou descrita, não é possível fazer qualquer juízo de censura (em termos de culpa/negligência) à exequente, responsabilizando-a pela inação/paragem do processo. Se alguém deve ser responsabilizado, será certamente, à luz daquilo que transparece da matéria apurada, a anterior sra. AE. Diga-se, aliás, ainda a esse propósito, que o AE, ainda que nomeado pelas partes, não tem estatuto de parte, não é sua mandatária e nem as representa, sendo antes um auxiliar de justiça que, dentro das atribuições que lhe estão legalmente atribuídas, atua com plena autonomia, na prossecução do interesse público (cfr. artºs 162º, 108º, 121º e 124º, do EOSA aprovado pela Lei nº. 154/2015, de 14/09).

Termos, pois, em que, perante tudo aquilo que se deixou exposto, se decide negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho decisório da 1ª. instância.

Custas pelo executado/apelante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

I- Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.

II- Como decorre do texto do artº. 281º, nº. 5, do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

III- A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, ato (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na aceção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.

IV- Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.

Coimbra, 2020/06/15



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