Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
520/04.8TBSCD-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: VENDA JUDICIAL
ACÇÃO EXECUTIVA
NOTIFICAÇÃO ÀS PARTES DO DESPACHO QUE A DETERMINE
PARTE REPRESENTADA SIMULTANEAMENTE POR ADVOGADO E POR SOLICITADOR
REGRAS A OBSERVAR NESSA NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 32º, 253º, NºS 1 E 3, E 886º-A, NºS 1 E 4, DO CPC
Sumário: I – Prescrevem os nºs 1 e 3 do artº 253º do CPC que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais e sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador.

II – Em face do disposto no nº 1 do artº 253º do CPC as notificações às partes devem ser feitas na pessoa do seu mandatário judicial, possibilitando a lei, mesmo nos casos de obrigatoriedade da constituição de advogado (nºs 1 e 2 do artº 32º do CPC) a intervenção de solicitador desde que, no requerimento que subscreva, não suscite questões de direito.

III – Sempre que tal aconteça, o despacho que se debruce sobre a questão suscitada pelo solicitador deve ser-lhe notificada nos mesmos termos em que seria se tivesse sido subscrito pelo respectivo mandatário.

IV – Quando a parte constitui em simultâneo advogado e solicitador, as decisões proferidas sobre requerimentos onde se suscitem questões de direito – obrigatoriamente subscritos por advogado – devem ser obrigatoriamente notificadas ao advogado constituído, sob pena de nulidade – artºs 253º, nºs 1 e 3, e 201º, nº1, CPC.

V – Em casos de requerimento subscrito em simultâneo por advogado e por solicitador onde não se suscitem questões de direito, a notificação da decisão sobre ele proferida pode ser feita quer na pessoa do advogado quer na pessoa do solicitador.

VI – Determinam os nºs 1 e 4 do artº 886º-A, do CPC, que quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda (judicial) cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, sendo a decisão notificada aos mesmos.

VII – Esta notificação, desde que a parte tenha constituído em simultâneo advogado e solicitador, pode ser feita em qualquer um deles.

VIII – De resto, tendo ocorrido tal notificação na pessoa do mandatário deixou de existir fundamento para que a mesma também seja feita na pessoa do solicitador, dada a conectividade das duas possíveis notificações, não impondo a lei que essas notificações tenham de ser feitas quer na pessoa do advogado quer na pessoa do solicitador constituídos em simultâneo nos autos.

Decisão Texto Integral: Acórdão

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

            No processo de execução comum nº 520/04.8 TBSCD que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão a agravante A... atravessou nos autos o requerimento de folhas 32 – entrado em 9 de Abril de 2008 – que para facilitar a compreensão do acórdão se passa a transcrever:

            A... tendo tomado conhecimento da venda do imóvel que lhe está hipotecado, tendo sido notificada do teor do auto de abertura de propostas de folhas 281, vem arguir a nulidade de tal venda, nos termos e com os fundamentos seguintes: Verifica-se que o referido imóvel descrito no auto de penhora sob a designação de verba nº 1 foi vendido pelo preço de 60.500,00€. Ora, a A... havia requerido, em 6 de Fevereiro de 2007 que a venda fosse efectuada por meio de propostas em carta fechada e com base no respectivo valor de mercado, o qual se estimava em 100.000,00€, anunciando-se consequentemente para a venda 70% de tal valor. Tal imóvel não foi objecto de avaliação por perito nomeado pelo Tribunal. A ora requerente não foi notificada da decisão do Senhor Solicitador de Execução de fixar em 81.500,000€ o valor base do imóvel a vender, como determina o nº 4 do artigo 886-A do Código de Processo Civil. Nestes termos verifica-se a omissão de um acto que causou graves prejuízos à ora Requerente.

            Por outro lado, relativamente a tal verba foi o adquirente dispensado de depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar aos credores graduados antes dele, nos termos do nº 1 do artigo 887º do Código de Processo Civil. Como resulta da douta sentença de graduação, a ora requerente foi graduada em 1º lugar sendo que o crédito por si peticionado totaliza 296.439.38€. Em face do exposto, o referido adquirente teria que depositar a totalidade do preço oferecido.

            Acresce que a notificação para a venda foi dirigida para o Sr. Dr. B... quando o deveria ter sido ao signatário do presente requerimento nos termos do disposto no nº 3 do artigo 253º do Código de Processo Civil e para a seguinte morada: Rua de S. José nº 213 – 4º andar, 1169-0577 Lisboa.

            Nestes termos verifica-se a omissão de um acto que a lei prescreve que influiu decisivamente no resultado obtido com a venda e que a aludida notificação para a venda é nula face às normas conjugadas dos artigos 201º e 253 e seguintes todos do CPC, devendo a referida notificação considerar-se como não realizada e, consequentemente, anular-se também os termos subsequentes que dela dependam.

            Requer a apreciação das invocadas nulidades quanto à venda e quanto à invocada omissão e notificação efectuadas e, com consequência, se digne ordenar a repetição da mesma para o domicílio profissional do signatário do presente requerimento – Rua de S. José nº 213 – 4º andar, 1169-0577 Lisboa.


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            Conclusos os autos, veio a Exma. Juiz a proferir o seguinte despacho:

            Em 13 de Março de 2006 deu entrada em juízo a reclamação de créditos da ora requerente subscrita pelo Sr. advogado B..., vindo a mesma acompanhada da procuração de folhas 40 e 41. Na referida procuração são atribuídos poderes forenses a 9 advogados e a 6 solicitadores, todos com a mesma morada, constando entre os mesmos o Dr. B... e o Sr. Solicitador C.... Todas as notificações foram efectuadas na pessoa do Sr. Advogado B....

                Para fundamentar a nulidade da venda a requerente invoca a violação do disposto no artigo 253º, nº 3 do CPC. Nos termos do artigo 253º, nº 3 do CPC «sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário ou solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador».

                A requerente, credora reclamante no apenso respectivo, ao vir reclamar os seus créditos apresentando requerimento inicial subscrito pelo Advogado Dr. B..., está a fazer-se representar por este causídico pelo que foi à pessoa que a representava nos autos que as notificações foram dirigidas. E em nada releva o facto de a procuração, que aliás não faz referência a concretos processos judiciais, conceda poderes forenses a diversos advogados e solicitadores, já que não cumpre à Secretaria do Tribunal nem aos Srs. Solicitadores de execução indagar sobre qual dos 9 advogados ou dos 6 solicitadores representam nos presentes autos a requerente. O artigo 253º, nº 3 já poderia ter aplicação se esse requerimento viesse subscrito simultaneamente por Advogado e Solicitador, o que não acontece neste caso.

                Mas ainda que por hipótese se considerasse que a norma constante do nº 3 do artigo 253º do CPC não foi respeitada, ainda assim, e compulsados os autos, impor-se-ia a conclusão que tal irregularidade estaria sanada. Senão vejamos.

                Alega a requerente que a notificação para a venda e da decisão do Sr. Solicitador nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 886ºA do CPC é nula uma vez que foi dirigida ao Sr. Dr. B..., quando deveria ter sido dirigida ao Sr. Solicitador C.... Resulta dos autos que a requerente/credora/reclamante foi notificada nos termos do nº 1 do artigo 886ºA do CPC na pessoa do Sr. Dr. B..., por carta registada, em 30 de Janeiro de 2007. A notificação foi efectuada com sucesso (atente-se que o domicílio profissional do Dr. B... e do Sr. Solicitador foi sempre a mesma) uma vez que se pronunciou a requerente sobre a decisão da venda – folhas 413 – por requerimento subscrito pelo Sr. Solicitador C..., não tendo arguido qualquer nulidade. Assim sempre estaria tal nulidade sanada. Mas para além disso, ao não arguir a irregularidade aquando da pronúncia sobre a decisão de venda, a requerente achou que a formalidade que agora alega ter sido omitida era dispensável, renunciando assim para futuro a sua arguição nos termos do artigo 203º, nº 2 do CPC. Extinto estaria, portanto, o poder de reclamar do interessado, que à arguição da nulidade renunciou.

                E se dúvidas houvessem quanto a tal renúncia, sempre se referiria que a requerente foi notificada posteriormente àquela notificação na pessoa do Sr. Dr. B...:

ü Por carta registada em 17 de Agosto de 2007 – folhas 336; decisão da venda nos termos do artigo 886ºA, nº 4 do CPC – pelo Sr. Solicitador de execução.

ü Por cartas datadas de 27 de Setembro de 2007 – folhas 349 – de 24 de Janeiro de 2008 – folhas 364 – de 27 de Março de 2008 – folhas 390 – pelo Tribunal (despacho judicial de 19.9.2007; 18.01.2008; 25.03.2008, respectivamente).

Sendo ainda que, anteriormente, e por carta datada de 15 de Maio de 2006 pelo Tribunal – folhas 197 do apenso de reclamação de créditos) foi notificado da decisão de graduação de créditos.

Na sequência destas notificações a requerente nunca veio arguir qualquer irregularidade ou fazer chegar ao processo a informação que pretendia ser notificada em pessoa diversa dentre as que constam da procuração. Face ao que fica dito, não pode o Tribunal ficar indiferente à conduta processual da requerente que considera reprovável e perturbadora da regular e célere realização da justiça.

(…) Assim nos termos do artigo 456º, nºs 1 e 2, alíneas a) e d) do Código de Processo Civil, condeno a A..., como litigante de má fé, numa multa de 5 UC’s.


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            A requerente/agravante não se conformando com o decidido, interpôs o respectivo que recurso que foi admitido como agravo com subida imediata e em separado e ao qual foi atribuído o efeito suspensivo – folhas 43.

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            A agravante atravessou nos autos as suas doutas alegações que rematou, na parte que releva ao conhecimento do recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Dos autos consta mandato passado a Solicitador.

2. O Sr. Solicitador tem intervenção nos autos em momento anterior ao da notificação cuja nulidade se requer.

3. Ao não notificar a agravante na pessoa do solicitador o despacho recorrido violou o disposto no artigo 253º, nº 3 do CPC e, como tal, encontram-se tais notificações feridas de nulidade.

4. O despacho fez errada interpretação do disposto no artigo 203º do CPC.

5. A reclamante agiu nos autos na defesa dos seus direitos, pugnando pela correcta interpretação e aplicação da lei.

6. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça e declare a nulidade da falta de citação da credora reclamante.


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            A Exma. Juiz lavrou despacho tabelar de sustentação.

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            2. Delimitação do objecto do recurso

As questões[1] a decidir no agravo e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

¨ Nulidade da notificação – artigo 886ºA, nºs 1 e 4 do CPC – por violação do disposto no artigo 253º, nº 3 do CPC.

¨ Violação do disposto no artigo 203º do CPC.

¨ Violação do disposto no artigo 456º, nº 2, alíneas a) e d) do CPC.


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            3. Factos que relevam ao conhecimento do agravo

1. Corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão os autos de execução comum em que é exequente a F... e executados G... e outros.

2. De acordo com o termo de penhora de folhas 17vº e 18 estão penhorados os seguintes imóveis:

A. Prédio rústico sito na Cumieira, freguesia de Midões, concelho de Tábua (…) inscrito na matriz sob o artigo 2130 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob nº 45/19850426, da mesma freguesia.

B. Prédio rústico sito no Vale da Capela, freguesia de Midões, concelho de Tábua (…) inscrito na matriz sob o artigo 3292 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob nº 384/19870609, da mesma freguesia.

C. Prédio rústico sito à Comenda, freguesia de Midões, concelho de Tábua (…) inscrito na matriz sob o artigo 2125 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob nº 01397/930312, da mesma freguesia.

D. Prédio rústico sito na Lameira, freguesia de Midões, concelho de Tábua (…) inscrito na matriz sob o artigo 2095 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob nº 02517/000201, da mesma freguesia.

E. Prédio rústico sito na Comenda, freguesia de Midões, concelho de Tábua (…) inscrito na matriz sob o artigo 2124 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob nº 02495/991130, da mesma freguesia

3. A agravante foi notificada em 30 de Janeiro de 2007, na pessoa do seu ilustre mandatário, Dr. B... – Av. 5 de Outubro, 146. 5º, 1069-197 Lisboa – nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 886ºA do CPC para, no prazo de 10 dias, indicar ao signatário[2] qual a modalidade da venda pretendida e o valor base de venda que atribui aos vens penhorados no âmbito do processo em epígrafe – descrições nºs 0045; 01397; 02495; 02517; 00384 todas da freguesia de Midões, concelho de Tábua.

4. Em 17 de Agosto de 2007, o Sr. Solicitador de execução notifica a agravante, na pessoa do seu ilustre mandatário Dr. B..., Av. 5 de Outubro, 146. 5º, 1069-197 Lisboa, do seguinte: Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artigo 886º-A do CPC, fica V. Exa. notificado que, uma vez ouvidos, o exequente, executados e credores, ser a seguinte, a nossa decisão: Os bens a vender serão na modalidade de venda mediante proposta em carta fechada; o valor base dos bens a vender será o seguinte (…).

5. Em 24 de Setembro de 2007, o Sr. Solicitador de execução dirige à Exma. Juiz do processo o requerimento de folhas 20 do qual destacamos: (…) tendo sido decidido pela venda dos bens penhorados mediante proposta por carta fechada, sem ter havido impugnação de tal decisão, sendo o valor base dos bens a vender o seguinte (…) vem requerer a V. Exa. se digne designar dia e hora para a realização da diligência.

6. Encontra-se a folhas 30 e 31 o auto de abertura de propostas em carta fechada – sem a presença dos credores e executados – diligência realizada a 13 de Março de 2008

7. Encontra-se junto a folhas 25 a proposta feita por H....

8. Em 9 de Abril de 2008, a agravante atravessa nos autos o requerimento de folhas 32 através do qual reclama a nulidade da venda por violação do artigo 253º, nº 3 do CPC.

9. Por informação junta a folhas 35 o Sr. Solicitador de execução informa que todas as notificações foram dirigidas ao Exmo. Sr. Dr. B..., com escritório em Lisboa.

10. Em 13 de Março de 2006 deu entrada no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão a reclamação de créditos da A... subscrita pelo Sr. Dr. B....

11. O requerimento mencionado em 10 fazia acompanhar de uma procuração através da qual a aqui agravante constituiu seus bastantes procuradores os Senhores DD..., todos advogados e os Senhores: EE..., Solicitadores, todos com domicílio profissional na Avenida cinco de Outubro, cento e quarenta e seis, quinto andar em Lisboa, aos quais conferem (…).


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            4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar

            4.1. Violação do disposto no artigo 253º, nº 3 do CPC

            Defende a agravante que o Sr. Solicitador já havia intervido nos autos subscrevendo requerimentos, sem quer tivesse junto qualquer procuração, como havia contactado o solicitador de execução no âmbito da reclamação. Sustenta ainda que se a Secretaria tivesse dúvidas sempre lhe competiria notificar o que em primeiro lugar constasse da procuração.

            Salvo melhor opinião, o entendimento sufragado pela agravante não tem acolhimento legal.

            Determinam os nºs 1 e 4 do artigo 886ºA do CPC.

1. Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.

2. (…)

3. (…)

4. A decisão é notificada ao exequente, ao executado e aos credores com garantia sobre os bens a vender.   

Confrontado com um requerimento da agravante através do qual reclamava o seu crédito, o qual, recorde-se, estava subscrito por ilustre advogado com procuração nos autos de reclamação de créditos, o Sr. Solicitador de execução procedeu à notificação da reclamante/agravante, termos e para os efeitos do disposto no artigo 886ºA do CPC, na pessoa do ilustre causídico subscritor do requerimento e fê-lo para a morada que constava na procuração – cf. factos 3; 4; 11.

Defende a agravante a incorrecção deste procedimento avançando com o fundamento que «a notificação para venda foi dirigida ao Sr. Dr. B... quando o deveria ter sido ao signatário do presente requerimento nos termos do disposto no nº 3 do artigo 253º do Código de Processo Civil e para a seguinte morada: Rua de São José nº 213 – 4º andar, 1169 -0577 Lisboa».

            Deixando para momento posterior a análise do nº 3 do artigo 253º do CPC, não podemos deixar de dar nota que a procuração, enquanto instrumento notarial, tem de respeitar as formalidades vertidas no artigo 46º do Código do Notariado das quais destacamos a obrigação de conter o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes (…) – prescrevendo a alínea a) do artigo 35º do CPC que «o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por documento particular nos termos do Código de Notariado[3] e da legislação especial».

 Olhando a procuração de folhas 66 a 67, verificamos que no cumprimento das formalidades previstas no artigo 46º do Código do Notariado, foi mencionado que todos os ilustres mandatários e solicitadores tinham o seu domicílio profissional na Avenida cinco de Outubro, cento e quarenta e seis, quinto andar em Lisboa – estando por isso o Tribunal vinculado, até que lhe fosse comunicada a nova morada, a remeter todas as notificações para «o escritório ou domicílio escolhido» respeitando deste modo a previsão do artigo 254º do CPC, a menos que, o ilustre advogado, no cumprimento do dever de colaboração – nº 1 do artigo 266º do CPC – tivesse informado o Tribunal do seu novo domicílio profissional, o que os autos não evidenciam.

Ainda que se aceite que o ónus de informação do novo domicílio se satisfaz através da aposição do novo domicílio profissional em requerimento, entretanto, dirigido ao Tribunal mas no qual se não mencione expressamente tal alteração, ainda que se defenda que a secretaria estava vinculada a verificar se a morada aposta é idêntica ou distinta da mencionada em requerimentos anteriores, mesmo assim, o primeiro dos requerimentos onde se faz constar a nova morada – Rua de São José nº 213 – 4º andar, 1169 -0577 Lisboa – está datado de 9 de Abril de 2008 – folhas 32 – ou seja, em data bastante posterior àquela em que foi feita a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 886ºA do CPC.

            Todo este arrazoado para dizermos que, à mingua de outra informação, sempre estava a secção vinculada a observar o disposto no nº 1 do artigo 254º do CPC, o mesmo é dizer a enviar as notificações para o domicílio profissional do ilustre advogado da agravante, o que cumpriu.

            No que respeita à violação da previsão vazada no nº 3 do artigo 253º do CPC, entendemos, com a salvaguarda de melhor e mais abalizada opinião, que também não assiste razão à agravante.

            Prescrevem os nºs 1 e 3 do artigo 253º do CPC.

1. As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

2. (…)

3. Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador.

Parece claro em face do disposto no nº 1 do artigo 253º do CPC que as notificações às partes devem ser feitas na pessoa do seu mandatário judicial, possibilitando a lei, mesmo nos casos de obrigatoriedade da constituição de advogado (nºs 1 e 2 do artigo 32º do CPC), a intervenção de solicitador desde que, no requerimento que subscreva, não suscite questões de direito.

Sempre que tal aconteça – requerimento subscrito por solicitador que respeite a previsão vazada no nº 2 do artigo 32º – o despacho que se debruce sobre a questão suscitada pelo solicitador deve ser-lhe notificado nos mesmos termos em que seria se tivesse sido subscrito pelo respectivo mandatário[4].

À mingua de outros elementos[5] parece-nos ser esta a melhor interpretação a conferir aos nºs 1 e 3 do artigo 253º do CPC, interpretação que não pode deixar de ter em conta o disposto no artigo 32º, nº 1 e 2 do CPC. Assim:

            1. A parte está, apenas, representada por advogado – toda e qualquer notificação é feita na pessoa do seu mandatário judicial.

            2. A parte constitui em simultâneo advogado e solicitador, neste caso há que distinguir:

A. Requerimentos onde se suscitem questões de direito – obrigatoriamente subscrito por advogado – alíneas a) a c) do 32º do CPC – cujas decisões devem ser obrigatoriamente notificadas ao ilustre mandatário – artigo 253º, nºs 1 e 3 do CPC – sob pena de nulidade – artigo 201º, nº 1 do CPC

B. Requerimento subscrito por solicitador em que se não levantem questões de direito – nº 2 do artigo 32º do CPC – a decisão/despacho que sobre ele recaia deve ser, apenas, a este ser notificado – artigo 253º, nº 3 do CPC.

C. Requerimento subscrito em simultâneo por advogado e solicitador constituídos, no qual se suscitem questões de direito – só àquele deve ser notificado o despacho/decisão – nº 1 do artigos 253º ex vi 32º, nº 1, alíneas a) a c) ambos do CPC.

D. Requerimento subscrito em simultâneo por advogado e solicitador onde não se suscitem questões de direito – a notificação pode ser feita quer na pessoa do ilustre advogado quer na pessoa do Sr. solicitador – artigos 253º, nºs 1 e 3 ex vi 32º, nº 2 ambos do CPC.

A situação que motivou a interposição de recurso e que no essencial é o seu fundamento prende-se com o alcance à conferir à notificação a que alude o artigo 886ºA do CPC. Esta norma transfere para o agente a «decisão» sobre a venda dos bens, a qual deve ser precedida da audição do exequente, executados e credores com garantia sobre os bens. O nº 2 desta mesma norma fixa o objecto da «decisão», a qual é posteriormente notificada ao exequente, executados e credores com garantia sobre os bens que dela podem discordar, reclamando para o Juiz do processo – nº 5 do artigo 886ºA do CPC – de cuja decisão não cabe recurso.

É pacífico que a agravante foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 886ºA na pessoa do seu ilustre advogado, notificação ocorrida em 30 de Janeiro de 2007 e dirigida para a morada constante da procuração – facto 3. Em 17 de Agosto do mesmo ano a agravante volta a ser notificada na pessoa do seu ilustre advogado nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 daquele artigo – facto 4.

Perguntamo-nos que nulidade foi cometida pelo solicitador de execução?

Entendemos que nenhuma. Na verdade e pese o facto de considerarmos que a ter sido notificado o senhor solicitador em detrimento do ilustre mandatário – nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 4 do artigo 886ºA do CPC – não existia qualquer irregularidade que desembocasse na nulidade vazada no nº 1 do artigo 201º do CPC, por maioria de razão tendo sido notificado o ilustre advogado em vez do senhor solicitador não acarreta qualquer irregularidade.

O facto do senhor solicitador ter tido outras intervenções nos autos e de ter contactado com o senhor solicitador de execução – ponto V de folhas 47 – não é argumento que obrigue a que todas as notificações oficiosas[6] onde se não discutam questões de direito lhe tenham que ser dirigidas. Uma coisa é o solicitador dirigir um requerimento ao processo que respeite a previsão do nº 2 do artigo 32º, impondo a lei – nº 3 do artigo 253º do CPC – que seja notificado da decisão que sobre ele recair, outra é a notificação a que aludem os nºs 1 e 4 do CPC que podem ser feitas, desde que a parte tenha constituído em simultâneo advogado e solicitador, em qualquer um deles. De resto, tendo ocorrido na pessoa do ilustre mandatário a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 886ºA do CPC não existia, dada a conectividade das duas notificações, fundamento para que a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 daquele artigo fosse feita na pessoa do senhor solicitador.

Louva-se a agravante num acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo segundo o qual «o despacho que ordene a venda deve ser notificado aos interessados» doutrina que seguramente todos concordamos, mas que não tem aplicação ao caso em apreço já que como emerge da leitura dos factos 3 a 5; 8 e 9 a agravante não coloca em causa ter sido notificada na pessoa do seu ilustre advogado, o que defende é que as notificações violam o disposto no nº 3 do artigo 253º do CPC já que deveriam ter sido dirigidas à pessoa do senhor solicitador constituído.

            Em conclusão, entendemos que a agravante foi correctamente notificada na pessoa do seu ilustre mandatário, não impondo a lei – artigos 253º, nºs 1 e 3 ex vi 886º do CPC – que as notificações a que se reportam esta última norma tenham que ser feitas quer na pessoa do senhor solicitador quer do ilustre advogado – ambos constituídos nos autos – manifestando a regularidade da notificação desde que tenha sido feita a um deles no respeito pelas formalidades prescritas no artigo 254º do CPC.


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            4.2. Violação do disposto nos artigos 201º e 203º ambos do CPC

            Embora entendamos que a improcedência do recurso por referência à interpretação a conferir ao artigo 253º, nº 3 do CPC, prejudica o conhecimento das restantes «questões» não deixaremos de referir o seguinte: O Tribunal a quo considerou sanada a eventual nulidade em virtude do Sr. Solicitador se ter pronunciado sobre a decisão da venda – folhas 413 – sem que tivesse arguido tal nulidade. Contrapõe a agravante nas suas doutas alegações de recurso que «arguiu a nulidade atempadamente, ocorrendo a mesma aquando da notificação do despacho de folhas 390 cuja data de emissão é 27 de Março de 2008, e o requerimento onde se suscita a irregularidade deu entrada em 9 de Abril de 2008».

            Impõe-se constatar que a agravante traz para o recurso uma questão que não suscitou no requerimento de 9 de Abril de 2008 – cf. folhas 32 a 34 – e daí que o Tribunal a quo não se tivesse debruçado sobre a tempestividade da arguição por via de alegação feita pela reclamante no seu requerimento, mas antes fê-lo em complementaridade do que havia anteriormente defendido, ou seja: considerou que ainda que estivesse a interpretar erradamente o artigo 253º, nº 3 do CPC, sempre a irregularidade provocada pela errada interpretação estava sanada porque o Sr. Solicitador atravessou requerimento nos autos – folhas 413 – sem que tivesse arguido tal nulidade.

            No entanto, a posição defendida pela Exma. Juiz é conforme à documentação existente nos autos. Efectivamente encontra-se junta a folhas 36 destes autos, o requerimento subscrito pelo Sr. Solicitador no qual menciona: (…) vem dizer tal como o senhor solicitador reconhece as notificações foram efectuadas na pessoa do Sr. advogado B... quando deveriam ter sido na pessoa do signatário do presente requerimento como impõe o nº 3 do artigo 253º do CPC (…). Ora, este requerimento deu entrada em Tribunal no dia 2 de Junho de 2008 e daí que se tenha considerado e bem que mesmo a existir nulidade – artigo 201º, nº 1 do CPC – a mesma estava sanada nos termos do disposto no nº 1 do artigo 205º e 153º, nº 1 ambos do CPC.,

            Assim, mesma a discordar-se da interpretação conferida ao artigo 253º, nº 3 do CPC há muito que a irregularidade estava sanada pelo decurso do prazo.


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            4.3 – Litigância de má-fé

            Defende a agravante que sem motivo justificativo foi condenada como litigante de má-fé.

            Embora entendamos que a condenação da agravante como litigante de má fé esbarra no facto de ter não sido respeitado o contraditório configurando-se, assim, como uma decisão surpresa – artigo 3º do CPC – na medida em que a Exma. Juiz condenou a agravante sem previamente a ter notificado para o efeito, a verdade é que consideramos que a situação em apreço não preenche nenhum dos requisitos enunciados no nº 2 do artigo 456º do CPC. Com efeito, a reclamante/agravante defende que a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 886ºA do CPC devia ter sido feita na pessoa do seu solicitador e não na pessoa do seu advogado. Ora, no plano teórico e tal como está redigido o nº 3 do artigo 253º do CPC é uma posição que até tem suporte numa interpretação literal do preceito e que só é posta em causa quando confrontada com a previsão do nº 1 do mesmo artigo ex vi artigos 32º, nºs 1 e 2 e 886ºA do CPC.

            Assim e sem necessidade de outros considerandos procede, nesta parte, o recurso.


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            Resumindo:

I. A interpretação a conferir aos nºs 1 e 3 do artigo 253º do CPC, não pode deixar de ter em conta o disposto no artigo 32º, nº 1 e 2 do CPC.

II. A parte que esteja apenas, representada por advogado – toda e qualquer notificação é feita na pessoa do seu mandatário judicial.

III. A parte que constitui em simultâneo advogado e solicitador, há que distinguir:

A. Requerimentos onde se suscitem questões de direito – obrigatoriamente subscrito por advogado – alíneas a) a c) do 32º do CPC – cujas decisões devem ser obrigatoriamente notificadas ao ilustre mandatário – artigo 253º, nºs 1 e 3 do CPC – sob pena de nulidade – artigo 201º, nº 1 do CPC

B. Requerimento subscrito por solicitador em que se não levantem questões de direito – nº 2 do artigo 32º do CPC – a decisão/despacho que sobre ele recaia deve ser, apenas, a este ser notificado – artigo 253º, nº 3 do CPC.

C. Requerimento subscrito em simultâneo por advogado e solicitador constituídos, no qual se suscitem questões de direito – só àquele deve ser notificado o despacho/decisão – nº 1 do artigos 253º ex vi 32º, nº 1, alíneas a) a c) ambos do CPC.

D. Requerimento subscrito em simultâneo por advogado e solicitador onde não se suscitem questões de direito – a notificação pode ser feita quer na pessoa do ilustre advogado quer na pessoa do Sr. solicitador – artigos 253º, nºs 1 e 3 ex vi 32º, nº 2 ambos do CPC.


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            Decisão

            Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente revoga-se a decisão recorrida na parte em que condenou a agravante como litigante de má fé.


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            No mais matem-se a decisão recorrida.

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            Custas a cargo da agravante.

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            Notifique.

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            Coimbra[7], 9 de Dezembro de 2008


[1] É dominantemente entendido que o vocábulo «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. STJ, datado de 2.10.2003, proferido no âmbito do recurso de revista nº 2585/03 da 2ª Secção.
[2] Solicitador de Execução.
[3] Cf. artigo 116º do Código do Notariado.
[4] Considerando que os nºs 1 e 3 do artigo 253º do CPC não distinguem as notificações que devem ser feitas ao mandatário e solicitador constituídos, a sua distinção há-de ser feita à luz do que determinam os nºs 1, alíneas a) a c) e nº 2 do artigo 32º do CPC.
[5] O preâmbulo do DL nº 457/80, de 10.1º que aditou o nº 3 ao artigo 253º do CPC não fez qualquer referência aos motivos que subjazeram a tal aditamento.
[6] Oficiosa no sentido de integrar o âmbito de competências do solicitador de execução.
[7] Acórdão elaborado e revisto pelo relator.