Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
147/06.0TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
CONTRATO DE CONCESSÃO
RESOLUÇÃO CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DE CLIENTELA
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 31º E 33º DO DL 178/86, DE 3/07.
Sumário: I – O contrato de fornecimento é o contrato pelo qual uma parte se obriga, mediante pagamento de um preço, a executar, a favor da outra, prestações periódicas ou continuadas de coisas.

II - Nos casos em que o fornecedor se obriga a transmitir a propriedade de coisas à contraparte, este tipo contratual aproxima-se da compra e venda, apresentando-se como um negócio definitivo e unitário, cujas prestações se sucedem e prolongam no tempo.

III - No contrato de concessão comercial, que se insere na categoria jurídica dos contratos de distribuição, o concedente obriga-se a vender certos produtos ao concessionário, para que este os revenda a terceiros.

IV - Deste contrato resulta para o concessionário a obrigação de comprar certos produtos ao concedente nos termos previamente estabelecidos, com a finalidade vinculística da sua revenda, e, para este, a obrigação de vender os produtos do concessionário, obrigando-se as partes à celebração de sucessivos contratos de compra e venda.

V - Além de neste último tipo contratual não existir um único negócio de transmissão da propriedade, é seu elemento essencial, e estranho ao contrato de fornecimento, a obrigação do concessionário revender os produtos comprados ao concedente e de exercer uma actividade de promoção da revenda.

VI - A concessão comercial apresenta-se como um contrato juridicamente inominado que, em traços gerais, se pode descrever como aquele em que um comer­ciante independente – o concessionário – se obriga a comprar a outro – o concedente – determinada quantidade de bens de marca, para os revender ao público em deter­minada área territorial, e, normalmente, mas nem sempre, com direito de exclusivi­dade.

VII - São indispensáveis à caracterização deste contrato a relação dura­doura entre o fornecedor e o distribuidor, a actuação do concessionário em nome e por conta própria, a obrigação do concessionário promover a revenda dos bens adquiridos ao concedente na respectiva zona, constituindo os bens produzidos ou meramente entregues pelo fornecedor o objecto mediato do contrato, a obrigação futura de compra e venda por concessionário e concedente dos produtos objecto do contrato e a obrigação do concessionário orientar a sua actividade em função das finalidades do contrato e do concedente lhe fornecer os meios necessários ao exercí­cio da sua actividade.

VII - É unanimemente aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência que o contrato de concessão comercial, não tendo regulamentação específica por não se enquadrar em nenhum dos contratos legalmente previstos, obriga a que a mesma se encontre nas cláusulas negociais, no regime do contrato de agência – contrato tipificado com o que apresenta mais semelhanças – de acordo com o disposto no art.º 10º, do C. Civil e, nos princípios gerais do direito das obrigações.

VII - A vocação do regime previsto no DL 178/86, de 3.7, com as altera­ções introduzidas pelo DL 118/93, de 13.4., para efeitos de aplicação ao contrato de concessão, sobretudo em matéria de cessação, foi desde logo reconhecida textual­mente pelo legislador no preâmbulo do primeiro daqueles diplomas.

VIII - A resolução é um modo de cessação da relação contratual, operando por declaração unilateral.

IX - Atentas as características e fim do contrato de concessão comercial não é exigível que o concessionário continue vinculado ao mesmo, quando a outra parte recusa de forma persistente, sem qualquer causa justificativa, fazer os necessários fornecimentos ao desenvolvimento da sua actividade.

X - Actuando o concessionário em nome próprio, no desenvolvimento da sua actividade, a recusa persistente de fornecimento dos produtos pelo concedente, impossibilita a manutenção desse contrato, estando assim justificada a resolução levada a efeito pelo Autor, uma vez que a mesma também, nos moldes em que foi efectuada, deu cumprimento ao formalismo exigido pelo art.º 31º, do DL 178/86, respeitando a forma e prazo e, indicando as razões que a justificam.

XI - A indemnização de clientela, sendo própria do contrato de agência, é extensível, por analogia, ao contrato de concessão, uma vez verificados os necessá­rios pressupostos.

XII - Nos termos do art. 33º, nº 1 do já mencionado DL n.º 178/86, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos nego­ciados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).

Decisão Texto Integral:              Autor: A...
             Ré: B...
                                             *
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra 

O Autor intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a importância global de € 66.756,77, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese:
Ø Entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato não reduzido a escrito, mas através do qual a Ré concedeu ao Autor o direito de revenda de café e seus derivados de marca B... por ela comercializados e de que é detentora, junto de estabelecimentos de cafetaria, bares, restaurantes e similares, em regime de exclusi­vidade, como seu concessionário, em determinada área geográfica e por tempo indeterminado, tendo-se também o Autor obrigado perante a concedente, ora Ré, a adquirir os produtos desta, também em exclusividade e proceder à sua revenda e promoção, por conta e em nome próprio do Autor.
Ø O Autor não tinha qualquer retribuição pelo exercício dessa actividade e assumia os riscos da comercialização, não tendo também sido estabelecida uma quota mínima na venda ou limite mínimo de clientes.
 Ø No entanto, o Autor empenhava-se em aumentar o número de vendas e na promoção dos produtos, tendo sido determinante no aumento do número de clientes da Ré e na sua implantação na zona, tendo sido o Autor quem lançou a marca B... e conseguido uma evolução muito positiva no volume de vendas, sendo que em 10 anos de vigência do contrato conseguiu uma média anual superior a € 75.000.
Ø A marca B... é actualmente conhecida na zona devido ao trabalho e empenho do Autor, que nas vendas auferia uma margem de lucro de 30%.
Ø Devido ao volume de vendas e à crescente confiança com a Ré e os seus administradores, o Autor, atentas as expectativas, acabou por adquirir, para um melhor desenvolvimento da sua actividade comercial, um veículo novo e iniciou a construção de um armazém.
Ø Por razões desconhecidas do Autor, a Ré deixou de efectuar os forne­cimentos que lhe eram solicitados pelo Autor, não dando qualquer resposta às encomendas feitas e cartas enviadas para o efeito, pelo que o Autor, concedendo-lhe uma prazo para satisfazer a encomenda, advertiu-a do seu direito de resolução do contrato e como a Ré nada fez, o Autor considerou resolvida a relação contratual a partir de 27 de Março de 2006.
Ø  Em consequência da conduta da Ré o Autor sofreu danos não patri­moniais, pelo abalo sofrido e depressão que teve e também patrimoniais, em virtude das despesas fez e que não estão agora a dar frutos, ou seja, pelo dano de confiança em montante não inferior a € 30.000 e ainda a título de indemnização de clientela no montante de € 31.756,77.
Concluiu pela procedência da acção.

A Ré contestou, alegando, em síntese:
Ø  O Autor sempre actuou por conta própria e no seu exclusivo interesse, pelo que a Ré nada tem que ver com as despesas ou os investimentos que ele fez.
Ø Era sempre a Ré quem tinha de disponibilizar equipamento e fazer as ofertas para celebrar os contratos com os clientes finais, limitando-se o Autor a dar os contratos aos clientes para os assinarem e depois entregá-los à Ré.
Ø Muitas vezes o Autor não era sequer diligente no que fazia e a Ré, depois de finda a relação, veio a constatar que havia mesmo contratos que os clientes nunca tinham assinado.
Ø Desde Março de 2006, o Autor vendia cafés de outra marca, designa­damente Camelo.
Ø O Autor deixou de proceder ao pagamento tempestivo das facturas e a partir de determinada altura a Ré resolveu deixar de admitir tais atrasos sistemáticos no pagamento e enquanto o Autor não regularizasse a situação, deixou de lhe fornecer o café, dado que já por várias vezes tinha sido avisado de que tal iria acontecer caso não pagasse atempadamente os fornecimentos que lhe eram feitos.
Ø  Foi o Autor que se colocou numa situação de incumprimento ao não efectuar os pagamentos devidos no prazo acordado, pelo que estava a Ré legitimada a suspender os fornecimentos.
Ø Apesar de invocar a resolução, o Autor limitou-se a denunciar o con­trato, o que sempre teria de ser feito com aviso prévio não inferior a 6 meses, pelo que estaria obrigado a indemnizar a Ré, nos termos do artigo 29º do DL 178/86.
Ø O B... tinha já implantação na zona antes do Autor e os clientes existiam devido às condições que a Ré lhe propôs e aos investimentos que esta teve de fazer, e não a qualquer trabalho do Autor.
Ø O Autor já era comerciante quando fez o acordo com a Ré e continuou a sê-lo depois, necessitando para tanto, quer do armazém, quer do veículo.
Ø Quanto aos danos não patrimoniais, nada é devido ao Autor, dado que foi ele quem resolveu injustificadamente o contrato.
Concluiu pela improcedência da acção e deduziu pedido reconvencional, alegando que foi o Autor quem injustificadamente resolveu o contrato, pelo que deverá indemnizá-la nos termos gerais ou nos termos do artigo 32º do DL 176/86 e também nos termos do artigo 29º, já que o fez sem pré-aviso.
Formula o pedido de condenação do Autor a pagar-lhe, a título de indem­nização pelos danos que com a sua conduta lhe causou, montante não inferior a  €  32.800.

O Autor apresentou réplica, respondendo à contestação e contestando o pedido reconvencional, mantendo no essencial o alegado na petição inicial, quer quanto à qualificação do contrato, quer quanto aos fundamentos da resolução e danos verificados e, impugnando o alegado pela Ré no que se reporta ao atraso nos pagamentos.
 Concluiu ainda pela improcedência do pedido reconvencional.

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos termos seguintes:
Pelo exposto decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente em consequência:
 - condenar a Ré “B...” a pagar ao Autor A... a quantia de € 15.000, a título  de indemnização de clientela, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado pelo Autor.
- absolver o Autor A... do pedido reconven­cional deduzido pela Ré  “B...”.

                                             *
Inconformados com esta decisão dela recorreram Autor e Ré, apresentado as seguintes conclusões, respectivamente:

1 - Autor:
(…)
Conclui pela procedência do recurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2 – Ré:
(…)
Conclui pela procedência do recurso.

O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Ré.
                                             *
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações dos recorrentes, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) As respostas dadas aos quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 25º, 31º, 35º, 36º, 37º, 40º, 46º, 47º, 51º e 52º devem ser alteradas?
b) A relação comercial existente entre o Autor e a Ré não configura um contrato de concessão comercial, mas sim um contrato de fornecimento?
c) O Autor não tinha causa justificativa para resolver o contrato?
d) O pedido reconvencional formulado pela Ré deve ser julgado proce­dente?
e) O Autor tem direito a ser indemnizado pelos danos morais sofridos?
f) O Autor tem direito a ser indemnizado dos investimentos que efectuou com vista à manutenção do contrato de concessão?
g) A indemnização de clientela atribuída ao Autor é insuficiente?

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2. Dos factos
(…)
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3. Do Direito Aplicável
3.1. Da natureza do contrato
A Ré discorda da qualificação jurídica efectuada na decisão recorrida do contrato que existia entre si e o Autor, defendendo que, não se verificando os elementos necessários que o permitam caracterizar como um contrato de concessão comercial, estamos perante um contrato de fornecimento.
O contrato de fornecimento é o contrato pelo qual uma parte se obriga, mediante pagamento de um preço, a executar, a favor da outra, prestações periódicas ou continuadas de coisas [1] . Nos casos em que o fornecedor se obriga a transmitir a propriedade de coisas à contraparte, este tipo contratual aproxima-se da compra e venda, apresentando-se como um negócio definitivo e unitário, cujas prestações se sucedem e prolongam no tempo.
O fundamento deste contrato é a satisfação continuada de uma necessi­dade duradoura da parte que é fornecida.
No contrato de concessão comercial, que se insere na categoria jurídica dos contratos de distribuição[2], o concedente obriga-se a vender certos produtos ao concessionário, para que este os revenda a terceiros. Deste contrato resulta para o concessionário a obrigação de comprar certos produtos ao concedente nos termos previamente estabelecidos, com a finalidade vinculística da sua revenda, e, para este, a obrigação de vender os produtos do concessionário, obrigando-se as partes à celebração de sucessivos contratos de compra e venda.
Além de neste último tipo contratual não existir um único negócio de transmissão da propriedade, é seu elemento essencial, e estranho ao contrato de fornecimento, a obrigação do concessionário revender os produtos comprados ao concedente e de exercer uma actividade de promoção da revenda [3].
Para a determinação da qualificação a fazer da relação existente entre o Autor e a Ré temos que analisar os factos que resultaram provados e que nos permi­tirão caracterizá-la.
Assim:
I – O Autor procedia, por sua conta e em nome próprio, à venda de café e seus derivados, da marca “B...”, numa área geográfica que compreendia os concelhos da Guarda, Figueira de Castelo Rodrigo, Meda, Trancoso, Pinhel, Sabugal e Almeida (alínea A) da factualidade assente).
II – Sem direito a qualquer retribuição pelo exercício dessa actividade comercial, assumindo o Autor todos os riscos decorrentes da comercialização dos produtos, e sem que, entre as partes contraentes tivesse sido estabelecida qualquer quota mínima na venda dos produtos ou qualquer limite do número de clientes (alínea C) da factualidade assente).
III – A Ré nos dois ou três dias seguintes à encomenda por parte do Autor procedia à entrega dos produtos encomendados (alínea D) da factualidade assente).
IV – O Autor obrigou-se para com a Ré a adquirir produtos por ela comercializados e a proceder à sua revenda e promoção (alínea E) da factualidade assente).
V – Por tempo indeterminado (alínea B) da factualidade assente).
IX – A Ré dedica-se à venda de cafés e seus derivados desde 1980 (alínea I) da factualidade assente).
X – Em Junho de 1996, a Ré concedeu ao Autor direito de revenda de café e seus derivados da marca “B...”, por ela comercializados e de que é deten­tora, junto dos seus estabelecimentos de cafetaria, bares, restaurantes e similares (resposta ao artigo 1º da base instrutória)
XI – Em regime de exclusividade na área descrita em I (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
XXX – A Ré comprometeu-se com o Autor a fornecer café e seus deriva­dos, conforme tipo e quantidades solicitadas pelo Autor, enquanto este, de forma autónoma, providenciava pelos meios para exercer a sua actividade (resposta ao artigo 26º da base instrutória).
XXXI – A Ré era alheia a tais meios (resposta ao artigo 27º da base instrutória).
XXXII – A Ré apenas se limitava a fazer chegar a encomenda ao local indicado pelo Autor (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
XXXIII – Como contrapartida pela revenda em exclusivo dos cafés e derivados de marca “B...”, a Ré acordou com o Autor a oferta de café, na propor­ção de 30% relativamente ao kgs adquiridos (resposta ao artigo 29º da base instrutória).
XXXIV – Só com o investimento feito pela Ré com a entrega a determi­nados clientes que exigiam máquina de café, moinho, cadeiras, mesas, toldos, podia o Autor ficar a fornecer tais clientes (resposta ao artigo 30º da base instrutória).
Da análise destes factos resulta inequívoco que a relação entre Autor e Ré não é passível de ser reconduzida ao contrato de fornecimento, porquanto aquele obrigou-se a comprar produtos à Ré e proceder à sua revenda e promoção. Sendo esta obrigação um elemento inexistente dos contratos de fornecimento, é-nos permi­tido concluir que não estamos perante um contrato de fornecimento.
A concessão comercial constitui, ao mesmo tempo, um método de orga­nização das relações entre produtor e distribuidor e uma técnica de distribuição de produtos no mercado. A operação económica que subjaz a este contrato, interme­diando a produção e o consumo, visa precisamente a comercialização de um produto ou gama de produtos.
A concessão comercial apresenta-se como um contrato juridicamente inominado que, em traços gerais, se pode descrever como aquele em que um comer­ciante independente – o concessionário – se obriga a comprar a outro – o concedente – determinada quantidade de bens de marca, para os revender ao público em deter­minada área territorial, e, normalmente, mas nem sempre, com direito de exclusivi­dade [4].
O concessionário obriga-se, em regra, a comprar uma quantidade de pro­dutos durante certo período, pelos quais paga um preço, e a revendê-los à sua clientela. Por vezes, estabelecem-se obrigações acessórias, como a obrigação de adquirir e/ou vender uma quantidade mínima de produtos e ainda a não adquirir os mesmos produtos a empresas diferentes e de publicitar esses mesmos produtos.
A obrigação de revenda constitui o núcleo central do contrato do contrato de concessão, agindo o concessionário em nome próprio e por sua conta. O conces­sionário é proprietário dos produtos que distribui e a sua contrapartida económica traduz-se na diferença entre o preço por que compra os produtos e o preço por que os revende.
Assim, são indispensáveis à caracterização deste contrato a relação dura­doura entre o fornecedor e o distribuidor, a actuação do concessionário em nome e por conta própria, a obrigação do concessionário promover a revenda dos bens adquiridos ao concedente na respectiva zona, constituindo os bens produzidos ou meramente entregues pelo fornecedor o objecto mediato do contrato, a obrigação futura de compra e venda por concessionário e concedente dos produtos objecto do contrato e a obrigação do concessionário orientar a sua actividade em função das finalidades do contrato e do concedente lhe fornecer os meios necessários ao exercí­cio da sua actividade.
Da análise conjugada de todos os factos provados, considerando a noção de contrato de concessão comercial e dos seus elementos caracterizadores, entende­mos, nos mesmos termos em que o fez a decisão recorrida, que estamos face a um contrato de concessão comercial.
É unanimemente aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência que o contrato de concessão comercial, não tendo regulamentação específica por não se enquadrar em nenhum dos contratos legalmente previstos, obriga a que a mesma se encontre nas cláusulas negociais, no regime do contrato de agência – contrato tipificado com o que apresenta mais semelhanças – de acordo com o disposto no art.º 10º, do C. Civil e, nos princípios gerais do direito das obrigações.
A estrutura do contrato de agência e do contrato de concessão é muito parecida, pelo que se justifica que à concessão sejam aplicáveis, por analogia, algumas normas que regulamentam especificamente a agência – art.º 10º, n.º 1 e 2, do C. Civil.
Aliás, a vocação do regime previsto no DL 178/86, de 3.7, com as altera­ções introduzidas pelo DL 118/93, de 13.4., para efeitos de aplicação ao contrato de concessão, sobretudo em matéria de cessação, foi desde logo reconhecida textual­mente pelo legislador no preâmbulo do primeiro daqueles diplomas.
Como é sabido, o contrato de concessão não goza de um regime próprio, estando assim submetido ao que as partes tenham concretamente estipulado, ao abrigo da liberdade contratual – art.º 405° do C. Civil –, aplicando-se, subsidiaria­mente, por analogia, a disciplina pertinente aos contratos afins, em especial o regime do contrato de agência

3.2 Da ausência de justificação para a resolução do contrato efec­tuada pelo Autor

No caso que nos ocupa o Autor, face ao não fornecimento pela Ré do café por ele solicitado através de cartas registadas de 20.2.06 e de 27.2.06 e e-mail de 2.3.06, em 16.3.06 enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, solici­tando que no prazo de sete dias a Ré procedesse ao envio da quantidade de café encomendada e caso assim não acontecesse a relação contratual deixaria de vigorar e actuaria em conformidade – factos provados VI, VII, VIII, XXIV, XXV.
Entendeu-se na decisão recorrida que esta atitude do Autor configura a resolução do contrato pelo mesmo com fundamento no incumprimento contratual da Ré.
Por sua vez a Ré, defende que a razão de ter deixado de fornecer café ao Autor é consequência do incumprimento, por parte deste, do pagamento das facturas nos prazos acordados.
Ora, não resultou provado que o Autor não tenha procedido ao paga­mento de fornecimentos de café nos prazos acordados, pelo que não é possível concluir que a recusa da Ré em efectuar mais fornecimentos de mercadoria ao Autor estivesse coberta pela figura da excepção de não cumprimento, nos termos do art.º 428.º, do C.Civil.
Para que se pudesse concluir pela licitude dessa recusa deveria a Ré ter provado, como era seu ónus, qual que o Autor não tinha satisfeito a sua prestação de pagamento do preço nos prazos acordados, para que se pudesse constatar uma situação de incumprimento da prestação a cargo deste, que justificasse a suspensão da obrigação da Ré fornecer as mercadorias acordadas.
Não se demonstrando qualquer causa justificativa para a Ré incumprir esta obrigação, assistia ao Autor o direito de resolver o contrato.
Na verdade, quanto à resolução do contrato dispõe o art.º 30º, do DL 178/76, de 3.7:
O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes:
a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual;
b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
O Autor, face ao não fornecimento pela Ré dos produtos encomendados e depois de algumas insistências, por carta registada com aviso de recepção, mais uma vez deu-lhe conhecimento dos fornecimentos em falta, fixando-lhe para esse cum­primento o prazo de 7 dias, decorridos os quais considerava extinta a relação comer­cial que os unia.
A resolução é um modo de cessação da relação contratual, operando por declaração unilateral.
Do citado art.º 30º resulta a exigência da verificação de um de dois fun­damentos para que a resolução possa ser accionada: incumprimento contratual imputável à contraparte, que pela sua gravidade ou reiteração, torne inexigível a subsistência do vínculo contratual ou quando se verificarem circunstâncias que impossibilitem ou dificultem gravemente a realização do fim contratual, em termos que tornem inexigível a manutenção do contrato.
No caso de incumprimento contratual, previsto na alínea a), daquele artigo, exige-se que esse incumprimento resulte de acto culposo da contraparte e que o mesmo justifique a inexigibilidade da continuação do contrato.
O Autor só fez cessar a relação contratual após uma atitude reiterada da Ré em não proceder aos fornecimentos solicitados.
O incumprimento pela Ré do contrato presume-se culposo, nos termos do art.º 799º, do C. Civil.
Atentas as características e fim do contrato de concessão comercial não é exigível que o concessionário continue vinculado ao mesmo, quando a outra parte recusa de forma persistente, sem qualquer causa justificativa, fazer os necessários fornecimentos ao desenvolvimento da sua actividade.
Actuando o concessionário em nome próprio, no desenvolvimento da sua actividade, a recusa persistente de fornecimento dos produtos pelo concedente, impossibilita a manutenção desse contrato, estando assim justificada a resolução levada a efeito pelo Autor, uma vez que a mesma também, nos moldes em que foi efectuada, deu cumprimento ao formalismo exigido pelo art.º 31º, do DL 178/86, respeitando a forma e prazo e, indicando as razões que a justificam.

3.3 Do pedido reconvencional

Formulou a Ré, alicerçando-se na inexistência de causa justificativa para a resolução pelo Autor do contrato, pedido reconvencional de indemnização pelos prejuízos causados pela cessação ilegítima e sem pré-aviso do contrato.
Ora, tendo-se já apurado que o Autor para pôr termo à relação contratual com a Ré, usou legitimamente do mecanismo da resolução e não da denúncia, tal pedido teria necessariamente que improceder, como concluiu a sentença recorrida.

3.4 Das indemnizações reclamadas pelo Autor

O Autor formulou pedidos de indemnização pelos danos não patrimoniais e pelos danos resultantes de investimentos que fez na perspectiva da manutenção do contrato que lhe advieram da conduta da Ré, e ainda pela clientela ganha para a Ré
O n.º 1, do art.º 32º, do DL 178/86, dispõe:
Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem direito a ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra.

3.4.1 Dos danos morais

Para fundamentar este pedido o Autor invocou o abalo emocional que sofreu em consequência do comportamento culposo da Ré o qual lhe causou uma depressão reactiva, a amargura que sentiu por deixar de contactar com os clientes que também eram seus amigos, bem como a incerteza que lhe adveio do seu futuro profissional.
 A decisão recorrida, entendendo que tais danos a provarem-se, eram indemnizáveis no quadro da responsabilidade contratual, concluiu que a factualidade provada não era suficiente para o justificar, dado que um simples aborrecimento não se pode subsumir ao conceito de dano de tal modo grave que justifique a tutela do direito.
Os danos não patrimoniais também são indemnizáveis na responsabili­dade contratual, desde que assumam uma gravidade que justifique a sua reparação.
Para ser indemnizável o dano não patrimonial terá de apresentar uma gra­vidade tal que reclame a protecção do direito, nos termos do disposto pelo art.º 496º, do C. Civil, não se justificando a compensação pecuniária de prejuízos insigni­ficantes ou de diminuto valor, que todos devem suportar num contexto de adequação social, como acontece com os incómodos, desgostos e contra­riedades de diminuta expressão.
Quanto aos danos morais alegados pelo Autor apenas se provou que o Autor ficou aborrecido com a situação ocorrida com a Ré.
Ora, um simples aborrecimento no mundo dos negócios insere-se segu­ramente num contexto de adequação social, não se justificando a intervenção do direito para compensar um dano insignificante.
Concorda-se, pois, com a decisão recorrida julgando-se que o simples aborrecimento do Autor não justifica a atribuição de qualquer indemnização.

3.4.2 Dos investimentos realizados pelo Autor

Para fundamentar este pedido alega o Autor que, na expectativa de melhor conseguir os seus objectivos comerciais, devido ao aumento que se foi verificando no volume de vendas e na convicção de continuidade da relação contra­tual, decidiu adquirir uma viatura nova, bem como, para melhor acondicionamento dos produtos fornecidos pela Ré para revenda, iniciou a construção de um armazém.
Mais alegou que, caso não consiga retomar outra actividade terá de se desfazer de tal armazém, não conseguindo recuperar a totalidade do investimento feito e que os investimentos referidos, depois da quebra da relação contratual com a Ré, não lhe têm proporcionado qualquer rendimento, apesar de se manterem os encargos bancários com a aquisição da viatura e construção do armazém.
Concluiu, requerendo pela total improdutividade presente e futura dos investimentos feitos na previsão da continuidade da relação com a Ré uma indemni­zação de € 30.000,00.
Independentemente da questão da possibilidade do Autor poder deduzir este pedido num quadro resolutivo, o que é certo é que não logrou fazer a prova que os referidos investimentos tenham sido efectuados na perspectiva da manutenção do contrato de concessão que o unia à Ré, pelo que, não estando demonstrados os danos invocados, tal pedido necessariamente tinha de ser julgado improcedente.

3.4.3 Do montante da indemnização de clientela

A indemnização de clientela, sendo própria do contrato de agência, é extensível, por analogia, ao contrato de concessão, uma vez verificados os necessá­rios pressupostos.
Nos termos do art. 33º, nº 1 do já mencionado DL n.º 178/86, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos nego­ciados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).
Resultando da matéria de facto provada a verificação destas três situações conforme se explica na sentença recorrida, resta verificar se o montante fixado para esta indemnização é o adequado.
O Autor havia peticionado o pagamento duma indemnização de clientela equivalente à média anual dos rendimentos auferidos pelo Autor com a revenda dos produtos fornecidos pela Ré, nos últimos 5 anos, ou seja € 31.756,77.
A sentença recorrida condenou a Ré apagar uma indemnização de clien­tela no valor de € 15.000.
A indemnização de clientela não é uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação pelos benefícios proporcionados pelo concessionário ao concedente, benefícios esses que na vigência do contrato eram comuns mas que após a cessação irão aproveitar apenas ao concedente.
Mesmo que o agente não sofra um prejuízo específico justifica-se essa compensação pelos benefícios que a outra parte venha a conseguir, independente­mente de eles já se terem verificado, bastando a possibilidade de eles virem a ocorrer.
A determinação do montante indemnizatório deve ser feita segundo crité­rios de equidade, de acordo com o disposto no art. 34º, do citado DL n.º 178/86, estabelecendo-se ainda que o mesmo não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; ou da média do período em que esteve em vigor, se durar há menos tempo.
Uma vez que o concessionário não é remunerado, a indemnização deve ser calculada em função do rendimento médio anual auferido pelo concessionário durante os últimos cinco anos ou da média do período em que o contrato esteve em vigor, nos casos em que a sua duração é inferior a 5 anos.
No entanto, segundo os critérios de equidade não está o julgador sujeito aos rígidos critérios legais, antes deve ponderar e adoptar a solução que melhor se adapte à situação concreta.
Para fixar o montante indemnizatório há que considerar as seguintes cir­cunstâncias:
- a relação de concessão com o Autor teve uma duração de cerca de 10 anos;
- antes de ser estabelecida esta relação a Ré pouco vendia os seus produ­tos na região confinada ao distrito da Guarda, sendo aí pouco conhecida a marca dos produtos por ela comercializados;
- o Autor contribuiu para o lançamento da marca dos produtos da Ré, tendo pela sua acção aumentado as vendas desses produtos na região da Guarda;
- a maioria dos clientes que a partir de 1996, na área do distrito da Guarda, passaram a consumir os produtos da marca B..., foram angariados pelo Autor;
- o volume de vendas efectuado pelo Autor, desde o início do contrato até 27 de Março de 2006, foi o seguinte, sendo certo que a sua margem de lucro era de 30%:
ano de 1996 - € 30961,71
ano de 1997 - € 37766,12
ano de 1998 - € 74000,99
ano de 1999 - € 74241,62
ano de 2000 – € 111507, 24
ano de 2001 – € 89571,97
ano de 2002 – € 92894,29
ano de 2003 - € 69056,18
ano de 2004 - € 95070,13
ano de 2005 - € 76831,12
- após ter cessado a relação contratual entre Autor e Ré esta arranjou outro revendedor na zona e durante algum tempo teve algumas dificuldades em vender os seus produtos de forma regular como o fazia antes.
Tendo em consideração que a actividade desenvolvida pelo Autor se revelou muito importante para o lançamento da marca dos produtos da Ré na região da Guarda e que é provável que esta irá beneficiar dessa actividade, deve o montante indemnizatório, relativamente ao fixado pela sentença recorrida, aproximar-se mais do valor máximo desta indemnização e que corresponde ao rendimento médio anual auferido pelo Autor durante os últimos cinco anos.
Assim, num juízo de equidade, entende-se mais adequado o arbitramento de €. 20.000 de indemnização de clientela, alterando-se, em conformidade a sen­tença recorrida.
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Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência, altera-se o montante da indemnização que a Ré foi condenada a pagar ao Autor para € 20.000, mantendo-se o demais decidido.
Custas do recurso interposto pelo Autor, por este, na proporção de 90%, e pela Ré, na proporção de 10%.
Custas do recurso interposto pela Ré, por esta.

                                                                       Coimbra, 15 de Julho de 2009.

[1] Maria Helena Brito, in O Contrato de Concessão Comercial, pág. 133, ed. 1990, Almedina.

[2] António Pinto Monteiro, in Contratos de Distribuição Comercial, pág. 70, ed. 2002, Almedina.

[3] Maria Helena Brito, ob. citada, pág. 135.
[4]  Sobre as características deste contrato,  Maria Helena Brito, na ob. cit., pág. 54 e seg., Pedro Romano Martinez, em Contratos comerciais, pág. 9-10, da ed. de 2001, da Principia, Menezes Cordeiro, em  Manual de direito comercial, I vol., pág. 509-510, da ed. de 2001, da Almedina, e Pinto Monteiro, na ob. cit., pág. 105-111.