Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2466/20.3T8VIS-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS DA SUA APLICAÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 531º NCPC E 27º, Nº 4 DO RCP.
Sumário: I - Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excecional (art.531º do Código de Processo Civil), a natureza manifestamente improcedente de certo pedido e uma atuação processual imprudente, reveladora de violação do dever de diligência.

II - A taxa será aplicada em situações excecionais, ou seja, quando o sujeito tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

III - A justificação da norma permite verificar que a mesma tem proximidade com o instituto da litigância de má fé, na medida em que ambos surgem como institutos processuais, de tipo público e que visam o policiamento do processo.

IV - Sendo assim, fazem sentido os critérios previstos no art.27º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, ao preceituar que a fixação da sanção é feita “tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.

Decisão Texto Integral:








Sumário:

Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excecional (art.531º do Código de Processo Civil), a natureza manifestamente improcedente de certo pedido e uma atuação processual imprudente, reveladora de violação do dever de diligência.

A taxa será aplicada em situações excecionais, ou seja, quando o sujeito tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

A justificação da norma permite verificar que a mesma tem proximidade com o instituto da litigância de má fé, na medida em que ambos surgem como institutos processuais, de tipo público e que visam o policiamento do processo.

Sendo assim, fazem sentido os critérios previstos no art.27º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, ao preceituar que a fixação da sanção é feita “tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.


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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

O exequente, tomando posição quanto ao decidido pelo tribunal no despacho datado de 07.01.2021, vem declarar, de modo que aqui se resume, que optou por prescindir da garantia dada por terceiros, requerendo que a execução se mantenha apenas contra a devedora U... e que se mantenham as penhoras.

“Embora esteja esgotado o nosso poder jurisdicional quanto à questão suscitada e haja já recurso para sindicar essa nossa decisão, não podemos deixar de anotar que a exequente, por requerimento datado de 15.12.2020 com a referência ..., em resposta à notificação que o tribunal lhe dirigiu em 02.12.202, declarou pretender acionar as garantias hipotecárias prestadas por terceiros à divida da sociedade executada U..., SA, tendo vindo, de modo incompreensível, na sequência da nossa decisão de a convidar a fazer intervir esses terceiros (através do competente incidente de intervenção principal provocada, sob pena de, não o fazendo, se reconhecer que ocorre ilegitimidade passiva para a execução), “dar o dito, pelo não dito”.

“Neste conspecto, a pretensão da exequente, manifestada no requerimento em epígrafe, para além de não ter qualquer fundamento legal (dado que, reafirma-se, foi introduzida em juízo depois de esgotado o nosso poder decisório), contraria a posição material e processual por si antes assumida (de pretender acionar as garantias hipotecárias), levando a que, de modo, no mínimo, imprudente o tribunal fosse obrigado a decidir um incidente manifestamente improcedente.

“Destarte, decide-se indeferir o requerido pelo exequente e decide-se condená-lo, pelos motivos supra expostos, em taxa sancionatória excecional, prevista no artigo 531.º do CPC, que se fixa em 5 UC de taxa de justiça.” (Fim da citação.)


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            Inconformado, o Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A. O Tribunal a quo condenou o Exequente, aqui Recorrente, em taxa sancionatória excecional, prevista no art.531.º do CPC, fixada em 5UC.

B. O Recorrente discorda, totalmente, com o entendimento do Tribunal a quo, considerando que não se verifica fundamento para aplicação daquela taxa excecional, verificando-se, a todas as luzes, falta de fundamentação no que respeita à determinação do valor em 5 UC.

C. O teor do requerimento do Recorrente de 19.01.2021 tem necessariamente que ser analisado em confronto com o despacho de 02.12.2020, o requerimento de 15.12.2020, o despacho de 07-01-2021 e com o requerimento de 19.01.2021 os quais, conjuntamente, descrevem a tramitação existente sobre esta matéria.

D. Por meio do despacho de 02.12.2020 o Recorrente foi notificado para esclarecer quais os bens que servem de garantia hipotecária à dívida exequenda e, existindo bens de terceiro que estejam hipotecados a seu favor, informar porque razão não foram essas garantias acionadas.

E. O Recorrente informou o Tribunal dos bens sobre os quais tinham sido constituídas hipotecas para garantia do contrato de mútuo n. º ..., de €3.500.000,00, esclarecendo que os mesmos incluem bens da executada e bens de terceiros, pelo que sempre se teria que entender que tendo todos os bens sido indicados à penhora, foram acionadas as garantias de que o Recorrente dispunha, enquanto exequente.

F. Não é por isso correto afirmar que o exequente, notificado para o efeito, tenha esclarecido que pretendia, efetivamente, acionar as garantias reais de que dispunha para o efeito.

G. O exequente foi notificado, outrossim, para esclarecer quais os bens que serviam de garantia hipotecária à dívida exequenda.

H. Em 19.01.2021 o Exequente, aqui Recorrente, veio esclarecer o Tribunal a quo de que prescindia dos bens prestados em garantia por terceiros, mantendo a sua pretensão manifestada sobre os bens pertencentes à executada.

I. Sucede que tendo o Recorrente conhecimento de que esses mesmos bens dados em garantia por terceiros tinham também sido dados em garantia de comprimento de um contrato de mútuo celebrado entre o Exequente e esses terceiros – A... e M... – relativamente ao qual, em virtude do respetivo incumprimento, deu entrada um outro processo executivo – e cuja divida exequenda corresponde a €3.617.644,54 que corre termos no juízo e execução de Viseu, Juiz 2, sob o n.º ... e constatando que o montante total dos imóveis indicados não é sequer suficiente para o bom cumprimento da divida exequenda no âmbito daquele processo, quanto mais para fazer face a esta execução, optou por não executar nos presentes autos de execução aqueles imóveis de terceiros, facto aliás que lhe é permitido pelo disposto no art.54.º, n.º2 do CPC.

J. O referido art.54.º, n.º2 do CPC, a respeito dos desvios à regra geral de legitimidade prevê expressamente que “A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.” (sublinhado nosso).

K. Esta fundamentação legal, não obstante ser passível de apreciação pelo Tribunal a quo, no sentido decidir pela admissibilidade ou não do aludido requerimento, não poderia consubstanciar fundamento bastante para a decisão de condenação proferida.

L. O art.531.º do CPC que prevê a aplicação daquela taxa sancionatória excecional exige que se verifique a existência de uma manifesta imprudência e falta de diligência o que, a todas as luzes, não se verificou.

M. A consequência de um eventual deferimento deste pedido não implicaria a execução de qualquer manobra dilatória, antes pelo contrário, visou manter o efeito útil da execução em curso, bem como dos bens dados em garantia para “garantir” cerca de €7.000.000,00 (sete milhões e euros), evitando procedimentos meramente dilatórios.

N. Sem prejuízo do exposto e nos termos previstos no art.10.º do Regulamento das Custas Processuais, a taxa sancionatória pode ser fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, sendo certo que na decisão de que se decorre, entendeu o Juiz fixar aquela taxa em 5UC, acima do limite mínimo, sem que se encontra fundamentada esta majoração daquela taxa, com o que também não se concorda.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Questões a decidir:

            A justificação para a condenação em taxa sancionatória excecional.

            A gravidade da condenação.

            Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas, sendo ainda certo (por estar documentado):

Em 02-12-2020, foi proferido o seguinte despacho:

Notifique o exequente para esclarecer (discriminando), em 05 dias, quais são afinal os bens que servem de garantia hipotecária à divida exequenda e, havendo bens de terceiro que estejam hipotecados a seu favor para esse desiderato, informar porque razão não foram essas garantias acionadas.

Em 15.12.2020, respondeu a Exequente:

(…) 3. Esclarece a Exequente, para efeitos do requerido no Despacho que antecede, que os imóveis identificados no n.º 2 do presente - à exceção dos constantes das alíneas j), k), l), m) e n), são propriedade de A... e mulher M...

4. Pelo que, consequentemente, e tendo sido indicados à penhora todos os aludidos bens, sempre se deve concluir que foram, efetivamente, acionadas as garantias de que o Exequente dispunha.

Em 19.01.2021, já depois da decisão de 7.1.2021, que mereceu recurso em separado, julgado por este coletivo, o Exequente veio declarar:

(…) “9. Ora, a verdade é que tendo em conta a factualidade acima mencionada a Exequente optou por não executar nos presentes autos – uma vez que o fizera já no processo ..., acima referido e que o valor dos bens hipotecados é inferior ao montante que garantem nesse processo - os titulares dos imóveis dados em hipoteca – e por maioria de razão prescindir da garantia prestada por estes -, pelo que não se poderá concordar com o teor da argumentação apresentada para a decisão de levantamento das referidas penhoras, uma vez que nos termos do disposto no art.817.º do Código Civil, e estando o devedor em incumprimento, “(…) tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”. (…)

“12. Importa ter presente que os referidos imóveis dados em hipoteca por terceiros, também foram dados em garantia de um outro contrato de mútuo e estão penhorados no âmbito do processo executivo ..., Juízo de Execução de Viseu, Juiz 2, no qual a quantia exequenda ascende a €3.617.644,54 (três milhões seiscentos e dezassete mil seiscentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), o que faz com que os mesmos sejam manifestamente insuficientes e inócuos para a presente execução.

“13. Face ao exposto e tendo a Exequente tomado conhecimento da existência de outros bens, propriedade da executada, indicou-os à penhora, optando, dessa forma e como expressamente previsto no art. 54.º, n.º 2 e 3 do CPC, por demandar apenas o devedor. A Exequente tendo em conta a factualidade acima mencionada optou por prescindir da garantia - dada por terceiros - relativa aos imóveis dados como hipoteca e sitos em ..., freguesia de Viseu (Coração de Jesus), concelho de Viseu.

“Nestes termos e nos mais de Direito, deve manter-se a execução apenas contra a devedora U...., S.A., prescindindo o Exequente dos bens prestados em garantia por terceiros por manifestamente insuficientes e inócuos para a presente execução. Termos em que se devem manter as penhoras realizadas pelo Agente de Execução na sequência do requerimento do Exequente de 27.10.2020, seguindo-se os ulteriores termos do processo.” (Fim da citação.)


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A justificação para a condenação em taxa sancionatória excecional.

Em face da decisão recorrida, vemos que o Tribunal entendeu que a Exequente alterou de modo incompreensível o seu posicionamento, vindo apresentar um requerimento manifestamente improcedente (introduzido em juízo depois de esgotado o seu poder decisório).

Diz-nos o artigo 531.º do Código de Processo Civil (CPC) (Taxa sancionatória excecional):

“Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”

Constituem pressupostos da aplicação desta taxa, a natureza manifestamente improcedente de certo pedido e uma atuação imprudente, reveladora de violação do dever de diligência.

A taxa será aplicada em situações excecionais, ou seja, quando o sujeito tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

No caso, o requerimento de 19.01.2021, já depois da decisão de 07.01.2021, que mereceu recurso em separado, insistindo no pedido de manter as penhoras, revela-se manifestamente improcedente, pois que, esgotado o poder jurisdicional do Tribunal recorrido (art. 613º, nº 1, do CPC), este não podia alterar o que tinha decidido, sob pena de ineficácia da segunda decisão.

Devendo saber disto, o Exequente agiu sem a diligência devida.

Para o efeito desejado, o de manter as penhoras, e sendo seu pressuposto (mas não único, conforme acórdão deste coletivo no apenso E), o esclarecimento de pretender acionar apenas a devedora já devia estar feito antes.

O Exequente tenta fazer crer que tinha declarado nos autos pretender abdicar da garantia prestada pelos terceiros, o que colide com o seu requerimento de15.12.2020, ao dizer: “4. Pelo que, consequentemente, e tendo sido indicados à penhora todos os aludidos bens, sempre se deve concluir que foram, efetivamente, acionadas as garantias de que o Exequente dispunha.” Esta alegação, em conformidade com o seu requerimento executivo, só podia significar que pretendia avançar com a penhora dos bens onerados pelos terceiros.

A situação mostra-se também excecional porque o Exequente tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, e que poderia ter conduzido a uma segunda decisão contrária, que seria ineficaz porque a primeira estava em recurso.

Verificados os pressupostos da norma em análise, está justificada a condenação na taxa.

E quanto à gravidade da condenação?

Conforme o art. 10.º do Regulamento das Custas Processuais, a taxa sancionatória pode ser fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, nada se dizendo relativamente aos critérios da graduação daquela.

A decisão recorrida nada diz relativamente à opção pelas 5UC.

O Recorrente discorda do valor, mas nada diz que justifique outra ponderação.

A justificação desta norma permite verificar que a mesma tem proximidade com o instituto da litigância de má fé, na medida em que este surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo.” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13.7.2006, disponível em www.dgsi.pt.)

Sendo assim, fazem sentido os critérios previstos no art. 27º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, ao preceituar que a fixação é feita, “tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.

Em consequência, a taxa deverá ser “fixada com base no “prudente arbítrio” do Juiz, que deve sopesar a gravidade da infração e a situação económica do infrator, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção.

No caso, na falta de outros factos, mostra-se relevante considerar o seguinte:

O requerimento poderia ter conduzido a uma nova decisão contrária; embora ineficaz, levaria com certeza a um novo recurso, agora pela Executada;

O processo tem um valor de cerca de 3 milhões e meio de euros;

O Exequente é um banco conhecido, considerado “grande litigante”, como se retira do encadeado de taxas processadas nos autos principais.

Assim, a taxa de 5 UC, acima do ponto mínimo (2 UC), mas abaixo do ponto médio (8,5 UC), mostra-se cautelosa.

Decisão.

Julga-se improcedente o recurso e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente, vencido (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Coimbra, 2021-11-09


(Fernando Monteiro)

(António Carvalho Martins)

(Carlos Moreira)