Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
293/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Data do Acordão: 02/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º Nº 2 DO CPEREF E 610º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O artº 30º nº 2 do CPEREF não prevê nem prescreve a nulidade do negócio para a transmissão de bens móveis. Porém a ineficácia dessas alienações poderá verificar-se ao abrigo do disposto no artº 610º e segs do C.Civil: impugnação pauliana.

2. São três os requisitos ou pressupostos do exercício da impugnação pauliana, no âmbito das relações imediatas. Dois pressupostos são gerais: anterioridade do crédito e impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito. O terceiro requisito: a má fé do devedor e do terceiro, só se exige nos actos onerosos, já que se o acto for gratuito a impugnação pauliana procede mesmo que aqueles (devedor e terceiro) se encontrem de boa fé.

Decisão Texto Integral:                   Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                 A... , com sede na ....., em Tomar intentou acção ordinária de impugnação pauliana contra B...., C... , D... , E... e F... , todas com sede na ... em Lisboa, pedindo a condenação da Ré B... no pagamento da quantia de 89.756.541$10, acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, a restituição efectiva, material e jurídica dos prédios descritos nos artigos 41, 44, 47 e 50 da petição inicial e dos equipamentos aí descritos e, bem assim, o reconhecimento do direito de os executar e praticar os meios de conservação da garantia autorizados por lei de modo a obter o pagamento integral do seu crédito.

 Por despacho de fls 246 foi ordenada a apensação a esta da acção ordinária nº 296/2000 que G... , com sede em ...., Tomar, intentou contra aquelas mesmas rés B..., C..., D..., E..., L.da e F... e ainda contra H... , com sede na ....., em Tomar, e na qual pedira a declaração de nulidade dos actos de transferência do património imobiliário e mobiliário da Ré B... (os mesmos bens em causa na acção intentada pela A...) e do contrato de arrendamento celebrado com a Ré H... L.da, e o cancelamento dos respectivos registos de aquisição; ou, subsidiariamente, a restituição efectiva, material e jurídica dos prédios descritos e restantes bens que discrimina, assim como o reconhecimento do direito de os executar e praticar os meios de conservação da garantia autorizados por lei de modo a obter o pagamento integral do seu crédito.

 Para tanto, alegaram ambas as autoras, em suma, que são credoras da 1ª Ré e que os representantes desta e da sociedade I... , para subtrair os bens da 1ª ré aos seus credores, procederam à constituição das sociedade ora rés C..., D..., E..., L.da e F..., para as quais procederam à transferência do património imobiliário e mobiliário daquela 1ª réB..., sabendo e querendo que, com essa actuação, ela ficava impossibilitada de proceder à satisfação dos créditos das autoras, os quais eram anteriores a esse negócio e dos quais todas as rés tinham conhecimento, e que, posteriormente, aquela F... deu de arrendamento à ré H... e Ferramentas de Tomar, L.da as fracções A e B, do prédio sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, n°1, que para ela havia sido transferido pela 1ª ré.

Mais alegou a A. G... que os negócios ora em causa foram celebrados no período de gestão controlada da 1ª ré e que, por força do disposto no artº 30º n.º2 do Dec. Lei nº 132/93,  são nulos.

 Contestaram apenas as rés I... e H... L.da.

A Ré H... L.da na sua contestação, além de impugnar por desconhecimento os factos alegados pela A. G..., invoca a celebração do contrato de arrendamento de boa fé e a realização de benfeitorias várias no arrendado, no valor de 26 524 284$000, pelo que dispõe do direito de retenção das fracções locadas. E conclui pela improcedência da acção e pedindo seja “julgada procedente, por provada, a invocada excepção do direito de retenção”.
As rés I... contestaram, pugnando pela improcedência das acções já que, no que concerne à autora G..., nem sequer reconhecem a existência de qualquer crédito e alegando que sempre actuaram de boa fé pretendendo continuar a actividade da 1ª Ré e assumir os seus compromissos, nomeadamente com os trabalhadores e a conclusão de contratos, sendo válidos os contratos celebrados.  E concluem pela improcedência das acções.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador em cada um dos processos e, nos mesmos, seleccionados os factos assentes e os que passaram a constituir a base instrutória.

Realizado o julgamento conjunto de ambas as acções e respondida a respectiva matéria, foi proferida sentença que:
a) absolveu da instância, por ilegitimidade, a A G... no que concerne ao pedido de reconhecimento do direito de retenção por parte da Ré H....; e
 b) julgou procedentes as acções, tendo declarado nulas as transmissões da totalidade dos bens da Ré B.... nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16 de Abril de 1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, constantes de fls. 115 a 122 do Livro de Escrituras Diversas  n.º 323-B ( cfr. fls 69 a 97, do 1º volume dos autos principais.), bem como o contrato de arrendamento celebrado entre as rés F... e H...  celebrado a 23 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de Tomar  constante do Livro de Escrituras Diversas, n.º  537-B  a fls  81 vº a 83 vº, ordenando o cancelamento dos respectivos registos de aquisição e condenando a ré B.... no pagamento à A. A... da quantia de 89.756.541$10 acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Inconformadas, apelaram as rés H...., L.da e C..., D..., E..., L.da e F....
Na sua alegação a ré H... conclui sustentando a existência de erro de julgamento ao absolver a A. G... da instância por ilegitimidade, “porque o pedido de reconhecimento do direito de retenção não foi formulado contra ela (Noviria), mas sim de uma forma absoluta e contra quem venha a ser o proprietário das fracções”, pelo que a sentença recorrida deveria ter reconhecido o direito de retenção sobre os imóveis arrendados até o seu crédito se mostrar satisfeito.

E, por seu turno, as rés I..., sucintamente, insurgem-se contra a especificação da matéria constante da alínea E), sustentando que a mesma deveria antes ter sido objecto de quesitação; impugnam a decisão da matéria de facto, defendendo ter sido incorrectamente julgado o artº 29º da base instrutória o qual deveria ter sido considerado não provado, e que a resposta aos artºs 16º e 19º da mesma base deve ser expurgada do termo “transferência” delas constante, por os bens aí referidos terem apenas servido para realizar a entrada da ré B...em cada uma das sociedades apelantes, como resultou do depoimento das testemunhas X.... e Y.....; que a A. G... não pode ser considerada interessada na declaração de nulidade das transmissões, uma vez que não demonstrou nos autos ser credora da ora ré B...nem alegou sequer que a cessão de créditos pela qual adquiriu o crédito tenha sido notificado a essa devedora, o mais que resulta provado é que o suposto crédito foi declarado numa sentença em que não intervieram as ora apelantes e em relação à qual são terceiras, não produzindo caso julgado em relação a elas; que não existe, contrariamente ao decidido, nulidade dos negócios jurídicos celebrados, em virtude de não serem meros negócios de alienação de bens imóveis mas antes contratos de constituição de sociedade, não se integrando, por isso, no elenco taxativo do nº2 do artº 30º do CPEREF; que ainda que fossem inválidos o seu efeito não poderia limitar-se à transmissão dos bens deixando incólume o contrato de sociedade, como fez a sentença recorrida, por a lei não admitir que a obrigação de entrada dos sócios possa regressar ao seu património e deixar incólume o contrato de sociedade e sua participação na sociedade, dado isso ser incompatível com o princípio da intangibilidade do capital social; e que, contrariamente ao decidido, o citado artº 30º nº 2 do CPEREF não prevê nem prescreve a nulidade para a transmissão de bens móveis.
Nas suas contra-alegações, em que pugna pela improcedência do recurso, a apelada A..., aproveita para usar da faculdade de ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artº 684º-A do C. P. Civil, pedindo que, caso seja julgado procedente o recurso interposto pelas recorrentes I..., se apreciem então os demais fundamentos da acção por si intentada, julgando-se procedente a impugnação pauliana.
Por sua vez, a G... aceitando nas suas contra-alegações não se justificar a decretada declaração de nulidade dos contratos, pede que, ao abrigo do disposto no artº 715º nº 2 do C.P.Civil, esta Relação aprecie o seu pedido subsidiário e o julgue procedente.
 As rés I... responderam, defendendo a inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso requerida pela autora A..., aí impugnando também agora a resposta do tribunal a quo aos quesitos 9º, 10º, 11º, 16º, 19º, 21º, 122º, 27º e 31º da base instrutória.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
                                            **
Os Factos
                 O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1. A Autora A...., reclamou o pagamento da quantia de 43.661.453$10, no âmbito da acção de recuperação de empresa, em que era devedora a R. B...., à data de 31 de Maio de 1994;

2. Tal crédito foi reconhecido por sentença transitada em julgado a 13/07/1995:

3. No âmbito dessa acção de recuperação de empresa foi aprovado plano de recuperação de empresa nos termos certificados a fls. 22, dos autos 293/98 obrigando-se a R. B...., a pagar a dívida de capital em 18 prestações semestrais;

4. A 1º Ré - B...  tinha por objecto principal o exercício das seguintes actividades: a execução de obras públicas e particulares de qualquer natureza; a construção civil, a indústria de serração de madeiras; a indústria de carpintaria; as indústrias de serralharia e metalização; o comércio de materiais de construção em geral, por grosso e a retalho.

5. Por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 110/98 deste Juízo, a Ré B..., foi condenada a pagar a O..., a quantia de 66.000.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação (17/06/98) até integral pagamento.

6. A Ré B... foi sujeita a acção de recuperação de empresa, tendo sido aprovada, por deliberação da assembleia de credores de 23/06/1995, a medida de gestão controlada, com a duração de dois anos.

7. J.... e L.... são filhos de M..... e de N......

8. Em Abril de 1997 eram ambos accionistas e administradores da 1ª Ré.


9. Em 16 de Abril de 1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade C..., Lda., com sede em Lisboa, cujo objecto social é o exercício da actividade de transportes terrestres nacionais e internacionais e o comércio e aluguer de máquinas e equipamentos.

10. Os únicos sócios da referida sociedade são I... e B...

11. A entrada da sócia B... era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida C.... dos seguintes bens:

   - fracção autónoma, designada pela letra C, correspondente ao 1º andar direito, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua de António Pedro, 42, descrito na 1ª Conservatória Registo Predial de Lisboa sob o nº 11.894, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Arroios, sob o nº 144, com o valor patrimonial de 119.134$00, no valor de 10.100.000$00;

 - um camião Scania 111, matrícula IV-15-18, no valor de 350.000$00;

  - um camião Scania 112, matrícula EH-03-14, no valor de 455.000$00;

- um camião Volvo F 829, matrícula ID-68-06, no valor de 295.000$00; 

- uma viatura ligeira de mercadorias, Toyota Dyna, matrícula RS-92-65, no valor de 140.000$00;

- uma viatura ligeira mista Toyota Hilux, matrícula QP-08-95, no valor de 155.000$00;
- uma viatura ligeira mista Toyota Hilux, matrícula QP-70-74, no valor de 205.000$00;

- uma viatura ligeira mista Bedford Setter, matrícula JL-26-96, no valor de 90.000$00;

- uma viatura ligeira de passageiros, 9 lugares, Renault Traffic, matrícula FX-51-22, no valor de 60.000$00;

- uma viatura ligeira mista Renault Express, matrícula OB-92-31, no valor de 195.000$00;

- uma viatura ligeira de mercadorias Mercedes Benz, matrícula OM-26-03, no valor de 175.000$00;

- uma viatura ligeira de mercadorias Renault 5 TD, matrícula RF- 27-44, no valor de 85.000$00;

- uma viatura ligeira de passageiros Mercedes Benz 300 D, matrícula HP-91-58, no valor 225.000$00;

- uma atrelado galera lisa, oito rodados, matrícula L-25969, no valor de 190.000$00;

- um atrelado porta-máquinas, matrícula P-25663, no valor de 385.000$00;

- uma retro escavadora Case 580, no valor de 155.000$00;

- uma retro escavadora Case 580, no valor de 155.000$00;

- uma retro escavadora Ford, no valor de 90.000$00;

- um dumper Bedford, no valor 210.000$00;

- um dumper Twaytes, no valor de 175.000$00;

- um dumper Twaytes, no valor 180.000$00;

- um dumper Twaytes, no valor 180.000$00;

       - um dumper Crauller, no valor de 95.000$00;

- um empilhador Manitou diesel, no valor de 295.000$00;

- uma autobetoneira Fiori 3500, 2 m3, no valor de 100.000$00;

- uma autobetoneira Fiori 3500, 2 m3, no valor de 100.000$00;

- uma grua sobre rodas PH Omega 14t, no valor de 1.500.000$00;

- uma grua sobre rodas Colles 14t, no valor de 1.250.000$00;

- uma grua torre, 36m, no valor de 800.000$00;

- uma grua torre, 25m, no valor de 700.000$00;

- uma grua torre, 20m, no valor de 600.000$00;

- uma betoneira 500 I, no valor de 70.000$00;

- uma betoneira 500 I, no valor de 70.000$00;

- um compressor Ingersol, no valor de 10.000$00;

- um compressor Atlas Copco, no valor de 80.000$00;
- um compressor Atlas Copco, no valor de 80.000$00.


12. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade D..., Lda. com sede em Lisboa, cujo objecto social é a serração e carpintaria transformação e comercialização de madeiras por grosso ou a retalho.


13. Os únicos sócios da referida sociedade são I.... e B....


14. A entrada da sócia B... era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida D.... dos seguintes bens:
- prédio urbano sito em Tomar, na Av. General Tamagnini de Abreu 35 a 37, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 1.386 e descrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 173, com o valor patrimonial de    1.187.892$00, no valor de 14.000.000$00;

- uma afagadeira Sandya, no valor de 37.500$00;

- uma plaina de 4 faces Mida, no valor de 45.000$00;

- duas tupias Universal, no valor de 120.000$00;

- uma respigadeira Rotor Rabor, no valor de 37.000$00;

- uma serra circular de bancada Mrozer, no valor de 97.500$00;

- uma serra de fita Milor, no valor de 60.000$00;

- duas serras de fita, no valor de 75.000$00;

- uma serra de fita com Charriot, no valor de 150.000$00;

- uma serra de fita com Charriot s/automática, no valor de 177.500$00;

- uma descascadeira Cabral, no valor de 200.500$00.


15. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade E..., L.da, com sede em Lisboa, cujo objecto social é a indústria e comercialização de serralharia de alumínio, serralharia civil, decapagem, metalização e transformação de alumínios e vidros.


16. Os únicos sócios da referida sociedade são I.... e B....


17. A entrada da sócia B... era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida E... Lda. dos seguintes bens:
   - prédio urbano sito no Porto, na Rua Pedro Hispano, 1.050, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1.062 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ramalde sob o artigo 2.672, com o valor patrimonial de 93.506$00, no valor de 15.000.000$00.


18. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade F..., Lda., com sede em Lisboa, cujo objecto social é a fabricação e comercialização de materiais de construção.


19. Os únicos sócios da referida sociedade são I.... e B....


20. E nomearam sócio gerente das C...,., D..., Lda., E...., e F... L.da, J...;

21. A entrada da sócia B..., era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida F..., Lda., dos seguintes bens:
-  duas fracções autónomas designadas pelas letras A e B  do prédio urbano sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 53.621 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 2.321, a primeira fracção correspondente ao rés do chão esquerdo e cave, com o valor patrimonial de  4.454.093$00 e a segunda correspondente ao rés do chão direito, com o valor patrimonial de 2.227.046$00, pelo valor global de 30.000.000$00.

22. A R. B.... tinha em 12/05/1995 um passivo de 2.039.951 contos, conforme relatório do Gestor Judicial junto a fls. 135;

23. A Autora A... é uma sociedade que tem por objecto a indústria e comércio de artefactos de cimento e materiais de construção civil.

24. No exercício dessa actividade forneceu de 1 de Junho de 1994 a 7 de Março de 1997 à B...., diversos produtos.

25. E amortizou letras aceites pela R. B....

26. A conta corrente entre a Autora A... e a R. B...., apresentava em 07/03/1997 o saldo favorável à A. de 75.699.143$10.

27. Além desta verba a A. A...r é credora, naquela data - 7 de Abril de 1997 - de mais 14.057.398$00, referente a fornecimento de artefactos de cimento e outros materiais de construção, encargos bancários e amortizações de letras, que a primeira R. pretendeu liquidar através de cheques sacados por L..., administrador de B....

28. Por contrato de cessão de crédito celebrado em 29.02.2000 a Autora G...., adquiriu a O...., o crédito acima referido.

29. J... e L... sabiam que a Ré B..., era devedora dos créditos actualmente titulados pelas autoras G... e A... e de centenas de milhar de contos a outros credores e ao Estado.

30. Então, para subtrair os bens de B... à acção das A. e demais credores, como representantes de I.... e de B...., começaram por constituir quatro sociedades:

 -C...;

-   D..., .;

-  E....;

- F....;

todas tendo como sócios “I....” e “B....”.

31. O representante da primeira ré, o representante da I... e o representante das C..., Lda, D..., Lda., E..., L.da e F..., agiram com intenção de prejudicar os credores de B....

32. B...., transferiu, no mesmo dia 16 de Abril de 1997, para D..., Lda., mediante a escritura referida no artigo 42º desta p., o prédio urbano sito em Tomar, na Av. General Tamagnini de Abreu, 35 a 37, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 1.386 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 173, com o valor patrimonial de 1.187.892$00, pelo valor atribuído de 14.000.000$00, quando seu valor no mercado era de, pelo menos, 104.860 euros e se arrendado o último andar.

33. B...., transferiu também, no mesmo dia 16 de Abril de 1997, para F..., Lda., mediante a escritura pública referida no artigo 48º desta p.i., duas fracções autónomas, designadas pelas letras A e B do prédio urbano sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 53.621 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Batista sob o artigo 2.321; a primeira fracção a que corresponde o rés-do-chão esquerdo e cave com o valor patrimonial de 4.454.093$00, inscrita sob o artigo 2.321-A, e a segunda fracção a que corresponde o rés-do-chão 2.321-B, pelo valor global de 30.000.000$00, quando o seu valor de mercado era de, pelo menos, 50.000.000$00.

34. No início de 1997, a R. B, em virtude de dificuldades económicas e financeiras com que se debatia e da sua má imagem comercial, não tinha crédito junto do sistema financeiro e dos fornecedores, e a sua actividade era reduzida.

35. As RR. sabiam que, com a transferência dos bens da R. B...., esta ficaria quase impossibilitada de pagar as dívidas à Autora e aos demais credores, porque o património era insuficiente, estava dado de garantia e por ter uma actividade reduzida.

36. B... até 26.07.1999 era proprietária de um prédio urbano sito na Rua da Saboaria, nº 36 a 38, em Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 00171/261285, hipotecada a favor do Centro Regional de Segurança Social de Santarém, desde 15.10.1991.

37. Era proprietária de um prédio urbano sito na Rua Dr. Oliveira Casquilho, nº 4 - norte em Tomar, até 12.07.1999, , hipotecada a favor do Centro Regional de Segurança Social de Santarém desde 05.02.1998.(fls.522)

38. É proprietária de um prédio sito na Venda Nova, concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 730/110283, hipotecado a favor do Banco de “Fomento Nacional”, desde 08.05.1987 e do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo dede05.02.1998 (fls. 201 a 203).

39. Era proprietária de dois prédios, sitos em Vila-Maria, concelho de Setúbal, até 31.01.2000 hipotecados, desde 17.07.1991 até à data de registo da venda -31.01.2000- (fols.485 a 492)

40. A I.... contratou alguns trabalhadores da B..., tendo assumido a obrigação de pagamento dos salários em atraso que a B...  tinha para com eles.

41. À data da celebração das escrituras (16/04/1997) a Ré B..., estava sujeita à medida de gestão controlada.

42. Os representantes das 1ª e 2ª Rés e por consequência estas sabiam que, com as transferências dos bens referidos, B..., ficaria sem aquele património para pagar às Autora e aos demais credores.

43. Os representantes dessas r és sabiam que as participações sociais de B... nas sociedades C..., D..., E.... e F..., não tem  valor correspondente ao valor dos bens cuja transferência foi declarada, mas muito inferior.

44. Por escritura outorgada no dia 23 de Julho de 1999, na Secretaria Notarial de Tomar, o gerente da R. F... L.da e o gerente da R. H... de Tomar, Lda., outorgaram o contrato denominado de arrendamento, cuja cópia se encontra a fls. 93 a 97.

45. Entre o mais, declararam que a R. F... Lda. dava de arrendamento à R. H... as fracções denominadas pelas letras A e B, do prédio sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, n°1, inscrito na matriz sob o artigo 2321, pela renda de cento e oitenta contos, sendo cento e quarenta contos pelas fracções autónomas e quarenta pelos móveis .

46. E que as obras a efectuar pela R H.... ficarão a pertencer ao prédio, não podendo o inquilino demoli-las, nem sobre elas exercer o direito de indemnização ou invocar o direito de retenção.

47. A Ré H... gastou 14.593.008$00 nas fracções em obras, conforme documentos nº 1 a 7 da douta contestação da Ré, e

48. Em equipamentos gastou o montante de 11.931.276$00.

49. Na contabilidade da B..., todos os bens móveis em questão se encontravam totalmente amortizados, e os imóveis encontravam-se avaliados nos seguintes valores: a fracção autónoma referida no artº 56º da contestação, em 2.111.079$00; as fracções autónomas referidas no artº 63º, em 15.940.800$00, conjuntamente; o prédio referido no artº 62º, em 6.789.600$00; o prédio aludido no artº 60º, em 14.634.782$00.

                                                               *

A esta matéria decide-se aditar, ao abrigo do disposto no artº 712º n.º1 al. b) do C. P. Civil, a seguinte factualidade, provada documentalmente:

50. Em todas as escrituras públicas de constituição de sociedade acima referidas intervieram sempre e exclusivamente, em representação de I..., o seu sócio e único gerente J... e em representação da aqui 1ª ré B.... o seu presidente do Conselho de Administração, L....

                                                            

                                                               **

                 O Direito

Como é sabido são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso (artºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Apreciemos, então, as questões aí suscitadas pelas recorrentes, embora não necessariamente pela ordem por que foram colocadas.

                

                  I - Da apelação da ré H....

Sustenta esta apelante que a sentença recorrida julgou mal ao absolver a autora G... da instância por ilegitimidade, “porque o pedido de reconhecimento do direito de retenção não foi formulado contra ela (Noviria), mas sim de uma forma absoluta e contra quem venha a ser o proprietário das fracções, já que sendo o direito de retenção um direito real de garantia vale “erga omnes” e pode ser arguido contra quem venha a ser o proprietário das fracções.

Sinceramente custa-nos a perceber a argumentação da recorrente.

Em 1º lugar, porque é na contestação à acção que lhe é movida pela autora G... que a recorrente vem invocar o direito de retenção.

Depois, porque nesse articulado nem sequer faz um formal pedido reconvencional de reconhecimento de tal direito, limitando-se a pedir que seja “julgada procedente, por provada, a invocada excepção do direito de retenção”.

 Em 3º lugar, porque o direito de retenção, sendo embora um direito real de garantia, como afirma a apelante, pressupõe uma situação de reciprocidade de créditos, como desde logo decorre da letra do artº 754º do C.Civil (“o devedor que disponha de um crédito contra o seu devedor...”), isto é, uma relação em que o obrigado à entrega da coisa  seja credor do que tem direito a recebê-la.

Ora, nem ré H... é credora da autora G... nem esta lhe vem pedir a entrega das fracções arrendadas, pois não é dona ou senhoria delas. O que a recorrida G... pede na acção, além do mais, é a nulidade do contrato de arrendamento das fracções que a ora apelante celebrou com a sua co-ré F... L.da, sendo certo que com a procedência do pedido de nulidade as ditas fracções não foram restituídas à autora G... nem isso ela pediu.

A quem lhe vier exigir a entrega das fracções é que a ora apelante poderá, eventualmente, opor o seu direito de retenção, recusando a entrega enquanto não lhe pagarem o valor das benfeitorias realizadas. E dizemos eventualmente, porque em face da matéria provada sob o nº 46 supra ( “as obras a efectuar pela R H... ficarão a pertencer ao prédio, não podendo o inquilino demoli-las, nem sobre elas exercer o direito de indemnização ou invocar o direito de retenção”) a ora apelante não gozará sequer do direito de retenção por a ele ter renunciado, em conformidade com o disposto nos artºs 761º e 730º al. d) do C.Civil.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

 

II - Da apelação das rés I....

1. As rés I..., por sua vez, insurgem-se contra a especificação da matéria constante da alíneas E), [ou seja, que por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 110/98 deste Juízo, a Ré B...., foi condenada a pagar a O..., a quantia de 66.000.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação (17/06/98) até integral pagamento] defendendo que a mesma deveria antes ter sido objecto de quesitação, por ter sido por si impugnada.

Importará referir, antes de mais, que as ora recorrentes, na oportunidade do n.º 2 do artº 511º do C.P.Civil, não reclamaram da selecção da matéria de facto, pelo que estará até, a nosso ver, precludido o direito de agora suscitarem tal questão.

Mesmo assim, sempre diremos que as apelantes não têm qualquer razão no que agora vêm defender.

Na verdade, tal matéria, para além de não ter sido impugnada pela própria ré B... (pois que nem sequer contestou acção), encontra-se documentalmente provada através do doc. de fls 30 e segs dos autos apensos nº 296/2000 e do doc. autêntico de fls 272 e segs dos presentes autos.

Daí que devesse ser, como foi, objecto de especificação.

Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões do recurso

2. As apelantes impugnam, depois, na sua alegação de recurso a decisão da matéria de facto defendendo ter sido incorrectamente julgado o artº 29º da base instrutória o qual, a seu ver, deveria ter sido considerado não provado, e que a resposta aos artºs 16º e 19º da mesma base não deveria incluir o termo “transferência”, atento o depoimento das testemunhas X... e Y.....

Posteriormente, na resposta à contra-alegação da autora A..., L.da propõem-se ainda impugnar a resposta do tribunal a quo aos artºs 9º, 10º, 11º, 16º, 19º, 21º, 122º, 27º e 31º da base instrutória. Só que, como resulta das disposições combinadas dos artºs 684º n.º 3, 690º n.º 1 e 698º nº 5 do C.P.Civil, não é esse o lugar nem o tempo próprio para o fazer.
Razão por que se passará a conhecer apenas da matéria objecto de impugnação na alegação de recurso.
Ora, nos termos da al. a) do n.º 1 do artº 712º do C.P.Civil, a Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida E no caso, foi requerida a gravação dos depoimentos prestados em audiência.

Mas diga-se já que, contrariamente ao que as recorrentes defendem na sua alegação, não encontramos motivo para alterar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada. 

 Quanto ao quesito 29º, desde logo e simplesmente porque o tribunal a quo, escudando-se no disposto no artº 646º nº 4 do C.P.Civil, não lhe deu qualquer resposta.

 E, relativamente aos artºs 16º e 19º, porque são as próprias recorrentes quem nas respectivas contestações, quer à acção da G..., quer à acção da A..., nos artºs 60º e 63º e no artº 53º, respectivamente, afirmam expressamente ter havido “transferência de bens da R. B... para o património das ora RR”( o sublinhado é nosso). E, por outro lado, nos documentos complementares às escrituras públicas de constituição de sociedade igualmente foi exarado pelos outorgantes que “a entrada da sócia B... é realizada com a transferência que a mesma faz do seu prédio….”( o sublinhado mais uma vez é nosso).

Não se vê, assim, motivo para retirar da resposta aos artºs 16º e 19º da base instrutória o termo “transferência” que delas consta.

Improcede, deste modo, a pretendida alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria dos citados quesitos, que, por isso, se decide manter.

3. Esgrimem a seguir as apelantes que a A. G... não pode ser considerada interessada na declaração de nulidade das transmissões, uma vez que não demonstrou nos autos ser credora da ré B... nem alegou sequer que a cessão de créditos pela qual pretensamente adquiriu o crédito tenha sido notificado a essa devedora; o mais que resultará provado, segundo elas, é que o suposto crédito foi declarado numa sentença em que não intervieram e em relação à qual são terceiras, não produzindo, por isso, caso julgado em relação a si.

Mas, mais uma vez, as recorrentes não têm razão.

Primeiramente, porque ficou provado que, por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 110/98, a Ré B.... foi condenada a pagar a O..., a quantia de 66.000.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação (17/06/98) até integral pagamento e que esta, por contrato de cessão de crédito, celebrado em 29.02.2000, cedeu esse crédito à Autora G....

Ora, é irrelevante que a apelada G... não tenha alegado a notificação dessa cessão créditos à Ré B..., quando, como no caso, esta aceita tacitamente esse facto ao não contestar a acção e, mais ainda, ao não ter deduzido oposição à execução onde esse crédito lhe foi exigido pela cessionária G..., como atesta a certidão de fls 272 dos autos nº 293/1998 e os doc. que a acompanham.

E depois, não é verdade que o facto desse crédito ter sido declarado numa acção em que não intervieram as ora apelantes não possa fazer, quanto elas, caso julgado. É que há situações de extensão do caso julgado a terceiros, devendo estes acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, nos casos, como os ora em apreço, em que a sentença lhes não cause prejuízo jurídico, podendo embora causar-lhes prejuízo de facto ou económico (vide Noções Elementares de Processo Civil, do Prof. Manuel de Andrade, pag 311 e segs).

Assim, é inegável que a G..., porque credora da ré B..., é interessada na declaração de nulidade dos negócios relatados nos autos, tendo, para tanto, legitimidade substantiva, quer nos termos do disposto no artº 286º do C.Civil, quer nos termos do disposto no artº 605º nº 1 do mesmo Código.

             4. Sustentam, depois, as recorrentes que não existe, contrariamente ao decidido, nulidade dos negócios jurídicos celebrados, em virtude de não serem meros negócios de alienação de bens imóveis mas antes contratos de constituição de sociedade e que, por isso, não cabem no elenco taxativo do nº2 do artº 30º do CPEREF.

Estipulava o artº 30º, nº2 do CPEREF, na redacção vigente à data dos factos, que “são nulos os negócios jurídicos entre vivos posteriores ao despacho de prosseguimento da acção (de recuperação) que envolvam alienação ou oneração de acções ou de partes sociais da sociedade devedora, bem como a alienação, oneração ou locação de imóveis da empresa, a cessão de exploração ou o trespasse de estabelecimentos que lhe pertençam…”

As escrituras dos autos foram celebradas em 16.04.1997 encontrando-se, nessa data, a 1ª ré sujeita a medida de gestão controlada. Assim sendo, as alienações de bens imóveis daquela 1ª ré para as sociedades ora apelantes ali documentadas são nulas, como nulo é o contrato de locação celebrado com a ora recorrente H....

E não digam as apelantes que nada prova que a 1ª ré se encontrava ainda sujeita a tal medida na referida data de 16-4-1997, em que foram constituídas as ora recorrentes I..., porque a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Tomar, junta a fls 23 e segs dos autos nº 296/2000, emitida em 23-8-2000, não deixa margem para dúvidas.

 Nem digam, por outro lado, que os negócios referidos não podem ser considerados negócios de alienação mas antes e somente contratos de constituição de sociedade e que, ainda que fossem inválidos, o seu efeito não poderia limitar-se à transmissão dos bens deixando incólume o contrato de sociedade, por a lei não admitir que a obrigação de entrada dos sócios possa regressar ao seu património e deixar incólume o contrato de sociedade e sua participação na sociedade, dado isso ser incompatível com o princípio da intangibilidade do capital social. É que tendo aqueles negócios envolvido também a transferência do domínio para as sociedades ora recorrentes de imóveis da ré B..., com que esta realizou a sua entrada de sócia daquelas, é aplicável a essas entradas ou contribuições o regime da compra e venda, como resulta do disposto no artº 984º al. a) do C.Civil, não sendo afectado pela declaração de nulidade senão a alienação dos imóveis com que as entradas foram realizadas. O contrato de sociedade fica à margem dessa declaração de nulidade, como facilmente se constata do estatuído no nº 2 do artº 25 do C.S.Com, ao prescrever que: “Se a sociedade for privada, por acto legítimo de terceiro, do bem prestado pelo sócio ou se tornar impossível a prestação…deve o sócio realizar em dinheiro a sua participação, sem prejuízo da eventual dissolução da sociedade…”.

Improcedem, portanto, também nesta parte, as conclusões do recurso.

5. Defendem, por último, as apelantes que o citado artº 30º nº 2 do CPEREF não prevê nem prescreve para a transmissão de bens móveis a nulidade do negócio.

E, neste particular, as recorrentes têm razão.

Com efeito, ao invés do que prescreve para a alienação de bens imóveis, o citado preceito nenhuma sanção comina para os negócios de alienação de móveis celebrados depois do despacho de prosseguimento da acção de recuperação.

Não se justifica, assim, a decretada nulidade das transferências de móveis.

 Todavia, a autora G... não se limitou a pedir a declaração de nulidade da alienação dos bens; subsidiariamente socorreu-se também da impugnação pauliana. E a autora A... só usou mesmo da acção pauliana.

 Por isso, não podendo as mencionadas transferências de bens móveis ser declaradas nulas, procedendo, assim, nesta parte, a apelação das recorrentes, impõe-se, em obediência ao estatuído no artº 715º nº 2 do C.P.Civil, verificar se há fundamento para declarar a ineficácia dessas alienações ao abrigo do disposto no artº 610º e segs do C.Civil. Até porque são diferentes os efeitos de uma ou outra dessas declarações, já que enquanto a declaração de nulidade aproveita a todos os credores (artº 605º nº 2 do C.Civil) a procedência da impugnação só aproveita ao credor que a tenha requerido (artº616º nº 2 do mesmo C.Civil).

 Ora, dispõe o artigo 610º do Código Civil que: “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

     a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

     b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.

Por sua vez, o artigo 612º do mesmo Código estabelece, no seu nº 1, que: “O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”.

E no nº 2 diz o que deve entender-se por má fé: “entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

São, pois, três os requisitos ou pressupostos do exercício da impugnação pauliana, no âmbito das relações imediatas.

 Dois pressupostos são gerais: anterioridade do crédito e impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito. O terceiro requisito: a má fé do devedor e do terceiro, só se exige nos actos onerosos, já que se o acto for gratuito a impugnação pauliana procede mesmo que aqueles (devedor e terceiro) se encontrem de boa fé.

Mas a má fé não se identifica com a intenção de prejudicar. Para que este pressuposto da acção pauliana se verifique basta - como ensina Antunes Varela, in  Das Obrigações em Geral, vol II, 7ª ed. pag 452 - que  o devedor  e o terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa ao credor; o devedor e o terceiro podem agir com outra intenção que não a intenção de prejudicar, mas com perfeita consciência do prejuízo que vão causar, e tanto basta para que a impugnação pauliana proceda.

Ora, não há dúvida, em face do acervo fáctico apurado, concretamente nos nºs 2, 5, 27, 28, 29, 30, 31, 35 e 42 supra, que se mostram satisfeitos todos os requisitos acima enumerados, inclusive a má fé das sociedades ora recorrentes, em face do estatuído no artº 259º nº 1 do C.Civil, porque a má fé da devedora B..., essa é iniludível.

Daí que não possa deixar de proceder, no tocante a todos os bens móveis aludidos no documento complementar das escrituras dos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16 de Abril de 1997, com que foi realizada a entrada da ora ré B...., o pedido de ineficácia da alienação desses bens em relação às autoras, com a consequente restituição deles na medida do seu interesse, reconhecendo-se-lhes o direito de os executar e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei até à obtenção da satisfação integral dos respectivos créditos.

Decisão

Nos termos expostos, acordam em:

1- julgar improcedente  a apelação da recorrente H...;

2- julgar parcialmente procedente a apelação das recorrentes I... e revogar, consequentemente, a sentença recorrida na parte em que declarou a nulidade da transmissão da totalidade dos bens da Ré B.... nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16 de Abril de 1997, nulidade que deverá confinar-se aos bens imóveis, julgando-se ineficaz, em relação às autoras, a alienação dos bens móveis discriminados no documento complementar das escrituras desses mesmos contratos de constituição de sociedade com que foi realizada a entrada da dita B...;

3- Manter no mais a sentença recorrida.

A ré H... suportará as custas da sua apelação, e as custas da apelação das rés I... serão suportadas por estas e pela autora G... na proporção de, respectivamente, 9/10 e 1/10.