Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1206-C/1993.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 10/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 285º E 291º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A interrupção da instância deve ser declarada pelo Tribunal e o despacho notificado às partes.
2. Só com a notificação de tal despacho é que a interrupção produz efeitos, efeitos esses declarativos.
3. Não tendo sido notificado o despacho a declarar interrompida a instância, não corre o prazo para a deserção da instância, supondo esta a interrupção da instância durante dois anos.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



1)-A... e esposa B.. moveram, no Tribunal Judicial de Anadia, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra C.. e esposa D..., E..e marido F..., G... e esposa H.. e I... e esposa J...
Após a penhora de vários imóveis, foram os Exequentes notificados, em 97.07.04, para proceder ao registo da penhora, colocando a secretaria à disposição dos Exequentes certidão dos termos de penhora, como resulta de fls. 33.

Por despacho datado de 98.07.08, foi declarada interrompida a instância executiva (cfr. fls. 35).
Tal despacho não foi notificado às partes, conforme consta da certidão de fls. 25.

Em 2007.05.04, os Exequentes declararam desistir da penhora relativamente a um dos prédios, mantendo-se as demais.

Foi, então, em 2007.05.09, proferido despacho a julgar extinta a execução por deserção, desde o dia 8 de Julho de 2000, uma vez que a instância estava interrompida por despacho de 8 de Julho de 1998. Consequentemente, foi ordenado o levantamento de todas as penhoras.

Irresignados, agravaram os Exequentes, insistindo na justeza da sua pretensão, e extraindo da sua minuta de recurso as seguintes conclusões:
1ª)- Embora tenha sido proferido despacho em 08.07.1998 a julgar interrompida a instância nestes autos, tal despacho não produziu ainda nenhum efeito, por omissão da respectiva notificação aos Exequentes ora Agravantes.
2ª-A interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão só através do despacho que a decrete, o qual só vigora a partir da sua notificação.
3ª-A inexistência dos pressupostos acabados de enunciar tem necessariamente como consequência a inverificação da alegada deserção da instância e a atendibilidade do pedido formulado em 04.05.07 pelos Exequentes, ora Agravantes, no sentido do levantamento da penhora sobre o prédio correspondente ao artigo urbano n.º 1153º da freguesia de Avelãs de Cima, Anadia, e a manutenção das penhoras sobre os demais prédios, efectuadas em 01.07.96 e em 28.10.96.
4ª-O despacho recorrido é nulo (art. 201º do CPC), por violação designadamente do disposto nos arts. 2º, 291º (este na antiga redacção) e 265º-A, todos do CPC.

Os Executados não contra-alegaram.

Foi mantido o despacho impugnado, onde se salientou que o despacho a declarar interrompida a instância não carecia de ser notificado aos Exequentes.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


2)- Balizado, em princípio, o objecto do recurso pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º e 684º, n.º3, ambos do CPC), a única questão colocada pelos Agravantes a julgamento deste Tribunal consiste em dilucidar se a instância executiva deve considerar-se extinta por deserção.

A incidência ou dinâmica processual com relevância ao conhecimento do mérito do recurso foi acima relatada.

Vejamos.
Como prescreve o n.º1 do art. 291º do CPC, “considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”.

E nos termos do art. 285º do mesmo diploma, “a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento”.

No caso sub judice, foi proferido despacho, em 08.07.98, a declarar interrompida a instância executiva, mas tal despacho não foi notificado às partes. Contrariamente, porém, ao expendido no despacho de sustentação, entendemos que deve ser notificado às partes o despacho a declarar interrompida a instância . Com efeito, através de tal imprescindível despacho o Julgador reconhece a negligência das partes em promover os termos processuais durante mais de um ano, ou seja, o incumprimento do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes (n.º1 do art. 265º do CPC). A interrupção da instância é consequência lógica da inobservância de tal ónus. Como a interrupção da instância pode exercer influência sobre a relação jurídica substantiva, como ressalva a parte final do art. 286 do CPC, remetendo para o art. 332º, n.º2 do CC, começando a correr de novo o prazo de caducidade do direito desde a interrupção da instância. E, ainda, a interrupção da instância é pressuposto da deserção da instância, mantendo-se durante dois anos. Ou seja, o despacho de interrupção da instância deve ser notificado, porque pode causar prejuízo à parte sobre que recai o ónus do impulso processual (n.º1 do art. 229º do CPC). Na verdade, sempre a parte tem interesse em questionar a reconhecida paralisação do processo durante mais de um ano por negligência que lhe é imputada em promover os seus termos. Seria, pois, incompreensível que o despacho a declarar a interrupção da instância ficasse subtraído ao conhecimento das partes, pois, de outro modo e por inutilidade, não se justificaria a sua prolação.

Sendo através da notificação de tal despacho que a parte toma conhecimento da interrupção da instância e esta produz efeitos declarativos, como unanimemente é reconhecido na jurisprudência. E não efeitos constitutivos, uma vez que interrupção da instância não se conta necessariamente a partir do despacho que a decreta . Assim, tendo sido omitida, no caso vertente, a notificação de tal despacho, a interrupção da instância ainda não produziu os seus efeitos declarativos sobre a inactividade ou inércia das partes e, consequentemente, os Exequentes podem dar impulso ao processo. A interrupção da instância deve, pois, ser decretada por despacho devidamente notificado às partes, sem o que não corre o prazo para a deserção da instância que se produz mesmo ope legis, sem necessidade de despacho judicial, como decorre do art. 291º do CPC.
Nesta conformidade, mostra-se tempestivo o requerimento apresentado pelos Exequentes a desistir da penhora incidente sobre um dos imóveis penhorados, mantendo-se as demais penhoras.

Analisada a tramitação processual, cujas penhoras datam de 1996.07.01 e 1996.10.28, e sem que os Exequentes promovessem o respectivo registo, uma vez colocada à sua disposição pela secretaria a certidão dos termos de penhora, diga-se, também, que aos Executados é permitido requerer o levantamento das penhoras, observado o condicionalismo previsto no n.º1 do art. 847º do CPC.

Em suma, assiste razão aos Agravantes ao defender que a instância, ainda, não está interrompida por falta de notificação do despacho proferido, em 98.07.08, pressupondo, diversamente, o despacho impugnado, a julgar deserta a instância, a plena eficácia da interrupção da instância. E a interrupção durante dois anos é pressuposto da deserção. Justifica-se, pois, a notificação de tal despacho a fim de a decretada interrupção da instância produzir os seus efeitos declarativos sobre a inércia das partes em impulsionar a tramitação processual por mais de um ano.

3)- Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho impugnado, que deve ser substituído por outro que ordene a notificação do despacho que declarou a interrupção da instância e aprecie o requerimento apresentado pelos Exequentes a desistir de uma das penhoras.
Sem custas (alínea g) do n.º1 do art. 2º do Código das Custas Judiciais).
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)