Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1353/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
SUBIDA DO RECURSO A FINAL
NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO FINAL
Data do Acordão: 07/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 691º, NºS 1 E 2; 695º, Nº 1; 735º, Nº 2; E 493º, NºS 1 E 3, DO CPC .
Sumário: Os recursos interlocutórios que não forem autónomos ou independentes da decisão final apenas podem subir ao tribunal superior quando a parte recorrente continuar a ter interesse na sua apreciação e desde que interponha recurso da decisão final, sob pena de, se assim não proceder, caducarem ou de ficarem sem efeito.
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. O MºPº, em representação do Estado Português, instaurou contra a ré, Companhia de Seguros A..., SA. (actualmente com a designação de B... – Companhia de Seguros, SA.), a presente acção declarativa, então sob a forma de processo sumário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
No dia 9/3/1995, ocorreu um acidente de viação envolvendo o motociclo, de marca Honda e matrícula 72-44-DS (doravante designado por DS), segurado na ré, e o motociclo, marca BMW e matrícula T-562, propriedade do autor – Estado Português, mas então conduzido, em serviço, por um soldado da GNR/BT de Viseu, e a cujo Comando Geral dessa Brigada o referido veículo se encontrava então afecto.
Acidente esse cuja produção se terá ficado a dever exclusivamente à conduta culposa do condutor do DS.
De tal acidente resultaram, desde logo, lesões para o referido soldado, que lhe terão determinado 270 dias de doença, 160 dos quais com incapacidade para o trabalho, e bem assim danos no referido veículo que o mesmo conduzia, cuja reparação importava então em € 9.849,52.
Durante aquele período de tempo em que o dito soldado ficou incapacitado para o trabalho (de 9/3/95 a 17/8/95), o Autor continuou a pagar-lhe os seus vencimentos, tendo então despendido a importância total de € 3.972.03, importância essa de que pretende agora ser também reembolsado, à luz do instituto da sub-rogação legal.
O proprietário do DS tinha então transferida para ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por este.
Pelo que terminou pedindo que a ré fosse condenado a pagar-lhe a quantia total de € 13.821.55, acrescida dos respectivos juros moratórios legais.

2. Citada para o efeito, a ré defendeu-se por excepção e por impugnação.
No que concerne àquela 1ª defesa (que para o efeito apenas aqui nos interessa salientar) a ré aduziu, como excepção peremptória, a prescrição do direito do autor.
Pelo que terminou pedindo a procedência de tal excepção, e, para o caso de assim não se entender, a improcedência da acção, devendo sempre a ré ser absolvida do pedido.

3. O autor respondeu, pugnando pela improcedência da referida excepção.

4. No despacho saneador julgou-se improcedente a aludida excepção de prescrição aduzida pela ré, com os autos a prosseguirem depois os ulteriores trâmites, após previa selecção da matéria de facto.

5. Não se tendo conformado com tal decisão que julgou improcedente a referida excepção, a ré dela interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação e com subida a final.
5.1 Nas correspondentes alegações que apresentou desse recurso, a ré concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1ª - Quando a presente acção foi instaurada, já o eventual direito do ora A. (Estado) tinha prescrito.
2ª- Julgando o contrário, o Mº Juiz “a quo” ofendeu o disposto nos artºs. 498º, nº 1 e o artº. 327, nº 2 do C. Civil e o artº. 72º, nº 1 al. f) do CPP, pelo que
3ª- Deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que, de acordo com as normas citadas e o mais da lei, julgue que o eventual direito do A. a ser ressarcido dos danos que sofreu em razão do acidente dos autos, já tinha prescrito, quando a presente acção foi intentada”.

5.2 Nas suas contra-alegações, o digno Magistrado do MºPº pugnou pela improcedência do recurso.

6. Após a realização do julgamento, foi proferida a sentença final, na qual, julgando-se a acção parcialmente procedente, se condenou a ré a pagar ao autor, Estado Português, a importância total de € 6.409,53 acrescida dos respectivos juros moratórios.

7. A ré não interpôs recurso de tal sentença, mas veio, oportunamente, requerer a subida dos autos a este tribunal superior para apreciação daquele recurso de apelação interposto da parte do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição do direito do autor que havia deduzido, alegando continuar a manter interesse na sua apreciação.

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

9. Por entretanto se nos terem suscitado sérias dúvidas que apontavam para a possibilidade de não se conhecer do objecto do presente recurso, em cumprimento do disposto nos artºs 704, nº 1, e 3, nº 3, do CPC, foram as partes notificadas para o efeito.
Na sequente de tal, o Exmo Procurador Geral Adjunto, em representação do autor-Estado Português, pronunciou-se no sentido de não se conhecer do objecto do recurso, enquanto a ré tomou posição em sentido contrário.
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II- Fundamentação
1. Questão prévia/Do não conhecimento do objecto do recurso.
A questão que, desde logo, se nos coloca consiste em saber se deveremos ou não tomar conhecimento do objecto do recurso, pelas razões que passaremos a expor.
Como resulta do supra exarado, o presente recurso destina-se a conhecer da excepção (peremptória) de prescrição do direito do autor (que veio fazer valer nesta acção) que foi invocada pela ré no seu articulado da contestação, e que no despacho saneador foi julgada improcedente. Dessa parte do despacho, e por com ele não se conformar, interpôs a ré recurso, o qual (e bem) foi admitido como apelação e com subida a final (cfr. disposições conjugadas dos artºs 691, nºs 1 e 2, 695, nº 1, e 493, nºs 1 e 3, do CPC).
Tendo os autos prosseguido os seus termos, veio, a afinal, ser proferida sentença que, apreciando do fundo ou do mérito da causa, julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré a pagar ao autor a importância total de € 6.409,53, acrescida dos respectivos juros moratórios.
Dessa sentença não foi, como acima deixámos exarado, interposto recurso.
E ao não ser dela interposto recurso, essa sentença transitou, naturalmente, em julgado, pelo que a sua decisão passou a ter força obrigatória dentro e fora ora do processo, cuja autoridade, assim, nos compete, tal como a outros, respeitar (cfr. artºs 677, 671 e 673, todos do CPC).
Logo, se conhecêssemos do objecto deste recurso, correr-se-ia o “risco”, e no caso de o mesmo vir a ser julgado procedente, de a decisão daí decorrente entrar em colisão com aquilo que foi, já definitivamente, julgado e decidido pela referida sentença, pois ir-se-ia considerar prescrito um direito que ao autor já foi, definitivamente, reconhecido na aludida sentença.
E mesmo que o viéssemos a fazer (embora não o devendo, pelas razões supra apontadas), e no caso de se conceder provimento ao presente recurso (julgando-se prescrito o direito do autor), então cair-se-ia na situação e previsão do artº 675, nº 1, do CPC, que impõe que perante casos julgados contraditórios se deva cumprir a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.
Daí que, face ao exposto, sempre se teria de considerar extinta a presente instância recursiva por impossibilidade, e também inutilidade, superveniente da lide (cfr. artº 287, al. e), e 700, nº 1 al. e), do CPC).
Na verdade, para obstar a tal deveria, assim, a ré (já que o autor não o fez) ter também, oportunamente, interposto recurso (de apelação) da sentença final, por forma a evitar que esta transitasse em julgado.
Mas poder-se-á objectar que nos recursos de apelação interlocutórios (ou seja, interpostos do despacho saneador), que subam só a final (tal como determina o nº 1 do citado artº 695, n º 1 – e que foi uma inovação da actual reforma do CPC/95), não existe nenhuma norma que imponha também a obrigatoriedade da interposição de recurso da decisão final que põe termo ao processo, e mais concretamente da sentença final (sobretudo, quando ela for desfavorável ao anterior apelante).
Mas já vimos, pelas razões supra expostas, que tal recurso se impõe sempre que ocorre uma situação semelhante àquela do caso em apreço., em que a parte continua a manifestar interesse na apreciação da 1º recurso de apelação.
Estamos, assim, perante um caso omisso de norma que regule expressamente situações como aquela que ocorre nos presentes autos.
E sendo assim, a integração dessa lacuna deverá, em primeira linha, ser feita segundo a norma aplicável aos casos análogos (cfr. artº 10, nºs 1 e 2, do CC).
Ter-se-á, desse modo, e antes de mais, de indagar se, nosso ordenamento jurídico, existe alguma norma que regule caso análogo ao destes autos.
Tal como decorre, do nº 2 do citado artº 10, a analogia das situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal das situações, não tendo quer a norma prevista, quer o caso omisso que apresentar-se rigorosamente iguais, admitindo-se, pois, algumas de diferenças (cfr. os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “ Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed. pág. 59” e o prof. Castro Mendes, in “Introdução, pág. 25”).
Ora, compulsando o actual Código de Processo Civil verificamos que no domínio dos recursos de agravo existe um norma que, de uma forma bastante idêntica, regula tais situações.
É sabido que os recursos de agravo podem ter subida imediata ou diferida (cfr. artºs 734 e 735, nº 1, do CPC).
Na parte referente aos recursos com subida diferida, dispõe o nº 2 do citado artº 735 que “se não houver recurso da decisão que ponha termo ao processo, os agravos que deveriam subir com esse recurso ficam sem efeito, salvo se tiverem interesse para o agravante independentemente daquela decisão. Neste caso, sobem depois da decisão transitar em julgado, caso o agravante o requeira no prazo de 10 dias” (sublinhado nosso)
Comentando tal normativo escreve o prof. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 3ª, Coimbra Editora, pág. 157”) “não havendo recurso da decisão final, os agravos, em regra, caducam, por inutilidade superveniente da lide (“ficam sem efeito”). Exceptuam-se os que tenham interesse para o agravante independentemente da decisão que ponha termo ao processo (agravos com interesse autónomo), os quais sobem depois do trânsito em julgado da decisão final, desde que o agravante o requeira específicadamente....”.
Ora, resulta, e dele se deve concluir, de tal normativo que os recursos interlocutórios de agravo que devessem subir com a decisão final ficam, como regra, sem efeito (caducam) se não for interposto recurso da decisão final. Só assim não sucederá no que concerne àqueles agravos que são autónomos da decisão final (isto é, que não têm qualquer influência ou interferência nessa decisão) e que a parte agravante continua, mesmo assim, a ter interesse na sua apreciação (no caso, por ex., de terem por objecto uma anterior condenação em multa, cuja validade a parte pretende ver apreciada), caso então em que a sua subida deverá ser requerida no prazo de 10 dias após o trânsito da referida decisão (vidé, a propósito, ainda o cons. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Almedina, págs. 287/288”).
Todavia, resulta também de tal normativo (e até numa interpretação à contrário) que se os referidos recursos interlocutórios não forem autónomos ou independentes da decisão final, já a parte agravante se continuar a ter interesse na sua apreciação terá sempre também que interpor recurso da decisão final, sob pena de caducidade (ficarem “sem efeito”) dos mesmos. E percebe-se que assim seja, já que a decisão desses referidos recursos (interlocutórios) poderá vir a reflectir-se e a influir na decisão final (no caso presente, na sentença), ou seja, (e como escreve o último mestre, in “ob. e pág. citadas”), a sua solução poderá vir a projectar-se na solução final da decisão em litígio (como era susceptível de acontecer, como já vimos, no caso sub-judice).
E daí, dada a similitude das situações insertas na previsão e regulação da referida norma e o caso em apreço nestes autos (cujos interesses e razão de ser requerem solução idêntica), que seja de aplicar a sua doutrina ao caso configurado.
E daí a conclusão que, logo acima chegámos, no caso em apreço a ré só poderia ver julgado e apreciado o presente recurso (interlocutório) de apelação se não deixasse transitar a sentença final proferida nestes autos.
Como não impediu tal trânsito (vg. dela igualmente também recurso), ter-se-á também de considerar, pelas razões expostas, que o sobredito recurso (interlocutório de apelação) já se encontra caducado, pelo que, também por isso, dele não se conhecerá.
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III- Decisão
Assim, em face do atrás exposto, acorda-se em não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pela ré.

Coimbra, 2006/07/11