Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1202/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA LEGAL
Data do Acordão: 05/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 152º DO DL N.º 132/93, DE 23.04
Sumário: Na previsão do art. 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23.04, não se incluem as hipotecas legais.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)-No Tribunal de Albergaria-a-Velha foi declarada, por sentença proferida em 30.04.2004, a falência de A....
Foram reclamados vários créditos, e prosseguindo os autos os seus regulares termos, foi, por fim, proferida sentença ao abrigo do art. 196º do CPEREF (DL 132/93, de 23.04), julgando verificados os créditos e procedendo à sua graduação pela seguinte forma:
“A- Pelo produto de todos os bens da massa falida respondem as custas da falência, incluindo as despesas de liquidação e a remuneração ao liquidatário, que saem precípuas de todo o produto da massa falida e na devida proporção.

B- Pelo produto da venda dos seguintes imóveis (resultante das execuções fiscais):
a)- Prédio misto, sito em Cavada Nova, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albergaria-a-Velha, pelos artigos 921º urbano e 5203 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 04080/940614;
b)-Prédio urbano sito em Cavada Nova, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Albergaria-a-Velha, pelo art. 3004, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 04024/940411,
Serão pagos, em

Rateadamente
Os créditos reclamados pelo Ministério Público sob as alíneas b), c), d), e), f), l), u), v), y), w), z), aa) e pppp) correspondentes a prestações devidas à Segurança Social, referentes aos anos de 1992, 1993 e 1994 , e adquiridos pela Direcção Geral do Tesouro, e
Os créditos reclamados pelo Centro Regional da Segurança Social de Aveiro correspondentes a prestações devidas à Segurança Social referentes aos meses de Janeiro a Março de 1995 (discriminados e quantificados a fls. 36);


Os créditos reclamados pelo Centro Regional da Segurança Social de Aveiro a título de prestações devidas à Segurança Social de Aveiro a título de prestações devidas à Segurança Social e não pagas referentes aos meses de Abril de 1995 a Dezembro de 1995 e Maio de 1997 a Dezembro de 1998 (discriminadas e quantificadas a fls. 36 a 38);

C)-Pelo produto da venda dos restantes imóveis serão pagos em
1º- O remanescente dos créditos reclamados pelo Centro Regional da Segurança Social de Aveiro a título de prestações devidas à Segurança Social e não pagas referentes aos meses de Janeiro, Abril de 1995 a Dezembro de 1995 e Maio de 1997 a Dezembro de 1998 (discriminadas e quantificadas a fls. 36 a 38), respectivos juros até Maio de 1999.

D) Pelo remanescente do dinheiro depositado à ordem dos presentes autos (resultante das vendas dos prédios aludidos em B) I e C) serão pagos rateadamente todos os créditos reclamados, incluindo os eventuais remanescentes dos créditos supra graduados”.

O Banco B..., que reclamara um crédito comum no montante de € 91.149,21, acrescido de juros de mora no valor de € 134.862,58 e imposto de selo no valor de € 5.394,51, por ser portador de 4 letras de câmbio aceites pela falida, não se conformou com tal sentença, dela apelando, discordando, em suma, da preferência concedida ao pagamento dos créditos da Segurança Social garantidos por hipoteca legal, e extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:
1ª-A douta sentença recorrida, ao graduar os créditos do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro em primeiro lugar, para serem pagos pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos para a massa falida, por força da existência de hipotecas legais registadas a seu favor, viola o disposto no art. 152º do CPEREF.
2ª- Na verdade, o art. 152 do CPEREF, na sua redacção inicial - aplicável aos presentes autos por força do disposto no art. 7º, n.º2 do DL n.º 315/98, de 20.10- introduziu uma inovação verdadeiramente revolucionária no ordenadamente jurídico português, ao prever expressamente a extinção dos privilégios creditórios do Estado;
3ª-“(…) Do conteúdo das normas integrativas do CPEREF constata-se, como expressamente decorre de todo o preâmbulo do diploma que houve uma clara e nítida intenção do legislador de procurara incentivar a recuperação das empresas em situação económica difícil, e que sejam economicamente viáveis, de forma a impedir a sua extinção (…)”.
4ª- (…) tal orientação está manifestamente patenteada num estudo integrado nos trabalhos preparatórios do diploma em causa, elaborado pelo Prof. Antunes Varela na RLJ, 123º, onde, a dado passo, este Mestre propugna que deve ser lembrado ao Estado o dever que lhe assiste de colaborar, antes de qualquer outro credor, na recuperação financeira de tais empresas, quer abolindo quer restringindo de vez os privilégios creditórios que injustamente prejudicam os demais credores (…)- fls. 123” (vide ac. do STJ, de 27.05.2003, no Processo 03ª1418, in www. dgsi.pt.jstj).
5ª-Apesar de o art. 152º do CPEREF e o preâmbulo deste diploma apenas referirem expressamente os “privilégios creditórios”, a ratio legis do preceito é no sentido de, atentos os objectivos visados, incluir nos mesmos “ (…) outras garantias com análoga finalidade de que sejam titulares as indicadas entidades públicas (…)”, como é o caso das hipotecas legais (ac. citado).
6ª- As razões que justificam a extinção dos privilégios creditórios stricto sensu são precisamente as mesmas que justificam a aplicação de idêntico regime às hipotecas legais.
7ª-A garantia conferida pelos privilégios creditórios da Segurança Social que incidam sobre valores imobiliários está em paridade com aquela que resulta da constituição da hipoteca legal (vide, neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 160/2000, de 22.03.2000, in DR , II Séria, de 10.10.2000).
8ª-Pelo que, conclui-se no citado acórdão de 27.05.2003, “ (…) não será aceitável que, no concurso de credores, regulado pela lei substantiva, os aludidos créditos se encontrem em paridade, quanto à inexistência de qualquer preferência, relativamente ao seu pagamento e tal situação já não ocorra no âmbito do processo de falência”.
9ª-Acresce que, a manutenção das hipotecas legais constituídas a favor das entidades referidas no art. 152 constituiria, sempre, um factor conducente à não aprovação pelas mesmas de qualquer das providências de recuperação previstas no art. 4º, na medida em que os seus créditos, como privilegiados, nunca seriam afectados pela declaração de falência, o que já não ocorreria no caso de extinção dessas garantias (neste sentido o acórdão citado),
10ª- É totalmente contraditório e mesmo “incompreensível que, referindo o legislador à saciedade, no preâmbulo do CPEREF a sua clara e nítida intenção de prescindir das garantias reais- privilégios creditórios - de que beneficiavam os seus créditos, mantivesse, contra tão pregoada manifestação de vontade, a garantia real constituída por hipoteca legal, o que constituiria um manifesto desvirtuamento das intenções propugnada”, ou, nas palavras de Carvalho Fernandes e João Labareda, “(…) a não ser assim, estaria o legislador a retirar com uma das mãos o que dava com a outra”.
11ª- A solução ora preconizada encontra claro apoio na letra da lei - se as entidades referidas no art. 152º pudessem invocar a garantia conferida pela hipoteca legal, então teríamos forçosamente de concluir que os seus créditos não passariam a ser exigíveis apenas como créditos comuns, como expressamente impõe aquele artigo.
12ª-Tal solução viola claramente o disposto no art.152º do CPEREF, como acontece com a douta sentença recorrida;
13ª-Pelo exposto, tem de se entender, sob pena de violação ainda, do pensamento legislativo, que a expressão “(…) “privilégios creditórios” abrange não só garantias consideradas stricto sensu, como também, outras garantias (…)”, entre as quais se destaca (até pela forma decisiva e directa como afecta quer os créditos, quer os pagamentos aos restantes credores), “a hipoteca legal, cujas finalidades com aqueles são manifestas” (vide acórdão de 27.05.2003, já citado).
14ª-Deverá proceder-se à integração de tal lacuna legislativa, através do recurso à analogia, cujos pressupostos se encontram previstos pelo art. 10º, n.ºs 1 e 2 do CC, na medida em que existe uma manifesta semelhança entre os privilégios creditórios imobiliários e a hipoteca legal.
15ª-O argumento de que a publicidade conferida pelo registo das hipotecas legais as afastaria da previsão do art. 152º não colhe, “pois conduziria à desconsideração de todos os privilégios creditórios da falência, e não é essa a solução da lei” (vide, neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, p. 404).
16ª-Assism, a douta sentença de verificação e graduação de créditos, objecto do presente recurso, deverá ser alterada no sentido de reconhecer a extinção das hipotecas legais constituídas e registadas a favor do Centro Distrital de Solidariedade Social de Aveiro, bem como, graduar o pagamento daquela entidade, pelo produto da venda dos bens imóveis, em paridade com os demais credores.

Contra-alegaram o Ex.mo Magistrado do M.P., bem como o Instituto da Segurança Social, I.P., no sentido da manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- Delimitado, em princípio, o objecto do recuso pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC), verifica-se que a única questão decidenda consiste em saber se ocorre a extinção imediata das hipotecas legais com a declaração de falência ou, por outras palavras, se tais garantias de cumprimento das obrigações estão abrangidas pela previsão do art. 152º do CPEREF (DL n.º 132/93, de 23.04).

Obviamente estão apenas em causa as hipotecas legais conferidas a favor do Estado, autarquias locais e Segurança Social, hipotecas essas que resultam directamente da lei, sem dependência da vontade das partes e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 704º do CC). Hipoteca que, tal como a hipoteca voluntária, para produzir todos os seus efeitos carece de ser registada, sendo o registo de natureza constitutiva (art. 687º do CC).

A questão submetida a julgamento deste Tribunal tem sido objecto de diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça que propende, maioritariamente, para a subsistência das hipotecas legais que oneram o património imobiliário do falido, apesar do estatuído no art. 152º do CPEREF .
A argumentação que o Banco Apelante traz não é nova, sendo colhida fundamentalmente no acórdão do STJ que cita, proferido em 27.05.2003, no Processo 03A1418, acessível in www.dgsi.pt/jstj, e, ainda, na anotação ao art. 152º do CPRERF, da autoria de Carvalho Fernandes e João Labareda .

A sentença impugnada seguiu na esteira da jurisprudência preponderante do STJ, que não julga extintas, com a declaração da falência, as hipotecas legais constituídas sobre o património imobiliário do falido para garantia dos créditos da Segurança Social. Nessa conformidade foram graduados os créditos garantidos pelas hipotecas legais registadas, sendo certo que não se controverte a graduação efectuada no pressuposto da manutenção dessas garantias de cumprimento das obrigações.

Será despiciendo reiterar aqui a argumentação seguida nesses arestos, que também merece a nossa concordância . O Recorrente não traz à consideração deste Tribunal diferente motivação jurídica que não encontre resposta nessa jurisprudência quase uniforme do STJ.
Assim, e ressalvado sempre o devido respeito pela opinião do Banco Apelante, resta apenas remeter para os fundamentos da sentença impugnada, como permite o n.º5 do art. 713º do CPC.

III)- Face ao exposto, acorda-se em :
-Negar provimento ao recurso.
-Confirmar inteiramente a sentença impugnada, remetendo para a respectiva fundamentação.
-Condenar o Banco Apelante nas custas do recurso.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Helder Roque