Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225-C/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DE DECISÕES DE DIVÓRCIO
FIXAÇÃO DE UMA INDEMNIZAÇÃO A FAVOR DE UM DOS CÔNJUGES
EM ACÇÃO DE DIVÓRCIO
POR UM TRIBUNAL FRANCÊS. TÍTULO EXECUTIVO EM PORTUGAL.
Data do Acordão: 04/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: REGULAMENTOS (CE) NºS 1347/2000, DE 29/05/2000, E 2201/2003, DE 27/11/2003, DO CONSELHO.
Legislação Comunitária: REGULAMENTOS (CE) NºS 1347/2000, DE 29/05/2000, E 2201/2003, DE 27/11/2003, DO CONSELHO.
Sumário: I – O reconhecimento automático das decisões positivas de divórcio previsto nos Regulamentos (CE) nºs 1347/2000 e 2201/2003, refere-se em exclusivo à dissolução do vínculo matrimonial.

II - Assim, a parte do pronunciamento decisório constante de uma sentença de divórcio proferida por um tribunal francês que fixe uma indemnização decorrente do decretamento do divórcio, não é abrangida por qualquer desses Regulamentos, não sendo objecto de reconhecimento automático, não constituindo, essa parte da sentença francesa, título executivo em Portugal, sem a prévia obtenção do correspondente exequator.

III - Esses Regulamentos (1347/2000 e 2201/2003) reconhecem automaticamente, todavia, as condenações em custas proferidas nas acções de divórcio por eles abrangidas, permitindo, assim, a instauração de um processo executivo em Portugal, assente numa condenação em custas proferida por um Tribunal francês num divórcio.

IV - A condenação numa indemnização prevista no artigo 700 do Nouveau Code de Procédure Civile francês, constitui, nesse direito processual, uma condenação em custas (paralela da condenação em procuradoria por um tribunal português), sendo exequível em Portugal ao abrigo de qualquer um dos mencionados Regulamentos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


1. A... (Exequente e neste recurso Agravante) intentou na Comarca de Alcanena, em 24/05/2006, contra o seu ex-marido, B... (Executado e neste recurso Agravado), execução cujo requerimento inicial consta de fls. 1/6 do apenso identificado como Proc. nº 225-A/1998, pretendendo executar – e apresentando como título executivo – uma Sentença proferida em 13 de Dezembro de 2001[1] pelo Tribunal francês “Cour D’Appel de Versailles” (Tribunal de Recurso de Versalhes), na parte em que tal decisão condena o Executado a satisfazer-lhe (a ela Exequente), no âmbito de um processo no qual foi decretado o divórcio de ambos com atribuição conjunta da culpa (torts partagés), uma “prestação compensatória” (prestation compensatoire) no valor de €14.635,11, pagável em oito anuidades, e no pagamento de uma indemnização de €457,35 nos termos do artigo 700 do Nouveau Code de Procédure Civile (este será referido doravante como NCPC)[2].

1.1. Por apenso à mencionada execução, apresentou-se o Executado a deduzir-lhe oposição, nos termos do artigo 813º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[3], invocando, entre outras questões, sem interesse para este agravo, a falta de título executivo, por não revestir essa natureza a Sentença do Tribunal francês apresentada pela Exequente.

Admitida liminarmente a referida oposição (fls. 42), contestou-a a Exequente a fls. 46/51, proferindo o Tribunal o Saneador-Sentença de fls. 58/64 (constitui este a decisão objecto do presente agravo), nele julgando a mencionada decisão jurisdicional francesa desprovida da natureza de título executivo face à ordem jurídica portuguesa e, como tal, inapta para fundar (em Portugal) uma execução referida às prestações pecuniárias visadas pela Exequente.

1.2. Inconformada, interpôs a Exequente o presente agravo (requerimento de interposição a fls. 70 e despacho de admissão a fls. 75), alegando-o a fls. 78/91 e formulando nessa ocasião as conclusões que aqui se transcrevem:


“[…]
– A Agravante promoveu, em 23/05/2006, execução […] contra o Agravado, com base na sentença que decretou o divórcio entre ambos e condenou o Réu, ora Agravado, no pagamento de uma prestação compensatória no montante de 96.000 francos (correspondente a €14.635,11), livre de encargos e pagáve[l] em oito anuidades, condenando-o também a pagar à aqui Exequente a quantia de 3.000 francos (correspondente a €457,35), nos termos do artigo 700º do [Código de Processo Civil Francês].
– A sentença dada à execução foi proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes, em 13/12/2001, já transitada, que manteve o divórcio que havia decretado pelo Tribunal de Grande Instância de Nanterre – 8º. Juízo, em 8/7/1999, tendo revogado a decisão parcialmente nos termos atrás mencionados (1ª. conclusão).
O Executado deduziu oposição à execução invocando, além de outros motivos, que a sentença proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes não pode servir de título executivo.
– A Exequente na contestação à oposição alegou, além do mais, que a sentença oferecida à Execução é válida e eficaz em Portugal, o que foi reconhecido pelo Executado nos autos principais, sendo título executivo.
– Viria a ser proferido Saneador/Sentença, que, embora considerando a sentença do Tribunal de Recurso de Versalhes válida e eficaz em Portugal, não a considerou título executivo,
– Fundamentando que a partir de 01/03/2005, a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental passaram a ser regidos pelo Regulamento (CE nº. 2201/2003 de 27/11/2003,
– Que o artigo 1º. nº. 1 alínea a) preceitua que tal Regulamento é aplicável, independentemente do Tribunal às matérias civis relativas ao divórcio, referindo o artigo 21 que «as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades».
– Que o ponto 21 do preâmbulo desse Regulamento alude a que o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado-Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento serão reduzidas ao mínimo indispensável,
– Que o ponto 8 do preâmbulo do citado Regulamento não abrange as questões como as causas de divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias.
10ª – Que aos montantes indemnizatórios que ora se pretendem executar haverá de se aplicar o Regulamento (CE) nº. 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro, relativo às competência judiciária, reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 01/03/2002,
11ª – Realçando o artigo 33 nº. 1, que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer outro processo, acrescentando o artigo 38 nº. 1, que as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada, pelo que, através do Saneador-Sentença, foi julgada a procedência da oposição à execução, ordenando-se a extinção da instância.
12ª – Inconformada com esta decisão a Agravante interpôs o presente recurso de Agravo, alicerçando as suas alegações nesta série de fundamentos:
13ª – Quanto aos factos do divórcio há duas situações a distinguir – os danos morais que resultam da própria dissolução do casamento a reclamar no mesmo processo de divórcio que fundamentam o divórcio, quer morais quer patrimoniais, a intentar numa acção declaratória comum de condenação.
14ª – Porém, a segunda das hipóteses referidas na cláusula anterior, desde que intentado no próprio processo de divórcio é efectivamente admissível, à luz das alterações introduzidas no [CPC], através dos D.L. 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9.
15ª – Proferida qualquer decisão em processo de divórcio que confira compensação/indemnização a qualquer das partes, a sentença não poderá ser eficaz e válida em Portugal, só com relação ao divórcio, deixando de fora a parte condenatória da compensação, porquanto a matéria de indemnização perdeu a sua autonomia e princípios reguladores processuais, fundindo-se ou enxertando-se na acção de divórcio, não se lhe aplicando o princípio da cominação por falta de contestação, formando-se um todo incindível.
16ª – Deve[m] aplicar-se ao caso em questão os artigos 1º. nº. 1 e 21º. nº. 1 ambos do Regulamento (CE) 2201/2003.
17ª – O ponto 8 do Preâmbulo deste Regulamento inclui as questões como as causas do divórcio, os factos patrimoniais ou outras eventuais medidas acessórias.
18ª – No caso em apreço não são discutidas as causas do divórcio, aceites por ambas as partes, com o respectivo trânsito em julgado, e que nada tem a ver com a acção executiva.
19ª – Quanto aos efeitos patrimoniais do divórcio [retroagem-se] em relação aos cônjuges à data da propositura da acção e para os terceiros, a partir da data do registo da sentença, situações alheias à acção executiva. (artigos 1788º e 1789º do [Código Civil]).
20ª – O Agravado nos autos principais 225/98 em que foi Réu, reconheceu que a Autora, aqui Exequente, instaurou o processo de divórcio em França, contra o Réu, aqui Executado.
[20ª-A] A sentença preferida pelo Tribunal Francês é válida e eficaz em Portugal, a presente acção é repetição daquela decidida pelo Tribunal de Recurso Francês e transitou em julgado.
[20ª-B] Havendo identi[dade] quanto aos sujeitos, identi[dade] do pedido e causa de pedir, por isso caso julgado, verificando-se que a decisão tem força obrigatória dentro e fora dele, nos termos fixados nos artigos 497º e seguintes (671º nº. 1) do CPC.
21ª – O Agravado neste seu reconhecimento não fez qualquer restrição à eficácia da totalidade da sentença proferida pelo Tribunal de Recurso Francês, contrariamente [ao] que fez na sua Oposição à Execução.
22ª – À referida decisão proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes não poderá ser aplicada o Regulamento (CE) 44/2001 de 22 de Dezembro, porquanto não tem suporte legal, quer no artigo 38 nº. 1, quer em qualquer outro, não havendo necessidade de se proceder [à] executoriedade da sentença francesa quanto às compensações em que o Agravado foi condenado, constante da acção executiva.
23ª – Ao julgar procedente a Oposição à Execução, a decisão ora em apreço relativa ao Saneador-Sentença, não tomou em conta o Ponto 8 do Preâmbulo do Regulamento (CE) 2201/2003, artigos 1º. nº. 1 e 21º. nº.1 desse Regulamento, os artigos 33 e 38 nº. 1 do Regulamento (CE) 44/2001 de 22 de Dezembro, os artigos 467º e seguintes, 671º nº. 1, 655º nº. 1, 490º, 668º nº. 1 alínea c) todos do CPC e artigos 1788º e 1789º do Código Civil).
[…]”
            [transcrição de fls. 87/90]


II – Fundamentação


            2. Prefigura-se necessariamente, enquanto ponto de partida da apreciação do presente recurso de agravo, a fixação do respectivo âmbito objectivo. Tal delimitação temática, pressuposta a ratio decidendi da decisão impugnada, opera-se, neste como em qualquer recurso, através das conclusões formuladas por quem recorre, como resulta da aplicação conjugada dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[4].

Assim, tendo presente o teor das conclusões da Agravante, que foram transcritas no item anterior, constata-se estar em causa a contestação ao entendimento subjacente à decisão agravada de que a Sentença do Tribunal francês, aqui apresentada como título executivo, não satisfaz as condições que possibilitariam encará-la como tal (como título executivo) perante um Tribunal português, em termos aptos a desencadear, nesta jurisdição, um processo executivo. Isto, obviamente, por ser aquilo que a Agravante pretende executar, relativamente aos pronunciamentos decisórios dessa Sentença traduzidos na condenação em prestações pecuniárias decorrentes do decretamento do divórcio.

            É o que cumpre apreciar, pressupondo esta Relação os dados fácticos relevantes que emergem do processo, os quais a decisão agravada assumiu como tal, e que aqui se transcrevem conforme foram elencados a fls. 59 da decisão agravada:


(1) “[a] ExequenteA..., no dia 23 de Março de 2006, intentou execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, oferecendo como título executivo, Sentença proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes no dia 13 de Dezembro de 2001 (processo nº 99/07432)[5] […]”;
(2) “[a] Sentença mencionada em 1 manteve o divórcio que havia sido decretado pelo Tribunal de Grande Instância de Nanterre – 8º Juízo, no dia 8 de Julho de 1999 (processo nº 98/03119), revogando essa decisão nos seguintes segmentos: – abonou a aqui Exequente com uma prestação compensatória no montante de 96.000 francos [franceses] (correspondente a €14.635,11) livre de encargos e pagáveis em oito anuidades, a cargo do […] Executado […]; – condenou o aqui […] Executado […] a pagar à aqui Exequente a quantia de 3.000 francos [franceses] (correspondente a €457,35), nos termos do disposto no artigo 700º do Código de Processo Civil francês;
(3) Não foi proferida declaração de executoriedade da decisão oferecida pela Exequente à presente execução”

            2.1. Refere-se a “prestação compensatória” outorgada à Agravante pelo Tribunal de Recurso de Versalhes à situação regulada nos artigos 270 a 281 do Código Civil francês[6], traduzindo-se ela numa atribuição patrimonial a um dos cônjuges, a cargo do outro, visando compensar a disparidade criada pela ruptura do casamento relativamente às condições de vida de cada um dos cônjuges[7]. Trata-se de uma possibilidade que não tem uma correspondência exacta no direito português, fora do quadro da obrigação alimentar a cargo dos ex-cônjuges [artigo 2009º, nº 1, alínea a) do Código Civil (CC)], sendo substancialmente diferente da reparação prevista no artigo 1792º do CC[8], caracterizando-a a doutrina francesa nos seguintes termos:


“[…]
Quanto ao seu fundamento, ele não assenta na atribuição da culpa […], mas na ideia de que, ao sair do casamento, devem os cônjuges encontrar-se numa situação de independência patrimonial comparável, sem que um deles sofra, de forma particularmente violenta, as consequências das escolhas de partilha que fez, conjuntamente, ao longo do casamento (principalmente dos sacrifícios de carreira feitos pela mulher). Assenta tal compensação, assim, puramente, num fundamento de equidade […]”[9]

            Paralelamente, no que se refere à parte da condenação reportada ao artigo 700 do NCPC francês, também abrangida pela execução, constata-se (cfr. o texto da disposição transcrito na nota 3) estar em causa algo que, grosso modo, apresenta alguma equivalência a certos elementos do conteúdo da chamada “procuradoria” no Direito português[10]. Relativamente a este aspecto da condenação proferida pelo Tribunal francês, interessa ter presente – e a consideração que se segue apresenta relevância na presente situação, conforme explicitaremos mais adiante – que o conteúdo indemnizatório em causa no artigo 700 do NCPC assume aí, no processo civil francês, a natureza de “encargo de custas” (“charges des dépens”) respeitante ao processo de divórcio[11]. Com efeito, embora se distinga em França as custas propriamente ditas (que correspondem aí aos valores elencados no artigo 695 do NCPC) da indemnização prevista no artigo 700 do NCPC[12], isso sucede em termos que apresentam alguma semelhança com a situação correspondente no nosso Direito: a que resulta da articulação entre o regime das custas da acção e o da procuradoria[13]. Significa isto que este elemento da condenação pretendido executar, será considerado, neste processo, como condenação em custas proferida pelo Tribunal francês no âmbito de uma acção de divórcio[14].

            2.2. Trata-se, portanto, de saber se os elementos acessórios da Sentença de divórcio proferida em França – acessórios, mas inegavelmente abrangidos pelo caso julgado formado por essa Sentença –, traduzidos na chamada “prestação compensatória” e na indemnização prevista no artigo 700 do NCPC, constituem, sem mais, título executivo na ordem jurídica portuguesa, nos mesmos termos em que constituiriam pronunciamentos decisórios equivalentes, formulados por um Tribunal português numa acção de divórcio.

            2.2.1. Como ponto de partida, atendendo às datas da prolação (13/12/2001) e do trânsito da Sentença francesa (15/02/2002), há que ter presente – na perspectiva do reconhecimento automático da decisão exequenda defendido pela Agravante –, enquanto elemento de afastamento da necessidade de revisão e confirmação por um tribunal português (artigo 49º, nº 1 do CPC[15]), há que ter presente, dizíamos, o Regulamento (CE) Nº 1347/2000, do Conselho de 29 de Maio de 2000, “relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal” (doravante Regulamento 1347/2000)[16], que entrou em vigor em 1 de Março de 2001 (v. o respectivo artigo 46º).

Embora a norma de direito transitório constante do Regulamento 1347/2000 (o artigo 42º[17]) apresente uma redacção não isenta de dúvidas, afigura-se-nos comportar ela uma interpretação no sentido da aplicabilidade do mesmo Regulamento, em matéria de reconhecimento automático (v. o respectivo artigo 14º), às decisões – obviamente, às decisões por ele tematicamente abrangidas – proferidas desde 01/03/2001 em todos os Estados-Membros, com exclusão da Dinamarca (artigo 1º, nº 3 do Regulamento 1347/2000), desde que a competência do tribunal que proferiu essa decisão assente, no caso de divórcio, num dos critérios elencados no artigo 2º deste Regulamento (cfr. nº 2 do artigo 42º transcrito na nota 18). Vale aqui, enquanto elemento de recondução a um dos critérios de competência indicados no artigo 2º, nº 1, alínea a) do Regulamento 1347/2000, a constatação de que tanto a Agravante como o Agravado residiam em França, ao tempo da instauração (aí) do processo de divórcio (cfr. o texto da Sentença da Cour D’Appel de Versailles a fls. 41 do apenso de execução).

No entanto, o Regulamento 1347/2000 foi, entretanto, substituído (revogado) pelo Regulamento (CE) Nº 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, “relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000” (doravante Regulamento 2201/2003)[18], sendo que este último, tendo entrado em vigor em 1 de Agosto de 2004 (primeiro parágrafo do respectivo artigo 72º), só se tornou aplicável, exceptuadas algumas disposições de carácter instrumental, a partir de 1 de Março de 2005[19]. Todavia, aplicando-se ele (o Regulamento 2201/2003), em princípio, nos termos do respectivo artigo 64º, nº 1, às acções intentadas depois dessa data (01/03/2005)[20], existem situações de extensão (retroactiva) da aplicação deste Regulamento de 2003 a decisões proferidas anteriormente, mas após a data de entrada em vigor do Regulamento 1347/2000 (01/03/2001), na sequência de processos instaurados antes da entrada em vigor deste último, desde que sejam abrangidas por ele (pelo Regulamento 1347/2000) e que a competência do tribunal de origem se tenha fundamentado em critérios conformes com os estabelecidos no mesmo Regulamento 1347/2000 (artigo 64º, nº 4 do Regulamento 2201/2003), sendo que já verificámos anteriormente a recondução da presente situação aos critérios de competência elencados no artigo 2º do Regulamento 1347/2000.

Verifica-se, assim, situar-se a Sentença aqui pretendida executar numa espécie de “encruzilhada” ou confluência de aplicação no tempo dos dois Regulamentos Comunitários indicados (no caso do último, por preenchimento da facti species do respectivo nº 4 do artigo 64º), tendo a decisão agravada, no trecho constante de fls. 61, optado pela “aplicação”[21] do Regulamento 2201/2003. Esta circunstância (a aplicação de um ou de outro Regulamento) acaba por não apresentar, todavia, particular relevância neste caso, dado não conduzir, sublinha-se desde já, a soluções antagónicas, aplique-se um ou outro dos Regulamentos, quanto à pretensão da Agravante de formação automática de título executivo pela parte da condenação referente à condenação numa “prestação compensatória” do tipo da aqui em causa[22]. E, no que respeita à outra pretensão, a referente à indemnização do artigo 700 do NCPC, a aplicação de um ou de outro dos Regulamentos, conduziria à mesma conclusão: ambos reconhecem automaticamente, como veremos na subsequente exposição, as decisões respeitantes às custas (ao que corresponder ao conceito destas) proferidas nos processos abrangidos pelo(s) Regulamento(s).

Quanto à chamada “prestação compensatória” no valor de €14.635,11, traduzindo esta o elemento fulcral da execução, verifica-se, com efeito, que nenhum dos indicados Regulamentos (o Regulamento 1347/2000 ou o Regulamento 2201/2003) se aplica, em termos de atribuição de força executiva directa, a uma sentença proferida por um tribunal francês numa acção que conduziu a uma decisão positiva de divórcio, na parte em que esta sentença contenha a condenação numa prestação pecuniária do tipo da em causa no artigo 270 do Código Civil francês.

2.2.1.1. Resulta esta última asserção (não estar abrangida essa parte da condenação), no caso do Regulamento 1347/2000, do texto do seu artigo 1º, nº 1, alínea a)[23] (cfr. ainda a definição de “decisão” no artigo 13º, nº 1 do mesmo Regulamento[24]), à luz (interpretativa) do respectivo considerando preambular (10), no qual se refere:


O presente regulamento deve limitar-se aos processos relativos ao divórcio, à separação de pessoas e bens ou à anulação do casamento. O reconhecimento das decisões de divórcio ou anulação apenas afecta a dissolução do vínculo matrimonial. O regulamento não trata de questões como a culpa dos cônjuges, os efeitos patrimoniais do casamento, as obrigações de alimentos ou outras eventuais medidas acessórias, ainda que estejam relacionadas com os processos acima mencionados

            Aliás, isto mesmo foi explicitado – e trata-se de um relevante elemento interpretativo – no “Relatório Explicativo” do texto que viria a originar o Regulamento 1347/2000, o chamado “Relatório Alegría Borrás”[25], no qual se refere:


“[…]
22. A convenção limita-se às acções relativas ao vínculo matrimonial propriamente dito, quer dizer, à anulação do casamento, ao divórcio e à separação. Como tal, o reconhecimento das decisões de divórcio ou anulação apenas afecta a dissolução do vínculo conjugal. Apesar de serem questões que surgem vinculadas às anteriores, a convenção não trata de questões como, designadamente, culpa dos cônjuges, os efeitos patrimoniais do casamento ou obrigação de alimentos, ou outras medidas acessórias eventuais (direito ao nome, etc.) […]. Para as demais questões, continuar-se-ão a aplicar as regras, internas ou internacionais, vigentes entre os Estados em questão.
[…]
64. À semelhança do que já se referia no artigo 1º ao tratar do âmbito de aplicação da convenção em relação às matérias incluídas, basta recordar aqui que o reconhecimento [previsto no artigo 14º do Regulamento] não afecta as questões relativas à culpa dos cônjuges a regimes matrimoniais, a alimentos ou a quaisquer outras consequências económicas ou de qualquer outro tipo que estejam incluídas na mesma decisão. Incide, pois, exclusivamente no reconhecimento da dissolução do vínculo matrimonial ou da separação […].
[…]”

            Aliás, esta interpretação foi adoptada pela generalidade dos comentários doutrinais ao Regulamento 1347/2000:


“[…]
Esta definição [a do artigo 1º do Regulamento 1347/2000] conduz à conclusão, já sublinhada por Christian Kohler […], de que só as decisões respeitantes ao vínculo matrimonial beneficiam de reconhecimento pelo Regulamento […]”[26]


“[…]
[O] reconhecimento só tem por objecto a dissolução do vínculo matrimonial, e já não as suas consequências económicas ou de outro tipo, designadamente quanto aos bens do casal e á obrigação alimentar.
[…]”[27]

           

2.2.1.2. Da mesma forma que sucede (sucedeu), nos termos acabados de expor, com o Regulamento 1347/2000, também o Regulamento 2201/2003, exclui do seu âmbito objectivo de aplicação – rectius, não abrange – o pronunciamento decisório constante de uma sentença positiva de divórcio, proferido num Estado-Membro abrangido por este último Regulamento (todos os Estados-Membros menos a Dinamarca), que contenha uma condenação indemnizatória do tipo da “prestação compensatória” aqui pretendida executar pela Agravante.

Neste caso, relativamente ao Regulamento 2201/2003, vale o artigo 1º, nº 1, alínea a)[28], e o correspondente considerando preambular (8) que, tal como no anterior Regulamento, antecede o articulado respectivo, fornecendo relevantes elementos interpretativos:


Quanto às decisões de divórcio, de separação ou de anulação de casamento, o presente regulamento apenas deve ser aplicável à dissolução do vínculo matrimonial e não deve abranger questões como as causas de divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias.

            Sendo o âmbito material de aplicação do Regulamento 2201/2003, caracterizado nos seguintes termos:


“[…]
[E]mbora o texto do Regulamento o não diga expressamente […] ficam de fora da disciplina uniforme matérias como a culpa dos cônjuges, as consequências de natureza patrimonial da dissolução do casamento, a eventual responsabilidade civil, o direito ao nome.
[…]”[29]

            2.2.1.3. Cumpre abrir aqui um parênteses argumentativo, para abordar o caso específico do elemento da Sentença pretendida executar traduzido na condenação do ora Agravado nos termos do artigo 700 do NCPC (v. o texto desta norma transcrito na nota 3 deste Acórdão). Interessa-nos aqui a consideração deste aspecto, tendo presente que qualquer dos Regulamentos (1347/2000 e 2201/2003) abrange, no respectivo reconhecimento automático, as custas referentes à decisão de decretamento do divórcio (artigos 13º, nº 2 do Regulamento 1347/2000 e 49º do Regulamento 2201/2003).

            Já se referiu (v. a segunda parte do item 2.1. supra) que este elemento da condenação proferida em França traduz (aí) uma condenação em custas respeitante ao próprio divórcio. Daí que já lhe seja aplicável, enquanto condenação nas custas de um divórcio, o regime de reconhecimento automático estabelecido nos Regulamentos para as condenações em custas. Adiante importará retirar essa consequência, em termos de pronunciamento decisório do presente agravo, sublinhando-se aqui, entretanto, que a Agravante dispõe, ao abrigo do artigo 49º do Regulamento 2201/2003[30], de título que lhe permite executar em Portugal – através de um Tribunal português – a condenação proferida (em França) nos termos do artigo 700 do NCPC.

            2.2.2. Quanto à inaplicabilidade dos Regulamentos 1347/2000 e 2201/2003 ao trecho condenatório pretendido executar pela Agravada – sublinha-se, ser este a “prestação compensatória” prevista no artigo 270 do Código Civil francês –, e a consequente não formação de título executivo por esse elemento da decisão exequenda, ao abrigo desses Regulamentos, importa considerar, nos termos apreciados pela decisão agravada, a sujeição dessa parte da condenação proferida pelo Tribunal francês ao Regulamento (CE) Nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, “relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” (doravante Regulamento 44/2001)[31]. Há que ter presente que a hipotética consideração deste Regulamento como aplicável nunca conduziria ao aproveitamento da presente instância executiva, já que não conferiria a esse aspecto da condenação a natureza de título executivo, sem a prévia obtenção do exequator (declaração de executoriedade) previsto no artigo 38º, nº 1 do Regulamento 44/2000, condição esta aqui manifestamente ausente.  

De qualquer forma, contendo a decisão agravada a expressa afirmação de ser aplicável à situação o Regulamento 44/2001, e discutindo a Agravada essa questão no recurso, interessa aqui considerar a aplicação deste Regulamento e, desde logo, a questão do seu âmbito temporal, referido a uma acção que, como aqui sucede, foi intentada em França anteriormente à sua entrada em vigor[32]. A este respeito, só pode valer (para o efeito de aplicação do Regulamento 44/2001) a verificação da facti species de direito transitório constante do artigo 66º, nº 2, alínea a) deste[33]. Ora, estando em causa aqui uma decisão proferida (13/12/2001) e transitada (15/02/2002) anteriormente à entrada em vigor deste Regulamento (01/03/2002), constata-se, na base do não preenchimento da mencionada facti species, a inaplicabilidade do Regulamento 44/2001[34].

Sendo este inaplicável à situação, contrariamente ao que se refere na decisão agravada, interessaria aqui, na perspectiva da obtenção de um título executivo válido em Portugal, reportado à condenação numa indemnização nos termos do artigo 270 do Código Civil francês, o regime do exequator, decorrente do artigo 31º da “Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial” de 1968[35], regime este que, aliás, não é essencialmente diferente do previsto no Regulamento 44/2001 (este, nos termos do respectivo artigo 68º, nº 1, substituiu, entre os Estado-Membros, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas).

2.3. Não dispondo a Agravante de título executivo quanto à “prestação compensatória” no valor de €14.635,11, já dispõe desse título, como flúi do item 2.2.1.3. deste Acórdão, relativamente à condenação numa indemnização de €457,35, nos Termos do artigo 700 do NCPC, proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes, enquanto condenação em custas no âmbito de uma acção de divórcio. Daqui decorre a procedência (parcial) do agravo, no que se refere à determinação de extinção da instância executiva quanto à indemnização de €457,35. Efectivamente, sublinhando-se que o Regulamento 2201/2003 prevê a execução parcial de uma decisão, quando esta “[…] se referir a vários aspectos do pedido e a execução não puder ser autorizada em relação a todos […]”, casos em que “[…] o tribunal ordenará a execução relativamente a um ou vários desses aspectos” (texto do nº 2 do artigo 36º do Regulamento 2201/2003[36]), sublinhando-se isto, dizíamos, constata-se a possibilidade da execução parcial deste último aspecto da condenação proferida pelo Tribunal francês.  

Resta, assim, confirmar parcialmente a decisão agravada, formulando antes a seguinte síntese conclusiva dos argumentos acima expendidos, na parte directamente respeitante à ratio decidendi do recurso:


I – O reconhecimento automático das decisões positivas de divórcio previsto nos Regulamentos (CE) nºs 1347/2000 e 2201/2003, refere-se em exclusivo à dissolução do vínculo matrimonial.
II – Assim, a parte do pronunciamento decisório constante de uma Sentença de divórcio proferida por um Tribunal francês que fixe uma indemnização decorrente do decretamento do divórcio, não é abrangida por qualquer desses Regulamentos, não sendo objecto de reconhecimento automático, não constituindo, essa parte da Sentença francesa, título executivo em Portugal, sem a prévia obtenção do correspondente exequator.
III – Esses Regulamentos (1347/2000 e 2201/2003) reconhecem automaticamente, todavia, as condenações em custas proferidas nas acções de divórcio por eles abrangidas, permitindo, assim, a instauração de um processo executivo em Portugal, assente numa condenação em custas proferida por um Tribunal francês num divórcio.
IV – A condenação numa indemnização prevista no artigo 700 do Nouveau Code de Procédure Civile francês, constitui, nesse direito processual, uma condenação em custas (paralela da condenação em procuradoria por um Tribunal português), sendo exequível em Portugal ao abrigo de qualquer um dos mencionados Regulamentos.


III – Decisão


3. Nestes termos, concedendo-se parcial provimento ao agravo, revoga-se, também parcialmente, a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução (improcedendo nessa parte a oposição) quanto à indemnização no valor de €457,35, confirmando-se no restante o despacho recorrido.

A Agravante (e só ela) suportará 80% do valor das custas do presente agravo, contando-se as da oposição nos mesmos termos (embora aí o Executado/Agravado suporte os restantes 20%).

Coimbra,


(J. A. Teles Pereira)

(Jacinto Meca)

(Falcão de Magalhães)



[1] Esta é a data de prolação da mencionada Sentença (v. notas à margem de fls. 41 da execução apensa).Porém, o trânsito em julgado desta decisão ocorreu em 15 de Fevereiro de 2002 (v. as mesmas notas à margem, cfr. o disposto nos artigos 504 e 505 do Nouveau Code de Procédure Civile, cujo texto está disponível em http://www.lexinter.net/NCPC).
[2] Que determina: “[…] dans toutes les instances, le juge condamne la partie tenue aux dépens ou, à défaut, la partie perdante, à payer à l'autre partie la somme qu'il détermine, au titre des frais exposés et non compris dans les dépens. Le juge tient compte de l'équité ou de la situation économique de la partie condamnée. Il peut, même d'office, pour des raisons tirées des mêmes considérations, dire qu'il n'y a pas lieu à cette condamnation”.
[3] Tratando-se de execução proposta posteriormente a 15 de Setembro de 2003, aplica-se-lhe a reforma da acção executiva consubstanciada no Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (v. a norma transitória constante do artigo 21º, nº 1 deste Diploma). Importa ter presente a autonomia da execução aqui em causa relativamente à acção de divórcio (“portuguesa”) à qual foi (indevidamente) apensada. Com efeito, tal acção terminou por inutilidade superveniente da lide (v. fls. 437 do apenso Proc. nº 225/1998), face ao decretamento do divórcio em França, não se gerando nela (no divórcio proposto em Portugal) o título executivo dado a esta execução. Assim, inicia-se o processo aqui em causa (para o efeito da norma transitória constante do mencionado artigo 21º, nº 1) com a data da propositura da execução à qual a presente oposição corre por apenso.
[4] Este último, por estar aqui em causa, como já se indicou noutro local deste Acórdão, processo iniciado antes do dia 1 de Janeiro de 2008, na redacção que apresentava anteriormente ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1 do mencionado diploma). Note-se que, pela mesma razão, qualquer disposição do CPC citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterada pelo DL 303/2007, o é na versão anterior a este diploma.
[5] Consta tal Sentença de fls. 41/45 da execução (está traduzida a fls. 36/40). Importa ter em conta, quanto ao trânsito em julgado da mesma, o que se mencionou supra na nota 2.
[6] Texto disponível em http://admi.net/code.
[7] É esta a definição dessa prestação dada pelo artigo 270 do Code Civil: “[s]auf lorsqu’il est prononcé em raison de la rupture de  la vie commune, le divorce met fin au devoir de secours prévu par l’article 212 du code civil; mais l’un des époux peut être tenu de verser à l’autre une prestation destinée à compenser, autant qu’il est possible, la disparité que la rupture du mariage crée dans les conditions de vie respectives”.
Da possibilidade de outorga desta prestação apenas está excluído o cônjuge declarado único culpado: “[l]’époux aux torts exclusifs de qui le divorce est prononcé n’a droit à aucune prestation compensatoire […]” (artigo 280 – 1 do Code Civil).
[8] V. a caracterização desta em Francisco Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2008, pp. 707/709. Esta reparação (a prevista no artigo 1792º do CC) equivale no Direito francês (no qual abrange danos patrimoniais e não patrimoniais) aos chamados dommages-intérêts previstos no artigo 266 do Code Civil.
Ao referirmos a falta de equivalência directa no Direito português da “prestation compensatoire”, pretende-se aludir, tão-só, à diferença de regimes. Não se está, obviamente, a tomar qualquer posição sobre a possibilidade de reconhecimento ou de declaração de executoriedade, na ordem jurídica portuguesa, de uma condenação, proferida por um tribunal francês, numa prestação deste tipo.
[9] Alain Bénabent, Droit civil. La famille, 11ª ed., Paris, 2003, p. 250.
[10] Nos termos resultantes do Código das Custas Judiciais:
Artigo 40º
(Natureza e âmbito da procuradoria)
1. Sem prejuízo do disposto no regime do acesso ao direito e aos tribunais, a parte vencedora, na proporção em que o seja, tem direito a receber do vencido, desistente ou confitente, na primeira instância e nos tribunais superiores, salvo nos incidentes, uma quantia a título de procuradoria.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Artigo 41º
(critério de fixação da procuradoria)
1. A procuradoria é arbitrada pelo tribunal, tendo em atenção o valor, a complexidade da causa, o volume e a natureza da actividade desenvolvida e ainda a situação económica do responsável, entre um décimo e um quarto da taxa de justiça devida.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[11] Sendo essa indemnização fixada, no processo civil francês, como encargo da parte que paga as custas (“la partie ténue aux dépens”) ou, na falta de condenação nestas, da parte que perde (“ou,à défaut, la partie perdente”), em qualquer acção (v. o texto do artigo 700 do NCPC, transcrito na nota 3). Significa isto, que o simples decretamento do divórcio originaria, independentemente da fixação da “prestation compensatoire”, a condenação ao abrigo do artigo 700 do NCPC.
[12] No sentido da não correspondência desta indemnização às “dépens” em sentido estrito, sendo estas as que estão em causa no artigo 695 do NCPC, v. o texto: “L’article 700 du Nouveau Code de procédure civile”, disponível no sítio http://assoc-ddp.ifrance.com/assoc-ddp/art_700_ncpc.htmn (no artigo 695 do NCPC estão em causa os custos directos do funcionamento da máquina judiciária).
Note-se que em Portugal, numa situação com algum paralelismo, a procuradoria não é incluída, em princípio, na conta de custas (v. artigo 53º do Código das Custas Judiciais), tendo um regime de pagamento distinto do das custas (v. artigo 33º-A do Código das Custas Judiciais).
[13] Não só o artigo 700 do NCPC consta do Capítulo respeitante ao “encargo de custas”, como o regime de concretização executiva desta indemnização não deixa de apresentar, como se mencionou na nota anterior, um significativo paralelismo com o regime português respeitante à procuradoria (v. artigo 719 do NCPC, confrontando-o com o regime do artigo 33º-A do Código das Custas Judiciais), sendo que em ambas as situações existe, para cobrança do valor em causa, uma associação entre o impulso da parte e a actividade executória da secretaria judicial, respeitante à cobrança das custas da acção.
[14] A relevância desta asserção tornar-se-á clara mais adiante neste Acórdão. Por agora sublinhar-se-á que, equivalendo na origem (em França), a condenação nos termos do artigo 700 do NCPC, a uma condenação em custas, seguirá ela, na jurisdição portuguesa, o regime de reconhecimento estabelecido (aqui) para uma condenação estrangeira em custas, por ser esse o seu regime na origem.
[15] “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente”.
[16] Este Regulamento está publicado na edição portuguesa do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 30 de Junho de 2000, L 160, pp. 19/36. (v., sobre o Regulamento 1347/2000, Rui Manuel de Moura Ramos, “The New EC Rules on Jurisdiction and the Recognition and Enforcement of Judgements”, in Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, II, Coimbra, 2007, pp. 7/38; Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. III, Coimbra, 2002, p. 313/325).
[17]
Artigo 42º
1. As disposições do presente regulamento apenas são aplicáveis às acções judiciais, actos autênticos e transacções celebradas em tribunal no decurso de um processo, posteriormente à respectiva entrada em vigor.
2. Todavia, as decisões proferidas após a data de entrada em vigor do presente regulamento na sequência de acções intentadas antes dessa data são reconhecidas e executadas em conformidade com o disposto no capítulo III se a competência do tribunal se fundava em regras conformes com as previstas, quer no título II, quer numa convenção em vigor entre o Estado-Membro de origem e o Estado-Membro requerido aquando da instauração da acção.
[18] Publicado na edição portuguesa do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 23 de Dezembro de 2003, L 338, pp. 1/29.
[19] V. Luís de Lima Pinheiro, “O Reconhecimento de Decisões Estrangeiras em Matéria Matrimonial e de Responsabilidade Parental. Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003” in Revista da Ordem dos Advogados, II/2006, p. 518.
[20] Esta é a interpretação que Luís de Lima Pinheiro faz do artigo 64º, nº 1 do Regulamento 2201/2003 (“O Reconhecimento…”, cit. pp. 519/520).
[21] As aspas resultam de um uso impróprio da expressão “aplicação”, já que a decisão agravada o que considerou, relativamente aos Regulamentos 1347/2000 e 2201/2003, foi a sua não aplicação.
[22] Como adiante veremos, tanto o Regulamento 1347/2000 como o Regulamento 2201/2003 conferem a natureza de título executivo, sem necessidade de prévia obtenção de exequator, à condenação referida no artigo 700 do NCPC.
[23]
Artigo 1º
1. O presente regulamento é aplicável:
a) Aos processos cíveis relativos ao divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação do casamento.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[24] “Para efeitos do presente regulamento, entende-se por «decisão» a decisão de divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação do casamento proferida por um tribunal de um Estado-Membro […]”.
[25] Referimo-nos ao documento intitulado “Relatório Explicativo da Convenção, elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (texto aprovado pelo Conselho em 28 de Maio de 1998), elaborado pela Profª. Drª. Alegría Borrás” (publicado na edição portuguesa do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 16 de Julho de 1998, C 221, pp. 35/64). 
[26] Rui Manuel Moura Ramos, “The New EC Rules…”, cit., p. 18, nota 42.
[27] Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional…, cit. p. 315.
[28]
Artigo 1º
Âmbito de aplicação
1. O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:
a) Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[29] Maria Helena Brito, “O Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003”, in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. I, Coimbra, 2005, p. 318 (no mesmo sentido, cfr. Luís de Lima Pinheiro, (“O Reconhecimento…”, cit. p. 521 e nota 17).
[30] “O disposto no presente capítulo, com excepção da secção 4, é igualmente aplicável à fixação do montante das custas de processos instaurados ao abrigo do presente regulamento e à execução de qualquer decisão relativa a essas custas”.
[31] Publicado na edição portuguesa do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 16 de Janeiro de 2001, L 12, pp. 1/23.
[32] O Regulamento 44/2001 entrou em vigor em 01/03/2002 (artigo 76º).
[33] “2. Todavia, se as acções no Estado-Membro de origem tiverem sido intentadas antes da entrada em vigor do presente regulamento, as decisões proferidas após essa data são reconhecidas e executadas, em conformidade com o capítulo III:
                a) Se as acções no Estado-Membro tiverem sido intentadas após a entrada em vigor das Convenções de Bruxelas ou de Lugano quer no Estado-Membro de origem quer no Estado-Membro requerido”.
               
[34] V., sobre o âmbito temporal de aplicação do Regulamento 44/2001, Luís de Lima Pinheiro, “O Reconhecimento…”, cit. p. 272.
[35] A adesão de Portugal a esta Convenção operou-se através da “Convenção de San Sebastian” de 1989, cuja entrada em vigor em Portugal ocorreu em 1 de Julho de 1992 (o texto destas Convenções está publicado no Diário da República, I Série-A, nº 250, de 30/10/1991); v. sobre a aplicação temporal desta (da Convenção de Bruxelas, nos termos da Convenção de San Sebastian), Luís de Lima Pinheiro, “O Reconhecimento…”, cit. p. 273 e Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/1995 (Pires da Rosa), na Colectânea de Jurisprudência, tomo IV/1995, pp. 35/38.
[36] Existia uma disposição idêntica no artigo 29º do Regulamento 1347/2000.