Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/08.6GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PROVA
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º, N.º 1 CP ,165º E 410º,Nº 2 AL. A) CPP
Sumário: 1. Não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para se aferir do rigor da medição feita pelo mesmo.
2. O princípio «in dubio pro reo», só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidisse nessa situação contra o arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida contra o arguido:
J..., casado, residente em Mêda.
Sendo decidido:

a) Absolver o arguido da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, línea a), ambos do Código Penal.

***
Inconformado interpôs recurso o Magistrado do MºPº.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1. Nos termos conjugados do disposto nos arts. 706°, n° 1, e 524°, nºs 1 e 2, do C PC, aplicáveis ex vi o art. 4° do Código de Processo Penal, deve ser admitida a junção aos autos do certificado de verificação emitido pelo IPQ a 7.08.2008 que atesta que o aparelho de pesquisa de álcool no sangue utilizado aquando da fiscalização a que o arguido foi sujeito tinha sido submetido à verificação anual prevista na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro;
2. Pois, a apresentação de tal documento não foi possível até ao encerramento da discussão em processo sumário, por ser desconhecida a sua existência, uma vez que a testemunha/ agente autuante apenas verificou que por mero lapso tinha feito referência no auto de notícia (isto quando a lei não sequer o obrigava a tanto) ao penúltimo certificado de verificação, e que o aparelho em causa tinha sido examinado e aprovado pelo IPQ a 7.08.2008 (23 dias antes da data da fiscalização a que o arguido foi submetido), depois de inquirido em sede de audiência de discussão e julgamento;
3. Ora, e uma vez que o autuante tinha mencionado no auto que a data da última aprovação era de 30.08.2007, nada fazia crer que tal informação não correspondia à verdade;
4. Mais, e sem prescindir, sempre tem de ser considerado que a apresentação do documento em causa se torna necessária por força da sentença absolutória baseada na "falta de fiabilidade do resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue" por desrespeito da obrigatoriedade de verificação anual;
5. Nesta concomitância, admitindo-se a junção aos autos do certificado emitido pelo IPQ, caiem por terra os fundamentos que determinaram a absolvição do arguido da prática de um crime de condução sob efeito do álcool, devendo a sentença proferida ser revogada e repetido o julgamento, uma vez que a meritíssima juíza não tinha conhecimento da existência do último certificado do IPQ, datado de 7.08.2008, quando proferiu a decisão recorrida;
6. No entanto, caso se entenda que a junção do documento em questão não deve ser admitida, o que só se admite por mero exercício de raciocínio, sempre se considera que a sentença recorrida deve ser revogada, por padecer dos vícios enunciados na al. b), 1 a parte, e na al. c), do n° 2 do art. 410° do Código de Processo Penal;
7. Destarte, entre os factos não provados (" Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a), o arguido apresentasse uma Taxa de Álcool no Sangue de 1,72 g/l") e a prova produzida (testemunho do agente autuante e resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue) existe uma contradição, fruto de erro notório na apreciação da prova;
8. Com efeito, no início da audiência de discussão e julgamento, veio o arguido levantar a questão da nulidade do teste de alcoolemia realizado, nulidade essa que foi, e muito bem, em nosso modesto entender, indeferida.
9. Ora, ainda que admitindo que o aparelho não tivesse sido submetido a exame obrigatório pelo IPQ (o que se verifica nem ter sido o caso), como é que se pode fundamentalmente acreditar que:
- até à meia-noite da véspera do dia em que o arguido foi fiscalizado (30.08.2008), a validade do teste (realizado nas mesmas condições) não suscitaria dúvidas;
- 2h10 depois (data e hora da fiscalização levada a cabo), a fiabilidade do aparelho já estaria em crise e susceptível de apresentar um erro corresponde a pelo menos 0,53 g/l álcool no sangue?;
10. Pois, é do conhecimento geral (como referido pela testemunha de acusação aquando do seu depoimento) que o aparelho nem sequer funciona, não permitindo a realização do teste, quando não estão reunidas às condições necessárias à medição do teor de álcool no sangue do sujeito submetido a exame.
11. De facto, o aparelho em referência tem características funcionais que garantem o ambiente necessário à medição do teor de álcool no sangue do sujeito submetido a exame, pelo que, sempre que tal não se verifique, o próprio aparelho contem dispositivo de sinalização, mediante emissão de mensagem de erro, e não emitindo o talão de registo de leitura acima referido;
12. Assim, o aparelho estava em perfeitas condições de funcionamento quando o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool;
13. Na verdade, os factos não provados deviam ter sido julgados provados, pois são a decorrência lógica e normal da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento;
14. Quanto muito, no caso do aparelho não ter sido sujeito à verificação anual (o que não é o caso dos autos conforme resulta do documento apresentado), podiam ter sido considerados os erros máximos admitidos na Portaria n° 1556/2007, de 10 de Dezembro, o que não sucedeu no caso da decisão de que se recorre, limitando-se o Tribunal a absolver o arguido;
15. De facto, o Tribunal a quo simplesmente fez tábua rasa da circunstancia da taxa de álcool no sangue apresentada, depois de realizado o teste de pesquisa de álcool no sangue, corresponder a 1,72 g/l, ou seja, a taxa apresentada era em 0,53 g/l superior ao valor "permitido" por lei, ou pelo menos, não punido pelo código penal (1,19 g/l).
16. Mais, podia e devia o Tribunal recorrido analisar a conformação do arguido com o resultado do teste, aquando da realização do mesmo, e valorar tal facto contra o infractor em sede da análise global da prova produzida na audiência;
17. Por outra parte, o facto de alguém ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução de veículos a motor na via pública é um facto pessoal, assim, o arguido não podia deixar de saber que tripulava o veículo id. na decisão condenatória sob efeito do álcool, que a sua conduta era punida criminalmente e que incorria em responsabilidade criminal;
18. Assim, é nossa profunda convicção que toda a sentença alinhou por uma construção factual e jurídica artificial, arredando-se da realidade e das regras da experiência comum, absolvendo injustamente e sem qualquer fundamento o arguido, cuja conduta é integradora do crime que lhe vinha imputado na acusação e pelo qual deve ser condenado;
19. Mais, ao absolver o arguido da prática do crime pelo qual vinha acusado, a meritíssima juíza fez, em nosso modesto entender, uma incorrecta aplicação do princípio da livre apreciação da prova (art. 127° do Código de Processo Penal) e do princípio in dubio pro reo, e violou o disposto nos arts. 69° e 292°, ambos do Código Penal.
Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser revogada, ser ordenada a repetição do julgamento e lavrada nova sentença, livre das patologias e vícios de que esta enferma.
Foi apresentada resposta pelo arguido que, conclui:
A. Não deve ser admitida a junção do documento, pelas razões explanadas acima, nos pontos 1 a 16, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, pois, sob pena de estar-se a violar, entre outros, os arts. 165°, 327° e 382°, todos do CPP e art. 32° da CRP.
B. Através da junção do referido documento, estar-se-ia a proceder a uma alteração da acusação pública, e desta a forma a violarem-se os artigos 358°, 359° e 389°, todos do CPP, bem como estar-se-ia a violar o principio do acusatório e o principio de igualdade armas entre todos os sujeitos processuais, tal como se alegou supra, nos pontos 17° a 24°, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os legais efeitos.
C. Por ultimo, não tem razão o Ministério Público, quando invoca erro na análise da prova, por parte do tribunal, pelas razões e fundamentos constantes nos pontos 26° a 39° desta peça, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
Neste termos, não dever merecer provimento o recurso apresentado pelo Ministério Público, tudo com as devidas consequências legais.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em fundamentado parecer, sustenta a procedência do recurso e o reenvio parcial.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
II. FUNDAMENTAÇÃO
1 - De Facto
Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:
a) No dia 31 de Agosto de 2008, pelas 2h10m, na Estrada Nacional n.º 102, quilómetro 96,2, Cruzamento da Coriscada, o arguido encontrava-se a conduzir o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula 00-00-OB.
b) O arguido não tem antecedentes criminais.
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Não resultou provado que:
Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a), o arguido apresentasse uma Taxa de Álcool no Sangue de 1,72 g/l.
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O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta da prova reunida nos autos e produzida em audiência de julgamento, atentas as regras da lógica, da experiência e livre apreciação dos factos.
Em audiência de discussão e julgamento, o arguido recusou-se a prestar declarações, no exercício de um direito que lhe assiste.
As testemunhas que arrolou não tiveram conhecimento directo dos factos que lhe são imputados e apenas depuseram quanto à sua personalidade, nos termos do artigo 128º, n.º 2, do CPP.
Não obstante, a acusação não logrou fazer prova, como lhe competia, dos factos em apreço.
Senão vejamos.
A testemunha S..., militar da GNR, Brigada de Trânsito da Guarda, prestou um depoimento isento e espontâneo, confirmando ter efectuado patrulha na data e hora em apreço e, no âmbito de uma operação de fiscalização, ter ordenado a paragem do veículo 00-00-OB, que o arguido se encontrava a conduzir.
Mais confirmou que, nessa mesma data, submeteu o arguido à realização do teste de expiração de ar para detecção de álcool no sangue, efectuado através do aparelho marca Dragër, modelo 7110 MKIII P, com o n.º de série ARRL – 0063 (junto aos autos a fls. 4), o qual deu um resultado de 1,72 g/l, daí ter procedido à autuação do arguido.
Igualmente confirmou ter feito constar no auto de notícia de fls. 3 a informação de que o aparelho supra identificado tinha obtido ficha de verificação do IPQ (Instituto Português da Qualidade) n.º 701.51/070769, de 30 de Agosto de 2007.
Quando perguntado sobre se, no caso dos autos, o aparelho usado para a medição da TAS estava dentro da validade respondeu que sim, uma vez que a ficha de verificação datava de 30 de Agosto de 2007.
Quando perguntado sobre se sabia que a ficha de verificação tinha a validade de 1 ano, respondeu que sim e que, no seu entender, essa validade ia até Dezembro de 2008.
Acontece que esta explicação da testemunha não mereceu qualquer credibilidade. Com efeito, a resposta oferecida pela testemunha não é a de esperar, sequer, de um homem médio. Se se tem por referência a data de 30 de Agosto de 2007, a anuidade da ficha de verificação terminaria em 30 de Agosto de 2008 e não Dezembro de 2008 (como aliás a testemunha acabou por admitir, a muito custo, diga-se).
Acresce que a testemunha admitiu expressamente não ter tido o cuidado de verificar se o aparelho em causa tinha ficha de verificação válida. Presumiu que sim, nada tendo feito para se assegurar nesse sentido, o que, de todo em todo, não se pode aceitar de quem exerce autoridade policial, aplica a lei e diz ter conhecimento da anuidade das fichas de verificação dos aparelhos de medição de TAS…
O certo é que, mediante as declarações desta testemunha subsistiram dúvidas no espírito deste Tribunal sobre a validade do aparelho que procedeu ao teste de expiração de ar junto aos autos a fls. 4.
Em primeiro lugar, consta dos autos a informação que a TAS foi obtida mediante o uso de um aparelho cuja última ficha de verificação datava de 30 de Agosto de 2007.
Nos termos da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, os aparelhos de medição de TAS são submetidos a verificação periódica anual.
Cremos que o legislador terá fixado em 1 ano a verificação periódica destes aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os aparelhos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar da sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova.
Assim sendo, o aparelho dos autos deveria ter sido submetido a nova inspecção até 30 de Agosto de 2008 - o que não sucedeu, de acordo a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Acontece que os factos imputados ao arguido se reportam a 31 de Agosto de 2008, pelo que é forçoso concluir que o aparelho, nessa data, não estava em perfeitas condições para proceder à medição de álcool no sangue.
E, não estando em perfeitas condições, não se pode afirmar com um mínimo de certeza que este meio de prova oferece fiabilidade no que respeita ao valor de álcool detectado ao arguido. Podia ser o indicado no talão de fls. 4, podia ser outro, superior ou inferior (e neste último caso, igual ou inferior a 1,2 g/l).
O apuramento da concreta TAS com que o arguido se apresentava a conduzir é essencial ao preenchimento de um dos elementos objectivos do tipo de ilícito em apreço.
Esse apuramento só é, naturalmente, possível mediante a realização de um teste fiável, o que nos autos, pelas razões expostas, se gorou.
Face ao exposto, tendo ainda em mente o princípio in dubio pro reu, o Tribunal considerou como não provado que o arguido, no dia e hora em apreço se apresentasse a conduzir o veículo automóvel matrícula 00-00-OB com uma TAS de 1,72 g/l.
O disposto quanto aos antecedentes criminais do arguido resulta do teor do CRC junto aos autos a fls. 10.
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Conhecendo:
No recurso requer-se a junção e valoração de um documento.
Alegam-se os vícios, da contradição insanável e do erro notório.
E, ainda a violação do princípio in dúbio pró reo.
+
Junção de documentos:
Nos termos do art. 165 do CPP, no processo penal, os documentos devem ser juntos no inquérito ou instrução, e apenas excepcionalmente até ao encerramento da audiência, audiência em 1ª instância como salienta o Ac. desta Relação de 10-11-1999, Col. Jurisp. tomo V, pág. 47 e do STJ de 30-10-2001, proc. 1645/01-3ª; SASTJ, nº 54, 96.
Não têm aplicação subsidiária as normas do CPC, uma vez que expressamente o Cód. Proc. Penal regulamenta tal matéria, e só quando o CPP não contenha qualquer norma que directa ou indirectamente contemple a situação é aplicável ao processo penal, por força do art. 4, norma do CPC que preveja situação idêntica.
Como salienta Maia Gonçalves em anotação ao art. 4 do seu CPP anotado e comentado, é “de assinalar que este Código procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal, tornando-a mais independente do processo civil”.
Assim, que pela via da admissão do documento, não é possível a alteração da matéria de facto.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento, mas in casu, o recorrente além de novo julgamento pretendia julgamento com novas provas.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
Vícios:
Os vícios enumerados no art. 410 nº 2 do CPP, são de conhecimento oficioso.
Nos termos do mesmo preceito, os vícios aí elencados hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recorrente invoca os vícios do erro e da contradição:
Contradição insanável na fundamentação:
Este vício há-de manifestar-se por uma incoerência, oposição incompatibilidade manifesta entre a fundamentação ou entre esta e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir - cfr., entre outros vários, Acs. STJ de 22/5/96 in Proc. 306/96 de 12/127)9 in Proc. 1046/98 in Sumários nº 36.
Verifica-se quando sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão constam, do texto da decisão recorrida, posições antagónicas e inconciliáveis, haja oposição entre factos que mutuamente se excluam por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade.
E tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto.
No caso, essa contradição não se verifica.
Não se pode, como pretende o recorrente que se a medição por um aparelho era válida 2 horas e 10 minutos antes, também o seria depois, porque nesse intervalo não se estragaria o aparelho.
Concordamos com a possibilidade de o aparelho efectuar um controlo com rigor e ressalvadas as margens de erro fixadas na lei.
Porém, não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para se aferir do rigor da medição feita pelo mesmo.
Quem conduzir em auto-estrada a mais de 120 km/hora, por exemplo a 125, não quer dizer que crie, em concreto, um risco acrescido, mas não deixa de conduzir em contravenção com as normas estradais.
Um estabelecimento que detenha produtos com prazo de validade, e deixe ultrapassar em um dia esse prazo, e tiver “visita” da ASAE, não pode argumentar que se no dia anterior o produto estava bom, no dia seguinte também o estaria.
Isto para referir que se o certificado de qualidade (certificação do IPQ) caducou, essa qualidade deixou de existir. O certificado caduca no prazo estipulado não se podendo acrescentar mais uns minutos, ou duas horas e 10 minutos.
Assim, que se tenha como correcta a interpretação do julgador expressa na sentença recorrida ao considerar como não provada uma taxa de alcoolemia aferida por um aparelho que não tinha certificação do IPQ em dia.
Inexistindo o erro ou contradição, vícios invocados.
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento publico generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
O que o recorrente entende é que se deveria valorar prova (teste do alcoolímetro) que o tribunal recorrido teve como não válida.
Assim, não se verifica o vício do erro.
A situação apontada não consubstancia, pois, qualquer dos vícios do art. 410 nº 2 do CPP, alegados no recurso.
Mas, como se referiu, os vícios são de conhecimento oficioso.
Há que analisar o vício da insuficiência e verificar da sua existência.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê­-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".
Na motivação da decisão da matéria de facto supra transcrita, refere-se: “Acresce que a testemunha admitiu expressamente não ter tido o cuidado de verificar se o aparelho em causa tinha ficha de verificação válida. Presumiu que sim, nada tendo feito para se assegurar nesse sentido, o que, de todo em todo, não se pode aceitar de quem exerce autoridade policial, aplica a lei e diz ter conhecimento da anuidade das fichas de verificação dos aparelhos de medição de TAS”.
Esta situação não deveria criar a dúvida no julgador, como igualmente se refere na motivação da decisão de facto, “o certo é que, mediante as declarações desta testemunha subsistiram dúvidas no espírito deste Tribunal sobre a validade do aparelho que procedeu ao teste de expiração de ar junto aos autos a fls. 4”, mas antes se deveria ter investigado, tendo em conta o estatuído no art. 340 do CPP, o tribunal oficiosamente ordena a produção de todos os meios de prova, cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Resulta da fundamentação da matéria de facto que o julgador não ficou convencido da situação do aparelho perante a aferição que a lei exige anualmente.
A dúvida só pode subsistir e ser valorada de acordo com o princípio constitucional de favorecimento do arguido, quando estejam esgotadas todas as hipóteses de a ultrapassar.
O princípio «in dubio pro reo», só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidisse nessa situação contra o arguido.
O que acontece nos autos, pois que deveriam efectuar-se diligências, possíveis, com vista a remover a dúvida.
Tendo como não merecedora de crédito a explicação da testemunha, “acontece que esta explicação da testemunha não mereceu qualquer credibilidade”, deveria providenciar-se por outra via de colmatar a dúvida, sendo que existiam meios como veio a verificar-se com o documento apresentado pelo Mº Pº.
Assim, compete averiguar, dada a insuficiência, e decidir conforme o que vier a apurar-se.
O apuramento desta matéria implica o reenvio do processo para novo julgamento, sendo que após se pode colmatar a insuficiência notada.
A situação apontada consubstancia o vício do art. 410 nº 2 al. a) do CPP. Trata-se de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício outra solução não deixa que não seja a do reenvio dos autos para, em novo julgamento, ser suprido.
Mas o reenvio para novo julgamento, respeita apenas às questões supra enunciada –art. 426 nº 1 do CPP.
Devendo ter-se igualmente em conta o elemento subjectivo do crime, que na sentença não consta dos factos provados nem dos não provados, embora conste alegado do complemento do auto de notícia, conforme fls. 7.
Decisão:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente, anular o julgamento determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento respeitante às matérias apontada, nos termos do art. 426 do CPP.
Sem custas.
Coimbra,
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