Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | PROTECÇÃO DE MENOR EM RISCO MEDIDA TUTELAR | ||
Data do Acordão: | 10/16/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 3.º; 35.º; 37.º; 108.º DA LPCJP; ARTIGOS 36.º, 5 E 6 DA CRP; ARTIGOS 1887.º E SS DO CC. | ||
Sumário: | 1. O superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural. 2. Quando tal não for possível, os interesses da criança ou jovem em perigo são mais importantes do que o interesse da família que o pretenda manter no seio do grupo familiar, embora sem exercer convenientemente os poderes-deveres que a lei lhe impõem para que tal aconteça. 3. Os interesses das crianças ou jovens em perigo podem (e amiúde o são) conflituosos e distintos dos interesses da própria família natural, que deles não soube ou não quis cuidar em termos de salvaguardar o interesse das crianças ou jovens em risco, havendo, pois, em tais casos, de dar prevalência aos interesses das crianças ou jovens em risco e procurar fora dos laços de família natural, o que esta não lhe proporcionou, designadamente, encontrar fora da família natural uma solução ou alternativa que permita que as crianças ou jovens em risco possam vir a obter o que não lhes foi propiciado por quem a tal estava adstrito. 4. Assente que o comportamento dos pais colocou em grave risco a saúde, a formação e a educação do menor, encontram-se verificados os requisitos para que, em relação ao mesmo seja decretada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
Iniciaram-se estes autos de promoção e protecção respeitantes ao MENOR
Teve lugar o debate judicial a que se alude no artigo 114.º da LPCJP, no decurso do qual foi produzida a prova testemunhal oportunamente arrolada e se ouviram os pais do menor e que terminou com a produção das alegações orais por parte do MP e Defensores do menor e dos seus progenitores.
No seguimento do que se proferiu o Acórdão de fl.s 268 a 279, que a final, decidiu o seguinte: “Por todo o exposto, delibera este Tribunal Colectivo, nos termos dos arts. 1º, 3º, 4º, 34º, a) e b), 35º/1, g), 38º-A e 62º-A, todos da LPCJP, e 1978º/1, d) e e) do CC, aplicar ao MENOR
A.... 1) Manter o menor A....junto da sua família biológica através da medida de apoio junto dos pais, prevista no art. 39.º da LPCJP, a vigorar pelo período máximo de 18 meses, proporcionando apoio técnico de natureza psicopedagógica, social e económica a todo os membros do agregado familiar; 2) Em articulação com a educação parental dos progenitores do menor, nos termos do art. 41.º da LPCJP, para que estes beneficiem de um programa de formação que vise a melhoria do exercício das suas funções parentais; 3) Impondo, se assim entender, deveres aos pais, de forma a remover a situação de perigo detectada, como por exemplo: realizar os cuidados básicos necessários à higiene e alimentação do menor, manter em dia o calendário de vacinação e consultas médias; aceitar as prescrições fixadas pelos serviços de apoio social que os acompanhe; efectuar a inscrição no programa de formação e inserção profissional do IEFP; frequência de consultas de alcoologia na Unidade de Alcoologia de Coimbra por parte do pai do menor B..... A. O progenitor não se conforma com o douto acórdão, não transmitindo este a verdadeira realidade dos factos; B. A decisão proferida não tem em conta os superiores interesses do menor A...., pois só esses contam e só esses são relevantes; C. A progenitora nunca descurou as suas responsabilidades de mãe, e a prova disso, é que já requereu que o seu filho A....fosse transferido para junto dela e do seu filho mais novo, D.... Manuel, acolhidos na Comunidade de Inserção da Fundação Dra. Laura dos Santos, em Moimenta da Serra, o que nunca veio a acontecer; (inexiste conclusão com a alínea D). E. A progenitora sempre discordou com a solução proposta nos presentes autos, e que se traduziu na aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção; F. O progenitor não se conforma com a decisão ora recorrida, pois, trava uma luta incansável para conseguir reunir a sua família; G. É consciente das batalhas a travar, para que possa assumir em pleno as suas responsabilidades enquanto pai; H. Reconhece que as condições económicas que atravessa não são as desejáveis, para assegurar um perfeito desenvolvimento, saúde e bem-estar do menor; I. O desmembramento desta família é o maior desgosto e angústia que acompanha o progenitor, não desistindo de encontrar forças para lutar e tentar reunir a sua família; J. Entre os progenitores e o menor A....existem laços afectivos muito fortes, que os próprios relatórios técnicos ofuscam; K. Para se deslocar de Tábua a Cernache, o progenitor tem de percorrer 140 kms ida e volta; L. Para visitar a progenitora e o menor D...., tem de percorrer 100 kms ida e volta; M. Para a progenitora poder visitar o menor A....no CAT de Cernache, ela mesmo tem de percorrer 226 Kms, ida e volta; N. Esta família nunca foi apoiada no sentido de merecer uma segunda oportunidade; O. Estes pais precisam do acompanhamento “rigoroso” de uma equipa de técnicos no sentido de salvaguardar e avaliar a capacidade dos pais; P. “Perder” o seu filho definitivamente, poderá levar os progenitores a desistirem das suas “vidas” e afundarem-se ainda mais nos problemas que os atormentam; Q. De modo a que se possa verificar se os progenitores possuem as condições mais do que mínimas para poderem cuidar e educar o seu filho, exigia-se uma avaliação rigorosa e actual das suas capacidades; R. Entregar o menor a uma família de adopção, quando os pais biológicos estão vivos, de boa saúde, com capacidade para trabalhar, possuem uma casa com boas condições de habitabilidade e vontade de mudar a vida será de todo desajustado, incorrecto e inadequado no caso concreto. S. Atendendo ao superior interesse da criança, o menor deveria ser confiado aos progenitores, não existindo nestes mesmos autos qualquer justificação actual para que isso não possa acontecer; (inexiste conclusão com a alínea T). V. Se assim não se entender, há muito que deveria ter sido promovida a aproximação institucional entre irmãos; X. A decisão ora recorrida, com o devido respeito, nunca poderá ir de encontro aos superiores da criança, sendo desajustada e inadequada ao caso concreto. O MP, em 1.ª instância, ofereceu resposta na qual pugna pela improcedência do recurso interposto, com o fundamento em que se verificam os pressupostos em que assenta a decisão recorrida, não merecendo censura o seu enquadramento jurídico, sendo de manter as medidas decretadas.
Pelo Defensor do menor em causa, foi apresentada resposta em que, igualmente, se pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que o encaminhamento do menor para a adopção é o que acautela o seu (do menor) superior interesse.
Colhidos os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes: A) Incorrecta análise e apreciação da prova, designadamente, se se devem dar como provados os factos elencados nas conclusões 3.ª a 11.ª do recurso da mãe do menor; B) Se se verifica a violação do princípio do contraditório, a par da violação do regime de prova, por se considerar uma avaliação psicológica da recorrente, que não se encontra junta nos autos e; C) Se a medida aplicada ao menor não deve ser a de confiança a instituição com vista a futura adopção, mas sim a de o manter junto da família natural ou, pelo menos, mantê-lo numa instituição de acolhimento na zona de residência dos pais.
Foram dados como provados os seguintes factos: 1 - O menor A...., nascido em 2-06-2009, é filho de B....e de C....; 2 - A situação do menor foi comunicada à CPCJ de Tábua em 8-10-2009, quando o mesmo tinha apenas 4 meses de idade, dando-se conta de que os seus pais se embriagavam com frequência, sujeitando o filho a situações de risco e negligenciando a prestação de cuidados básicos a este; 3 - Tendo as Técnicas da CPCJ de Tábua confirmado os consumos excessivos de álcool pelos progenitores do menor (“o Sr. Luís passava os dias alcoolizado, sendo muito difícil falar com ele”), o que ocorreu, nomeadamente, no dia 19-12-2009, quando, no jantar de Natal promovido pela Junta de Freguesia de Tábua, aqueles, visivelmente embriagados, foram-se embora levando com eles o “ovo” de transporte do filho vazio e deixando este ao colo de uma Técnica da CPCJ que ali estava, sem disso se terem apercebido; 4 - O pai do menor foi já condenado pela prática de crime de condução de veículo sob a influência do álcool, numa ocasião em que foi interveniente em acidente de viação (despiste) em Fevereiro de 2009; 5 - Não obstante, era habitual o pai do menor continuar a conduzir o seu veículo automóvel em estado de embriaguez levando consigo o menor, o que sucedeu, nomeadamente, no dia 11 de Janeiro de 2010, da parte da manhã, quando teve novo acidente de viação ao volante da sua viatura quando seguia com o menor e a mãe deste; 6 - Apesar deste problema com o consumo de álcool, o pai do menor abandonou as consultas de alcoologia que tinha na Unidade de Alcoologia de Coimbra alegando estar curado; 7 - A mãe do menor consumia habitualmente bebidas alcoólicas durante o período de amamentação do seu filho; 8 - O menor continuava a ser alimentado a papas Cérelac quando já tinha idade para que lhe fosse introduzida comida sólida na sua alimentação; 9 - Acresce que os pais do menor lhe infligiam castigos físicos apesar da sua tenra idade, batendo-lhe quando ele saía do “ovo” onde era transportado, porque, segundo alegavam, “tinha de ter regras”; 10 - As Técnicas da CPCJ de Tábua, perante todo este quadro, foram dando algumas orientações sobre os comportamentos que os pais do menor deveriam adoptar para não colocarem em risco o filho; 11 - Contudo, os pais do menor nunca acataram tais orientações, continuando a colocar o menor constantemente em perigo, nomeadamente transportando-o no veículo automóvel, estando o pai do menor embriagado; 12 - Pelo que foi suscitada a intervenção judicial, tendo de imediato sido aplicada provisoriamente a favor do menor a medida de acolhimento em instituição e colocado no Centro de Acolhimento Temporário (CAT) de Cernache em 12-02-2010; 13 - Desde então, o menor tem permanecido acolhido na referida instituição, tendo os pais deste dado o seu acordo a que ali permanecesse enquanto tentavam reorganizar a sua vida e reunir condições para acolherem de volta o filho; 14 - Sucede que a mãe do menor veio a engravidar e a dar à luz em 14-03-2011 outro menor, D...., tendo o mesmo sido acolhido com a mãe, no âmbito do processo apenso, no dia 25-03-2011, na Comunidade de Inserção Fundação Laura Santos, em Moimenta da Serra, onde ainda permanece; 15 - E se, no início, o pai do menor aderiu mais uma vez a tratamentos de desintoxicação a que se submeteu na Unidade de Alcoologia, com a integração da mãe do menor e do seu filho D.... na referida Comunidade de Inserção retomou os consumos de álcool, vendo neste um escape para o seu isolamento (têm-se sucedido os episódios de consumos excessivos, mesmo com quedas na via pública e deslocação ao Centro de Saúde); 16 - Por outro lado, o pai do menor era beneficiário de subsídio de desemprego e, no seu âmbito, encontrava-se a frequentar um curso de alfabetização promovido pelo IEFP, mas acabou por abandonar tal curso. Tal prestação social, por outro lado, terminou em Janeiro último, encontrando-se presentemente a receber o subsídio social de desemprego, com o seu terminus previsto para o próximo mês de Junho de 2013; 17 - Entretanto, os pais do menor foram visitando o filho no CAT de Cernache uma vez por semana até Março de 2011 (altura em que nasce o filho D.... Manuel) mas, a partir daí, tais visitas foram diminuindo progressivamente; 18 - De facto, em 2011, após o nascimento do D...., o pai do menor visitou o filho na instituição onde se encontra acolhido em 27 de Abril (só ele), 25 de Maio (juntamente com a mãe do menor), 3 de Agosto (só ele), 26 de Outubro (só ele) e 14 de Dezembro (juntamente com a mãe do menor) e em 2012 apenas o visitou em 13 de Junho (juntamente com a mãe do menor); 19 - Entre a visita de 14 de Dezembro de 2011 e a de 13 de Junho de 2012, apenas ocorreu um contacto telefónico com a instituição; 20 - Além disso, o menor não reconhece os seus pais como figuras parentais, reagindo à sua presença como se de estranhos se tratassem; 21 - Não existem elementos da família alargada paterna ou materna do menor que se revelem com condições ou vontade de o acolher; 22 - O progenitor tem outro filho mais velho, o E...., com 7 anos de idade, correndo processo de alteração das responsabilidades parentais porque a mãe não quer que o pai o leve, por ir sempre embriagado quando o vai buscar; 23 - O progenitor continua a ir visitar regularmente a progenitora à instituição onde está acolhida com o filho, não dando qualquer atenção ao filho D....; 24 - A progenitora continua a revelar dificuldades em cuidar do D...., apesar de estar em meio protegido, continuando a ter que ser orientada em tudo (não tem consciência das necessidades da criança, tendo após avaliação, o seu QI apresentado o valor de 63: tem uma memória muito curta); 25 - São preocupantes as suas reacções relativamente a outras crianças que aí se encontram institucionalizadas, reagindo com violência perante as birras que, por vezes, apresentam; 26 – No Debate Judicial, os progenitores reconhecendo não terem ainda conseguido reunir as condições para recuperar o filho, requereram que lhes fosse dada mais uma oportunidade para o conseguir fazer.
A. Incorrecta análise e apreciação da prova, designadamente, se se devem dar como provados os factos elencados nas conclusões 3.ª a 11.ª do recurso da mãe do menor. No que a esta questão concerne, alega a ora recorrente que “face aos elementos de prova disponíveis nos autos”, se devem dar como provados os factos que ali passa a elencar. Ora, como resulta da acta do debate judicial, procedeu-se à gravação dos depoimentos prestados, no sistema de gravação digital em aplicação informática, em uso no Tribunal recorrido. Assim, nos termos do disposto no artigo 685.º-B, n.os 1.al.s a) e b) e 2, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24/8, o recorrente, em caso de recurso sobre a matéria de facto, para além da indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tem de indicar, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda o mesmo. A recorrente limita-se a referir que em face dos elementos de prova disponíveis nos autos, devem tais factos ser dados como provados, especificando, depois, em relação a cada um deles, se se trata de prova documental ou testemunhal. Consequentemente, tem de concluir-se que o seu recurso, no que toca a esta questão, não obedece aos critérios expostos no referido artigo 685.º - B, n.º 1, al. a), do CPC, pelo que tem de ser, imediatamente rejeitado, sem que exista lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Reimpressão, Almedina, Fevereiro de 2008, pág.s 141 a 143 e F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2005, a pág. 171, último parágrafo e nota 354. Também o STJ, se pronunciou no sentido de que o incumprimento do ónus de alegação em causa, conduz à imediata rejeição do recurso, por último, no seus Acórdãos de 15/09/2001, Processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj e de 23/11/2011, in CJ, STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, a pág. 126 e seg.s. Efectivamente, nos termos do preceito ora citado, impunha-se que a recorrente indicasse quais as precisas passagens dos depoimentos em que se funda para discordar do julgamento da matéria de facto efectuado no tribunal recorrido, tal como decorre de exigência legal expressa nesse sentido (cf. artigo 685.º-B, n.º 1, al. b) – “concretos meios probatórios”), só assim estando o recurso, nesta parte, em condições de ser recebido e assim, quanto ao mesmo, poder ser exercido o contraditório. Não sendo suficiente para respeitar este comando legal que se “indique um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente.” – cf. Acórdão do STJ de 15/09/2011, acima citado. Assim, no que se refere aos factos descritos nas conclusões 9.ª a 11.ª, por apenas se remeter para depoimentos prestados no debate judicial, sem mais, não pode o recurso ser apreciado, nos termos expostos.
Relativamente aos factos referidos nas conclusões 5.ª e 9.ª, carecem os mesmos de qualquer relevo, uma vez que se trata de factos respeitantes ao outro filho do casal (o D....) e não ao menor aqui em causa, o A..... De resto, cf. resulta do Relatório elaborado pelo ISS e constante de fl.s 178 e seg.s, refere-se que a partir do nascimento do D.... se registou “um desinvestimento afectivo e relacional com este filho (A....), verificando-se praticamente um abandono do A....(não recebe visitas da mãe desde Agosto e do pai desde Outubro). Se a relação entre o A....e os progenitores nunca se apresentou como consolidada, com este afastamento provocado pelo maior investimento, no novo filho e pelo espaçamento das visitas, a relação deteriorou-se ainda mais. Actualmente, o A....não reconhece estas pessoas como figuras parentais, reagindo ao encontro como de estranhos se tratasse.”. Para além de, reitera-se, se tratar de factos que respeitam ao filho mais novo do casal, ainda assim, ao considerá-los no seu todo, não abonam em favor da recorrente, a qual, não revela capacidade ou vontade em tratar e cuidar de ambos os filhos da mesma maneira.
Quanto aos demais, ou seja, conclusões “3.ª e 4.ª e 6.ª a 8.ª, por se apelar a elementos documentais existentes nos autos, passa-se a conhecer do respectivo objecto. Relativamente ao que consta da conclusão 3.ª, o que de relevo aí se refere – permanência da recorrente na Fundação Laura Santos – já consta do item 14.º dos factos provados, nada mais havendo a acrescentar. No que respeita à conclusão 4.ª se é certo que os pais do A....verbalizaram a intenção de tudo fazer para regressar a casa com este, o certo é que tal não basta. Não chega “ter a intenção”, é preciso materializá-la em actos (factos), sendo estes os que fundamentam a nossa decisão. Ora, como consta dos itens 17.º a 20.º dos factos provados, não obstante tal verbalização, o certo é que se verificou um afastamento entre o A....e seus pais, após o nascimento do D..... Assim, é irrelevante para o desfecho da causa o que se alega na conclusão 4.ª, pelo que nada adianta acrescentar à factualidade provada o que aí consta. De igual forma quanto ao que consta da conclusão 6.ª, uma vez que o que está em causa, não é a falta de condições de habitabilidade da habitação, mas sim averiguar da capacidade/incapacidade dos progenitores em cuidar do A..... Quanto ao que consta da conclusão 7.ª, se é certo que os pais do menor reconhecem a gravidade da situação, menos certo não é que nada fizeram para inverter a situação, agravando-a, até, dada a situação de “corte” no relacionamento com o A...., como consta de fl.s 187 e acima já referido. Assim, nada de relevante para a apreciação da situação sub judice resulta do aí alegado. O mesmo se passa relativamente ao alegado na conclusão 8.ª, repetindo-se aqui, mutatis mutandis, o que acima se disse quanto à conclusão 4.ª. Pelo que, no que se refere à impugnação da matéria de facto, pelos motivos expostos, em parte, não pode o presente recurso ser recebido, mantendo-se inalterada, quanto ao restante, a respectiva matéria de facto dada como assente em 1.ª instância.
B) Se se verifica a violação do princípio do contraditório, a par da violação do regime de prova, por se considerar uma avaliação psicológica da recorrente, que não se encontra junta aos autos. No que a tal se refere, alega a recorrente que por o tribunal recorrido ter considerado uma avaliação psicológica que não consta dos autos, se encontram violados tais princípios. Efectivamente, como consta da parte final do item 24.º da factualidade dada como provada, considerou-se que a recorrente apresenta um QI de 63 e tem uma memória muito curta, sem que a avaliação em que assenta tal conclusão esteja junta aos autos. De acordo com o artigo 117.º da LPCJP, apenas devem ser tomadas em conta para a convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão, as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial. A respectiva acta é omissa quanto a qualquer referência a uma avaliação psicológica da recorrente. Não obstante, a questão das capacidades cognitivas da recorrente não é nova nos autos. Efectivamente, como consta dos Relatórios Sociais juntos aos autos (cf. fl.s 101, 141 e 173) é referida a “Debilidade ligeira dos progenitores” e na acta da Conferência de fl.s 219 é referido que a mãe do menor “apresenta um défice cognitivo”. Pelo que, tal questão poderia ser contraditada no decurso do debate judicial, atenuando-se, em larga medida, a invocada violação. A que acresce que apesar do que consta na parte final do referido item 24.º, o desfecho da questão em apreço não depende do que aí consta mas sim da situação a que o menor A....foi votado pelos seus progenitores. Pelo que, inexistem quaisquer consequências relevantes do que aqui se alega. Assim, também, quanto a esta questão improcede o presente recurso.
C. Se a medida aplicada ao menor, A...., não deve ser a de confiança a instituição com vista a futura adopção, mas sim a de o manter junto da família natural ou, pelo menos, mantê-lo numa instituição de acolhimento na zona de residência dos pais. Com vista a tal desiderato, alegam os recorrentes que, em suma, lhes deve ser dada uma segunda oportunidade para conviverem com o A...., não obstante as falhas comportamentais que reconhecem terem existido no relacionamento que com ele mantiveram.
Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 da LPCJP, justifica-se a intervenção para protecção dos direitos das crianças e jovens em perigo, quando os pais, representante legal ou quem deles tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. No seu n.º 2, exemplificativamente (veja-se a expressão aí utilizada (“designadamente”), indicam-se algumas das situações em que tal perigo se presume existir. Este preceito mais não é do que o corolário do estatuído na Convenção Sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/1989, assinada por Portugal em 26/1/1990, aprovada pela Resolução da AR n.º 20/90, de 12/9 e ratificada pelo Decreto do PR n.º 49/90, ambos publicados no DR I, de 12/9), a qual, no seu artigo 19.º, n.º 1, impõe que os Estados aderentes tomem medidas de protecção das crianças contra todas as formas de violência, quer na família quer fora dela. Tal princípio tem, para além disso, entre nós, honras de consagração constitucional, dado que foi transposto para o artigo 69.º da CRP. Por outro lado, face ao disposto no artigo 36.º n.os 5 e 6 da mesma CRP, é conferido aos pais o poder e o dever de prover à educação e manutenção dos filhos, não podendo estes ser separados dos pais a não ser que estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial. Igualmente e tal como decorre do disposto nos artigo 1877.º e seg.s do Código Civil, nas regras que fixam as condições em que deve ser exercido o poder paternal, este é entendido como um conjunto de poderes-deveres que estão atribuídos aos pais relativamente à pessoa de seus filhos e no âmbito dos quais lhes incumbe prover ao sustento, segurança e saúde de seus filhos, bem como dirigir a sua educação, tudo sempre com vista a potenciar e a propiciar aos filhos a sua promoção e protecção, com vista ao seu desenvolvimento integral e harmonioso – cf. Armando Leandro, Poder Paternal, Temas de Direito da Família, 1986, pág. 119. Ou, como refere Guilherme de Oliveira, in Temas de Direito da Família, Coimbra Editora, 1999, a pág. 269, “…Pensa-se que os pais saberão e quererão agir em nome dos menores e no seu melhor interesse.”, o que, infelizmente, nem sempre é o caso. E porque assim é, a necessidade de estabelecer normas de protecção dos interesses dos menores e jovens em risco, tais como as acima referidas.
Voltando, agora, à análise específica do artigo 3.º da LPCJP, verifica-se que está legitimada a intervenção para protecção das crianças e menores em risco quando, nos termos aí previstos, esteja em perigo a segurança, saúde, formação ou desenvolvimento dos mesmos, quer tal situação resulte de acção ou omissão de terceiros (geralmente os progenitores ou parentes próximos) ou dos próprios, conjugada com a ausência de tomada de medidas adequadas que visem pôr-lhe termo. Como refere Beatriz Marques Borges, in Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2007, a pág.s 37 e 38, verifica-se o perigo para a segurança de uma criança ou jovem quando se verifica que estes são colocados numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, não se sentido garantida nas suas necessidades e desejos; quanto à saúde, está em risco o seu equilíbrio físico/psíquico, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, com diminuição do seu sentido de auto-estima ou o valor e utilidade como membro da comunidade em que se insere; o perigo para a formação revela-se em situações que podem fazer distorcer o seu desenvolvimento integral da personalidade, a sua equilibrada maturação afectiva, emocional e social; o perigo para a educação nasce da circunstância de existindo uma educação incompleta e carente, com a inconsequente incapacidade de o visado se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo que uma boa educação escolar é, cada vez mais, imprescindível para obter condições de sucesso na sociedade e no mercado de trabalho futuro, do que, em grande parte, depende a integração e coesão social com todos os reflexos e consequências que daí advêm; por fim, o perigo para o seu desenvolvimento é o corolário de todos os anteriores itens visando o crescimento, quer físico quer psíquico das crianças e jovens, com vista ao seu desenvolvimento são e harmonioso. Por outro lado, tal situação de perigo, tem de resultar de uma situação de facto que comporte a provável e actual violação da boa educação em qualquer dos factores ora enunciados, bastando-se com uma situação de um real ou muito provável perigo, actual – neste sentido, Tomé d`Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 5.ª Edição Revista e Aumentada, 2007, a pág. 27.
Das situações, exemplificativamente, enumeradas no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, destacam-se (por mais ligadas ao caso em apreço), as referidas nas suas alíneas a), referindo-se, esta, a uma situação de abandono ou em que a criança vive entregue a si própria; c) relativa à falta de cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal e e) que se refere à sujeição a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional. Seguindo, mais uma vez, Beatriz Marques Borges, ob. cit., pág.s 38 a 44 e Tomé Almeida Ramião, ob. cit., pág.s 28 a 30, a situação de criança que vive entregue a si própria traduz uma situação em que a criança embora não sendo abandonada pelos pais, se encontra em situação de total desprotecção, dependentes delas próprias, sem apoio familiar ou outro, face à infracção total e grosseira dos poderes-deveres parentais. A situação prevista na al. c), abrange a falta de higiene, falta de alimentação, investimento afectivo deficiente, zelo, dedicação e interesse exigidos pelo desenvolvimento físico e psíquico das crianças e jovens. Por último, a da alínea e), resulta da situação de alcoolismo patenteada pelos progenitores do A....e comportamentos com ela conexionados, designadamente os descritos nos itens 2 a 11 dos factos provados.
Para além disto e por força do que se dispõe no artigo 4.º e respectiva alínea a), a intervenção para a promoção e protecção da criança, pressupõe, entre outros princípios, que se tenha em vista a protecção do superior interesse da criança e do jovem, o qual deve ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” – Almiro Rodrigues, in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, pág.s 18 e 19. A noção de “interesse superior da criança”, por se tratar de conceito jurídico indeterminado, carece de ser valorado tendo em vista os princípios que devem nortear a educação de uma criança/jovem, tendo em vista a situação concreta com que nos deparamos e a individualidade própria, bem como a envolvência que rodeia cada criança ou jovem e como o referem Rui Epifâneo/António Farinha, in OTM, anotada, 1987, pág. 326 “… trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral”. No mesmo sentido, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal, nos Casos de Divórcio, 2.ª edição, a pág.s 36 e 37, onde se refere que o interesse do menor constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionaridade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto. Se é indubitável que o superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural (tal como consagrado nos preceitos legais e constitucionais acima já referidos e transcritos), o certo é que quando tal não for possível, os interesses da criança ou jovem em perigo são mais importantes do que o interesse da família que, à luz de tais preceitos o pretenda manter no seio do grupo familiar, embora sem exercer convenientemente os poderes-deveres que os mesmos preceitos lhe impõem para que tal aconteça. Isto é, os interesses das crianças ou jovens em perigo podem (e amiúde o são) conflituosos e distintos dos interesses da própria família natural, que deles não soube ou não quis cuidar em termos de salvaguardar o interesse das crianças ou jovens em risco, havendo, pois, em tais casos, de dar prevalência aos interesses das crianças ou jovens em risco e procurar fora dos laços de família natural, o que esta não lhe proporcionou, designadamente, encontrar fora da família natural uma solução ou alternativa que permita que as crianças ou jovens em risco possam vir a obter o que não lhes foi propiciado por quem a tal estava adstrito. Se o interesse do menor passar por postergar a sua permanência no seio da família natural, deve ser o interesse desta em que tal aconteça sacrificado aos legítimos interesses dos menores em risco que têm direito, fora dela, a que lhes sejam criadas condições para minimizar ou neutralizar tal risco a fim de os mesmos passarem a ter condições para o seu desenvolvimento são, livre e harmonioso. O interesse dos menores, nos moldes atrás expostos não pode ceder perante interesses de “posse” da família natural relativamente às crianças ou jovens em risco, sob pena de subversão dos princípios que regem a protecção dos menores e crianças que se encontrem numa situação de perigo.
Posto isto e por cotejo com a factualidade descrita nos autos, outra não pode ser a conclusão de que o A...., sobre que versam os presentes autos, se encontrava numa situação de risco real, dada a falta de capacidade de seus pais para dele cuidar, revelando o comportamento destes um total desleixo e desinteresse no modo como cuidavam (não cuidando adequadamente) do seu filho. De igual forma tem de se concluir, no que toca aos demais elementos do agregado familiar do A....(família alargada), não haver ninguém disponível ou capaz de o acolher e educar como este merece e precisa – cf. item 21.º dos factos provados. O quadro fáctico tido por apurado não pode levar a outra decisão que não seja uma que, impondo a salvaguarda dos legítimos interesses do menor e que coloque fim à situação em que se encontrava e lhe fossem propiciadas as condições para que possa vir a ter, no futuro, uma vida mais consentânea com tais interesses e necessidades, para o que, importava retirá-lo do convívio com a família natural. A justificação para esta conclusão encontra-se bem fundamentada na decisão recorrida, pelo que se passa a transcrever: Impõe-se, pois, a intervenção do tribunal, que, face aos princípios orientadores da intervenção supra aludidos, no exclusivo interesse do menor, não poderá deixar de passar pelo seu encaminhamento para adopção, atentas as nulas perspectivas de regresso do mesmo ao agregado familiar. O que a ocorrer, o colocaria de imediato, novamente, em perigo. Com efeito, como resulta dos autos, desde tenra idade que o A....era sujeito a comportamentos de alto risco, por parte de seus pais, tais como, andarem embriagados com frequência e não obstante, assim, o transportarem de carro, chegando a ser intervenientes em acidentes de viação e a esquecerem-se dele, como descrito no item 3.º. Por outro lado, como consta dos autos, não obstante os recorrentes usufruírem de subsídios da segurança social, o facto é que para além de não terem adquirido hábitos de trabalho regulares não abandonaram, (principalmente, o pai), os hábitos alcoólicos, nem pautaram a sua vida de molde a propiciar as condições para poder dar aos seus filhos uma vida em condições dignas, como retratado, entre outros, nos itens 15, 16 e 26. Com os descritos comportamentos, os recorrentes não contribuíram para que a vida do A....decorresse de forma sã e harmoniosa, com vista a proporcionar-lhe um crescimento equilibrado e ao seu bom desenvolvimento e bem-estar material, moral e psíquico.
Por tudo isto e em face da redacção que foi dada ao artigo 3.º da LPCJP, é indubitável que se verificam os requisitos para que se decidisse, como se decidiu, que o A....estava numa situação de risco que impunha uma intervenção das entidades competentes logo que detectada a situação de perigo em que o mesmo se encontrava – cf. artigo 4.º, al. c), da mesma Lei, sendo seu interesse, com a sua consequente retirada do seio da família natural.
Posto isto, importa averiguar da adequação da medida decretada em face da situação de risco em que se encontrava o menor. Quanto a isto, entendem os recorrentes que a medida que foi aplicada ao menor é desproporcionada e inadequada ao interesse do mesmo e situação em que se encontrava, com o fundamento em que, prevalecendo a decisão recorrida, serão desconsiderados, para além do interesse da menor, o da sua família natural, já que conduzirão a uma ruptura total com a sua família, devendo ser-lhes dada uma segunda oportunidade, pedindo mais uma oportunidade para o acolherem, ainda que mediante acompanhamento por parte dos técnicos sociais. E ainda, depreende-se, porque é condição para o decretamento da medida de confiança para adopção que esteja demonstrada a não existência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva de qualquer uma das situações tipificadas no n.º 1 do artigo 1978.º CC, o que, na sua óptica, não acontece in casu. Em função do que, concluem, deve a medida aplicada ser substituída por uma medida no âmbito do apoio ao agregado familiar do menor e que não implique a ruptura total dos laços familiares entre os seus membros.
Na sentença recorrida considerou-se que dada a situação de perigo em que o A....se encontrava, importava retirá-lo do seio da família natural, encontrando-se o mesmo institucionalizado, desde 12 de Fevereiro de 2010, aplicando-se-lhe a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, não sendo aconselhável que o A....continue institucionalizado por muito mais tempo.
A situação de perigo em que o menor se encontrava já acima foi objecto de análise, tendo-se concluído pela sua existência e consequente necessidade de lhe pôr termo, nada mais havendo a acrescentar quanto a tal.
A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, está prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJP e, nos termos do seu artigo 38.º-A, está dependente da verificação de alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil. De acordo com este preceito – seu n.º 1 “Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações: “… c) Se os pais tiverem abandonado o menor; d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor …; e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”. Acrescentando-se no seu n.º 2 que: “Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor”. No entanto, de acordo com o seu n.º 4: “A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do número anterior não pode ser decidida se o menor se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse do menor”.
Assente que o comportamento dos pais do A....colocou em grave risco a saúde, a formação e a educação deste, encontram-se verificados os requisitos para que, em relação ao mesmo fosse decretada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção. E com tal medida não se viola o interesse do menor, uma vez que tem como objectivo pôr termo à situação de perigo em que se encontrava e propiciar-lhe as condições para um harmonioso e equilibrado desenvolvimento, tentando dar-lhe, ao abrigo de uma terceira família ou pessoa singular, aquilo que não obteve junto da família natural. Por outro lado e como já acima assinalado, os interesses dos menores em risco prevalecem sobre os dos seus familiares, não se podendo dar guarida a sentimentos de “posse” destes sobre aqueles. Efectivamente, como resulta do item 26 dos factos provados, os recorrentes, tendo, embora, reconhecido não ter ainda conseguido reunir as condições para recuperar o filho, com vista a fazer apenas prevalecer os seus próprios interesses, pretendem que o mesmo, não obstante isso, lhes venha a ser confiado, não obstante terem cortado os laços que os uniam, tendo como corolário que o menor já deixou de reconhecer os seus pais, vendo-os como estranhos, tal como resulta dos itens 17.º a 20.º, dos factos provados. Após o nascimento do D...., os contactos havidos entre os recorrentes e o A...., diminuíram de quantidade e de qualidade, o que não pode ser apenas justificado com as invocadas dificuldades financeiras e distância, atento a que tal apenas aconteceu depois do nascimento do D..... E em matéria de contactos, como se salienta no Acórdão do STJ, de 28/02/2008, Processo 07B4681, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, o que releva é o modo e o significado dos contactos (havidos entre os progenitores e os seus filhos, o mesmo valendo para os demais familiares próximos), que tanto pode ser o de criar ou manter laços afectivos com o objectivo de tornar possível a vida em conjunto, como apenas o de tentar evitar uma situação que acabe por levar a um processo tendente à adopção e aí se citando, no mesmo sentido, Beatriz Marques Borges, Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Comentários e Anotações à Lei 147/99 de 1 de Setembro, Coimbra, 2007, pág.s 167 e 168. Com tais comportamentos, os recorrentes, colocam os seus interesses à frente dos do A...., vendo-o como “coisa sua”, o que não é de validar. Não se trata, com a adopção de tais medidas, de sancionar os comportamentos dos familiares que não assumiram, como deviam, as suas responsabilidades parentais ou familiares, mas tão só a de propiciar aos menores em perigo, as condições de que não usufruíram junto da família natural e, reitera-se, os interesses desta cedem perante os dos menores em risco, no sentido de que, se necessário, serão retirados do âmbito da família natural para que possam ter as condições necessárias e suficientes com vista ao seu integral e equilibrado desenvolvimento. Como se refere no Acórdão do STJ, de 20/01/2010, Processo 701/06.0TBETR.P1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, “… os menores não podem hipotecar a sua vida em função das necessidades dos pais”, pelo que não se pode determinar que os mesmos permaneçam numa instituição até que estes reúnam condições para os poder acolher. Ali se acrescentando que “A colocação em instituições dever ser encarada sempre em termos provisórios (…) tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção”. Mais ali se referindo que deve dar-se prevalência às medidas que promovem a adopção da criança ou jovem, que tem direito a um ambiente familiar e acolhedor, onde possa usufruir de todas as condições necessárias ao seu desenvolvimento integral e se os progenitores não querem ou podem fazê-lo, a criança tem o direito de encontrar uma outra família onde as encontre. Assim, é de concluir que a medida que foi aplicada ao menor em causa, se mostra proporcional e adequada a remover a situação de perigo em que o mesmo se encontrava – cf. artigo 4.º, al. e) da referida LPCJP e apenas visa o afastamento de tal situação de perigo.
Quanto à invocada inconstitucionalidade da mesma, apenas de referir que os recorrentes a imputam na discordância perante o decretamento de tal medida, fundamentada na apreciação que no tribunal recorrido foi feita acerca do seu comportamento relativamente ao menor. Efectivamente, se nos artigos 67.º e 68.º da CRP se dá prevalência à família natural, a mesma não é incondicional, tanto assim que no seu artigo 36.º, n.º 5, a CRP, estabelece o dever dos pais em educar e prover ao sustento dos filhos, sancionando o respectivo incumprimento com a separação dos filhos dos pais, cf. n.º 6 deste preceito e prevendo a adopção como um dos meios de estabelecer a protecção dos menores em perigo, tal como decorre do seu n.º 7. Pelo que, inexistem as invocadas inconstitucionalidades, relativamente à decretada medida.
Por outro lado, a medida de acompanhamento junto dos pais ou de outro familiar, previstas na al. a) do preceito ora citado e concretizadas nos artigos 39.º e 40.º da mesma Lei, a primeira, preconizada pelos recorrentes, não são de aplicar por se mostrarem manifestamente insuficientes para obstar à continuação da situação de perigo em que se encontrava o menor. A medida em causa “consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário ajuda económica” – artigos 39.º e 40.º de tal Lei. Ínsita a tal medida está a necessidade de grande esforço e empenhamento por parte dos técnicos e instituições que procedem a tais tipos de ajuda e pressupõem um acompanhamento, próximo, directo e quase contínuo por parte daqueles, relativamente quer aos pais, ou outro familiar, quer às crianças, com o objectivo de criar/desenvolver aptidões que permitam superar a situação de perigo que motivou a intervenção de promoção e protecção. Ora, a factualidade demonstrada nos autos, de todo em todo, desaconselha a tomada de tal medida. Efectivamente, está demonstrado que os ora recorrentes, não obstante, já há alguns anos, dependerem em grande medida dos subsídios da segurança social, não têm hábitos regulares de trabalho (ver fl.s 99, 137 e 171) e sem que tenham criado as condições que permitissem o regresso do A....para junto de si, o que mais se acentuou depois do nascimento do D..... De igual modo, por mais nenhum dos restantes familiares foi manifestada a intenção séria de cuidar e zelar do A..... Perante tal quadro, somos de opinião que, liminarmente, é de rejeitar a aplicação da medida proposta pelos recorrentes e sendo de manter, pelos motivos expostos, a aplicada na decisão recorrida. Pelo que, também nesta parte, tem o presente recurso de improceder, o qual, assim, improcede na sua totalidade.
Nestes termos se decide: Julgar por não provido o presente recurso de agravo, mantendo-se a decisão recorrida nos precisos termos em que foi proferida. Custas pelos agravantes, em partes iguais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi concedido. Coimbra, 16 de Outubro de 2012. |