Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1931/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRUBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 283º, N.º 3 E 287º, N.º 2 E 3, DO C. P. PENAL E 119, AL. D) E 120º, N.º 1, AL. D), DO C. PENAL
Sumário: I- Não é legalmente admissível ao requerente da instrução proceder ao seu aperfeiçoamento.
II- Quando o requerimento para abertura da instrução se mostrar contrário às prescrições que regem para a formulação deste tipo de prática processual, deve ser taxado de ilegal e, consequentemente, inadmitido, por ilegalidade.

III- A falta consubstanciadora da nulidade prevista no art.º 119, al. d), do CPP não se confunde com a insuficiência prevista no art.º 120º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma. Esta não é do conhecimento oficioso.

IV- Quando se entender que a investigação no inquérito deveria ter sido mais aprofundada, o assistente deve recorrer ao expediente da reclamação hierárquica e não optar pela via da comprovação judicial da falta de elementos indiciários.

Decisão Texto Integral: Recorrente: “A...
Recorrido: Ministério Público; e B....

Acordam na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. – Relatório.
Desavindo com a decisão que não admitiu o requerimento em que pretendia comprovar a anunciada falta de indícios exarada no despacho de adesão à informação e indicação viática do Senhor Coordenador de Investigação Criminal, recorre a assistente, “A...”, despedindo a diserta com o sequente acervo conclusivo: “B-1: Não estava vedado ao Mmo. Juiz, contrariamente ao que se entendeu no acórdão para fixação de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, que o mesmo cita, determinar a notificação da assistente para afeiçoamento do requerimento e abertura da instrução. Porém,
B-2: afigura-se que isso seria desnecessário, uma vez que pode afirmar-se que o mesmo cumpre, minimamente, os requisitos formais da parte final do nº 2 do artigo 287°, do Código de Processo Penal
B-3; razão pela qual este comando foi viola o, por demasiadamente estreita consideração da referida exigência
B-4: e assim, como consequência, violado foi a norma do nº 7 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, norma, pura e simplesmente, desconsiderada pelo Mmo. Juiz Por outro lado,
B-5: também relativamente ao disposto n, parte final do nº 3 do artigo 287º, do Código de Processo Penal, salvo o devido respeito, incorreu o senhor juiz em erro interpretativo
B-6: pois, contrariamente ao referido pelo douto julgador a referida norma não recobre a situação dos autos. Ao considerar, ao invés
B-7: o douto julgador violou o disposto o nº 4 do artigo 32º do diploma fundamental e, bem assim, o nº 1 do algo 286º, do Código de Processo Penal, norma do direito legislado esta de valência constitucional, nas quais o Mmo juiz não atentou. Outrossim,
B-8: o Mmo juiz acabou por desconsiderar o verdadeiro vício que inça a situação em apreço, é o da nulidade insanável do inquérito
B-9: nos termos da alínea d) do artigo 119º do mesmo Código, pelo que lhe competia, uma vez que se deu conta de a, declarar a nulidade da referida fase processual. Ora,
B-10: ao omitir esta declaração de nulidade o Mmo juiz incorreu em omissão de pronúncia, uma vez que a mesma é oficiosamente cognoscível
B-11: e, por conseguinte, na violação de tal comando que, salvo o devido respeito, pura e simplesmente ignorou. Finalmente,
B-12: não assiste também razão ao senhor juiz quando sugere que recorrente cabe reclamar hierarquicamente do despacho de arquivamento, porquanto um tal mecanismo é de apelo facultativo, sendo certo que, ultrapassado está o prazo legalmente estabelecido para o efeito
B-13: pelo que o Mmo juiz procedeu a irrita interpretação do disposto no artigo 278º, do Código de Processo Penal, ao parecer considerar que a reclamação hierárquica funciona como que uma actuação prévia à pretensão de abertura da instrução
B-14: e, bem assim, do artigo 279º, do Código de Processo Penal, uma vez que a reabertura do inquérito" só pode ocorrer, nos casos, por certo, excepcionais, do surgimento superveniente, de elementos de prova que sejam novos para quem fez desencadear o procedimento criminal, ou para o assistente
B-14: pelo que, na procedência do presente recurso, deverão V.as EX.as anular a decisão recorrida, com as legais consequências”.
Na instância, o digno magistrado do Mº Pº, é de opinião que o despacho que desestimou a pretensão da assistente, não violou qualquer dos preceitos com que é apenado na douta motivação que ceva o pedido de revogação do predito despacho.”1-Na decisão recorrida, foi correcta e legalmente rejeitado o requerimento formulado pela assistente apara abertura de instrução; 2-O requerimento em causa não obedece as requisitos do disposto no art. 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não contendo em súmula as razões de facto e de direito de discordância com o despacho de arquivamento do Ministério Público, nem o lugar, o tempo, a motivação da prática e o grau de participação que o arguido possa ter tido, nem quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe possa ver a ser aplicada;
Pelo que, consequentemente, a instrução é legalmente inadmissível, devendo manter-se o despacho recorrido em conformidade”.
Mais assertivo e enxundioso é o arguido B..., que faz desaguar a motivação no iterado acervo conclusivo que de seguida se transpõe, por economia de meios.
“1- O Juiz de Instrução, não obstante investigar autonomamente o caso submetido a instrução, tem de ter em conta e actuar dentro dos limites da vinculação factual fixados pelo requerimento de abertura da instrução - cfr. art. 288º, nº 4 do C. P.P ..
2. - O requerimento de abertura da instrução constitui, pois, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito dos limites da intervenção do Juiz na instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.
3- Este requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, os elementos que são enunciados n artigo 287°, nº 2 do C.P.P., sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente (no caso de. arquivamento do processo, como sucedeu in casu) o disposto no artigo 283°, nº 3, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal. Ou seja, o mesmo deve conter, para além do mais a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
5- Na definição do objecto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do Juiz de Instrução há uma assimilação funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para abertura de instrução no caso de não ter sido deduzida acusação. Donde,
6 - O requerimento de abertura da instrução por parte do assistente (no caso de arquivamento do processo) não pode, em termos materiais e funcionais, deixar de revestir o conteúdo de uma acusação (alternativa ao arquivamento decididos pelo Ministério Público), de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório.
7- O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente deve conter, para além do mais, uma acusação, que é acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida pelo Ministério Público.
8- O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo (da instrução). E,
9- Por isso, os termos e os limites dos poderes de conhecimento e de decisão do Juiz de Instrução - artigos 308° e 309° do C.P.P.
10- O requerimento do assistente com que pretenda, de modo processualmente necessário, útil e eficaz, fazer abrir a fase de instrução, e definir o seu objecto, tem de conter, ainda de que forma sintética, a narração dos factos que fundamentem a aplicação de uma pena, incluindo o lugar, o tempo e a motivação da sua prática e quaisquer outras circunstâncias relevantes e indicar as disposições legais aplicáveis - cfr., nomeadamente, art. 283º, nº 3 do C.P.P. E,
11- O M.mo Juiz de Instrução não pode acrescentar nada de essencial ao requerimento pois, se o fizer, a pronúncia será nula – cfr. artigo 309°, nº 1 do CPP;
Sucede que:
12- O requerimento de abertura da instrução formulado pela recorrente A... não participa das características de uma acusação em sentido material, não respeitando, por isso, as exigências essenciais de conteúdo impostas pelos artigos 287º, nº 2, e, pelas alíneas b) e c) do nº 3 do 283º, todos o C.P.P. E,
13- Para além disso, como expressamente é referido no douto despacho/decisão proferido pelo M.mo J.I.C., o requerimento da assistente e recorrente A... não contém as seguintes indicações:
"1) - Quem é que deve ser pronunciado? Não o diz. Não refere quem são os eventuais arguidos;
- E porque factos? Também não os indica. Refere apenas aos crimes;
- Onde, quando e porque foram praticados? Nada diz.
4) - Que grau de participação tiveram os eventuais vários arguidos? Nada refere;
Isto é, para o juiz de instrução, são desconhecidos os arguidos, são desconhecidos a maior parte dos factos, são desconhecidas todas as demais circunstâncias. Não pode o juiz substituir-se à assistente na procura de tudo isso. Em tais circunstâncias, não pode admitir qualquer investigação por não identificação clara contra quem e em que termos possa ser dirigida uma pronúncia. Esta, a existir, seria nula.".
14- Da matéria acima exposta resulta, sem margem para dúvidas, que o requerimento que a assistente apresentou para a abertura da instrução não contém os elementos essenciais à função processual que lhe é assinalada, não é processualmente prestável para tal finalidade, o que equivale a dizer que não pode cumprir a função processual a que estaria vocacionado. E,
15- Em termos processuais tudo se passa, assim, como se não tivesse havido requerimento, o que determina a sua rejeição por inadmissibilidade legal e a impossibilidade de abertura de instrução nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3 do C.P.P., como mui doutamente decidiu o M.mo J.I.C.
16- Quanto á possibilidade de mandar corrigir 0 aperfeiçoar o requerimento de abertura da instrução:
O M.mo J.I.C. entendeu que o não devia fazer pelo seguinte conjunto de razões:
"Primeiro, pela natureza do prazo peremptório, como é o prazo para requerer a abertura de instrução. Permitir tal convite, é superar tal natureza. O prazo para requerer a abertura da instrução é um prazo peremptório que não pode nem deve ser alterado por decisão judicial (Cfr. Ac. de fixação de jurisprudência nº 2/96, de 6/12,95, DR. -I.S.-A de 10/1/96 e Ac. RC. De 99/6/9, BMJ. 488/419)
Depois, porque a lei não o prevê nem o permite em relação à acusação do Mº Público.
Finalmente, e sobretudo, pela natureza da actividade do juiz de instrução, decorrente da natureza acusatória do processo. A sua imparcialidade perante as partes não se coaduna com tal convite. Lembramos o que acima se citou do acórdão do TC."
17 - Também nessa parte o douto despacho recorrido não merece qualquer reparo ou censura e, para além do conjunto de razões invocadas pelo M.mo J.I.C., dir-se-á ainda que:
18 - Não contendo o requerimento de abertura a instrução formulado pela assistente A... o indispensável conteúdo fáctico, não só se torna inexequível a instrução, ficando de igual modo inviabilizada a defesa do arguido, como também, caso mesmo assim se prosseguisse com a instrução, qualquer despacho de pronúncia que se proferisse na sua sequência sempre seria nulo nos termos do disposto no artigo 309º do C.P.P. E,
19 - Por isso inútil e proibido, tal como os actos eventualmente a ele conducentes. Além disso,
20 - Estando em causa, como acima já se frisou, uma peça processual equiparável à acusação, um convite por parte do M.mo J.I.C., à sua reformulação (por forma a que a assistente aí descreva com suficiência e clareza os factos que consubstanciem acusação, para além de exorbitar a "comprovação judicial" objecto da instrução referida no artigo 286º do C.P.P. - e bem assim os correspondentes poderes do Mmo J.I.C - envolveria de alguma forma" orientação"judicial que, em certa medida, poderia reconduzir-se a procedimento próprio de um processo de tipo inquisitório, banido desde há muito da nossa legislação - Cfr., nesse sentido e por todos, douto Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado ti e 08/07/2004, Processo nº 1658/2004 - 9 e inserto in www.dgsi.pt/jtrl.
21 - De referir ainda que a decisão proferida no douto despacho quanto a essa matéria também está em conformidade com o douto Acórdão nº 7/2005 proferido pelo Mui Venerando Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência publicado no Diário da República nº 212 de 04/11/2005, I - A série, páginas 6340 a 6346.
22 - Relativamente á alegada nulidade insanável do inquérito dir-se-á que também, nessa parte, não assiste razão à recorrente. Vejamos:
23 - No caso vertente, realizou-se o respectivo inquérito e no seu âmbito foram efectuadas diversas diligências, não se verificando qualquer omissão de diligências probatórias, nem omissão de actos prescritos na lei como obrigatórios. Donde,
24- Jamais se poderá considerar, como errónea ente alega a recorrente, que o Inquérito realizado nos presentes autos enferma da nulidade insanável prevista na alínea d) do art. 119º do C.P.P. (falta de inquérito).
26-" De igual modo é incorrecto afirmar-se, como pretende a assistente, que a falta absoluta do inquérito é algo que abrange a situação da insuficiência do inquérito pois tais situações, em termos processuais, diferem uma a outra.
27- A primeira – falta do inquérito – está expressamente prevista na alínea d) do art. 119º do C.P.P. e constitui uma nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada. E,
28 - A segunda – a insuficiência do inquérito – está expressamente prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 120º do C.P.P. e constitui uma a nulidade dependente de arguição pelo interessado.
29 - No caso vertente, como acima já se referiu, foi instaurado o respectivo inquérito e no seu âmbito foram realizadas diversas diligências, não se verificando qualquer omissão diligências probatórias, nem omissão de actos prescritos na lei como obrigatórios. Donde,
30- Também não se verifica tal vício alegado pelo assistente – insuficiência do inquérito. Todavia,
31- Num campo meramente hipotético, por dever de patrocínio e sem prescindir do acima exposto, sempre se dirá que a admitir-se que alguns pontos da matéria de facto não se acham devidamente esclarecidos, ou que a valoração de prova indiciária, obtida através do inquérito, não foi devidamente valorada, o que o mesmo enferma de insuficiência, os meios próprios para reagir a tais vícios são efectivamente a reclamação hierárquica conforme o art. 127º do C.P.P. e a arguição da respectiva nulidade nos termos dos artigos 120º nºs 1e 2, al.d) e 3, al.c) e 121º do mesmo diploma legal – Cfr. nesse sentido e por todos, douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 09/02/2000, i Col. Jur., ano XXV, tomo I, página 153 e 154.
32- Em face de toda a matéria acima exposta deverão ser julgadas improcedentes, todas as conclusões (B1,B2,B3,B4,B5,B6,B7,B8,B9;B10, B11, B12, B13, B14 e B14 - numeração repetida) contidas no requerimento de recurso interposto pela assistente A.... Efectivamente,
33- O despacho recorrido não só não viola qualquer norma processual ou constitucional, como, fazendo correcta apreciação do teor do requerimento em causa e decidindo, nos termos vindos a expor, em conformidade com os preceitos legais, não merece a censura que a recorrente lhe dirige.
Termos em que e nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto Suprimento de vaso Excias deverá negar-se provimento ao recurso interposto pela assistente e deverá confirmar-se a douta decisão recorrida”.
Nesta instância, o Distinto Proc.-Geral Adjunto, emite parecer no sentido do douto parecer que a seguir se transcreve. “1. Na consideração dos temas que envolvem o objecto do recurso é facto assente que o recorrente não formulou com rigor e precisão o pedido de instrução pois se absteve de concretizar a exigente descrição de factos que incorporando as diferenciadas condutas definisse autonomamente a inerente caracterização típica a imputar a cada um dos arguidos. 2.Semelhante deficiência que o próprio impugnante expressamente reconhece traduz uma ausência de fundamentação do pedido que embora não corporize uma específica e directa situação de inadmissibilidade por inequívoca menção legal vai constituir configuração equiparável pois que inviabiliza por carência de objecto o desenvolvimento e finalidade da pretendida fase processual. 3.Neste contexto, a possibilidade de aperfeiçoamento através de convite dirigido ao peticionante é afastada pelas razões juridicas-factuais constantes do Assento 7/2005 de 12.05.05 as quais ainda que se considere salutar a discussão sobre o em ou mal fundado da solução encontram in casu adequada oportunidade de aplicação. 4.Dir-se-á ainda que a censura a dirigir à matéria indiciante constante do inquérito não pode ser removida pela via duma intervenção judicial. Com a correlativa e aqui contestada decisão operou-se a ineficácia do requerimento de instrução deixando subsistir, porém, todo o antecedente conjunto processual. (Inquérito + despacho de arquivamento). E se o recorrente, em devido tempo, tomou a iniciativa de optar pelo pedido de instrução desprezou por sua conta a intervenção hierárquica prevista no art. 278º do C.P.Penal que então e na perspectiva do invocado e decidido no despacho de arquivamento deteria perfeito cabimento. Como tal não pode agora prevalecer-se do reconhecimento de uma nulidade insanável já que os conceitos de falta e de insuficiência de inquérito não são confundíveis na sua estrutura e consequências
E na hipótese vertente não ocorre a (total) falta de inquérito enquanto pressuposto da insanável nulidade consagrada no artigo 119º d) do C.P.Penal.
Termos, em que, a nosso ver o recurso deve merecer decisão de improvimento”.
Para a economia do recurso, ensaiaremos equacionar as questões que nos parecem defluir do acervo conclusivo.
A – Requerimento de Instrução. Possibilidade legal de o requerente proceder ao seu aperfeiçoamento.
B – Inadmissibilidade legal da Instrução.
C – Nulidade insanável do inquérito, por insuficiência.
D – Reclamação hierárquica. Reabertura do inquérito.
II – Fundamentação.
II.A. – Elementos adjuvantes da decisão.
- Em 12 de Março de 2003, a “A....”, participou contra B... por este possuir à venda barris próprios para conterem cerveja comercializada pela participante diz pertencerem-lhe, por estarem sujeitos a retoma por parte da sociedade distribuidora e o arguido os possuir à consignação;
- Por despacho do titular do Ministério Público na comarca da Sertã, foi o processo remetido á Policia Judiciário para investigação;
- Realizadas as diligências achadas pertinentes, foi elaborado relatório – cfr. fls. 97 a 99 – e gizadas as seguintes conclusões: “Resultavam da participação inicial suspeitas a actividade delituosa da prática de crimes de furto teria um aproveitamento comercial ou industrial organizado, com fins lucrativos, visando a colocação dos barris noutros circuitos sem o encargo do custo de aquisição ao fabricante, actividade que se estenderia pelos últimos anos e revestindo um âmbito nacional, v.g. nas comarcas do Cartaxo, Lisboa, cf. consta dos artºs 26 a 28º da denúncia inicial, complementado, aliás, com as declarações de fls. 69 a 72.
Tais factos denunciariam a comparticipação e vários agentes dos crimes e fariam pressupor uma estabilidade e associação duradoura, indicadora assim de associação criminosa, destinada à prática daqueles crimes de furto.
Na verdade, suspeitava-se de que existiria um acordo de vontades de várias pessoas para a consecução dos crimes de furto e uma certa estabilidade ou permanência, ou pelo menos, o propósito de ter estabilidade, criando-se através do encontro de vontades, uma realidade autónoma, diferente e superiores vontades e interesses dos singulares membros.
No entanto, como se verifica da análise dos Autos, a concertação de vontades parece--nos excessiva face ao tipo de negócios realizados. Com efeito, um único indivíduo fez chegar a diferentes circuitos, em diferentes momentos e em diferentes quantidades, diversos barris de cerveja, vazios, os quais se destinaram a ser novamente vendidos, a particulares, enquanto consumidores finais, para acondicionamento de líquidos, distintos dos preconizados pela entidade responsável, na introdução no circuito comercial no ao de distribuição de bebidas.
Por outro lado, não podemos deixar de referir que, muitas vezes, e seguindo de perto o adágio popular "a ocasião faz o ladrão", o facto de a A... fornecer, por regime de comodato, através da caução de 9,98 €, barris cujo valor real importa em 70 €, não poderá de deixar de ser levado em conta, quase ganhando foros de provocação à prevaricação.
Neste contexto, não olvidando as razões que assistem à denunciante, não poderemos deixar de levar em linha de conta que, em caso de solicitação, os demandados, a nosso ver, apenas teriam de pagar o valor correspondente ao estipulada título de caução, sendo o mais, justificável em sede de capitalismo democrático.
Assim, não se justificando, salvo melhor e contrária opinião de V. Exa., a realização de outras diligências, ao hiato temporal decorrido (…).
- Levado o processo ao Ministério Público, veio a merecer despacho de adesão à proposta formulado pelo Senhor Coordenador de Investigação Criminal, a saber de arquivamento;
- A assistente veio requerer a abertura da instrução, tendo, a final, requerido a realização de diversas diligencias, que em seu entender, poderiam coonestar as suas suspeitas, nomeadamente de envolvimento de um outro (constituído) arguido, Carlos Alberto Sousa Santos;
- Em 16 de Janeiro de 2006, foi o requerimento, da assistente, rejeitado, por despacho que se transcreve. “A assistente “A...” veio requerer abertura de instrução, referindo diversos factos, concluindo que os arguidos incorreram, pelo menos, em vários crimes de receptação e ainda em vários crimes de furto qualificado, quer pelo valor elevado quer pela conjugação de esforços para a prática reiterada do furto de barris quer ainda porque estes foram por eles retirados certamente de armazéns ou estabelecimentos comerciais, crimes esses previstos e punidos pelo artigo.204º,nº1, a) e f) e nº2, g) do Código Penal.
Indica, depois prova quer testemunhal quer documental.
Importa apreciar acerca da admissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução.
Tudo se resumirá ao seguinte: sempre que, apesar das deficiências, o juiz de instrução conheça claramente o que está em causa, que factos se pretende ver apreciados, a instrução deverá realizar-se. O apelo ao formalismo de tal requerimento, não deve ser definitivo. O que delimita a instrução é ou a acusação (e essa, sim, nos termos exigidos pelo art.º283º) ou, como é o caso, o requerimento do assistente. Mas, neste caso, essa delimitação não se pode confundir com as rigorosas exigências da acusação. Se assim fosse, não faria sentido o que consta na primeira parte do n.º2, do art.º 287º. Uma acusação não pode conter tais coisas (razões de facto e de direito de discordância).
Uma acusação afirma, imputa, dá como suficientemente indiciados factos. Nesse caso a instrução comprova-os ou não. Mas o requerimento de abertura de instrução, quando o M.º Público se absteve de acusar, tem natureza algo diferente. Pede-se ao juiz que comprove não aqueles factos mas que comprove se há ou não factos que devem levar à pronúncia ou à confirmação do arquivamento. Neste caso não se pode exigir uma directa imputação de factos, uma afirmação de prática de factos, bastando que se refutem os fundamentos que levaram à não acusação de certos factos. Se é certo que o juiz está substancial e formalmente limitado pelos factos contidos na acusação (quer pública quer privada) também o está pelos factos descritos no requerimento de abertura de instrução como sendo factos que deveriam ser objecto da acusação e não o foram. Uma coisa é acusar outra bem diferente é saber se haveria ou não lugar à acusação e, consequentemente, se pronuncie. O que importa é que o juiz, pelo requerimento, saiba claramente que factos estão em causa, quem são os seus agentes e as razões porque o assistente entende que deve haver acusação.
Será o que se verifica no caso vertente?
- A assistente tinha-se queixado contra B... e incertos, pela prática de vários crimes de receptação e de furto e eventual prática de associação criminosa.
-O Ministério Público não acusou por entender não haver indícios suficientes para tal, limitando-se a dar por reproduzido um relatório da Polícia Judiciária onde apenas se aprecia a eventual prática de um crime de associação criminosa.
Mas:
1) - Quem é que deve ser pronunciado? Não o diz. Não refere quem são os eventuais arguidos;
2) - E porque factos? Também não os indica. Refere-se apenas aos crimes;
3) - Onde, quando e porque foram praticados? Nada diz.
4) - Que grau de participação tiveram os eventuais vários arguidos? Nada refere;
Isto é, para o juiz de instrução, são desconhecidos os arguidos, são desconhecidos a maior parte dos factos, são desconhecidas todas as demais circunstâncias. Não pode o juiz substituir-se à assistente na procura de tudo isso. Em tais circunstâncias, não se pode admitir qualquer investigação por não identificação de forma clara contra quem e em que termos possa ser dirigida uma pronúncia. Esta, a existir, seria nula.
Quanto à possibilidade de mandar corrigir o requerimento de abertura de instrução, entendemos não o dever fazer, pelo seguinte conjunto de razões. Primeiro, pela natureza do prazo peremptório, como é o prazo para requerer a abertura de instrução. Permitir tal convite, é superar tal natureza. O prazo para requerer a abertura da instrução é um prazo peremptório que não pode nem deve ser alterado por decisão judicial (Cfr. Ac. de fixação de jurisprudência n.º 2/96, de 6/12,95 DR. -I.S.-A de 10/1/96 e Ac. RC. De 99/6/9, BMJ. 488/419).
Depois, porque a lei não o prevê nem o permite em relação à acusação do M.º Público.
Finalmente e sobretudo, pela natureza da actividade do juiz de instrução, decorrente da natureza acusatória do processo. A sua imparcialidade perante as partes não se coaduna com tal convite. Lembramos o que acima se citou do acórdão do TC.
Em resumo: não sendo de convidar a assistente a corrigir o seu requerimento e não contendo este, no mínimo, as exigências legais para fundamentar uma instrução, não deve a mesma ser admitida, por inadmissibilidade legal.
Segundo o nosso entendimento, os objectivos visados pela assistente, ao não se conformar com a forma como decorreu o inquérito, merecem indiscutivelmente a tutela do direito, tanto mais que do manancial de factos relatados, apenas se investigou uma pequena parcela dos mesmos. Mas, na forma como perspectivamos o papel do Juiz de Instrução, não nos cabe suprir as deficiências do Inquérito, mas tão só apreciar o despacho de arquivamento proferido, perante a matéria indiciária recolhida em sede de inquérito.
A ser assim, deverá a assistente recorrer aos mecanismos previstos nos artigos 278º e 279º do Código de Processo Penal, por serem estes os preceitos indicados para as situações em que não se exauriram no decurso do inquérito, as questões denunciadas.
Nestes termos, rejeita-se o requerimento por inadmissibilidade legal, nos termos do art. 287º,nº3 do Código de Processo Penal”.
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Requerimento de Instrução. Possibilidade legal de o requerente proceder ao seu aperfeiçoamento.
Porque atinam inextrincavelmente com o núcleo da questão que nos foi requestado decidir, pedimos vénia para deixar transcritos os troços dos arestos, do Supremo Tribunal de Justiça Tribunal e do Constitucional (por observância da hierarquia estatutária) em que se dirimiu o assunto parelho.
“Esta importante cooperação-intersubjectiva de que fala o Prof. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código Civil Ed. Lex, 1997, 62, destina-se a transformar o processo civil numa autêntica "comunidade de trabalho " (na expressiva formulação de Wassermann, in Der Soziale Zivilprocess , 97 e segs.) e implica importantes consequências quer quanto à posição processual das partes operante o tribunal , deste órgão perante aquelas e entre todos os sujeitos processuais , em comum, particularmente para as partes a de " honeste procedere”.
Esse dever de cooperação campeia, sobremodo, na importante área da prova, apreciando o tribunal, em certos casos, livremente, a recusa de tal dever de cooperação, em se tratando de recusa ostensiva desse dever (art. 519º, nº2,1ª parte, do CPC) ou de a parte ter tornado culposamente impossível a prova à contraparte onerada, caso em que o ónus se inverte (art. 519º, nº 2, in fine, citado e 344º, nº 2, do CC).
Mas este figurino do processo civil, de cooperação entre as partes não se harmoniza com o processo penal, onde não se r conhece como seu princípio programático, como sua linha mestra, já que o processo penal se não identifica com um processo de partes, de disponibilidade de interesses privados, antes vocacionado à realização da paz pública, segurança social e paz jurídica entre os cidadãos (cfr. pontoII.5, do relatório preambular do CPP); aquela natureza dificilmente combateria disfuncionalidades, desvios e abusos que o legislador reputou e detectou como responsáveis pela frustração eficaz (cfr. ponto I, 4, daquele relatório).
Vale por dizer que a transposição desse dever de cooperação para o processo penal (que conhece, no entanto, parcimonioso afloramento, por ex.., no art. 312º, nº4, do CPP, ao impõe que o tribunal diligencie por obter acordo na marcação de dia para o julgamento com os defensores oficiosos e constituídos), se mostra pouco compaginável, não podendo servir como pedra de toque na resolução da questão, com aquela ideia de celeridade na justiça penal, apelidada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 157/VII, que precedeu a Lei nº59/98, de 25/8, alterando o CPP, como" lenta e, e muitos casos, ineficaz” no ponto 5.
O preenchimento das lacunas em processo penal pelo recurso ao processo civil, ao princípio a cooperação, conhece um intransponível limite: o da não harmonização das finalidades descritas quanto ao último ramo de direito aqueloutro, por força do art. 4º, do CPP.)
Integrando o requerimento de instrução razões de perseguibilidade penal, aquele requerimento contém uma verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação m alternativa, respeitando-se, assim, " formal e materialmente a acusatoriedade do processo", delimitando e condicionando a actividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, op. cit. 125.
A falta de narração de factos na acusação sua nulidade e respectiva rejeição por se reputar manifestamente infundada, nos termos dos arts. 283º,nº3, al. b) e 311º, nº2 e 3, al.b), do CPP.
A manifesta analogia entre a acusação e o requerimento de instrução pelo assistente postularia, em termos de consequências endoprocessuais, já que se não prevê o convite á correcção de uma acusação estruturada de forma deficiente, quer factualmente quer por carência de indicação dos termos legais infringidos, dada a peremptoriedade da consequência legal desencadeada: o ser manifestamente infundada, igual proibição à correcção do requerimento de instrução, que deve, identicamente, ser afastado °
O recurso à analogia" legis", de resto, só não é de admitir, sendo vedado em processo penal quando, pelo recurso a ele, derive um enfraquecimento da posição ou diminuição dos direitos processuais do arguido, desfavorecimento do arguido analogia " in malam partem "( cfr. Prof. Figueiredo Dias , Direito Processual Penal, I, 96-97 ) , este não sendo o resul1ado negativo a que a rejeição
A faculdade de, pelo convite à correcção, o assistente apresentar no requerimento colidiria com a peremptoriedade do prazo previsto no art. 287º,nº 1 do CPP.
Essa dilação de prazo sequente àquele convite pelo juiz de instrução, que não se inscreve no âmbito de comprovação judicial, atribuído à função da instrução, no art. 286º, nº 1, do CPP, atentaria, assim, contra direitos de defesa do arguido, porque a peremptoriedade do prazo funciona, claramente, em favor do arguido e dos seus direitos de defesa.
" A possibilidade de, após a apresentação de m requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se por repetir, de novo um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado é, sem dúvida violador da garantias de defesa do arguido ou acusado", sentenciou o TC no seu Ac. nº 27/2001, de 30/1/2001, publicado no DR, II Série, de 23/3/2001.
O convite à correcção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direito fundamentais, em ofensa ao estatuído no art. 18º nº 2 e 3, da CRP, que importa não sancionar.
Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, ed. 1994, 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal • substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos enraizaria em si uma função deles indagatória investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, m ais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado, consequenciando, como, com proficiência, salienta a ilustre Procuradora-Geral Adjunta neste ST J, "uma necessária e desproporcionada diminuição das i garantias de defesa do arguido", importando violação das regras dos arts 18.º e 32º, nº 1 e 5, da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusado do arguido, deferindo-se-Ihe, " contra – legem" a titularidade do exercício da acção penal.
Uma ilimitada investigação levada a cabo pelo juiz de instrução buliria com o principio da acusação, pois seria ele a delimitar o objecto do processo contra os peremptórios termos do artº 311º nº 3 b), do CPP, não sendo curial, sublinhe--se, o tribunal substituir-se aos profissionais do foro, mandatários judiciais do assistente, necessariamente por aqueles assistido, nos termos do art. 70º nº1 e 287º, nº 1, al.b), do CPP, suprindo-lhes carências o desempenho técnico – profissional que lhes incumbe.
O convite à correcção dilataria o termo final do desfecho da instrução, com a emissão de pronúncia ou não pronúncia, brigando com a celeridade de uma fase intercalar do processo, cogitada para ser breve, privilegiando-se o assistente em detrimento do arguido, que não usufrui de igual direito, em ofensa chocante do principio da igualdade de armas.
A renovação, pelo convite à apresentação de m novo requerimento, obstaria ao trânsito do despacho de não pronúncia e exporia o arguido à possibilidade de ver renovada a acusação, quando ela acusação o arguido adquire a garantia de ser julgado pelos factos dela constantes, por forma irrepetível e definitiva.
Significante, ainda, estar vedado ao juiz do julgamento direccionar convite ao MºPº para completar o elenco factual acusatório, ante e com apoio nos peremptórios termos do citado art. 311º, nº 3 b).
IX. Invocar-se-á, ainda, que o requerimento abertura de instrução nenhuma similitude apresenta com a petição inicial em de processo cível em termos de merecer correcção, enfermando de deficiências, nos termos do art. 508º, nº 1 b), do CPC, por, se com, aquela se introduz, inicia, o pleito em juízo, é com a queixa que se inicia o processo, cabendo ao requerimento, de abertura de instrução uma exposição dos factos que, comprovados, com maior probabilidade, tal como sucede com os vertidos na acusação, sugerem que o arguido, mais do que absolvido, será condenado, numa óptica de probabilidade em alto grau de razoabilidade, inconfundível com uma certeza absoluta, aquela excludente de as coisas terem acontecido de dada forma prevalente, e detrimento de outra.
X. O horizonte contextual ao nível da jurisprudência oferece-nos como maioritária a orientação que veda o convite ao aperfeiçoamento do requerimento e abertura de instrução enfermando de défice factual.
Assim, entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa, de 9.2.2000 , in CJ , Ano XXV, I, 154, de 11.10.2001, in CJ, Ano XXVI, IV, 142, de 5.12 2002, in CJ, Ano XXVII, 2002, V, 143, este citando, no mesmo sentido, o da mesma Relação de 1.10.2003 e do TC nº 27/01, DR, II Série, de 1.3.2003, os prolatados nos Recs. Nº 99/2203 e 3.437 /2001, ambos da 3ª Secção e 11.138, da 9ª – Secção, daquela Relação, de 13.3.2003, in CJ, Ano XXVII, 11, 124, de 10.10.2002, in CJ, Ano XXVII, IV, 133, de 11.4.2002, in CJ, Ano XXVII, n , 147 e o de 25.11.2004, in CJ, Ano XXIX, V, 134 , na esteira do proferido no Proc. da mesma Relação, nº 7327/04, de 23.11.2004.
Em sentido contrário os da Rei. Lisboa, de 1.3.2001, in CJ, Ano XXVI, n, 132, de 21.11.2001, in CJ, Ano XXVI, V, 226, este último citando o da Rel. do Porto, de 5.5.93, in CJ, Ano XVIII, III, 243, Rel. Coimbra, de 17.11.93, in CJ, Ano XVIII, V, 59, da Rei. Évora, de 16.1.97. Cfr. ainda, BMJ 472,585.
(Pedido formulado no aresto do TC) “Termos em que se requer a VV. Ex.ª o que considerem procedente o presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade da inter-pretação e aplicação feitas, tanto no despacho de rejeição do reque-rimento para abertura de instrução como no acórdão recorrido:
Dos artigos 283º, nº) 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal fora dos casos previstos na lei, isto é, quando seja for-mulado no âmbito de um processo especial ou por quem não tenha legitimidade;
Dos artigos 283º nº 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal, em virtude de nulidade insanável do mesmo, pela pre-terição dos requisitos formais constantes destas normas;
Dos artigos 283º, nº 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que não é permitido no requerimento para abertura de instrução fazer-se remissão da identificação do arguido e narração dos factos para a denúncia e restantes elementos constantes do inquérito;
Artigos 105º, nº 1, e 287º, nº 3, do CPP, segundo o sentido de que o despacho de rejeição da instrução pode ser proferido para além do prazo de 10 dias legalmente fixado;
Bem como, declarando-se a inconstitucionalidade da aplica-ção, no acórdão recorrido, dos artigos 419º, nº 4, alínea a), e 420º do CPP, no sentido de que é rejeitado, em conferência, o recurso, mesmo que devidamente fundamentado do ponto de vista legal e constitucional”.
B) Questão de constitucionalidade da norma do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal. - 5 - Nos presentes autos é submetida à apreciação do. Tribunal Constitucional a norma do artigo 283º, nº, alíneas b) e c), do Código de Processo. Penal, interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas.
A questão de constitucionalidade suscitada implica, pois, uma breve análise do estatuto processual do assistente.
6 - O ofendido tem o direito de intervir no processo nos termos da lei (artigo 32º, nº 7, da Constituição).
O assistente tem, em geral, no processo penal português, a posição de colaborador do Ministério Público (artigo 69º do Código de Pro-cesso Penal), a quem compete exercer a acção penal (artigo 219º, nº 1, da Constituição).
Trata-se de uma solução que, por um lado, potencia a eficácia da investigação, já que admite a participar no processo um sujeito envolvido no conflito social inerente ã prática do crime (e, nesta medida, contribui para a boa aplicação do direito), e, por outro, é uma solução que ria condições de pacificação social, dado reconhecer o estatuto do sujeito processual à vítima do crime, que tem assim a possibilidade de intervir, através de actuação própria, na realização da justiça penal.
O estatuto do assistente encontra-se, genericamente, definido no artigo 69º do Código de Processo Penal. Integra esse estatuto a facul-dade de requerer a abertura da instrução (artigo 287º do Código Penal).
O reconhecimento do assistente como sujeito processual bem como o seu estatuto processual não despublicizam, no entanto, o processo penal. Com efeito, o processo penal tem essencialmente natureza pública, pois é ao Estado que cabe o exercício da acção penal (note-se que mesmo nos crimes particulares é o Ministério Público que dirige a investigação).
Por outro lado, cabe sublinhar que o processo penal português tem como vertente fundamental a tutela das garantias de defesa. Desse modo, o estatuto do assistente não é equiparável ao do arguido.
A apreciação da questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos remete, pois, para a ponderação dos valores e princípios, por vezes conflituantes, que conformam a estrutura processual bem como as várias soluções no plano infraconstitucional.
7 - O assistente, já se referiu, tem a faculdade de requerer a aber-tura da instrução. Tal faculdade, no caso concreto, foi exercida na sequência da prolação do despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público.
Esse requerimento consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.
A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em deter-minados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa.
Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indi-cação das disposições legais aplicáveis.
Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança subs-tancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.
Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fun-damentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. E, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada.
Será, porém, aceitável a exigência de que tal menção seja feita por remissão para elementos dos autos ou, pelo contrário, será incons-titucional, por violação do direito ao acesso aos tribunais, que seja vedada a possibilidade de tal indicação ser feita por remissão para elementos dos autos?
A resposta é negativa.
Com efeito, a exigência de rigor na delimitação do objecto do pro-cesso (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não con-substancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a con-sagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.
De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo.
Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indi-cação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no reque-rimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.
Por último, não releva para o juízo de não inconstitucionalidade que se formula a circunstância de o artigo 391º-B do Código de Processo Penal (que contém a disciplina do processo abreviado) admi-tir a narração dos factos por remissão para o auto de notícia. Como refere o Ministério Público, no processo abreviado está em causa pequena criminalidade e só pode ter lugar quando existem provas simples e evidentes – e, também, indícios claros da prática do crime. São essas circunstâncias que legitimam uma tramitação célere e des-formalizada. No e tanto, sempre se dirá que o estatuto do assistente não tem (nada o impõe) de se equiparar totalmente ao do Ministério Público. Não existe, pois, paralelismo entre a situação invocada e a dos autos, pelo que o argumento do recorrente não colhe.
8 - Conclui-se, portanto, pela não inconstitucionalidade da norma em apreciação”.
Porque raciocinar com o texto da lei pode induzir uma discursiva e lhana clarividência, na medida em que o legislador português no-lo propina, verte-se para aqui o n.º2 do art. 287.º do CPP. Preceitua o citado normativo legal que: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios d prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º,n.º 3, alíneas b) e c).” E rezam as alíneas b) e c) do artigo 283.º do mesmo livro de leis que “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” – al. b) – e “a indicação das disposições legais aplicáveis” – al.c).
Com este vector normativo de orientação, é difícil sustentar que o requerente da comprovação da decisão de não acusação não tenha o dever legal de, de uma forma sintética, alinhar a soma de factos que considera, na sua perspectiva, terem sido levados a cabo pelo arguido(s), qual a forma de participação que cada um os arguidos teve na execução material dos factos que lhe são assacados e demais elementos que importam para que quem temo dever de julgar possa, em concreto, confrontar o arguido com dados objectivos. Trata-se, afinal, mutatis mutandis, da exigência constitucionalmente caucionada de o juiz no primeiro interrogatório – cfr. art. 141.º, n.º4 do CPP – dever confrontar e informar o arguido dos factos que lhe são imputados na averiguação que conduziu à sua indiciação por uma determinada e concreta facticidade. Tanto num caso como noutro, emerge e soleva um dever constitucional de o arguido saber quais, concretamente os factos que lhe são imputados e para os quais terá de engendrar e aparelhar a sua defesa. Não pode o arguido ser confrontado com alusões vagas e indeterminadas que não induzem ou enuclearizam comportamentos naturais, intelectualmente assumidos e pelos quais possam ser responsabilizados juridico-penalmente.
Bastará passar os olhos por qualquer diploma legal – vejam-se as recentes resoluções do Conselho de Ministros n.º 63/2006 (Aprova o Programa Legislar Melhor) e 64/,2006 (Regimento do Conselho de Ministros do XVI Governo Constitucional), publicadas no DR, n.º96, I-B, de 18 de Maio de 2006, em que no artigo 19º (Consultas – Pareceres Internos) se enumeram, até à al.P) - alínea em que o artigo acaba -, do n.º2, os projectos que carecem de parecer do Ministro de Estado e das Finanças, e no art.20.º, sob a epígrafe - Parecer do Ministro de Estado e da Administração Interna – se escreveu “todos os projectos que tenham por objecto as matérias referidas nas alíneas a), q) e r) do n.º2 do artigo anterior carecem de parecer do Ministro de Estado e da Administração Interna”. Como em qualquer alfabeto as letras Q) e R) seguem o P), haverá pelo duas alíneas de que o Senhor Ministro de Estado e da Administração Interna está dispensado de dar parecer – para constatar que o nosso legislador não prima pela clarividência e sageza, mas no caso que nos ocupa, afigura-se-nos, não terá andado muito mal.
Repontar-se-á, mas e no caso, como vem sustentado pelo requerente, em que o inquérito é insuficiente, ou a investigação não logrou indícios, ou pelo menos não ficou demonstrado que possam, na perspectiva da investigação – neste caso também da acusação, dado que o digno agente do Ministério Público se limitou a aderir á proposta do Senhor inspector da policia Judiciária, coonestado pelo Coordenador de Investigação Criminal –, ser levadas a cabo mais diligências investigativas que propiciem juízo divertido daquele a que a actividade investigativa no inquérito obteve. Como imputar factos se a investigação não logrou um resultado líquido e minimamente assertivo quanto a uma conduta que se pretende imputar a um determinado sujeito? Não serve a instrução para indagar desses factos e só depois de averiguada uma factualidade concreta é que deveria ser dada ao requerente deveria a possibilidade de deduzir ou não uma acusação?
Pensamos que a resposta, em face dos fins a que o legislador destinou a fase de instrução, não poderá deixar de ser negativa.
São fins irremovíveis da instrução: 1º) – a chancela ou comprovação judicial, de: a) - da decisão de deduzir acusação; b) – da decisão de arquivamento do inquérito; 2º) – (a comprovação judicial) tem como finalidade submeter ou não a causa a julgamento – tendo por base uma acusação ou, no caso de ausência de acusação, a decisão de manutenção da decisão de arquivamento do inquérito. Se o requerente da instrução, por ter ocorrido uma decisão de arquivamento do inquérito, pretender obter uma decisão de consistência de uma base de imputabilidade factual e de culpabilidade do arguido, que, contrariando a esta decisão, afirme, pela positiva, a existência de base fundante, terá que formatar, no requerimento em que pretende ver coonestada a sua tese, uma base factual concreta de onde seja possível extrair ou enuclearizar o objecto formal que será, comprovada a sua viabilidade, na fase instrutória, o módulo cardeal por que o julgador se imbricará no apuramento da culpabilidade suficientemente materializada.
Diversamente do defendido pelo Ilustre mandatário do recorrente, que com o brilho de sempre coloca questões de hermenêutica e dogmática jurídica susceptível de nos afastar do marasmo, já miasmático, do art. 410º do CPP, pensamos que o requerimento formatado pela recorrente não satisfaz o requisitório contido nos preceitos supra editados. Tal como se encontra estruturado, começando por reportar os factos relativos á assistente – artigos 5º a 14º - relativos à actuação dos arguidos -15º a 17º - relativos aos apurados em inquérito – de 18º a 38º - e, finalmente, os relativos aos crimes praticados – de 39.º a 44.º.
A assistente não faz uma imputação objectiva, isto é, colimada ao tempo e ao lugar(es), onde cada um dos arguidos terá levado a cabo as condutas ilícitas que são descritas sem arrimo a qualquer ordem cronológica, de espaço, e de grau ou forma de participação de cada um dos arguidos. O que cada um dos arguidos executou no processo executivo que terá conduzido á apropriação dos barris, como foi que a apropriação foi realizada, como se operou a receptação, nada em concreto é referido no requerimento apresentado para abertura da instrução. Tratando-se de delitos de resultado, deveria a assistente ter descrito a acção concreta em que se consubstanciava a alteração do objecto da actuação Cfr. Günther Jakobs, “Derecho Penal, Parte general, Fundamentos y Teoria de la imputación”,2ª ed., Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 199 e segs. e inculcar o elemento volitivo colocado pelos agentes na alteração da realidade exterior sobre que actuavam e que pretendiam afectar à esfera patrimonial de cada um dos sujeitos involucrados. Ao invés, a assistente no apartado “II. Dos factos Relativos á actuação dos Arguidos”, limita-se a expor que o 1º arguido é proprietário de um estabelecimento comercial onde vendia barris vazios que pertenceriam à assistente, que esses barris eram facilmente identificáveis como pertencentes à assistente e que numa determinada altura possuía cinquenta barris, dispondo-se a vendê-los (e já os tendo vendido ao preço de € 27,50). No apartado sequente,”III. Dos Factos Apurados em Inquérito” incoa por referir a apreensão efectuada pelos agentes policiais, que confirmariam as suspeitas da Assistente de uma acção concertada de vários agentes, a montante que retiram esses barris das instalações dos distribuidores, os transportam e entregam ao 1º arguido e ainda a terceiros. Refere-se em seguida ao 2º arguido, Carlos Alberto Sousa, ao seu cadastro policial e criminal, para dizer que este arguido sabe que esses barris pertencem à assistente, e que detendo-os os vende, como se fosse seu proprietário. A firma a quem o 2º arguido refere haver comprado os barris “Silva & Oliveira, Lda.” nunca teve relações comerciais com a assistente, o que o 2º arguido devia saber, e, portanto, não podia deter licitamente os barris. Importaria que essa firma fosse inquirida sobre a proveniência dos barris e sobre a justificação da sua detenção apurar qual sobre uma tal “empresa de distribuição distinta ”por forma a que, também a gerência dessa empresa de distribuição pudesse vir aos autos esclarecer os factos”. Percorre, ao longo de todo o articulado, suposições, sintomas – art.30º – convicções (“está segura que” …) – art. 32º –, sem proceder Uma actuação concreta a cada um dos arguidos. Remata com a qualificação dos ilícitos típicos que os arguidos “e outros agentes com eles conluiados” terão praticado, “pelo menos” de crimes de receptação p. p. pelo art. 231.º e de furto qualificado p. p. 204.º, nº1, alíneas a) e f) e nº2, alínea g), ambos do Cód. Penal.
Não pode, em nosso juízo, um requerimento assim alinhado servir como modelo de libelo acusatório para que o tribunal possa discernir entre o emaranhado de factos, suposições, suspeitas e indicações de rumos de investigação imputar, em concreto, condutas determinadas para as quais, de forma individualizada, possa aferir da sua concreta responsabilidade penal por um resultando que, em concreto, possa ser assacada a cada um dos suspeitos.
Dir-se-á que é uma questão de forma. Mas onde acaba a forma e começa a substância? Não emoldura a forma o conteúdo e nesta delimitação orgânico-funcional se representa a nominação qualificativa que permite a distinção dos objectos performativos? É a denotação que informa quanto à conotação e é a representação que exprime a substância e manifesta na apreensão perceptiva que o indivíduo adquire como existência material e realmente configurada. “A forma é a maneira como estamos directamente conscientes do atributo”. D. Kelly, “The evidence of the sens”, citado por Fernando Gil, in “Tratado da Evidência”, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.67.
Sem indicação que possa conduzir a uma conotação exterior das condutas é impossível imputar acções individualizadas que possibilitem a responsabilização jurídico-penal de um qualquer sujeito.
Reafirmamos o já adiantado supra, de que o requerimento apresentado pela assistente não conforta, por carência de requisitos, jurídico-processuais, mínimos, o requerimento que é mister estar contido num requerimento em que se pretenda requestar a comprovação da existência de indícios que não ficaram apurados durante a fase de inquérito.
Que o requerimento para abertura da instrução tem que conter alguns requisitos atinentes com uma estrutura formal e assimilável à de um requerimento em que se deduz o acervo factual indutor da introdução do “feito em juízo”, como os tratadistas de antanho usavam dizer, atesta-o o normativizado no artigo 303.º, n.º 1 e 3, do CPP, quando inculca a necessidade de o Juiz comunicar ao arguido qualquer alteração dos “factos descritos na acusação do Ministério Público ou o do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução (…)”. Só a dedução do requerimento para abertura da instrução com enunciação dos factos, donde conste o tempo, o lugar, o modo como os agentes procederem para conduzir o processo executório é possível individualizar e suscitar confrontos pontuais donde possa inferir-se uma denotação diversa da factualidade descrita e que permita ao juiz de instrução operar a destrinça necessária indicativa na norma citada. Não se encontrando individualizados e arrumados os factos pela ordem e alinhamento que possibilitem esse exercício de joeiramento não será possível ao juiz cumprir este desígnio normativo. Impõe-se, pois, em nosso juízo, que o requerimento para abertura da instrução contenha um alinhamento factual susceptível de sobre ele poder ser produzida prova.
Não cumpre esse exigência o requerimento em que, a assistente, requereu a instrução, pelas razões que se procuraram elencar supra.
Intimamente conectada com esta exigência está o regime de nulidades inserto no artigo 309.º, n.º 1 do CPP ao taxar de nula a decisão instrutória “na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”. Parece-nos que mais uma vez o legislador quis conferir ao requerimento para abertura da instrução uma feição e estrutura similar ao de um requerimento em que o Ministério Público ou o assistente requerem ao tribunal a introdução de um feito que eles reputam de revestir natureza criminosa ou que contem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. A acusação, do Ministério Público ou do assistente, não deixam de ser requerimentos dirigidos ao tribunal onde se impetra, que segundo os pressupostos jurídico-materiais alinhados no requerimento, aplique ao arguido uma pena ou uma medida de segurança. Daí que o requerimento para abertura da instrução, embora não exigindo a mesma estrutura descritiva e expositiva não possa deixar de conter o mínimo de individualização dos factos que possibilitem ao juiz destrinçar neles a indicação factual e jurídica que permita colimar a pressuposição de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança.
Tanto o requerimento de acusação, do Ministério Público ou do assistente, como o requerimento para abertura da instrução, hão-de conter os elementos cingidos e confinados em que o juiz de instrução vai orientar e direccionar a actividade comprovatória, que permitirá concluir por um juízo de verificação dos pressupostos de que hão-de depender a aplicação da pena ou medida de segurança, do mesmo passo que haverão de permitirão arguido colimar a sua defesa de modo a aduzir as causas de justificação que contraminem as razões de facto e de direito que o requerente lhe antepõe. Não pode o tribunal diluir a sua actividade e a sua capacidade de indagação num “pântano”, para utilizar um termo muito em voga num determinado momento politico, factual onde não é possível escandir com o mínimo de certeza e objectividade quais os factos que, em concreto, um sujeito processual imputa a outrem. O thema probandum quedaria de tal modo incerto e impreciso que permitiria a evanescência do sentido e arrimo probatório, ocasionando uma dispersão incompatível com um agir finalístico do processo penal, qual seja o de comprovar, através de um procedimento concatenado e direccionado, a existência, ou não, da verificação de um ilícito de natureza penal. Agir no interior de um quadro factual arrumado e dirigido à conformação processual de uma actividade investigativa é o que se requesta de um requerimento em que um sujeito processual impetra a um órgão formal de controlo uma actividade investigativa destinada a comprovar ou a infirmar a ocorrência da factualidade elencada. Deixar ao alvedrio e errático alinhamento factual, ou de meras suposições e indicação suspeitosas, de um requerimento a actividade investigativa de um tribunal suscitaria um nível de insegurança e indefinição inconciliáveis como o rigor e arrimo à certeza que devem nortear e orientar a actividade de qualquer órgão jurisdicional.
Quanto à constitucionalidade dos preceitos que escoram e constituem a base jurídico-processual em que nos assoalhamos, remetemos para o acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, que, ou muito nos enganamos, ou terá sido provocado, pelo estilo de argumentação que nele surpreendemos, pelo distinto signatário do recurso que nos cabe apreciar.
II.B.2. – Inadmissibilidade legal da Instrução.
A segunda verrina lançada sobre o despacho sob impugnação, importa nas sequentes considerações:”Não é aquele, que o douto julgador lhe atribui, o significado da última parte do n.º3 do art. 287.º, rejeição da instrução por inadmissibilidade legal dela. Os casos recobertos por esta excepção são inúmeros, nela cabendo, todavia, a situação dos autos. Quando é que a instrução é legalmente inadmissível?
Sempre que o requerimento de abertura dessa fase processual, ante uma norma legal expressa, não possa ter lugar, como acontece no processo sumário e, em parte, no abreviado; por força da própria natureza das coisas, sempre que a sanção seja aplicada em processo sumaríssimo; quando não tenha havido acusação, por ter sido determinada a suspensão provisória do processo. Quando requerida por sujeito processual que não se tenha constituído assistente, por o ofendido ter optado por essa "omissão", ou por se tratar de crime que não admita a constituição de assistente; quando a instrução tiver sido requerida pelo Mº Pº, etc, etc.
Esta é, de resto, a única interpretação que s com pagina com o disposto no nº 4 do art. 32º, da CRP, ao assegurar aos cidadãos, como direito fundamental, a existência no processo penal português de uma fase chamada de instrução, com o conteúdo que lhe adscreve o n.º1 do art. 286.º, norma desse direito legislado de valor constitucional atenta a definição meramente formal decorrente do referido n.º 4 do art. 32.º, que se limita a assegurar a obrigatoriedade de uma fase processual chamada de instrução, que seja da competência de um juiz e destarte deixando ao direito legislado, bem ou mal, a definição do escopo dela.
Logo, a situação dos autos não se encontra recoberta pela excepção da parte final do n.º 3 do art. 287.º do CPP”.
A instrução não é admissível nas situações elencadas pelo preclaro mandatário, e em mais algumas que não vem ao caso explicitar, e que poderão estar contidas nos etcs. que culminam o primeiro parágrafo deste apartado, bem como aquelas em que o assistente (para nos atermos ao caso) deixe de cumprir as formalidades legais que os comandos jurídico-processuais que regem para cada caso concreto prescrevem. A inadmissibilidade da prática de um acto, por contravenção à lei, ou por ausência de requisitos prescritos na lei, podem não estar elencados na lei com exaustividade, o que equivale por dizer que não têm enumeração taxativa e são sujeitas a numerus clausus no ordenamento jurídico-processual, como acontece, por ex., com as nulidades insanáveis. Desde que ao acto praticado por um sujeito processual esteja ou seja praticado em contravenção com as prescrições normativas que regem para a prática e exercício de determinado acto processual, o acto assim praticado é ilegal por se mostrar desconforme e em antinomia com o que está prescrito na lei. A ilegalidade, nestes casos, não é uma ilegalidade expressamente prevista e elencada, mas sim uma imanência inserta no próprio acto, em si mesmo contrário ao arrimo sistémico do ordenamento.
Daí que o acto que inere o requerimento para abertura de instrução, por se mostrar, em nosso juízo, e como procuramos demonstrar supra, contrário às prescrições que regem para a formalização deste tipo de prática processual, deve ser taxado de ilegal e, consequentemente, inadmitido, por ilegalidade.
II.B.3 – Nulidade insanável do inquérito (por falta ou insuficiência).
A terceira farpa alanceada sobre o despacho sobre impugnação, apresenta a sequente argumentação:”Mas há mais: como o Mmo juiz expressamente reconhece na parte final da terceira página do seu douto despacho " ..., tanto mais que do manancial de factos relatados, apenas se investigou uma pequena parcela dos mesmos". Para, logo de seguida, concretizando essa afirmação, acrescentar:
"Mas, na forma como perspectivamos o papel do Juiz de Instrução, não nos cabe suprir as deficiências do Inquérito, mas tão só apreciar o despacho de arquivamento proferido, perante a matéria indiciária recolhida em sede de Inquérito" – os caracteres a negro não constam, como tal, do original.
Ora, posto isto, verifica-se que, ao cabo e ai resto, o Mmo juiz o dedo na ferida". É que, a situação, face ao que vem de transcrever-se, materializa a nulidade insanável e, como tal, de conhecimento oficioso, prevista na aI. d) do art. 119.º, do CPP. Com efeito a falta absoluta do inquérito, é algo que abrange a situação da insuficiência deste, a qual, uma verificada, como o foi, deveria ter imposto ao Mmo juiz a declaração nulidade do inquérito, com remessa dos autos ao Mº Pº, para os efeitos tidos por convenientes.
Com a ressalva do respeito devido, que como deixamos expresso supra é muito, parece-nos que, mais uma vez, a razão está do lado do despacho que vem sendo objecto de escrutínio. A nulidade previstas na al.d) do art. 119º do CPP constitui-se como a omissão de um procedimento que a lei prevê dever formar-se para assoalhar a facticidade e os indícios de culpabilidade que permitam travejar um libelo acusatório. A falta consubstanciadora da nulidade prevista na apontada alínea, não se confunde com a insuficiência de inquérito prevista na alínea d) do n.º1 do art. 120º do mesmo ordenamento adjectivo. Enquanto a primeira é de conhecimento oficioso, pela absoluta incongruência que se patenteia de em pretender cevar uma acusação contra alguém, fora dos casos em que a lei dispensa, pela evidência da realidade factual constatada e/ou admitida, sem que em procedimento preliminar se ateste a imputação factual e intelectual contra alguém de uma determinada conduta lesiva ou contrária às prescrições axiológico-normativas que informam o ordenamento jurídico-penal, a segunda, e porque a falta não é tão clamorosa e chocante, deverá ser suscitada por aquele que se mostre afectado pela ligeireza com que um procedimento foi orientado e pela impossibilidade de se constituir, fundadamente, um acervo probatório sólido e capaz de consolidar uma concreta imputação jurídico-penal.
No caso concreto, concordar-se-á com o Senhor Juiz instrutor, que a investigação não foi a mais arguta e sagaz, mas ela foi realizada. Incumbiria ao digno agente Ministério Público, na comarca, ter contrariado as asserções (algumas pouco edificantes e de duvidoso recorte profissional) com se encerrou o inquérito. Ao Senhor Juiz de instrução porque não se tratava de nulidade que tivesse de conhecer oficiosamente, não lhe competia apreciar as diligências do inquérito, pois se ele tinha como incumbência comprovar a sua insuficiência através do requerimento formulado pela assistente, não lhe competiria substituir-se à arguição de uma nulidade que poderia ter estado na base de uma reclamação hierárquica.
A nulidade de insuficiência de inquérito deveria ter sido arguida perante o juiz de instrução, dentro do prazo legal. Não o tendo sido, não será este o momento para a assistente se prevalecer dela.
Naufraga, em nosso juízo, esta razão.
II.B4. – Reclamação hierárquica. Reabertura do inquérito – Do despacho de arquivamento.
A derradeira, pensamos nós, invectiva que nos cabe dirimir, comporta o sequente iter argumentativo:”Aliás, não pode ficar sem a necessária exprobração, na sequência do que vem de assinalar-se, o enxuto "despacho" do Mº Pº que determinou o arquivamento dos autos – rectius: não-despacho – por ter concordado com a proposta sobre o destino dos mesmos, constante do relatório final elaborado pela Polícia Judiciária. A esta não cabe, findas s investigações, propor ou deixar de propor, o que quer que seja, pois a decisão sobre o futuro do inquérito cabe, nos termos legais (art. 283º, nº1, do CPP) e constitucionais (art. 219°, da CRP), ao MºPº e apenas a este.
Face à incondicional adesão à opinião da P J, será que o Mº Pº analisou o inquérito? E, se o fez, porque razão não topou com a "falta" dele, como bem compreendeu o Mmo juiz?
A admitir-se um tal entendimento, não estaremos longe da consagração prática da subordinação do Mª Pº face à PJ.
Por conseguinte e com esta ordem de considerações se termina, a razão volta a soçobrar ao Mmo juiz ao referir que à recorrente caberia fazer apelo aos institutos da reclamação hierárquica, ou da reabertura do inquérito. Ao primeiro, por isso que tal reclamação não reveste cariz necessário, sendo lícito ao assistente, em caso de arquivamento, a opção pela via da instrução, sem prévio apelo à reclamação. Ao segundo, por isso que a reabertura do inquérito (art. 280.º) não constitui, como já ensinava, em meados do século passado, EDUARDO CORREIA e, mais tarde, CASTENHEIRA NEVES, primeiro e depois, FIGUEIREDO DIAS, um instituto a que possa recorrer-se ad libitum. Com feito, uma tal possibilidade, quando exercitável com a liberalidade que o Mmo juiz parece pressupor, tornar-se-ia num perigoso instrumento de perturbação da paz jurídica a que o arguido tem direito. Com efeito, os "novos elementos de prova" referidos no n.º1 do art. 279.º, têm de sê-lo subjectivamente, isto é, o requerente da reabertura deverá demonstrar que até então desconhecia a existência deles e, por isso, não lhe sendo possível fazer apelo, no momento adequado: o decurso do inquérito. Não basta, pois, para dizer com EDUARDO CORREIA, que os "novos elementos de prova" o sejam para o inquérito, no sentido de que a eles não se fez apelo no decurso desta fase processual. É mister a demonstração, sob pena de indeferimento da pretensão do requerente, que essa novidade o seja para este, isto é, se trata de um ou mais elementos de prova de conhecimento ou descoberta superveniente”.
Não deixamos de assentir com a primeira parte da argumentação explanada pela recorrente, quando execra o comportamento assumido pelo Ministério Público, na comarca, ao aderir acriticamente á proposta veiculada pelo órgão de polícia criminal, por mais respeito que institucionalmente nos mereça, e merece, e pelos profissionais que aí trabalham, nomeadamente o Senhor Coordenador que adianta a proposta. De facto, também, com o Senhor Juiz, entendemos que a investigação poderia e/ou deveria ter sido mais aprofundada e dever-se-ia ter mais longe na averiguação de todas as envolventes que poderiam exornar o caso. Daí não decorre que a assistente não pudesse ter recorrido ao expediente da reclamação hierárquica, como sugere o senhor Juiz, e assim obter uma possibilidade de ainda em fase de inquérito ver reunidos elementos fácticos que permitissem uma alteração da posição assumida pelo Ministério Público. Era uma faculdade e não seria de enjeitar.
Ao não ter usado da faculdade que a lei lhe conferia e ter optado pela via da comprovação judicial da falta de elementos indiciários a que o inquérito tinha chegado, deveria a assistente ter observado as prescrições legais que lhe impunham o cumprimento de um formalismo e de uma metodologia jurídico-processual que lhe permitisse fazer vingar a sua opção.
Cremos que não logrou o seu objectivo, daí que consideremos que o recurso não deverá merecer aceitação.
III. – Decisão.
Na defluência do exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do tribunal da Relação e Coimbra, em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pela assistente “A...”, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
- Condenar a recorrente nas custas do recurso, fixando a taxa de justiça em cinco (5) UCS.

Coimbra,