Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1535/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
FUNDAMENTAÇÃO DE DESPACHO
Data do Acordão: 06/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 97º, N.º 4, 123º, N.º 1 E 194º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I- Ao aplicarem-se as medidas de coacção ou se cumpre a regra, procedendo-se à audição do arguido, ou se invoca a excepção e se fundamenta então a impossibilidade ou a inconveniência dessa prévia audição. Não se fazendo nem uma coisa nem outra pratica-se uma mera irregularidade a arguir nos termos do art.º 123º, n.º 1, do CPP.
II- Um despacho donde decorre que se ponderaram os motivos de facto e de direito que tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça e que o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferido, está suficientemente fundamentado
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I – Relatório.
1.1. No decurso da normal tramitação dos autos aludidos supra, e nos quais além de outros demais é mormente arguido A..., já neles melhor identificado, após haver ordenado que os mesmos fossem continuados com vista ao Ministério Público a fim de se pronunciar sobre as medidas de coacção a aplicar àqueles, exarou a M.ma Juiz a quo despacho com o teor seguinte (no que releva concretamente com o recorrente):
“ (…)
Compulsados os presentes autos constata-se que os quatro arguidos se encontram pronunciados pela prática, em co-autoria, de sete crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256.º, n.ºs 1, al. a) e 3, do Código Penal; (…)
Dos teores dos certificados de registo criminal dos arguidos constata-se que, à excepção da arguida (…), os restantes arguidos têm averbados, no seu registo criminal, condenações pela prática de crimes de idêntica natureza, cuja prática se reporta a datas posteriores relativamente aos factos pelos quais se encontram acusados nos presentes autos.
Nos termos do disposto no artigo 204.º do CPP, nenhuma medida de coacção, à excepção do Termo de Identidade e Residência, pode ser aplicada se, em concreto, se não verificar: a) fuga ou perigo de fuga; b) ou perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; c) ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, ou de continuação da actividade criminosa.
Ora, se no caso em apreço não resultam indiciados factos que nos levem a concluir pela verificação dos pressupostos previstos nas duas primeiras alíneas do citado artigo 204.º do CPP, já quanto à terceira, entende o Tribunal que, em razão da natureza e circunstâncias em que terão sido praticados os crimes que são imputados aos arguidos; a circunstância de os factos que se indiciam nos autos serem objectiva e subjectivamente graves e, reconhecidamente, provocarem grande alarme social; além de que os 3 primeiros arguidos têm já condenações posteriores pela prática de crimes de idêntica natureza, cuja data da prática dos factos remonta ao ano de 2002, ou seja, data posterior aos factos constantes dos presentes autos.
(…)
Em face de todo o circunstancialismo fáctico que se encontra plasmado nos autos, afigura-se-nos que, a menos que seja imposta uma limitação à liberdade de movimentação dos arguidos, existirá perigo de aqueles continuarem na senda da actividade criminosa, perturbando gravemente a ordem e tranquilidade públicas.
Entende-se, assim, mostrarem-se reunidos os requisitos gerais aludidos no artigo 204.º, alínea c), do Código de Processo Penal, subsistindo a necessidade de aplicar aos arguidos uma medida de coacção para além do termo de identidade e residência já prestado.
Assim, embora se imponha uma medida restritiva da liberdade dos arguidos, porém, no que à escolha da medida de coacção a aplicar respeita, cumpre considerar a juventude dos arguidos, o período de tempo que já se encontra decorrido desde a prática dos factos, bem como a circunstância de os presentes autos se encontrarem já em fase de julgamento.
Termos em que, e por tudo quanto se deixa exposto, decido que os arguidos, A...; (…) aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos a termo de identidade e residência já prestado, bem como à medida de coacção de obrigação de apresentação periódica, semanal, a prestar no posto policial da área das respectivas residências, uma vez que tais medidas se mostram adequadas e proporcionais à gravidade dos ilícitos indiciados e às exigências cautelares do processo, tudo nos termos dos artigos 191.º, 192.º,193.º,196.º,198.º,200.º e 204.º alínea c), do Código de Processo Penal.
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Notifique e oficie às entidades policiais competentes.
D.N.
(…)”.
1.2. Foi por discordar do assim decidido, que o mencionado A.... interpôs o presente recurso de cuja motivação extraiu a formulação das conclusões seguintes tendentes a obter a revogação respectiva e a manutenção do simples TIR já prestado:
1.2.1. No despacho de que ora se recorre, a Sr.ª Juiz a quo justifica o agravamento da medida de coacção em função das circunstâncias em que os factos que se indiciam nos autos serem objectivamente e subjectivamente graves, e reconhecidamente provocar grande alarme social.
1.2.2. Conclui a sua justificação com base no facto de que os três primeiros arguidos têm já condenações posteriores pela prática de crimes de idêntica natureza, cujos factos remontam ao ano de 2002, ou seja data posterior aos factos constantes dos presentes autos, o que não é verdade, pois os factos relatados no despacho de acusação a fls. 342 e ss., ocorreram entre Novembro de 2001 a Janeiro de 2002.
1.2.3. O recorrente é também arguido em três processos: dois na comarca de Leiria (n.ºs 1389/01.0, do 2.º Juízo Criminal e 1970/01.0, do 1.º Juízo e em fase de instrução), e um no Tribunal Judicial de Soure, com julgamento marcado para Março de 2006.
1.2.4. Em todos estes processos, o arguido foi acusado pela prática de falsificação de documentos e/ou burla, sempre sujeito somente a TIR.
1.2.5. O recorrente foi condenado em outros dois processos nas Comarcas da Figueira da Foz e Marinha Grande, cujas decisões já transitadas em julgado foram semelhantes, tendo resultado na condenação do recorrente em pena de multa.
1.2.6. Nestas condenações e nos processos em que o arguido ainda responde em outras comarcas pela prática dos mesmos ilícitos criminais, os factos ocorreram no mesmo período de tempo dos factos relatados nos autos: Novembro de 2001 a Janeiro de 2002.
1.2.7. O recorrente leva uma vida normal com responsabilidades inerentes a um homem de sua idade, seja de carácter profissional, seja de carácter familiar, sendo assim considerado nos processos-crime em que já foi julgado.
1.2.8. Não existem quaisquer indícios de que o arguido tenha retornado a actividade criminosa, após o início de 2002.
1.2.9. A restrição de liberdade de movimentos do arguido deve limitar-se ao estritamente necessário (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP]), até por força do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2 da mesma CRP), e, do decorrente do disposto nos artigos 191.º e 193.º, ambos do CPP total ou parcialmente em função de exigências cautelares que o processo requer.
1.2.10. A avaliação do perigo da continuidade da actividade criminosa disposto na alínea c) do artigo 204.º do CPP tem de ser aferida a partir de um juízo baseado nas regras da experiência comum, nunca a partir de um juízo de mera possibilidade, o qual não se presume.
1.2.11. A falta de fundamentação do perigo da continuidade da actividade criminosa configura uma mera irregularidade nos termos dos artigos 97.º, n.º 4 e 123.º, n.º 1, ambos do CPP.
1.2.12. A irregularidade do despacho ora recorrido pauta-se também pela falta de fundamentação da audição ou não audição do arguido, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 194.º do CPP.
1.2.13. A não audição do defensor do arguido sobre a medida de coacção proposta pelo Ministério Público integra uma irregularidade processual, de arguição imediata, o que por este meio se faz.
1.3. Admitido o recurso e notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público alegando, em síntese, que pese embora o despacho recorrido esteja inquinado de irregularidade por falta de audição do recorrente nos termos do mencionado artigo 194.º, n.º 2, ela se mostra sanada porquanto intempestivamente arguida, além de que, no mais, se deve o mesmo manter pois que conforme os normativos legais convocáveis.
1.4. Proferido despacho tabelar de sustentação do despacho impugnado e instruídos os autos foram eles remetidos a este instância.
Aqui, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta antes expendida pelo Ministério Público, vale por dizer do não provimento do recurso.
Cumpriu-se com o estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2 do CPP.
Na consideração de que nada obstava ao conhecimento respectivo, foram colhidos os vistos dos M.mos Juízes Adjuntos e, após, realizada conferência.
Cabe, então, apreciar.
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II – Fundamentação.
2.1. Como é consabido e decorre do disposto pelo artigo 412.º, n.º 1 do CPP, o âmbito dos recursos penais (sem prejuízo óbvio do conhecimento das questões que assumam carácter oficioso) é definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada no respectivo requerimento de interposição.
In casu, não existindo qualquer questão de que nos caiba conhecer oficiosamente, tal traduz-se em que o objecto do oferecido pelo arguido A... e thema decidendum concreto se resuma ao seguinte:
- Aquilatarmos se previamente à alteração da medida de coacção imposta ao recorrente através do despacho recorrido, devia ele ter sido ouvido. Na afirmativa, corolário da omissão cometida?
- Ponderarmos se o mesmo despacho padece de falta de fundamentação do perigo de continuação da actividade criminosa, e, ainda, se a medida entretanto aplicada se mostra desproporcionada.
2.2. Da falta de prévia audição do recorrente.
Nos autos principais o ora recorrente assume a posição processual de arguido que, nos termos do artigo 61.º, n.º 1 do CPP, lhe concede determinados e variados direitos, um deles sendo o de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte” – respectiva alínea d) –.
Como afoitamente começa por convocar-se na resposta apresentada, “Tal não é mais do que a manifestação do designado “Direito de audiência, isto é, oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo”, tendo como uma das suas consequências o de que “há-de assegurar uma eficaz e efectiva possibilidade de expor as suas próprias razões e de, por este modo, influir na declaração do direito do seu caso”.( Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, págs. 153 e 158.)
Deste modo, tal direito de o arguido ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, é a expressão, ao nível do direito ordinário, do princípio de audiência, sendo igualmente uma das manifestações do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, também, uma concretização do princípio do contraditório, com expressão constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da C.R.P., uma vez que ele cabe não só ao arguido mas a todos os participantes processuais que possam ser juridicamente afectados por uma decisão a tomar em juízo.”
A dimensão que um tal direito assume processualmente não é uniforme e com a mesma densificação ao longo do iter processual.
De facto, a lei vai prevenindo sucessivamente as denominadas excepções legais.
Na verdade, decorre logo do citado artigo 61.º, n.º 1 que “O arguido goza, em especial em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de: (…)”.
Uma delas reporta-se efectivamente ao domínio ora em causa, qual seja da aplicação/alteração das medidas de coacção aplicáveis aos arguidos.
Aqui prescreve o artigo 194.º, n.º 2 do CPP que “A aplicação referida no número anterior é precedida, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial”. (sublinhado nosso)
Concomitantemente, a propósito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva o subsequente artigo 213.º, n.º 3 refere que “Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido” (igual sublinhado nosso)
Esta diferente fraseologia há-de comportar um distinto entendimento.
Assim, se bem pensamos, na primeira situação, mostra-se consagrado o apontado direito de audiência do arguido, embora com limitações. Estas decorrem de razões de impossibilidade ou de conveniência. A inconveniência de audição do arguido enfermará, pois, uma excepção legal a tal direito (uma restrição) a esse mesmo direito.
Já na segunda hipótese, se não mostrará consagrado aquele direito de audiência, uma vez que o legislador não vinculou o decisor judicial à observância respectiva em conformidade também com o apontado princípio do contraditório. Muito concretamente, para a decisão sobre o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, a lei não impõe que o juiz dê ao arguido a possibilidade de previamente ser ouvido. Antes prevalecerá, então, o prudente critério e arbítrio do juiz sobre a necessidade ou desnecessidade de ser exercido o direito de audiência do arguido.
O que tudo não preclude, porém, a possibilidade de o arguido através de outros meios processuais exercitar os direitos que entender caberem-lhe nomeadamente estando em causa uma qualquer decisão sobre o seu estatuto coactivo (relembram-se os artigos 98.º e 212.º, ambos do CPP).
Este regime dual tem perfeita justificação e não se traduz em infundada distinção que possa ser alvo de censura. Na verdade, a aplicação de uma medida de coacção é uma decisão que atinge directamente a esfera jurídica do arguido; é uma decisão que pessoalmente o afecta. Ainda na senda da dita resposta: “Na medida em que uma medida de coacção representa sempre a restrição da liberdade do arguido, só na impossibilidade ou em circunstâncias verdadeiramente excepcionais deve ser aplicada sem que, antes, se tenha dado a possibilidade ao arguido de se defender, ilidindo ou enfraquecendo a prova dos pressupostos que a podem legitimar”( Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, pág. 223.)
Também em igual sentido se pode ler A Prisão preventiva e as restantes medidas de coacção, de Fernando G. e Manuel J. Alves, Livraria Almedina, págs. 106 e 107.
Por outro lado, a decisão de reexame dos pressupostos de prisão preventiva não representa qualquer restrição da esfera jurídica do arguido; tal restrição decorre da decisão de aplicação da medida de prisão preventiva e o reexame vem a traduzir-se ou na manutenção da restrição da liberdade ou na substituição da restrição da liberdade por uma compressão da esfera jurídica do arguido num grau inferior ou, finalmente, pela pura eliminação da restrição da liberdade.
“Em suma, o legislador ordinário, com base na consideração de que a decisão de sujeição do arguido a uma medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, tem a potencialidade e virtualidade de afectar juridicamente o arguido na esfera dos seus direitos e, que poderá afectar direitos constitucionalmente consagrados do mesmo, não colocou no âmbito de um juízo prudencial do juiz a decisão de ouvir ou não previamente o arguido antes lhe impondo como regra o dever de audiência do arguido, ressalvadas as excepções anteriormente assinaladas e que devem mostrar-se devidamente fundamentadas” (resposta que vimos seguindo).
Ainda em abono do entendimento que vem de expressar-se citem-se Germano Marques da Silva quando opina que “A conveniência há-de aferir-se em razão da finalidade processual que se pretende acautelar (...) Uma medida de coacção representa sempre a restrição da liberdade do arguido e por isso só na impossibilidade ou em circunstâncias verdadeiramente excepcionais deve ser aplicada sem que antes tenha sido dada a possibilidade ao arguido de se defender, ilidindo ou enfraquecendo a prova dos pressupostos que a podem legitimar”( Ob. cit, pág. 223.), bem como Maria João Antunes ao escrever que “na medida em que o contraditório é uma garantia de defesa do arguido, é de conceber a audição deste como regra geral do procedimento de aplicação da medida de coacção: a aplicação da medida de coacção só será impossível se tiverem sido esgotadas as diligências susceptíveis de assegurar a audição do arguido, aqui incluída a detenção, e inconveniente se a audição puder frustrar as exigências processuais de natureza cautelar que se façam sentir no caso concreto”.( Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, pág. 1250.)
Em resumo, ou se cumpre a regra procedendo-se à audição do arguido, ou se invoca a excepção e se fundamenta a impossibilidade ou inconveniência dessa prévia audição.
Vendo-se a hipótese dos autos depara-se-nos que não se deu cumprimento à regra, nem se aduziu qualquer excepção: impossibilidade ou inconveniência. O que se traduz em que o acto praticado se mostra processualmente inquinado.
Mas, assumindo os vícios vários tipos, em qual deles se integrará o em causa?
De acordo com um princípio de legalidade, preceitua o artigo 118.º do CPP que “a violação ou a inobservância das disposições da lei ou do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” (n.º 1) sendo que, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (n.º 2).
A omissão cometida a propósito no Tribunal a quo não está prevista ou consagrada, na lei processual penal, como determinando uma nulidade. Donde que, e de acordo com aquele normativo, se haja de encarar como integrando uma mera irregularidade, tal como aliás o arguido/recorrente refere no recurso interposto.
O regime de arguição deste tipo de vício vem definido no artigo 123.º, n.º 1 do CPP, aí se impondo que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguinte a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acta nele praticado”.
Revertendo novamente aos autos constata-se que o despacho ora impugnado foi proferido no dia 21 de Dezembro de 2005; foi notificado ao defensor do arguido e ao próprio, respectivamente, mediante carta registada expedida em 4 de Janeiro de 2006 e, mediante notificação via postal simples, depositada no receptáculo da morada indicada pelo arguido no T.I.R. prestado em 5 de Janeiro de 2006; a arguição pelo arguido da aludida irregularidade só ocorreu já no âmbito do presente recurso, o qual deu entrada, via correio electrónico, no dia 24 de Janeiro de 2006. Isto é, o defensor deve considerar-se notificado do despacho recorrido no dia 7 de Janeiro de 2006 e o arguido no dia 10 seguinte, ex vi do artigo 113.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), 2 e 3 do CPP.
Ora, do exposto resulta que foi intempestivamente arguida mostrando-se, consequentemente, sanada e logo sem capacidade de influir na tramitação dos autos.
Vejamos agora da outra questão a reclamar apreciação.
2.3. Da falta de fundamentação no despacho recorrido do perigo de continuação da actividade criminosa, bem como da desproporção da medida nele aplicada ao recorrente.
Em sequência do dever de fundamentação previsto pelo artigo 205.º, n.º 1 da CRP, a lei ordinária (artigo 97.º, n.º 4 do CPP) estabelece que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
O despacho controvertido assume tal natureza de acto decisório, pois como tal são definidos os despachos dos juízes, quando conhecem de qualquer questão interlocutória (vd. citado artigo 97.º, seu n.º 1, alínea b).
Mais uma vez com a resposta oferecida, diremos que a fundamentação “permite o controlo da legalidade do acto (...) e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça (...), mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso, como meio de auto controlo”.
Por isso se sumariou no Acórdão da Relação de Lisboa, de 22 de Março de 1994 que:
“Uma vez que não existe na lei processual preceito idêntico ao do consagrado para a sentença, na fundamentação do despacho que autorize escutas telefónicas é suficiente qualquer fórmula, resumida ou sumária, da qual em conjugação lógica e cronológica com outros actos processuais anteriores, se possa concluir que:
a) O julgador ponderou os motivos de facto e de direito da decisão – isto é não agiu discricionariamente;
b) A decisão tem virtualidade para convencer interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça;
c) O controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferida”( Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, pág. 144.)
Nesta senda, é fora de dúvida que o despacho recorrido assumiu o necessário dever de fundamentação da medida aplicada.
Pressuposto primeiro da aplicação de qualquer medida de coacção (à excepção do TIR), é o da verificação de per si de alguns dos perigos taxativamente enunciados no artigo 204.º do CPP. Apoda-os a lei como seus “Requisitos gerais”.
Tais perigos consubstanciam-se em: “Fuga ou perigo de fuga;” “Perigo de perturbação do decurso de inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;” ou “Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa.”
Ora, sem que se reproduza o despacho controvertido porquanto despiciendo, dele resulta manifestamente que a M.ma Juiz inferiu a verificação do perigo plasmado na apontada alínea c) do convocado artigo 204.º fundada na pluralidade delitiva do recorrente; na reiteração da mesma relativamente aos factos que vão ser apreciados nos autos principais de que estes se mostram extraídos; na sua gravidade objectiva e subjectiva e no forte alarme social causado, factores estes que expressamente invocou.
A oposição do recorrente, aliás, cinge-se mais do que à própria verificação desse requisito, ao carácter desproporcional que a medida ora aplicada comportaria.
Como corolário do estatuído pelo artigo 193.º do CPP, a doutrina tem seguido o entendimento de que são três os princípios aí erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coacção:
- O da adequação – a medida a seleccionar deve ser a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto.
- O da proporcionalidade – essa medida deve "jogar" com a gravidade do crime e as sanções que se prevê venham a ser aplicadas.
- O da subsidiariedade – a medida de prisão preventiva, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta (critério da última ratio).( S. Santos e Leal H., in Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957.)
A eles acresce, ainda, o princípio da legalidade, previsto no artigo 191.º, n.º 1 do dito diploma e cujo corolário lógico é o da tipicidade e o carácter taxativo da mesma.
No despacho recorrido, a M.ma Juiz a quo ponderou que “(…) embora se imponha uma medida restritiva da liberdade dos arguidos, porém, no que à escolha da medida de coacção a aplicar respeita, cumpre considerar a juventude dos arguidos, o período de tempo que já se encontra decorrido desde a prática dos factos, bem como a circunstância de os presentes autos se encontrarem já em fase de julgamento”.
Estas asserções mostram-se adequadas.
Por outro lado, definido o objecto dos autos através da pronúncia que imputou ao recorrente a prática de sete crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 do CP, resulta que, em abstracto, ele incorre numa moldura penal abstracta de pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias, pelos factos cometidos entre Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002, correspondente, em cúmulo jurídico, a uma outra moldura penal abstracta aplicável de 35 anos de prisão. Só por si fala tal número que decorre da gravidade da conduta alegadamente assumida e faz antever as prováveis sanções que lhe virão a ser aplicadas.
O que torna perfeitamente inaplicável a reclamada analogia e paralelismo possível com os demais processos invocados pelo arguido no seu recurso nos quais apenas se mostra individualmente acusado pela prática de um único, máximo dois, crimes. E, justifica com os critérios indicados, a medida aplicada que, pois, deve subsistir, em conclusão.
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III – Decisão.
São termos em que, perante todo o exposto, se nega provimento ao recurso, e, consequentemente, se mantém o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.
Notifique.
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Coimbra, 14 de Junho de 2006