Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
216/06.6TBSRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: PROPRIEDADE
AMBIENTE
EMISSÃO DE FUMOS
VIZINHANÇA
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.335, 483, 1346, 1347 CC
Sumário: I - O direito do ambiente é protegido constitucionalmente inserindo-se nos direitos da personalidade. Para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e à segurança, pessoal e patrimonial, emergentes da lei fundamental, que também têm protecção jurídica. O direito do ambiente prevalece, mesmo, ao dano económico, nos termos do art. 335. n.° 2, do Cód. Civil.

II - A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° e 1347ºdo Código Civil.

III - Uma das vertentes do direito à vida — consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3º), Constituição da República (art. 16°, n.° 2) e CC (art. 70°) — é o direito à qualidade devida. Num conflito de valores e interesses entre a laboração de uma instalação específica e um ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, deve dar-se prevalência a este.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Os Autores, J (…) e esposa A (…), intentaram contra os Réus, A (…) e esposa L (…); tendo a ré, F (…) e esposa M (…), e ainda M (…) assumido a posição de réus na sequência da sentença de habilitação de herdeiros do falecido primitivo réu de fls. 70 a 73 do Apenso A., pedindo a condenação dos réus a:

A) reconhecer os autores como donos e legítimos possuidores dos prédios melhor descritos no art. 1 da petição inicial (prédios rústico inscrito na matriz sob o art. X..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n Y..., e urbano inscrito na matriz sob o art. Z..., não descrito na Conservatória);

B) a afastar as chaminés da confinância com o logradouro, anexo e moradia dos autores, deslocando-as, relativamente à implementação actual, no sentido Poente-Nascente, em medida nunca inferior a 30 metros; a altear as chaminés em medida que permita que os fumos sejam levados pelos ventos e não descendam sobre o prédio dos autores; relativamente à chaminé de bloco e cimento e nos termos do disposto no art. 113 do DL n 38382 de 07 de Agosto de 1951, de forma a que esta se eleve pelo menos 0,50 m acima da parte mais elevada da cobertura do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 mts, nunca distando a boca menos de 1,50 mts de qualquer vão de compartimento com aptidão habitacional; e relativamente à chaminé metálica e nos termos do disposto nos arts. 30º, 31º e 32º do DL n 78/2004 de 03 de Abril de 2004, de forma a que esta se eleve a uma altura mínima de 10 metros ou outra que seja necessária alcançar de molde a que a sua cota máxima seja superior em 3,00 mts. à cota máxima do obstáculo próximo mais desfavorável, sendo removido qualquer «chapéu»; sempre e em todo o caso dotando ambas de filtros aptos a reter as partículas que resultem de combustão para cozedura de pão ou outros fins, conforme art. 1142 do DL n 38382 de 07 de Agosto de 1951; e que seja fixado prazo para os réus realizarem a prestação a que se refere o pedido supra bem como demais pedidos formulados, não superior a 15 dias (o teor desta alínea do petitório resultou do despacho de fls. 164 a 166 que admitiu a alteração do pedido requerido pelos autores);

C) em todo o caso, a adoptar as medidas técnicas necessárias e adequadas a evitar a emissão de fumos, fuligem e partículas para o prédio dos autores;

D) subsidiariamente, pedem os autores o encerramento do estabelecimento propriedade dos réus até que estes adquiram fornos eléctricos ou alimentados por outra fonte energética adequada à não emissão de partículas para o prédio dos autores;

Sustentam, para o efeito, que os autores são donos e legítimos possuidores dos prédios rústico inscrito na matriz sob o art. X..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n Y..., e urbano inscrito na matriz sob o art. Z..., não descrito na Conservatória. A aquisição do primeiro encontra-se registada a seu favor no registo predial, sendo que relativamente ao segundo e na sequência da sua doação verbal, os autores vêm-no fruindo continuamente, há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem direito próprio e de não lesarem interesses de terceiros. Os réus por sua vez são donos de um prédio que a norte se apresenta contíguo aos prédios dos autores. Nesse prédio os réus têm implantado um edifício onde labora um estabelecimento comercial de fabrico e venda de pão e outros produtos de panificação. Junto à extrema sul do seu prédio os réus mantêm duas chaminés de exaustão por onde saem fumos e outros resíduos de combustão decorrentes da laboração do estabelecimento. Desde há cerca de dois anos e a um ritmo diário, os prédios dos autores são invadidos pelos fumos que saem pelas chaminés. Tais resíduos caem nos prédios dos autores, seja nas paredes da sua moradia e anexo, seja no logradouro, sendo que a pintura da moradia se apresenta já com aspecto encardido, e os autores vêm-se impedidos de utilizar normalmente o referido logradouro. Em virtude de tal situação os autores sofrem desgosto e transtorno.

Legal e tempestivamente citados, os réus, na sua contestação, reconhecem serem donos do prédio, que identificam, referenciado pelos autores como a eles pertencendo, bem como a exploração do mencionado estabelecimento comercial. Alegam que têm tal estabelecimento devidamente licenciado, e que a chaminé de inox da padaria respeita os requisitos legais para o fim a que se destina. Impugnam a factualidade alegada pelos autores no que respeita à “invasão” dos seus prédios por fumos e resíduos de combustão.

Pedem ainda a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

A) Pelo exposto, decide-se Julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condenam-se os réus reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores dos prédios melhor descritos no art. 12 da petição inicial (prédio rústico inscrito na matriz sob o art. X..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nY..., e prédio urbano inscrito na matriz sob o art. Z..., não descrito na Conservatória);

2. Condenam-se os réus a adoptar as medidas necessárias e adequadas (que podem ser ou não as discriminadas na al. b) do petitório) a evitar a emissão de resíduos de combustão para o prédio dos autores.

3. Condenam-se os réus a pintar, com a inerente aplicação de materiais e mão-de-obra, toda a parede da moradia dos autores voltada para o estabelecimento de padaria dos réus.

4. Condenam-se os réus a pagar aos autores o montante de 800,00 € (oitocentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Para o cumprimento das prestações determinadas, fixa-se o prazo de 60 (noventa) dias, a contar desde o trânsito em julgado.

No demais, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se os réus do demais peticionado.

Custas da acção na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o mesmo, em 10% para os autores e 90 % para os réus.

L (…) e outros (…), não se conformando com a sentença, dela vieram interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

A) - A actividade industrial de fabrico de pão exercida pelos R.R. é perfeitamente legal e encontra-se devidamente licenciada, conforme acima se referiu.

B) - A chaminé de exaustão dos fumos provenientes da cozedura de pão encontra-se dentro dos ditames da lei e está devidamente autorizada, conforme também acima já se referiu.

C) - De forma alguma o estabelecimento industrial de feitura e cozedura de pão, melhor, padaria dos R.R., pode ser alguma vez qualificada ou equiparada às instalações prejudiciais como as previstas no art. 1347° do Código Civil.

D) - Daí que não possamos caracterizar a actividade exercida pelos R.R. como um caso típico de responsabilidade pelo risco que possa justificar a sua condenação e muito menos ao pagamento de qualquer indemnização aos A.A.

E) — Aliás, essa indemnização só seria viável no quadro da responsabilidade por factos ilícitos, ou da responsabilidade pelo risco, tal como vêm consignadas no art. 483° e ss. do Código Civil, o que não é de forma alguma o caso dos autos.

F) — Assim, nenhum direito assiste aos A.A. de serem indemnizados por qualquer quantia monetária, nomeadamente a que lhes foi arbitrada a título de danos morais, na sentença recorrida.

G) — Conforme também consta na sentença recorrida, condenarem-se os R. R. a adoptar as medida necessárias e adequadas (que podem ser ou não as descriminadas na alínea b) do petitório) a evitar a emissão de resíduos de combustão para o prédio dos A.A., isto salvo o devido respeito, por bastantes confuso nada significa, pois que as sentenças têm de ser concretas e não dúbias, como é óbvio.

H) — E tudo isto, porque há normas, há experiência de vida, que deveriam ter sido observadas quando foi proferida a sentença e não o foram.

Não foram proferidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1) O prédio rústico sito na , freguesia de ..., concelho de ... composto por pinhal com a área de 2900m2, a confrontar a norte com herdeiros de (…), nascente com estrada nacional, sul e poente com (…)e outros, inscrito na matriz sob o art. X..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nY.../120988, com inscrição a favor dos autores, sob a inscrição G-2, Ap. n 01/130289, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, “por compra” (facto assente A));

2) O prédio urbano sito em..., freguesia de ..., concelho de ..., composto casa de habitação de cave com duas divisões, rés-do-chão, com quatro assoalhadas, casa de banho, corredor e varanda, e uma dependência anexa com uma divisão e cozinha e logradouro, sendo a superfície coberta com uma área de 147 m2, a dependência com uma área de 50 m2, e o logradouro com uma área de 50 m2, a confrontar a norte, sul, nascente com o próprio e poente com estrada nacional, encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial de ..., e inscrito na matriz predial sob o artigo Z... (facto assente B));

3) Os réus são donos e legítimos proprietários do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo K...., por escritura de compra e venda celebrada a 2 de Abril de 1972 (facto assente C);

4) Os réus exploram no prédio identificado em 3) um estabelecimento comercial de fabrico e venda de pão e outros produtos de panificação, denominada “ W....” (facto assente O));

5) Foi emitido o “alvará de licença sanitária”, classe 3 fls 328, pela Câmara Municipal de ..., de 17.04.1986, onde se refere que “conceder a (…), (..) licença para explorar um estabelecimento de Souselas, (..) em Souselas, freguesia de ..., (..), o qual fica instalado no rés-do-chão, do prédio que pertence ao requerente (..J (facto assente E));

6) O prédio identificado em 3) situa-se a norte dos prédios referenciados em 1) e 2) e é com estes contíguos.

7) Junto à estrema sul do prédio referido em 3), sensivelmente a 0,75 metros e 1,50 metros da mesma, os réus mantêm duas chaminés de exaustão.

8) Por essas chaminés saem fumos e resíduos de combustão mais voláteis.

9) Há mais de 20 anos que os autores construíram uma moradia e um anexo no prédio identificado em 2), que passaram a habitar, pernoitando quotidianamente (resposta aos quesitos 2 e 3);

10) Procedendo a pontuais obras de conservação como pinturas e rebocos, pagando todas as contribuições, o serviço telefónico, e o fornecimento de água, electricidade e gás (repostas aos quesitos 4 e 5);

11) Ali recebendo amigos, familiares, criando a sua prole, lavando roupa, confeccionando refeições e mantendo animais de companhia (resposta aos quesitos 6 e 7);

12) Pavimentando o logradouro, guarnecendo a moradia e anexo, parqueando viaturas (resposta aos quesitos 8 e 9);

13) Sempre à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse (resposta aos quesitos l0 e 11);

14) Ignorando lesar direitos alheios e na convicção do exercício de um direito próprio (resposta aos quesitos 12 e 13);

15) Sem qualquer interrupção (resposta ao quesito 12-A).

16) Os prédios identificados em 1) e 2) são invadidos por resíduos de combustão que se apresentam sob a forma de flocos negros, carbonizados, com cerca de 2 cm no mínimo, bem como de pedaços folhados carbonizados que aparentam ser papel ou folha de eucalipto (resposta ao quesito 17

17) Tais resíduos emanam da chaminé de inox da padaria dos réus e depositam-se nas paredes da moradia, anexo e logradouro. (resposta ao quesito 19 e 20).

18) As paredes do lado sul e nascente (voltadas para a padaria dos réus) da moradia estão pintadas de branco e apresentam pequenos salpicos negros visíveis a 1 metro de distância (resposta ao quesito 21).

19) Nada pode ser deixado pelos autores em céu aberto, porquanto as viaturas, a roupa para secagem, sejam até animais de companhia, ficam manchados com pequenos flocos negros (resposta ao quesito 24).

20) Os autores sofrem desgosto com esta situação (resposta ao quesito 26).

21) Os autores vêm-se obrigados a empenhar esforços em sucessivas lavagens do pavimento do logradouro e bens que aí são colocados (resposta ao quesito 27).

22) Os autores receiam que algum floco ainda incandescente possa atear fogo (resposta ao quesito 28).

23) O sistema de evacuação de fumos da padaria respeita as regras técnicas e regulamentares em vigor (resposta ao quesito 31).

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões:

1. De forma alguma o estabelecimento industrial de feitura e cozedura de pão, melhor, padaria dos R.R., pode ser alguma vez qualificada ou equiparada às instalações prejudiciais como as previstas no art. 1347° do Código Civil.

Apreciando, diga-se que em causa não está a tipologia das instalações. Antes a consideração de quaisquer instalações, desde que determinantes de “emissões de carácter nocivo” (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1966, 145). Ou, como se enuncia no próprio elemento narrativo do art. 1347º, nº1, Código Civil, “se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei”. De resto, precise-se, neste nº 1 não se exige, sequer, a existência de um dano efectivo, mas apenas a possibilidade de um dano, dano que deve ter um mínimo de probabilidade, devendo ser previsível com segurança (A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 597).

 Sendo que, nos Autos, tal se consumou, nos termos expressos em probatório, sem que a matéria de facto aí consagrada como determinante do decisório haja sido impugnada, em termos de ónus específico. Ficou, assim, demonstrado - como vem assinalado - que

“os prédios identificados em 1) e 2), e que acima se concluiu já pertencerem aos autores, são invadidos por resíduos de combustão, provindos do prédio identificado em 3) pertença dos réus e onde estes exploram um estabelecimento de fabrico e venda de pão, resíduos esses que se apresentam sob a forma de flocos negros, carbonizados, com cerca de 2 cm no mínimo, bem como de pedaços folhados carbonizados que aparentam ser papel ou folha de eucalipto; que tais resíduos emanam da chaminé de inox da padaria dos réus e depositam-se nas paredes da moradia, anexo e logradouro, que as paredes do lado sul e nascente (voltadas para a padaria dos réus) da moradia estão pintadas de branco e apresentam pequenos salpicos negros visíveis a 1 metro de distância (resposta ao quesito 21); que nada pode ser deixado pelos autores em céu aberto, porquanto as viaturas, a roupa para secagem, sejam até animais de companhia, ficam manchados com pequenos flocos negros; que os autores vêm-se obrigados a empenhar esforços em sucessivas lavagens do pavimento do logradouro e bens que aí são colocados e receiam que algum floco ainda incandescente possa atear fogo”.

Incontroverso é que todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização. E, a este mesmo pretexto, a colisão de direitos pressupõe a existência e validade dos direitos concorrentes tendo um deles de ceder em face do outro. O que, no caso vertente, também se verifica, pois que qualquer cidadão tem o direito à saúde e ao são desenvolvimento pessoal integral. E tal, mesmo que se mostrem cumpridos, por banda da ré, todas as normas regulamentares para o licenciamento das aludidas instalações, revelando-se não poderem, consequentemente, coexistir de forma pacifica os dois direitos em apreço que se confrontam (Ac. RP, 8-5-1997: CJ, 1997, 3.°-183).

Isto porque o direito do ambiente é protegido constitucionalmente inserindo-se nos direitos da personalidade. Para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e à segurança, pessoal e patrimonial, emergentes da lei fundamental, que também têm protecção jurídica. O direito do ambiente prevalece, mesmo, ao dano económico, nos termos do art. 335. n.° 2, do Cód. Civil (Ac. STJ, 2-7-1996: BMJ, 459.°- 444).

Quer isto dizer que, relativamente ao «thema decidendum», não é confundível o licenciamento de um estabelecimento com, noutro campo jurídico, o prejuízo que possa trazer ao ambiente e à qualidade devida das pessoas que vivem junto dele. A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil (Ac. RL, 27-2-1997: Ci, 1997, 1 .°-145).

Isto porque as relações de vizinhança impõem restrições à liberdade de cada um. Há que procurar conciliar os interesses em conflito na medida do possível e do razoável e, quando isso não puder ser feito, dar preferência ao interesse superior. Assim, uma vez que os réus, no exercício da sua actividade produtiva, lícita, de que auferem benefícios materiais, causam aos autores — mais do que um incómodo excedendo a medida das obrigações ordinárias de vizinhança— um real prejuízo para a saúde, o seu direito terá de ceder perante a prevalência do direito dos autores. Em tal caso, além de proceder o pedido de cessação dessas actividades - pela forma correctiva sentenciada -, não pode deixar de proceder também o do pagamento de uma indemnização pelos danos causados (Ac.RP,9-2-1984:CJ, 1984, 1.°-236).

O que, inexoravelmente, acarreta resposta negativa para a questão configurada com o nº1.

2. Daí que não possamos caracterizar a actividade exercida pelos R.R. como um caso típico de responsabilidade pelo risco que possa justificar a sua condenação e muito menos ao pagamento de qualquer indemnização aos A.A., sendo que essa indemnização só seria viável no quadro da responsabilidade por factos ilícitos, ou da responsabilidade pelo risco, tal como vêm consignadas no art. 483° e ss. do Código Civil, o que não é de forma alguma o caso dos autos.

3. Assim, nenhum direito assiste aos A.A. de serem indemnizados por qualquer quantia monetária, nomeadamente a que lhes foi arbitrada a título de danos morais, na sentença recorrida.

Nestas sede de problema, continua a configurar-se como incontroverso - como foi assinalado - que todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. Consequentemente, a solicitar, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização.

Para que o fundamento da responsabilidade possa ser invocado é preciso que a norma em causa vise directamente a protecção do interesse do lesado (ou de um círculo de pessoas no qual o lesado se compreende e, além disso, que o dano se produza no bem jurídico que aquela norma pretendia justamente proteger (P. Coelho, Obrigações, 33).

Em tais termos, por decorrência do art. 483.º Código Civil, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo da causalidade entre o facto e o dano (Almeida Costa, Obrigações, 4.ª,364). Sendo que o n.° deste artigo ao consagrar o princípio fundamental da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares, que se configura como um património comum do Direito Privado e não só do Direito das Obrigações (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 1-34).

A esse pretexto, o art. 483.º. do Cód. Civil, prevê, igualmente, a indemnização por danos não patrimoniais (Ac.STJ, 22-9-1993: AD, 384.º- 1328). Exactamente os «danos morais», ou «prejuízos de natureza não patrimonial», que correspondem àquilo que, na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris, ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação (do STJ. 28-10-1992: BMJ, 420-550).

Nem colhe o argumento invocado quanto à responsabilidade civil pelo risco, exactamente porque emerge da simples verificação de danos que devam ser reparados, cuja verificação não possa ser imputada à vontade humana (Menezes Cordeiro, Dir. Obrigações, 1980, 2.°-273). Com efeito, o seu fundamento não reside na prática de um acto culposo, mas sim na criação ou controlo de um risco, ou, talvez com mais rigor, de uma fonte de riscos ou de potenciais danos, aliado ao princípio de Justiça distributiva segundo o qual quem tira o lucro ou em todo o caso beneficia de uma certa coisa ou actividade que constitui para terceiros uma fonte potencial de prejuízos, ou da actuação de outras pessoas que estão sob a sua direcção, deve suportar os correspondentes encargos — “ubi commodum, ibi incommodum” (Jorge F. Sinde Monteiro, R.D.E., lV-3l7). É, pois, uma modalidade da responsabilidade extracontratual (ob. cit. 316) (JOÃO MELO FRANCO, HERLANDER ANTUNES MARTINS, CONCEITOS E PRINCÍPIOS JURÍDICOS (NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA), LIVRARIA ALMEDINA, COIMBRA — 1983, p. 619-620).

O que responde negativamente às questões com os nºs 2 e 3.

4. Conforme também consta na sentença recorrida, condenarem-se os R. R. a adoptar as medida necessárias e adequadas (que podem ser ou não as descriminadas na alínea b) do petitório) a evitar a emissão de resíduos de combustão para o prédio dos A.A., isto salvo o devido respeito, por bastantes confuso nada significa, pois que as sentenças têm de ser concretas e não dúbias, porque há normas, há experiência de vida, que deveriam ter sido observadas quando foi proferida a sentença e não o foram.

Se o decidido é qualitativamente diferente do que foi pedido e não simples qualificação jurídica diferente, existirá nulidade de sentença, nos termos do n.° 1 do art. 661.º e da alínea e) do art. 668°, ambos do Cód. Proc. Civil (Ac. STJ, de 9.2.1993: BMJ, 424.°-615). Não é, todavia isso que, circunstancialmente, acontece. Com efeito, o que vem pedido, neste particular, é:

B) a afastar as chaminés da confinância com o logradouro, anexo e moradia dos autores, deslocando-as, relativamente à implementação actual, no sentido Poente-Nascente, em medida nunca inferior a 30 metros; a altear as chaminés em medida que permita que os fumos sejam levados pelos ventos e não descendam sobre o prédio dos autores; relativamente à chaminé de bloco e cimento e nos termos do disposto no art. 113 do DL n 38382 de 07 de Agosto de 1951, de forma a que esta se eleve pelo menos 0,50 m acima da parte mais elevada da cobertura do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 mts, nunca distando a boca menos de 1,50 mts de qualquer vão de compartimento com aptidão habitacional; e relativamente à chaminé metálica e nos termos do disposto nos arts. 30º, 31º e 32º do DL n 78/2004 de 03 de Abril de 2004, de forma a que esta se eleve a uma altura mínima de 10 metros ou outra que seja necessária alcançar de molde a que a sua cota máxima seja superior em 3,00 mts. à cota máxima do obstáculo próximo mais desfavorável, sendo removido qualquer «chapéu»; sempre e em todo o caso dotando ambas de filtros aptos a reter as partículas que resultem de combustão para cozedura de pão ou outros fins, conforme art. 1142 do DL n 38382 de 07 de Agosto de 1951; e que seja fixado prazo para os réus realizarem a prestação a que se refere o pedido supra bem como demais pedidos formulados, não superior a 15 dias (o teor desta alínea do petitório resultou do despacho de fls. 164 a 166 que admitiu a alteração do pedido requerido pelos autores);

Sem olvidar que, em C) se solicita

C) em todo o caso, a adoptar as medidas técnicas necessárias e adequadas a evitar a emissão de fumos, fuligem e partículas para o prédio dos autores;

Havendo-se decidido:

2. Condenam-se os réus a adoptar as medidas necessárias e adequadas (que podem ser ou não as discriminadas na al. b) do petitório) a evitar a emissão de resíduos de combustão para o prédio dos autores.

Que outra coisa não pode querer dizer senão que, existindo, porventura, em termos técnicos, outro tipo de solução para evitar tal emissão, pode ela ser eleita como outro tipo de medidas necessárias e adequadas a tal impedir, por tal forma correspondendo ao(s) pedido(s) dos Autores, por essa forma tornando mais flexível para os Réus o cumprimento do decidido.

Levando-se, igualmente, em consideração que uma das vertentes do direito à vida — consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3º), Constituição da República (art. 16°, n.° 2) e CC (art. 70°) — é o direito à qualidade devida. Num conflito de valores e interesses entre a laboração de uma instalação específica e um ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, deve dar-se prevalência a este. Sendo que a condenação não está limitada pelas palavras usadas no pedido; o que importa é o sentido do pedido (Ac. STJ, 26-4-1995: CJ/STJ, 1995, 1.°-155).

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, em adequação aos pedidos formulados, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668.°, n.° 1, alíneas b), e) e e) do Cód. Proc. Civil (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

O que também impõe responder negativamente à questão com o nº4.

Podendo, deste modo, concluir-se que:

1. O direito do ambiente é protegido constitucionalmente inserindo-se nos direitos da personalidade. Para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e à segurança, pessoal e patrimonial, emergentes da lei fundamental, que também têm protecção jurídica. O direito do ambiente prevalece, mesmo, ao dano económico, nos termos do art. 335. n.° 2, do Cód. Civil.

2. Relativamente ao «thema decidendum», não é confundível o licenciamento de um estabelecimento com, noutro campo jurídico, o prejuízo que possa trazer ao ambiente e à qualidade devida das pessoas que vivem junto dele. A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° e 1347ºdo Código Civil.

3. Por decorrência do art. 483.º Código Civil, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo da causalidade entre o facto e o dano. Sendo que o n.°1 deste artigo ao consagrar o princípio fundamental da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares, que se configura como um património comum do Direito Privado e não só do Direito das Obrigações.

4. A esse pretexto, o art. 483.º. do Cód. Civil, prevê, igualmente, a indemnização por danos não patrimoniais. Exactamente os «danos morais», ou «prejuízos de natureza não patrimonial», que correspondem àquilo que, na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris, ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação.

5. O fundamento da responsabilidade civil pelo risco não reside na prática de um acto culposo, mas sim na criação ou controlo de um risco, ou, talvez com mais rigor, de uma fonte de riscos ou de potenciais danos, aliado ao princípio de Justiça distributiva segundo o qual quem tira o lucro ou em todo o caso beneficia de uma certa coisa ou actividade que constitui para terceiros uma fonte potencial de prejuízos, ou da actuação de outras pessoas que estão sob a sua direcção, deve suportar os correspondentes encargos — “ubi commodum, ibi incommodum”. É, pois, uma modalidade da responsabilidade extracontratual.

6. Uma das vertentes do direito à vida — consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3º), Constituição da República (art. 16°, n.° 2) e CC (art. 70°) — é o direito à qualidade devida. Num conflito de valores e interesses entre a laboração de uma instalação específica e um ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, deve dar-se prevalência a este. Sendo que a condenação não está limitada pelas palavras usadas no pedido; o que importa é o sentido do pedido.

7. Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, em adequação aos pedidos formulados, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668.°, n.° 1, alíneas b), e) e e) do Cód. Proc. Civil.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.