Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/18.1PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
VEÍCULO AUTOMÓVEL
PERDA A FAVOR DO ESTADO
Data do Acordão: 02/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, EM PARTE
Legislação Nacional: ART. 21.º, N.º 1, E 35.º, N.º 1, DO DL 15/93, DE 22-01
Sumário: I – Não obstante o arguido ter transportado, nas últimas três semanas antes de ser detido, na viatura automóvel por si conduzida, as substâncias estupefacientes que adquiriu, inexistindo uma relação de causalidade adequada entre a utilização daquele veículo e a prática do crime previsto no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, é injustificada a declaração de perda a favor do Estado de tal meio de locomoção.

II – Com efeito, quer o estupefaciente adquirido, quer o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, eram facilmente transportáveis de outro modo, nomeadamente no próprio corpo do arguido ou com recurso a transporte público.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 41/18.1PEVIS supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão que decidiu, para além do mais:

- Condenar o arguido A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a este diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Declarar perdidos a favor do Estado os seguintes objectos e valor monetário apreendidos: 1 (uma) mochila de cor preta com as inscrições ESATPAK; 1 (uma) carteira de cor preta; 6 (seis) cartões de Vodafone intactos; 1 (um) suporte de cartão SIM da Vodafone; 1 (uma) carteira cavalinho, tipo porta-moedas de cor preta; 1 (um) veículo automóvel ligeiro de passageiros do ano de 2017, de matrícula (...) ; e – 7 (sete) telemóveis.


***

O arguido não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

(…).

II- Fundamentação Insuficiente para a perda do Veículo Automóvel (…) com a matrícula (…)

W) A douta decisão determinou a perda do veículo automóvel (…) com a matrícula (…) a favor do Estado.

X) Ora, salvo o sempre devido respeito, tal decisão carece de fundamentação e acervo fáctico suficiente para determinar a perda a favor do estado do referido veículo automóvel.

Y) Se é verdade que o artigo 35º do Dec. Lei 15/93 seja diferente do artigo 109º do CP quanto à perda a favor do Estado, também é verdade que a Jurisprudência tem vindo a assumir uma posição de que a declaração de perdimento a favor do Estado não é de aplicação automática por estarem em causa direitos constitucionalmente protegidos, como o da propriedade privada e o direito da igualdade, proporcionalidade e adequação.

Z) O que está em causa é determinar a essencialidade do veículo para a actividade do arguido e dentro desse quadro se o perdimento a favor do Estado é proporcional e adequado ou não.

AA) Não se estabeleceu um nexo instrumental essencial entre a utilização da viatura e o tráfico, não se demonstrou, de forma insofismável, a essencialidade do uso do veículo na actividade ilícita.

BB) O crime de que o arguido foi condenado tem uma índole de âmbito local e citadino, circunscrita à cidade de X (...) , ou seja,

CC) O arguido poderia ter desenvolvido a sua actividade independentemente do uso de qualquer veículo automóvel, nomeadamente a pé ou transporte público.

DD) Aliás, mesmo quando tinha que se deslocar ao (...) para se fornecer de produto estupefaciente, não se demonstrou a sua essencialidade pois também aqui o arguido poderia ir buscar droga ao (...) , como fez, por intermédio de boleias.

EE) Há também desproporcionalidade entre o valor comercial do tráfico, que é mínimo, e o valor comercial da viatura (22.199.00€ - ponto 15), desproporcionalmente maior.

FF) De igual modo o facto do veículo automóvel ter sido adquirido em 27 de Agosto de 2018 e apreendido em 18 de Setembro de 2018, ou seja, o veículo só circulou cerca de três semanas, não podendo, pois, atento o curto período de tempo que esteve em circulação, ser considerado instrumento de trabalho.

GG) O veículo automóvel (…) é um veículo de gama média baixa, que o arguido adquiriu a 27 de Agosto de 2018, recorrendo ao crédito automóvel – conforme documentos que se encontram nos autos e que se encontravam no interior do veículo - e que se destinava a ser utilizado essencialmente para uso pessoal e familiar.

HH) O veículo só esteve em circulação cerca de três semanas, tendo sido apreendido em 18 de Setembro de 2018.

II) O veículo automóvel foi adquirido com recurso ao crédito automóvel, tendo a primeira prestação sido paga já com o arguido a cumprir prisão preventiva.

JJ) Tem cumprido com o plano de pagamento das prestações, estando ainda em dívida dezenas de prestações até que o crédito se encontre totalmente amortizado.

KK) Não foi, pois, tal veículo adquirido com os proventos da venda de estupefacientes.

LL) O perdimento do veículo a favor do Estado lesa gravemente, e sem qualquer fundamento consubstanciado, a propriedade privada constitucionalmente protegida do ora recorrente.

MM) Daí a manifesta desproporcionalidade, nos presentes autos, da declaração de perdimento do veículo (…) a favor do Estado por violar, de forma manifesta e notória os direitos constitucionalmente protegidos da propriedade privada e do direito da igualdade, proporcionalidade e adequação.

NN) Violou, assim decisão recorrida, o artigo 410, nº 2 a), 35º do Dec. Lei 15/93 e os artigos 18º nº 2 e 62º da CRP., devendo ser declarada nula a decisão recorrida na parte em que determinou o perdimento do referido veículo automóvel a favor do Estado, e consequentemente, restituído ao ora recorrente o veículo automóvel (…).

III- Medida da Pena

(…).


***
A Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos:
(…).
2. É de manter a declaração de perda a favor do Estado do veículo (…), de matrícula (…), propriedade do arguido recorrente e por ele utilizado, de modo relevante, na actividade de tráfico.”

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta do Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no mesmo sentido, ou seja, da confirmação do acórdão recorrido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


***


II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta do acórdão recorrido (por transcrição):

FACTOS  PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos constantes da pronúncia ou alegados em audiência:

1. O arguido A., pelo menos desde Maio de 2018, que se vem dedicando à compra e venda de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína.

2. O arguido deslocava-se regularmente ao (...) , onde adquiria droga – heroína e cocaína ao preço de 5,00 euros a dose - que depois vendia a vários consumidores na zona de X (...) ao preço de 10,00 euros a dose.

3. Na sua actividade de tráfico (compra e venda de produtos estupefacientes) o arguido utilizava inicialmente o veículo automóvel de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente passou a usar o veículo automóvel de marca (…) de cor branca, com a matrícula (…).

4. O arguido deslocou-se à zona do (...) , no veículo automóvel de matricula (…), ao mesmo pertencente, por quatro (4) vezes, no período compreendido entre os dias 28 e 31 de Agosto de 2018, e por oito (8) vezes, na primeira quinzena de Setembro, sendo a última no dia 18/9/2018, data em que foi detido.

5. No dia 18 de Setembro de 2018, cerca das 10:45 horas, quando a brigada da PSP circulava na Rotunda de (…), verificou que o referido veículo (…) se encontrava parado, no sentido Rotunda de (…), em frente a uma casa abandonada, sita na Rua (…), residência esta conhecida por ali pernoitarem indivíduos consumidores de estupefacientes.

6. Nesse momento, foi também avistado o individuo (…) a contactar o condutor da dita viatura, supostamente para lhe adquirir estupefaciente, uma vez que o (…) é um individuo conhecido por ser toxicodependente.

7. Face a tal, e porque se afigurava provável que o condutor do veículo, o arguido, fosse efectuar mais entregas de produto estupefaciente, foi efectuado um seguimento àquela viatura, tendo-se verificado que o mesmo se dirigiu para junto do local onde a (…), pessoa conhecida como consumidora de drogas, habitualmente se dedica à prostituição.

8. Assim, cerca das 10:50 horas, na Rotunda que dá acesso à Biblioteca Municipal, os agentes da PSP verificaram que o veículo (…) passou junto à (…) e parou nesse local, tendo ela entrado na viatura.

9. Seguiram, então, mais uns metros e estacionaram a viatura do lado contrário da rua.

10. Perante este comportamento, os agentes da PSP abordaram a viatura em causa, encontrando-se no seu interior o arguido (condutor) e a (…), tendo esta já entregue ao arguido a quantia de 10 euros, para pagamento de uma dose de cocaína.

11. Nessa altura os agentes da PSP verificaram ainda que o arguido tinha na sua posse seis (6) doses de um produto que pelo aspecto se supôs ser heroína, e catorze (14) “pedras” de um produto que pelo seu aspecto se supôs ser cocaína, pelo que foram ambos transportados ao Departamento da PSP de X (...) .

12. E já nas instalações da PSP foi efectuada uma revista mais minuciosa ao arguido, tendo-lhe sido encontrada, junto aos testículos, uma bolsa de cor preta que continha no seu interior: setenta (70) “pedras” de um produto que se supôs ser cocaína e noventa e duas (92) embalagens em plástico contendo um produto que se supos ser heroína, como veio a confirmar-se através dos respectivos testes rápidos.

13. Todos os produtos encontrados foram submetidos a teste rápido e pesados em balança electrónica da PSP e acusaram os seguintes pesos:

- as 6 doses, encontradas na mão do arguido, reagiram positivamente à heroína, com o peso de 0,90 gramas;

- as 14 “pedras”, que também se encontravam na mão do arguido, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 0,96 gramas;

- as 70 embalagens em plástico que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à de heroína, com o peso de 16,12 gramas;

- as 92 “pedras” que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 15,45 gramas;

14. Foi ainda apreendido ao arguido:

- a quantia de 970,00 € (novecentos e setenta euros) em notas;

- três telemóveis, de marca Huaiwei, Konrow e Wiko;

- uma carteira de cor preta, de marca/modelo Cavalinho;

- um veículo automóvel de marca (…), com a matrícula (…).

15. Efectuada busca à viatura em causa verificou-se que se encontrava no seu o contrato de compra e venda daquele veículo, constando neste o valor de 22.199,00 €.

16. O dinheiro foi apreendido por ser proveniente da actividade de tráfico a que o arguido se vinha dedicando.

17. O veículo foi apreendido por ser utilizado pelo arguido para o desenvolvimento da sua actividade de tráfico de estupefacientes, sendo por ele usado para efectuar a compra e a venda/entrega de produtos estupefacientes.

18. Os telemóveis foram apreendidos por serem usados pelo arguido para ser contactado pelos consumidores, no âmbito da actividade de tráfico de estupefacientes.

19. A carteira foi apreendida porque serviu para acondicionar os estupefacientes apreendidos;

20. Submetidos a exame laboratorial pelo LPC, os produtos apreendidos ao arguido revelaram as características da Heroína e da Cocaína – substâncias previstas na Tabela I – A e I – B, anexas ao DL- 15/93 de 22/1.

21. No dia 30 de Julho de 2018, o arguido solicitou ao (…) para o levar ao (...) para ali comprar droga, alegando que o seu carro não teria seguro ou inspecção, comprometendo-se a pagar o combustível e as portagens, e a dar-lhe em troca droga para consumir.

22. O (…) aceitou, tendo ambos se deslocado ao (...) nesse mesmo dia, onde o (…) comprou produtos estupefacientes – cocaína e heroína - em quantidades não concretamente apuradas.

23. E, como prometido, o arguido pagou o combustível e as portagens do veículo, e deu ao (…), como forma de pagamento, quantidade não apurada de cocaína e heroína, tendo o (…) consumido parte desse produto ainda no (...) , voltando a consumir no quarto do hotel em X (...) , e vindo-lhe depois ainda a ser apreendido produto estupefaciente.

24. Regressados a X (...) , o arguido disse ao (…) para se dirigir ao Y (...) , sito no (...) – X (...) , onde alegando que não tinha documentos pediu ao (…) para ser este a alugar o quarto, o que ele fez.

25. Cerca das 18:45 horas desse mesmo dia, a GNR foi chamada ao Y (...) por alegadamente dois indivíduos se terem envolvido em desacatos no quarto 117.

26. Chegados ao local, a GNR localizou o (…) na recepção do Hotel, encontrando-se o (…) trancado no interior do referido quarto 117.

27. O arguido só abriu a porta depois de alguma insistência da GNR.

28. Nessas circunstâncias, e por haver informação que o arguido (…) se tinha deslocado ao (...) para comprar estupefacientes, foi realizada busca ao referido quarto 117, devidamente autorizada pelo (…) e pelo (…), tendo sido encontrado e apreendido:

- sobre a cama: três embalagens de uma substância, que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 0,5 gramas; uma pedra de uma substância, que reagiu positivamente à cocaína, com o peso de 0,1 gramas;

- no interior de uma mochila que estava sobre a cama: uma mochila preta de marca Eastpak contendo seis cartões Vodafone, um suporte de cartão SIM da Vodafone, quatro embalagens de metadona;

- sobre o parapeito da janela, na parte interior: uma pedra de uma substância que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 0,2 gramas;

- na estante da televisão: vinte e cinco pedras de uma substância que reagiu positivamente à cocaína, com o peso de 1,7 gramas; oito embalagens de uma substância que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 1,2 gramas; uma carteira preta onde estava acondicionado o estupefaciente; um telemóvel de marca Nokia;

- sobre a mesa de cabeceira junto à janela: uma factura de aluguer do quarto 117 em nome de Dimas Paulo;

- em cima do móvel lavatório da casa de banho: um telemóvel de marca Huawei, com cartão SIM e cartão de memória de 2 GB;

- no chão, junto ao jardim por baixo da janela do quarto 117: cento e quarenta e cinco (145) pedras de uma substância que reagiu positivamente à cocaína, com o peso de 20,2 gramas; vinte e seis (26) pacotes de uma substância que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 3,5 gramas;

- na posse do (…): um pacote de uma substância que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 0,2 gramas;

- no interior do veículo de matricula (...) , pertence ao (…) no qual se fizeram transportar para o (...) : duas pedras que reagiram positivamente à cocaína, sem peso significativo marcando a balança 0,0 gramas e uma embalagem de uma substância que reagiu positivamente à heroína, com o peso de 0,2 gramas.

29. A droga encontrada na posse do (…) e no carro deste era a que restava daquela que o arguido (…) lhe tinha dado, como forma de pagamento por o ter transportado ao (...) .

30. Os telemóveis foram apreendidos por serem usados pelo arguido para ser contactado pelos consumidores, no âmbito da actividade de tráfico de estupefacientes.

31. A mochila e a carteira foram apreendidas porque serviram para acondicionar os cartões da Vodafone e o estupefaciente apreendidos;

32. Submetidos a exame laboratorial pelo LPC, os produtos apreendidos revelaram as características da Heroína e da Cocaína – substâncias previstas na Tabela I – A e I - B anexas ao DL- 15/93 de 22/1.

33. As substâncias estupefacientes apreendidas ao arguido, nas circunstâncias supra descritas, foram sujeitas a exames e apurou-se tratar-se de:

- quantidade de 6, pó, peso de 0,858/B; Tabela I-A, grau de pureza 29,3%, doses 1;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 1,109/L; Tabela I-B, grau de pureza 63,5%, doses 3;

- quantidade de 70, pó, peso de 16,093/B; Tabela I-A, grau de pureza 36,5%, doses 43;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 15,373/L; Tabela I-B, grau de pureza 61,8%, doses 47;

E,

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,04/L; Tabela I-B, -, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 20,02/L; Tabela I-B, grau de pureza 58,0%, doses 387;

- quantidade de 26, pó, peso de 3,51/B; Tabela I-A, grau de pureza 31,7%, doses 7;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,15/L; Tabela I-B-, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,10/L; Tabela I-B, -, -;

- quantidade de 3, pó, peso de 0,44/B; Tabela I-A, -, -;

- quantidade de 8, pó, peso de 1,18/B; Tabela I-A, -, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 1,55/L; Tabela I-B, grau de pureza 55,3%, doses 28;

- quantidade de 4, saqueta, líquido, -; Tabela I-A, -, -.

34. Entre outros indivíduos que não foi possível identificar, o arguido vendeu por diversas vezes heroína e cocaína a:

- Pelo menos durante os últimos três meses anteriores à sua prisão, vendeu por diversas vezes doses de heroína e cocaína a (…), em média três a quatro vezes por dia, sobretudo cocaína e pontualmente heroína, por norma uma dose de cada vez, pelo valor de 10 euros cada.

- Para tal a (…) contactava o arguido através do telemóvel (nº 91.0751957), e marcavam logo um local onde ela ir ter, e nesse local ele entregava-lhe o produto recebendo em troca dinheiro. As entregas eram habitualmente na (…).

- No dia 18/9/2018, data em que o arguido foi detido, cerca das 11:15 horas, o arguido conduzindo o veículo automóvel de matrícula (…), parou junto à (…), quando a mesma se encontrava junto à Rotunda que dá acesso para a Biblioteca Municipal, tendo ela entrado no veículo para lhe comprar droga, como já tinha feito outras vezes.

- Quando a (…) entregou os 10 € ao arguido, para pagamento de uma “pedra” de cocaína, foram abordados pelos agentes da PSP, que detiveram o arguido.

- Pelo menos a partir de Maio de 2018 e até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína ao (…), o qual consumia cerca de duas a três “pedras” por semana, pagando o valor de 10 € por cada.

- O contacto com o arguido era feito pelo telefone, sendo as entregas feitas pelo arguido, o qual se fazia transportar num veículo de marca (…), de cor branca.

- Em data que não foi preciso precisar, mas que se situa em meados de 2018, o (…) entregou ao arguido o telemóvel de marca Huawei Y625-U21, com o IMEI 866337020903646, para pagamento de quatro bases de cocaína.

- O telemóvel em causa pertencia à mãe do (…), tendo sido apreendido ao ora arguido no dia 30/7/2018.

- Por diversas vezes, pelo menos durante os últimos três meses anteriores à sua prisão, o arguido vendeu heroína e cocaína ao (…), podendo ser uma ou duas vezes por semana, em quantidades que variavam entre duas a três doses de cada vez.

- Quando necessitava de droga, o (…) ligava para o (…), através do nº (…), o qual depois o mandava ir a ter a determinado local, normalmente o Parque (…), o (…), ou a (…), e aí entregava-lhe o estupefaciente que queria, mediante o pagamento de 10 € por dose de heroína ou cocaína.

- Desde o início do Verão de 2018 até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína a (…), em quantidades que variavam entre duas a três “pedras” diárias, pelo valor de 10 € cada.

- A (…) conheceu o arguido através da (…), a qual lhe deu a conhecer que o mesmo vendia estupefacientes, tendo inclusive se deslocado com ela para lhe comprarem droga, por duas ou três vezes, pedindo-lhe depois o número do telemóvel e passando ela a contactar directamente o arguido quando queria comprar cocaína.

- Para lhe entregar a droga o arguido utilizava inicialmente uma viatura de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente passou a usar um veículo de marca (…), de cor branca.

- Desde Maio de 2018 até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes heroína a (…), em média duas a três vezes por semana, e em quantidades que variavam entre dois a três pacotes por dia, pelo valor de 10 € cada.

- A (…) conheceu o arguido através de outro consumidor.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- O arguido utilizava um veículo para lhe fazer a entrega da droga, sendo inicialmente um de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente, um de marca (…), de cor branca.

- Desde Maio de 2018 até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína e heroína ao (…), em média duas a três vezes por semana, pelo valor de 10 € de cada vez.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- As entregas eram feitas pelo arguido, num veículo automóvel, sendo inicialmente um veículo de marca que não recorda, e posteriormente um veículo de marca (…), de cor branca.

- Desde Maio de 2018 até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína à (…), em média duas a três vezes por mês, pela quantia de 10 € de cada vez.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- Era o arguido que entregava o produto, utilizava para fazer as entregas, inicialmente um veículo de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente, um veículo de marca (…), de cor branca.

- As entregas eram feitas junto da Biblioteca Municipal ou na Zona do Hospital.

- Desde Maio de 2018 até à data em que foi detido, o arguido vendeu pelo menos por três vezes heroína ao (…), pela quantia de 10 € de cada vez.

- O (…) conheceu o arguido através de outro consumidor.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- As entregas eram feitas pelo arguido, o qual utilizava para o efeito um veículo automóvel de marca (…), de cor branca, sendo as entregas por vezes efectuadas junto do cemitério (...) - X (...) .

- Durante o mês de Junho de 2018, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína ao (…), em média uma a duas vezes por semana, em quantidades de 10 € de cada vez.

- O (…) conheceu o arguido através de outro consumidor.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- O arguido utilizava um veículo para lhe fazer a entrega da droga, de marca (…), de cor cinzenta, por vezes as entregas eram feitas junto do café (...) sito na Rua (...) - X (...) .

- Durante o mês de Agosto de 2018 e até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína ao (…), em média duas a três vezes por semana, e em quantidades de 10 € de cada vez.

- O Sérgio conheceu o arguido através de outro consumidor.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- Para lhe fazer as entregas de droga o arguido utilizava um veículo de marca (…), de cor branca, sendo as entregas efectuadas em várias zonas da cidade de X (...) .

- No mês de Julho de 2018, em data não concretamente apurada, o (…) conheceu o ora arguido através de outro consumidor de nome (…), junto a uma capela sita na parte lateral do RI 14 - X (...) .

- Nessa altura, a pedido do (…), o arguido deu/cedeu cocaína ao (…), para este experimentar, tendo o (…) fumado uma pedra de cocaína no cachimbo do arguido (…).

- Nessa ocasião o O (...) viu que o arguido trazia consigo um plástico de cor azul, do tamanho de uma bola de ténis, onde tinha muitas “pedras” de cocaína.

- Após, e nesse mesmo dia, o (…) contactou com o arguido através do número de telemóvel que o mesmo lhe tinha dado, para lhe fornecer mais estupefaciente, mas o arguido não compareceu no local combinado.

- Durante o verão de 2018 e até à data em que foi detido, o arguido vendeu por diversas vezes heroína e cocaína ao (…), quer directamente, quer através de outros consumidores a quem o (…) pedia para irem comprar; o que acontecia em média uma vez por semana, em quantidades de 10 € de cada vez.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel, embora quem ia buscar a droga eram outros toxicodependentes.

- Durante o mês de Setembro de 2018 e até à data em que foi detido, o arguido vendeu pelo menos por quatro vezes heroína e cocaína ao (…), sendo normalmente duas pedras de cocaína e dois pacotes de heroína, quantidades que variavam entre 30 € a 40 € de cada vez.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- Para lhe fazer as entregas de droga o arguido utilizava um veículo de marca (…), de cor branca, sendo as entregas efectuadas na zona do (...) , junto ao (...) e junto ao RI 14, em X (...) .

- Durante o mês de Agosto de 2018, o arguido vendeu pelo menos por três vezes heroína ao (…), sendo dois pacotes de heroína de cada vez, pela quantia de 20 € os dois.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- Durante os meses de Maio e Junho de 2018, o arguido vendeu por diversas vezes cocaína ao (…), em média uma vez de duas em duas semanas, em quantidades que variavam entre duas a três pedras de cada vez, pelo valor de 10 € cada pedra/dose.

- O contacto com o arguido era feito através do telemóvel.

- As entregas foram feitas pelo arguido, junto à Loja do Cidadão, em X (...) , fazendo-se transportar numa viatura de marca (…) de cor branca.

35. Os produtos estupefacientes que foram apreendidos ao arguido haviam sido por este adquiridos e destinavam-se por ele a ser vendidos, como já vinha fazendo durante o período indicado, para dessa forma conseguir lucros fáceis e obter rendimentos avultados, atenta a grande quantidade de estupefaciente em causa e o longo período durante o qual exerceu tal actividade.

36. O arguido conhecia as características dos produtos que comprou, vendeu, cedeu e que detinha, os quais destinava também à venda, bem sabendo tratar-se de produtos estupefacientes, sabendo igualmente que a sua compra, detenção, venda e/ou cedência era proibida e punida por lei como crime.

37. E, ciente de tal, o arguido agiu sempre querendo assim proceder, fazendo-o de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a sua conduta proibida e criminalmente punida.

38. No mês de Agosto e em Setembro até à data da prisão o arguido não trabalhou qualquer dia.

Do Certificado de Registo Criminal:

39. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos provados da defesa do arguido:

40. O arguido é considerado bom filho e bom irmão pelos seus familiares.


*

Do relatório social:

(…).


***

FACTOS NÃO PROVADOS:

(…).


***

DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:

(…).


***

APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, no presente recurso, as questões suscitadas são as seguintes:

- a subsunção jurídica dos factos;

- a medida da pena de prisão e, a suspensão da sua execução;

- a declaração de perda, a favor do Estado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (...) .


*

a) Da subsunção jurídica dos factos

Entende o recorrente que a factualidade apurada e dada como provada na Douta decisão, só por si, não pode, jamais, fazer concluir que a conduta e a actividade do arguido integrasse a qualificação jurídica prevista no artigo 21º do DL n.º 15/93, mas antes o tipo legal punido e previsto no artigo 25º do referido diploma.

Para tanto alega:

- A modalidade patente no caso concreto é de “um traficante de rua”, com uso de meios rudimentares;

- não há nenhum esquema elaborado ou organização;

- não há terceiras pessoas envolvidas – não há nenhuma rede;

- as quantidades e o número de transacções são reduzidas, como são reduzidos o número de toxicodependentes envolvidos;

- o arguido, aquando da prática dos factos, era toxicodependente e encontrava-se num espiral de consumo de cocaína e heroína – resulta do depoimento do arguido e factos provados 47, 54, 55 e 56. Assim, também do acervo factual se deduz que não há uma dimensão lucrativa, pois, parte da venda do produto estupefaciente era para o seu próprio consumo.

Foi o recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a este diploma, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.

Ora, conforme o citado artigo 21º, são várias as actividades que constituem o crime de tráfico de estupefacientes: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (…)”.

 

Quanto aos tipos privilegiados do crime de tráfico:

- o crime de tráfico de menor gravidade previsto na alínea a) do artigo 25º do DL n.º 15/93 pressupõe que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias; e,

- o crime de traficante-consumidor previsto no artigo 26º do mesmo diploma tem como requisito essencial que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir produto estupefaciente para uso pessoal.

Como já mencionado, discordando da qualificação jurídica efectuada pelo tribunal a quo, entende o recorrente que a sua conduta deve ser enquadrada e punida como tráfico de menor gravidade (art. 25º do DL 15/93).
No que ao tráfico de menor gravidade respeita, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores é concordante, no fundamental, assim sintetizada: “a constatação da menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal das drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto.”- Ac. STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt.
Como decidiu recentemente o STJ (no Ac. de 13-3-2019, proc. 227/17.6PALGS.S1, in www.dgsi.pt):
«II- O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.
III- Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:
- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;
- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
- a dimensão dos lucros obtidos;
- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;
- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;
- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
- o número de consumidores contactados;
- a extensão geográfica da atividade do agente;
- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.».

In casu, como decorre da matéria de facto dada como assente, o arguido comprou e vendeu heroína e cocaína, durante, pelo menos, cerca de cinco meses (desde Maio de 2018 até 18-9-2018, data em que foi detido) a vários consumidores, e relativamente a alguns deles, a uns diariamente [a (…) e (…)], a outros mais do que um vez por semana [a (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…)] e, a outros mais do que uma vez por mês [a (…)). E, ainda a outros, esporadicamente [a (…), (…) e (…)].
O modus operandi do arguido revela alguma organização: deslocava-se com frequência ao (...) onde adquiria o produto estupefaciente, que posteriormente vendia a consumidores, quando lhe era solicitado, geralmente, mediante prévio contacto telefónico efectuado por estes.
Por outro lado, terá de se atender à qualidade dos produtos que foram vendidos, heroína e cocaína, tidas como drogas “duras”, com efeitos nocivos para a saúde dos consumidores e de grande danosidade social.
E, no que respeita à quantidade, a exigir já uma considerável disponibilidade financeira se atendermos a que o arguido actuava sozinho, tal como foi dado como provado, para além das doses que vendeu, o arguido detinha e foram-lhe apreendidos:
Em 30-7-2018 (facto 33.):

- quantidade de 6, pó, peso de 0,858/B; Tabela I-A, grau de pureza 29,3%, doses 1;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 1,109/L; Tabela I-B, grau de pureza 63,5%, doses 3;

- quantidade de 70, pó, peso de 16,093/B; Tabela I-A, grau de pureza 36,5%, doses 43;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 15,373/L; Tabela I-B, grau de pureza 61,8%, doses 47;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,04/L; Tabela I-B, -, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 20,02/L; Tabela I-B, grau de pureza 58,0%, doses 387;

- quantidade de 26, pó, peso de 3,51/B; Tabela I-A, grau de pureza 31,7%, doses 7;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,15/L; Tabela I-B-, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 0,10/L; Tabela I-B, -, -;

- quantidade de 3, pó, peso de 0,44/B; Tabela I-A, -, -;

- quantidade de 8, pó, peso de 1,18/B; Tabela I-A, -, -;

- quantidade de 1, produto sólido, peso de 1,55/L; Tabela I-B, grau de pureza 55,3%, doses 28;
- quantidade de 4, saqueta, líquido, -; Tabela I-A,
Em 18-9-2018 (factos 13. e 14.):

- 6 doses, encontradas na mão do arguido, reagiram positivamente à heroína, com o peso de 0,90 gramas;

- 14 “pedras”, que também se encontravam na mão do arguido, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 0,96 gramas;

- 70 embalagens em plástico que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à de heroína, com o peso de 16,12 gramas;

- 92 “pedras” que estavam no interior de uma bolsa preta, reagiram positivamente à cocaína, com o peso de 15,45 gramas;

14. Foi ainda apreendido ao arguido: - a quantia de 970,00 € (novecentos e setenta euros) em notas; (…).

Alega ainda o recorrente que era toxicodependente à data da prática dos factos.

Na verdade, foi dado como provado (factos 46., 54. e 55. resultantes do relatório social elaborado pela DGRSP) que o arguido 47. Em 2017 fez um interregno em tal prestação de trabalho, a fim de fazer tratamento à sua problemática aditiva.   54. Em termos de saúde, o arguido era acompanhado desde 2010 pelo CRI de Coimbra, tendo, só numa primeira fase, sido medicado com Subtex (anti-opiáceo).   55. No período que precedeu a sua prisão, o arguido tinha consultas mensais, contudo nem sempre cumpria com as orientações dadas e com a medicação prescrita, o que comprometia o seu efectivo tratamento à problemática aditiva.

Ora, ainda que o arguido fosse também consumidor de estupefacientes, e procurasse esta sua actividade de venda como forma de, em parte, também poder satisfazer os seus consumos, não pode dizer-se que, com a sua apurada conduta “a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída” (pressuposto da aplicação desse tipo privilegiado).
Termos em que, face à factualidade dada como provada, mostra-se correcta a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do citado DL n.º 15/93.
Improcede, assim, nesta parte, a argumentação do recorrente.


*

b) Da medida da pena de prisão e da suspensão da sua execução

Pugnando pela redução da pena de prisão e pela suspensão da sua execução, sustenta o recorrente que (mesmo que se entenda que os factos integram a prática do crime p. e p. pelo art. 21º) a pena aplicada de 5 anos e 3 meses de prisão é manifestamente desajustada e exagerada, além de ultrapassar manifestamente a medida da sua culpa.

Alega que: não tem antecedentes criminais; mostrou arrependimento; confessou, nem que parcialmente, os factos; encontrava-se profissional, social e familiarmente inserido; sempre trabalhou por conta de outrem, com estabilidade, sendo que a empresa “(…)” está disponível para o readmitir (factos 46, 47, 48 e 59); aquando da prática dos factos era toxicodependente; no Estabelecimento Criminal o arguido é visitado pela mãe, cônjuge, filha e irmãs, que lhe garantem todo o apoio e tem um comportamento ajustado e cumpre as regras (factos 57. e 58.).

O crime em causa é punido, em abstracto, com prisão de 4 a 12 anos.

De harmonia com o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja, a determinação das consequências do facto punível, é feita dentro dos limites da lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o mesmo.

Ora, dentro da moldura penal abstracta, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);

- A intensidade do dolo ou negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Deste modo, o juiz conforme a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, aplicando o direito, escolhe uma das várias possibilidades legalmente previstas.

Em caso algum, porém, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e, o limite mínimo aquele abaixo do qual se não respeitam as expectativas da comunidade (art. 40º, n.º 2 do C.Penal).

Não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida, impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em função da prevenção. O que no entender do Prof. Figueiredo Dias “(…) é perfeitamente compreensível e justificável; através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização “in casu” das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção” (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias editorial – pág. 215).

O Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido sopesou todos aqueles factores com influência na medida concreta da pena, tendo ponderado:

«No presente caso, as necessidades/exigências de prevenção geral são de considerar muito acentuadas, dada a enorme frequência com que ocorrem crimes de tráfico de estupefacientes, geradores da prática de outros crimes por consumidores e/ou traficantes (contra as pessoas e património) para além de porem em causa a saúde pública e as próprias relações pessoais e familiares.

O crime de tráfico é um dos actuais flagelos, afectando principalmente as camadas populacionais mais jovens, com prejuízo para o desenvolvimento físico e psíquico da pessoa humana, sendo além de juridicamente censurável, fonte criadora de desvio social e marginalidade social e cultural, provocando um enorme sentimento de insegurança e alarme social, o que suscita por parte da comunidade uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir por parte do tribunal severidade na punição.          

No caso concreto, há que ponderar o grau de culpa, que é elevado, pois que o arguido ao actuar nos termos descritos na factualidade provada, agiu com dolo directo, forma mais grave da culpa.

No que se refere à ilicitude, entendida como um juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, a mesma apresenta-se dentro do grau de normalidade dos casos que se enquadram no artigo 21º, entre os de ilicitude mais diminuída - mas acima do limiar do tráfico de menor gravidade - desde logo, atentos os meios utilizados na actividade de tráfico, as modalidades de acção e as transacções apuradas, bem como a quantidade e tipo de estupefacientes apreendido – 516 doses de cocaína e de heroína (ditas “drogas duras”) e ainda o período de tempo em que desenvolveu a actividade de tráfico e número de consumidores/compradores envolvidos.

Em favor do arguido ter acabado por admitir alguns factos de que vinha acusado (mas não os factos essenciais procurando minimizar a sua conduta – chegando até a fazer crer que a quase totalidade dos estupefacientes que adquiria era para seu consumo, o que é incompatível, inverosímil, atenta as quantias apreendidas e viagens que fazia ao (...) – basta ver que apenas em cerca de 20 dias se deslocou, pelo menos, 12 vezes ao (...) na sua viatura, apreendida agora à ordem dos autos, não podendo também esquecer-se que foram apreendidas ao arguido, no total, 516 doses de cocaína e heroína) e impõe-se ponderar o arguido ter trabalhado até Julho de 2018, bem como não se poder ter como sério/verdadeiro o arrependimento declarado pelo arguido e demonstrando serem sérias as necessidades de prevenção especial tanto mais que não obstante a detenção do arguido em Julho tal facto não o inibiu de prosseguir com a actividade de tráfico o que demonstra o sentimento de impunidade do arguido e eleva aquelas necessidades de prevenção.» é nosso o sublinhado.

O arguido conta 39 anos de idade.

Em função do exposto, face ao circunstancialismo fáctico apurado, nomeadamente, às particulares exigências de reprovação e de prevenção deste tipo de crime, consideramos como proporcional e adequada a pena aplicada de 5 anos e 3 meses de prisão.

Por conseguinte, sendo a pena superior a 5 anos de prisão, não há que apreciar a requerida suspensão da execução da mesma.


*

c) Da perda de veículo automóvel, a favor do Estado

Insurge-se o recorrente com a declaração de perda a favor do Estado, do veículo automóvel (…), com a matrícula (…).

Para tanto alega:

Se é verdade que o artigo 35º do Dec. Lei 15/93 seja diferente do artigo 109º do CP quanto à perda a favor do Estado, também é verdade que a Jurisprudência tem vindo a assumir uma posição de que a declaração de perdimento a favor do Estado não é de aplicação automática por estarem em causa direitos constitucionalmente protegidos, como o da propriedade privada e o direito da igualdade, proporcionalidade e adequação.

O que está em causa é determinar a essencialidade do veículo para a actividade do arguido e dentro desse quadro se o perdimento a favor do Estado é proporcional e adequado ou não. Ora,

Não se estabeleceu um nexo instrumental essencial entre a utilização da viatura e o tráfico, não se demonstrou, de forma insofismável, a essencialidade do uso do veículo na actividade ilícita. Desde logo,

O crime de que o arguido foi condenado tem uma índole de âmbito local e citadino, circunscrita à cidade de X (...) . Ou seja,

O arguido poderia ter desenvolvido a sua actividade independentemente do uso de qualquer veículo automóvel, nomeadamente a pé ou transporte público.

Aliás, mesmo quando tinha que se deslocar ao (...) para se fornecer de produto estupefaciente, não se demonstrou a sua essencialidade pois também aqui o arguido poderia ir buscar droga ao (...) , como fez, por intermédio de boleias. Mais,

O veículo automóvel foi adquirido em 27 de Agosto de 2018 e apreendido em 18 de Setembro de 2018, ou seja, o veículo só circulou cerca de três semanas, não podendo, pois, atento o curto período de tempo que esteve em circulação, ser considerado instrumento de trabalho.

Considerou a decisão recorrida que o veículo apreendido ao arguido era por este utilizado para o desenvolvimento da sua actividade de tráfico, sendo pelo mesmo utilizado para efectuar a compra e a venda/entrega de produtos estupefacientes, ou seja, meio essencial para a prossecução da actividade criminosa prosseguida pelo arguido.

Afigura-se-nos que, no caso vertente, assiste razão ao recorrente.

“Ao contrário do regime geral previsto no artigo 109º, n.º 1, do Código Penal, para que possa declarar-se perdido a favor do Estado qualquer objecto ao abrigo do disposto no artigo 35º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, basta que tais objectos tivessem servido ou estivessem destinados a servir para a prática das infracções previstas naquele diploma, não sendo necessário que os mesmos ofereçam sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.

Independentemente disso, a declaração de perda de objectos utilizados na prática do crime de tráfico de estupefacientes não é automática, estando sujeita a critérios de causalidade e proporcionalidade.” – Ac. RP, de 27-2-2019, proc. 7775/13.5TAVNG-I.P1, in www.dgsi.pt.

Estabelece o n.º 1 do citado artigo 35º (na redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3.9) que «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».

Ora, o STJ tem enveredado por uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º de acordo com a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada.

Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt.

Foi dado como provado que, na sua actividade de tráfico (compra e venda de produtos estupefacientes de Maio de 2018 a 18 de Setembro de 2018) o arguido utilizava inicialmente o veículo automóvel de marca (…), de cor cinzenta, e posteriormente passou a usar o veículo automóvel de marca (…) de cor branca, com a matrícula   (…) …… concretamente, deslocou-se neste último veículo de 28 de Agosto de 2018 a 18-9-2018, data em que foi detido, ou seja durante 3 semanas. - factos 3. e 4..

Segundo a factura e a proposta de venda do veículo de matrícula (…), apreendidas no seu interior (facto 15.), e constantes a fls. 36 e 37, o mesmo foi adquirido em 27-8-2018.

Acresce que, foi também dado como assente que No dia 30 de Julho de 2018, o arguido solicitou ao (…) para o levar ao (...) para ali comprar droga, alegando que o seu carro não teria seguro ou inspecção, comprometendo-se a pagar o combustível e as portagens, e a dar-lhe em troca droga para consumir…. O que o (…) aceitou - factos 21. e 22..

Como verificamos,

Antes de adquirir o veículo (…) [que, repita-se, apenas conduziu durante 3 semanas, porque entretanto foi detido), na sua actividade de compra e venda de estupefacientes, o arguido utilizou uma anterior viatura – (…) - e chegou a pedir boleia (mediante o pagamento das respectivas despesas e gratificação ao id. (…)] a um seu conhecido e consumidor.

Isto é,

No caso vertente, como resultou provado, muito embora o arguido se tenha deslocado à zona do (...) onde adquiria o produto estupefaciente, e que nas últimas 3 semanas (a sua actividade de tráfico durou 5 meses) tenha conduzido (na zona de X (...) ) a aludida viatura na sua actividade de tráfico e transportando na mesma as substâncias estupefacientes que vieram a ser apreendidas em 18-9-2018, condução essa que terá facilitado a deslocação, tornando-a também mais cómoda, discordamos que tal viatura seja instrumento do crime, e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, como foi considerado pelo tribunal a quo.

Como bem observa o recorrente, o arguido poderia ter desenvolvido a sua actividade independentemente do uso de qualquer veículo automóvel, nomeadamente a pé ou transporte público.

Com efeito, quer o estupefaciente que transaccionava, quer o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito. Não foi, pois, a viatura indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do seu proprietário, o arguido/recorrente.

Na verdade, relativamente ao produto estupefaciente apreendido em 30-7-2018, o arguido também se deslocou à zona do (...) onde adquiriu estupefaciente, mas pediu a um seu conhecido que o transportasse até lá, o que demonstra que mesmo sem a utilização do (…) o crime teria sido praticado.

Ou dito de outro modo, até pelo volume do produto em causa, facilmente transportável por qualquer outra forma, a utilização do aludido veículo, pertencente ao recorrente, não era essencial para o cometimento do ilícito.

Em conformidade, deverá o acórdão recorrido ser revogado na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel (…), com a matrícula (…), apreendido ao arguido, o qual lhe deverá ser entregue.


*****
III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

1- Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido A., e em consequência:

a) revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel com a matrícula (…), apreendido ao arguido (…), o qual lhe deverá ser entregue.

2- Manter, no mais, o acórdão recorrido.

Sem tributação (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).


*****

Coimbra, 19 de Fevereiro de 2020

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)