Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TÁVORA VÍTOR | ||
Descritores: | INVENTÁRIO DÍVIDA RECLAMAÇÃO CABEÇA DE CASAL | ||
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Data do Acordão: | 11/03/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 303º Nº 3 E 1334º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1) Não existe hoje, ao contrário do que sucedia na primitiva redacção do artigo 1342º do Código de Processo Civil, norma segundo a qual a falta de resposta da outra parte quanto à alegação de existência de uma dívida activa em processo de inventário por parte do cabeça de casal se traduzia na respectiva aceitação. 2) Nestes casos rege hoje o artigo 1334º do Código de Processo Civil o qual manda aplicar à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, o disposto nos artigos 302º a 304º. Assim por força do artigo 303º nº 3 do citado Diploma Legal estatui que "A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere que será em princípio a confissão dos factos do incidente, mas não já o direito aplicável aos mesmos. 3) Tendo em reclamação contra uma dívida activa do cabeça de casal o devedor dito aceitar apenas uma determinada importância, não tem que se pronunciar sobre um requerimento ulterior onde se pretender ver a mesma actualizada de harmonia com os índices de inflação. 4) Reclamando o cabeça de casal em processo de inventário um crédito pecuniário o mesmo não está à partida sujeito a actualização dado que se lhe aplica o princípio nominalista segundo o qual "o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário". | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO.
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra. A... interessado e cabeça de casal nos autos de inventário para partilha de bens em casos especiais e em que é co-interessada B...., veio recorrer do despacho que incidiu sobre a reclamação da relação de bens junta a fls. 5 dos autos e apresentada pela interessada no tocante à fixação do valor da verba nº 1 da relação de bens que o cabeça de casal entende dever ser actualizada segundo os coeficientes do Instituto Nacional de Estatística. Tal verba consta e tem origem do seguinte: - No montante de 53.000,00 (CINQUENTA E TRÊS MIL EUROS): Requerente e requerida foram casados entre si no regime da comunhão de adquiridos, encontrando-se divorciados desde o dia 21 de Fevereiro de 2005. No dia 26 de Setembro de 1984, a requerida adquiriu, no estado de divorciada a fracção autónoma designada pela letra “D", correspondente ao primeiro andar e garagem número seis, com logradouro em frente à garagem, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na ...... em Coimbra - doc. 1 que se juntou ao arresto constante dos autos - (apenso C), fracção que constituiu a casa de morada de família do extinto casal. Em simultâneo, contraiu um empréstimo bancário para aquisição da referida fracção ao Banco Pinto e Sotto Mayor, no valor de esc. 2.750.000$00 – doc. 1 e 2 junto ao arresto e que se dão integralmente por reproduzidos, a ser pago no prazo de vinte anos em prestações mensais e sucessivas – cláusula terceira do documento complementar á escritura – doc. 1. No dia 20 de Outubro de 1984, ou seja, 24 dias após a aquisição daquela que constituiu a casa de morada de família, a requerida contraiu casamento com o requerente no referido regime da comunhão de adquiridos – doc. 3 junto ao arresto. Desde a data em que contraiu casamento até ao divórcio a requerida utilizou o rendimento do extinto casal, nomeadamente o seu vencimento, conforme cláusula quarta do referido documento complementar à escritura (doc. 1) – bem comum do casal (artigo 1724º al. a) do Código Civil) - para pagamento das prestações bancárias e demais responsabilidades contraídas (cláusula terceira e sexta do doc. nº 1) a que se obrigou em data anterior à celebração do casamento com o requerente, - e como tal, dívida própria da requerida (artigo 1694º nº 2 do Código Civil). Assim sendo, fez nascer, em cada prestação paga, um direito de crédito a favor do requerente, tendo este, no momento da dissolução e partilha, direito à compensação (artigo 1 697º nº 2 do Código Civil) – acrescido de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. E em requerimento que apresentou posteriormente à sua reclamação reitera que lhe é devida a importância de € 19.711,39 já actualizada de harmonia com os índices de inflação. Esse quantitativo obtém-se partindo do princípio que tendo a requerida amortizzdo € 23.828,49 da sua dívida para aquisição da sua habitação com dinheiro do casal o marido terá direito a metade daquela importância ou sejam € 11.914,25. A diferença entre este quantitativo e o reclamado (€ 7.797,14) corresponde à aludida actualização. O ora reclamante sustenta que a requerente admite o crédito em singelo a favor do cabeça de casal mas não impugna e não se pronuncia sobre o requerimento que deu entrada no Tribunal com carimbo de 29 de Maio de 2007 no qual o requerente e cabeça de casal apresenta o valor do seu crédito com as devidas correcções monetárias resultantes de coeficientes legalmente estabelecidos. - Assim do crédito da verba nº 1 deveria constar o valor de € 19.711,39. Produzida a prova que entendeu pertinente, o Sr. Juiz decidiu que "sendo o vencimento de ambos os cônjuges "bem comum" nos termos do artigo 1724º alínea a) do Código Civil, provado que até à entrada da acção de divórcio a requerida amortizou € 23.828,49 de dívida para a aquisição da casa que adquiriu e é sua, tem o cabeça de casal direito a um crédito sobre ela de € 11.914,24. Daí o presente recurso de agravo interposto pelo cabeça de casal, tendo no termo da sua alegação pedido que revogando-se o despacho em análise, se substitua o mesmo por decisão que considere o valor a atribuir à verba nº 1 como sendo de € 19.711,39. Foram para tanto apresentadas as seguintes,
Conclusões.
O despacho em crise violou: 1) O artigo 50º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares; 2) O artigo 490º nº 2 do Código de Processo Civil – manifestado através do silêncio da requerida ao não se ter pronunciado no prazo legal quanto ao valor resultante do crédito do cabeça de casal que aquele indicou de acordo com a aplicação dos referidos índices em € 19.711,39. 3) O artigo 1362º nº 3 do Código de Processo Civil – no sentido de que através do seu silêncio a requerida aceitou o valor atribuído ao bem por aplicação dos referidos coeficientes, não podendo o Juiz a quo determinar que a verba tenha um valor inferior ao que foi aceite pela requerida. Não houve contra-alegações. Corridos os vistos legais cumpre decidir. * 2. FUNDAMENTOS.
2.1. Os Factos.
Os factos que interessam à decisão da causa constam do despacho agravado. Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida. + 2.2. O Direito.
Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Qual a consequência da falta de resposta à reclamação de uma dívida activa constante da reclamação de bens em processo de inventário? As peculiaridades do caso em análise.
- Da pretendida actualização do crédito do cabeça de casal. + 2.2.1. Qual a consequência da falta de resposta à reclamação de uma dívida activa constante da reclamação de bens em processo de inventário?
O cabeça de casal reclama na sua relação de bens um crédito pecuniário a seu favor sobre o seu ex-cônjuge actualizado de harmonia com os coeficientes de desvalorização da moeda; posteriormente e com data de 29 de Maio explicita os cálculos de actualização da importância em dívida cujo total ascenderá assim a € 19.689,36. A requerida (sua ex-mulher) aceita apenas na sua reclamação à relação de bens onde o crédito do cabeça de casal apenas no montante de € 11.914,24. Todavia não respondeu ao requerimento do cabeça de casal em que o mesmo reclama a actualização da quantia em análise para € 19.689,36. Esta a razão pela qual entende o cabeça de casal que o crédito se deverá ter-se por confessado mesmo com a actualização referida e faz valer essa pretensão em sede de recurso. Cabe decidir: Em sede geral e à luz da primitiva redacção do artigo 1 342º do Código de Processo Civil (antes aplicável também nesta hipótese) a falta de resposta quanto à reclamação de uma dívida activa traduzia-se na respectiva aceitação pela outra parte. Hoje não existe no Código qualquer equivalente expresso àquela norma com a cominação que estava prevista, o que pode constatar-se da análise das disposições combinadas dos artigos 1 348º a 1 351º vigentes. Perante isso há quem sustente que a falta de resposta à reclamação não tem efeito cominatório dando tão-somente lugar à produção das provas, finda a qual o Juiz decidirá da forma como entender pertinente[1]. No entanto quer-nos parecer que nestes casos rege o artigo 1334º do Código de Processo Civil o qual manda aplicar à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, o disposto nos artigos 302º a 304º. Ora neste particular o artigo 303º nº 3 estatui que "A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere. Não será assim despiciendo à luz do normativo em análise entender-se que a falta de resposta à reclamação de uma dívida activa implica a aceitação dos factos a que a mesma se reporta até por aplicação do disposto no artigo 480º do Código de Processo Civil… os factos mas não o Direito. Ora in casu a falta de resposta ao requerimento em análise reporta-se no fundo a uma questão de direito a saber se é actualizável uma dívida pecuniária do teor da que vem reclamada. Por outro lado também sempre a resposta a esta reclamação estaria respondida pelo cônjuge do cabeça de casal ao referir que apenas aceitava dever a importância de € 11.914,24.
Daqui decorre que, ao contrário do que a agravante sustenta, a falta de resposta à sua reclamação na medida em que pretendia ver consagrado um crédito a seu favor no montante de € 19.711,39 não tem cabimento legal. Pelo exposto improcedem as considerações do cabeça de casal neste particular. + 2.2.2. Da pretendida actualização do crédito do cabeça de casal.
Resta agora considerar a outra pretensão da reclamante, a de ver actualizada a dita importância, que lhe foi atribuída de harmonia com índices de inflação publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. A este propósito distingue a lei consoante se trate de "dívidas pecuniárias" ou "dívidas de valor". Quanto a estas últimas tem-se entendido que devem ser objecto de actualização porque está em causa o "bem em si", intervindo o dinheiro apenas como "meio de liquidação", não lhe sendo aplicável, por isso, o "princípio nominalista" – artigo 551º do Código Civil[2]; Destas há porém que distinguir as "obrigações pecuniárias propriamente ditas", insusceptíveis de actualização nos termos supra-expostos – artº 550º – já que sujeitas ao "princípio nominalista" segundo o qual "o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário". Ora sendo o crédito em causa uma dívida pecuniária está submetida ao regime geral, não se lhe aplicando ipso facto qualquer actualização. Improcedem pois as conclusões do agravante; e nomeadamente no que toca aos normativos alegadamente violados, devendo aliás salientar-se que no tocante à invocação do artigo 50º do IRS não se diz nem se vislumbra onde se verifica in casu o respectivo cabimento. Nesta conformidade mau grado o Sr. Juiz a quo não se tenha pronunciado sobre a questão em análise, apreciada a mesma concluímos que a pretensão do agravante carece de fundamento jurídico em que se possa basear, o que dita o não provimento do agravo.
Poderá então concluir-se:
1) Não existe hoje, ao contrário do que sucedia na primitiva redacção do artigo 1342º do Código de Processo Civil, norma segundo a qual a falta de resposta da outra parte quanto à alegação de existência de uma dívida activa em processo de inventário por parte do cabeça de casal se traduzia na respectiva aceitação. 2) Nestes casos rege hoje o artigo 1334º do Código de Processo Civil o qual manda aplicar à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, o disposto nos artigos 302º a 304º. Assim por força do artigo 303º nº 3 do citado Diploma Legal estatui que "A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere que será em princípio a confissão dos factos do incidente, mas não já o direito aplicável aos mesmos. 3) Tendo em reclamação contra uma dívida activa do cabeça de casal o devedor dito aceitar apenas uma determinada importância, não tem que se pronunciar sobre um requerimento ulterior onde se pretender ver a mesma actualizada de harmonia com os índices de inflação. 4) Reclamando o cabeça de casal em processo de inventário um crédito pecuniário o mesmo não está à partida sujeito a actualização dado que se lhe aplica o princípio nominalista segundo o qual "o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário". * 3. DECISÃO.
Pelo exposto acorda-se em julgar não provido o agravo mantendo assim o despacho em crise. Custas pelo agravante.
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