Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: SANEADOR SENTENÇA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
PODER PATERNAL
ALIMENTOS
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 130º, 1 877º, 1 881º DO CÓDIGO CIVIL E 10º A CONTRARIO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. O saneador sentença não tem que pronu-nciar-se sobre questões que já antes foram decididas por despacho autónomo.
2. Consequentemente, não tem que e nem deve abordar a problemática de intervenção principal de um interessado na lide já decidida negativamente por despacho com trânsito em julgado.

3. Perfazendo o menor 18 anos de idade, cessam os poderes de representação da mãe que vinha exercendo o poder paternal; e tendo o outro progenitor pago sempre as importâncias em dívida até o menor atingir a maiori-dade, terminam em princípio os seus deveres de alimen-tos para com filho.

4. Mau grado a Lei preveja a possibilidade de que a obrigação de alimentos do progenitor se prolongue pelo tempo razoavelmente necessário a que a formação profissional do filho se complete, certo é que comple-tados 18 anos, apenas este último tem legitimidade activa para fazer valer os seus direitos face ao obri-gado.

5. Para tanto poderá o interessado instaurar acção em que seja erigida como causa de pedir precisamente o facto de estarem ainda a decorrer os estudos com vista à respectiva formação, carecendo assim da permanência da obrigação de alimentos por parte do/s progenitor/es.

6. Os embargos a uma execução por alimentos estão limitados pelo âmbito desta última, que por seu turno se encontra balizada pelo alcance do título executivo que lhe está subjacente.

7. Assim sendo, não é possível nos embargos deci-dir do prolongamento da obrigação de alimentos a cargo do embargante em virtude de o filho, que entretanto atingiu a maioridade necessitar ainda de alimentos do progenitor.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra.
A... veio intentar contra B... para haver dele o pagamento da quantia de € 9.176,56 de prestações ali-mentícias vencidas e respectivos juros em débito pelo executado ao seu filho C....
O executado deduziu os presentes embargos pedindo que julgados os mesmos procedentes, seja a execução julgada extinta.
Alega para tanto e em síntese, que a exequente A... é parte ilegítima; na verdade, veio a mesma dar à execução a sentença homolo-gatória de um acordo de exercício do poder paternal relativo ao seu filho, então menor, C..., alcançada no processo de divórcio por mútuo consentimento, apenso.
O filho do embargante entretanto completou os 18 anos em 2.11.2000. O pai pagou-lhe alimentos até Novem-bro de 2000 e a partir dessa ocasião nada mais pagou, nem era seu dever fazê-lo, já que a obrigação alimentí-cia cessou na data em que atingiu a maioridade.
Os embargos foram liminarmente admitidos e a embar-gada veio contestá-los, pedindo a sua improcedên-cia.
Para tanto alega que o executado-embargante bem sabe que o seu filho continua a estudar, estando matri-culado na escola Superior de Tecnologia do Mar – Insti-tuto Politécnico de Leiria. Na verdade o Marco é já de maior idade; no entanto, o seu direito a alimentos por parte do pai não cessou quando atingiu os 18 anos.
Para a eventualidade de se decidir que é parte ile-gítima na acção, requer a embargada a intervenção principal provocada do seu filho nos autos.
A Sra. Juiz a fls. 30 indeferiu o pedido de inter-venção principal provocada de C....
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância; e julgando-se a Sra. Juiz apta a proferir a decisão final, em virtude de para tanto dispor já de todos os elementos, julgou os presentes embargos de executado procedentes e assim declarou extinta a execu-ção com todas as consequências legais.
Daí o presente recurso de apelação interposto pela exequente-embargada, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão apelada.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões.


1) A Agravante intentou execução contra o execu-tado, e alegou o que acima se transcreveu;
2) O Embargante deduziu embargos e alegou a falta de legitimidade da Alegante; esta, na resposta às excepções, requereu a intervenção provocada nos termos do disposto nos artigos 325º e seguintes do CPC do C....
3) Por sentença, de fls., foi decidido... nos ter-mos do disposto nos artigos 813º, alíneas c) e g) do C.P. Civil, considero os presentes embargos de execu-tado procedentes, por provados e em consequência declaro que a execução de que são apenso extinta com as legais consequências”,
4) Em nenhuma parte da sentença recorrida foi deci-dida a questão do requerimento apresentado pela Alegante, nomeadamente do chamamento a esta execução do C..., nos termos do disposto nos artigos 325º ss do Código de Processo Civil.
5) A sentença recorrida é nula, por omissão de pro-núncia, nos termos do disposto na alínea d) artigo 668º do Código de Processo Civil.
6) Era sempre admissível a intervenção do Marco, dado que o valor peticionado na execução, se destinava a fazer face às despesas suportadas pela Alegante com a
educação e alimentos do seu filho. O agravado enquanto o pai, não quis pagar nada mais desde o dia em que o filho fez 18 anos de idade,
7) Não é pelo facto dos filhos fazerem 18 anos de idade que o pai fica desobrigado de pagar o seu sus-tento e estudos.
8) O filho do embargante estuda e quem o tem sus-tentado é apenas a sua mãe, porque o seu pai nunca mais entregou qualquer importância a título de alimentos, ou de qualquer outra forma;
9) A Alegante, mesmo depois da maioridade do Marco, tem legitimidade para propor a execução como fez;
10) Se assim não fosse, teria sempre direito a ser cha-mado à execução o Marco, e aí fazer valer os seus direitos;
11) Não tendo a Sra. Juiz assim entendido, decidiu deficientemente, e como tal, tem a sentença de ser revogada;
12) A interpretação constante da sentença recor-rida está errada, e não tem qualquer fundamento legal;
13) A legitimidade para propor execuções analisa-se pelo disposto no artigo 26º do CPC, e segundo o dis-posto no nº 1 do mesmo normativo legal: “O Autor é parte legítima quando tem interesse directo em deman-dar… “;
14) O nº 2 dispõe: “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção”,
15) E por sua vez o nº 3 da mesma disposição legal dispõe: “Na falta de indicação da lei em contrá-rio, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação contro-vertida tal como é configurada pelo Autor”;
16) Dúvidas não existem de que a Alegante é parte legítima e quanto tal, têm direito a pedir a execução do executado, para que este paga o que prometeu para alimentos do seu filho Marco;
17) Se assim se não decidir, terá de ser chamado o C... à execução, e prosseguir esta depois da sua intervenção, anulando-se assim tudo o que está em contrário, nomeadamente a sentença recorrida;
18) Terá de ser Revogada a sentença recorrida, por erro de interpretação das normas legais que são referi-das em tal sentença, e ainda por violação do disposto no artigo 26º do CPC;
20) A sentença recorrida viola o disposto no artigo 668º do CPC, por falta de fundamentação, e é omissa quanto à indicação dos fundamentos, quer de facto quer de direito;
21) Se assim se não decidir, terá de ser chamado o C... à execução, e prosseguir esta depois da sua intervenção, anulando-se consequentemente tudo o
que está em contrário, nomeadamente a sentença recor-rida;
22) Mostram-se violadas as normas referidas na sen-tença apelada e ainda o disposto no artigo 26º do CPC;
Contra-alegou a apelada pugnando pela confirmação da sentença apelada.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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2.1. Factos.

Os factos que interessam à decisão da causa cons-tam a fls. da decisão apelada.
Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.
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2.2. O Direito.
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Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Da pretensa nulidade da sentença a que se reporta o artigo 668º alínea d) do Código de Processo Civil. Caso julgado.
- Da ilegitimidade da requerente e extinção da obrigação.
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2.2.1. Da pretensa nulidade da sentença a que se reporta o artigo 668º alínea d) do Código de Processo Civil. Caso julgado.

A sentença apelada julgou procedentes os embargos e considerou extinta a obrigação de alimentos.
A embargada A... apela e começa por arguir a nulidade da sentença a que se reporta a alínea d) do artigo 668º do Código de Pro-cesso Civil que se traduz no facto de "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conheci-mento". No entender da apelante o aresto em causa não se pronunciou sobre o chamamento para intervir na lide do filho C....
A apelante não tem razão; na verdade como se pode ver de folhas 29 ss, o incidente de intervenção provo-cada foi analisado e decidido de forma clara e exaus-tiva pela Sra. Juiz no sentido do respectivo indeferi-mento a 31 de Maio de 2004, tendo sido expedida carta para notificação da ora apelante a 2/6/2004; caso não concordasse com os seus termos, a embargada haveria que ter interposto recurso de agravo, o que não fez. Nesta conformidade, para além de não ser essa a sua função, não tinha o despacho saneador-sentença que pronunciar-se sobre uma questão que já estava transitada por não ter sido impugnada.
Nesta conformidade improcede a arguição de nuli-dade.
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2.2.2. Da ilegitimidade da requerente e extinção da obrigação.

A sentença apelada julgou procedentes os embargos alegando duas ordens de razões; a embargada sempre seria parte ilegítima porque com a maioridade do menor C..., ocorrida a 2/11/2000, cessaram os seus poderes de representação. Por outro lado a obrigação mostra-se extinta já que o embargante pagou sempre as importâncias em dívida até o menor perfazer 18 anos, pelo que cessam com a maioridade os deveres do progeni-tor em relação a ele.
Decidindo:
De harmonia com o que estatuem os artigos 130º, 1 877º, 1 881º do Código Civil e 10º a contrario do Código de Processo Civil, atingindo o menor a maiori-dade, adquire o mesmo a sua plena capacidade de exercí-cio de direitos; por outro lado, cessam em princípio os deveres nomeadamente de alimentos em relação ao mesmo.
No processo de que os presentes embargos são depen-dência, executa-se um título em que figura como executado o embargante e como exequente o seu filho menor. Simplesmente esse mesmo título pressupõe a con-dição de menor do C...; e esta situação, que entretanto se alterou, acarretava duas ordens de conse-quências: por um lado legitimava a representa-ção do menor e por outro conferia-lhe o direito a haver ali-mentos do executado embargante.
É bem certo que consciente da expansão escolar que se traduziu no aumento do número de alunos bem como o acréscimo de anos de estudo, o Legislador prevê hoje no artigo 1 880º do Código Civil que " Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver comple-tado a sua formação profissional, manter-se-á a obriga-ção a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cum-primento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete". Simplesmente para que o filho da embargada pudesse beneficiar desta situação a nível executivo, seria necessário que a mesma estivesse contemplada no respectivo título; na verdade e como estatui o artigo 45º do Código de Pro-cesso Civil, "Toda a execução tem por base um título, pelo qual se deter-minam o fim e os limites da acção executiva". Ora o que aqui se executa é um título que se reporta a uma obri-gação de alimentos sem a ocorrên-cia de factos que a prolonguem no tempo devido às cir-cunstâncias a que ape-lante se referia, mas que não podem ser ventiladas nos presentes embargos, atenta a sua dependência da acção executiva. A obrigação de alimen-tos com fundamento no artigo 1 879º do Código Civil para que pudesse ser exe-quível teria de constar do título Poderá consultar-se num caso idêntico o Ac. da Rel. de Évora de 15-4-1999 (R. 893/98) in Bol. do Min. da Just., 486, 373 (só o sumário).

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De todo o exposto flui que a maioridade do C... acarreta pois para além da ilegitimidade da embargada, também a extinção da acção executiva, tendo em linha de conta o modo como vem configurado o respec-tivo título.
Assim sendo a sentença terá que ser confirmada improcedendo pois a apelação.

Do exposto pode então concluir-se:

1) O despacho saneador sentença não tem que pronu-nciar-se sobre questões que já antes foram decididas por despacho autónomo.
Consequentemente,
2) Não tem que e nem deve abordar a problemática de intervenção principal de um interessado na lide já decidida negativamente por despacho com trânsito em julgado.
3) Perfazendo o menor 18 anos de idade, cessam os poderes de representação da mãe que vinha exercendo o poder paternal; e tendo o outro progenitor pago sempre as importâncias em dívida até o menor atingir a maiori-dade, terminam em princípio os seus deveres de alimen-tos para com filho.
4) Mau grado a Lei preveja a possibilidade de que a obrigação de alimentos do progenitor se prolongue pelo tempo razoavelmente necessário a que a formação profissional do filho se complete, certo é que comple-tados 18 anos, apenas este último tem legitimidade activa para fazer valer os seus direitos face ao obri-gado.
5) Para tanto poderá o interessado instaurar acção em que seja erigida como causa de pedir precisamente o facto de estarem ainda a decorrer os estudos com vista à respectiva formação, carecendo assim da permanência da obrigação de alimentos por parte do/s progenitor/es.
6) Os embargos a uma execução por alimentos estão limitados pelo âmbito desta última, que por seu turno se encontra balizada pelo alcance do título executivo que lhe está subjacente.
7) Assim sendo, não é possível nos embargos deci-dir do prolongamento da obrigação de alimentos a cargo do embargante em virtude de o filho, que entretanto atingiu a maioridade necessitar ainda de alimentos do progenitor.
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3. DECISÃO.
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Pelo exposto decide-se o seguinte:
Julga-se a apelação improcedente e confirma-se o saneador-sentença apelado.
Custas pela apelante.