Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/10.0GJCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
RECUSA DE DEPOIMENTO
Data do Acordão: 09/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 129º E 134º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O depoimento indirecto não é admissível, e, portanto, não pode ser valorado, se o depoimento da testemunha originária, apesar de ser possível, não tiver sido realizado, isto é, quando a testemunha originária não depôs porque não foi chamada a tribunal ou porque (validamente) se recusou a depor (art.ºs 129º e 134º, do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 63/10.0GJCTB que corre termos no Tribunal Judicial de Castelo Branco, 3º Juízo, foi proferido acórdão, em 7/3/2012, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:
III - Dispositivo:
Atento todo o exposto, decide-se julgar procedente por provada a acusação do Ministério Público, e, nesta conformidade:
1. Condena-se o arguido A...:
1.1. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, 145º, n.ºs 1 a) e 2, e 132º, n.º 2 a), todos do C. Penal, na pena de 12 meses de prisão;
1.2. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, 145º, n.ºs 1 a) e 2, e 132º, n.º 2 a), todos do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão;
1.3. pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts. 153º e 155º, n.º 1 a), ambos do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão;
Nos termos do art. 77º, do C. Penal, condena-se o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC”.

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Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 27/3/2012, o arguido, defendendo a sua substituição por outra que o absolva, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. O arguido é um doente mental grave que padece ainda de distúrbio psicótico predominantemente polimórfico.
2. O QI (quociente intelectual) do arguido tem um amplitude de 20 a 34 graus, a que corresponde, em adultos, uma idade mental de 3 a menos de 6 anos.
3. Em consequência desta deficiência mental e deste didtúrbio psicótico não podem ter-se como provados os factos 4 e 8 da Fundamentação do Acórdão, de resto meras conclusões ou juízos, sem suporte documental ou outros factos provados de que possam ser deduzidos.
4. A doença mental grave e os distúrbios psicóticos de que padece o arguido comprometem a sua consciência da ilicitude e reduzem a sua culpa a zero.
5. Não podem ter-se como provados os factos que resultam dos depoimentos dos dois agentes da GNR, por não ter sido feito o seu confronto com a fonte, depois de prestados.
6. Não é possível saber se os agentes da GNR tiveram ou não capacidade para avaliar a veracidade ou falsidade do que lhes foi relatado.
7. Não podem ter-se como provados os factos das alíneas a), b) e c) do n.º 9 desta Motivação, uma vez que os pais do arguido não prestaram depoimento na audiência e da acta não consta que tivesse sido autorizada a leitura dos depoimentos que porventura prestaram no inquérito.
8. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, e o disposto nos artigos 128º/1 e 129º/1, do CPP, pelo que deve ser revogado, absolvendo-se o réu
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 3/5/2012, respondeu ao recurso, defendendo a sua total improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. Nunca o arguido colocou em causa a sua imputabilidade penal ou requereu perícia para se aferir da mesma, podendo fazê-lo.
O arguido sofre de doença mental grave classificada com os seguintes diagnósticos: debilidade mental ligeira; alterações do comportamento associadas a consumo de álcool com heteroagressividade; dependência alcoólica continuada; síndrome de privação alcoólica e depressão secundária ao alcoolismo.
Nada permite concluir que, de acordo com tal quadro, seja o arguido inimputável e muito menos fazendo a ligação entre tal quadro clínico e a idade mental, para daí se concluir que é inimputável em razão da doença mas por reporte à idade mental, parecendo o recorrente confundir os conceitos de imputabilidade em razão da idade e imputabilidade em razão de anomalia psíquica.
O arguido padece da doença em causa por força da dependência alcoólica que apresenta.
Não está, pois, comprometida a sua consciência da ilicitude ou reduzida a zero a sua culpa, como pretende o arguido.
2. O Tribunal Colectivo valorou, e bem, as declarações dos agentes da GNR na parte em que se referiram ao que ouviram da boca dos pais do arguido, maxime do ofendido B..., não obstante estes se terem remetido ao silêncio em audiência. Nesse sentido se orienta a disciplina, de entre vários outros arestos – além dos citados na decisão recorrida – das seguintes decisões dos Tribunais Superiores: Ac. do TRC, de 30/11/2005, in www.dgsi.pt, Ac. do TRC, de 26/6/2002, in www.dgsi.pt, e AC. TRC, de 10/12/2003, in www.dgsi.pt.
3. Quanto ao referido pelo recorrente no que toca à circunstância de não poder – na sua perspectiva – o tribunal dar por provada a matéria constante do ponto 9 da sua motivação de recurso (condições de vida do arguido), por se fazer alusão em tal factualidade ao que disseram/relataram/referiram os pais do arguido, sendo certo que estes não prestaram declarações em audiência, apenas se dirá que tal factualidade se considerou provada - como da fundamentação do acórdão recorrido consta - com base no relatório social elaborado pelos serviços competentes e quando nos factos provados o Tribunal alude às declarações dos pais do arguido não se refere às declarações destes em audiência, mas – como é óbvio - às declarações que estes prestaram aos técnicos de serviço social que elaboraram tal relatório.
4. Não se mostram violadas, pois, quaisquer normas legais, designadamente as apontadas pelo recorrente.
5. A decisão recorrida não enferma de qualquer vício ou imperfeição técnica que a torne impugnável, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
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O recurso foi, em 18/5/2012, admitido.
Já no Tribunal da Relação de Coimbra, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 28/5/2012, douto parecer, no qual acompanhou a resposta do Ministério Público da 1ª instância, defendendo, assim, a improcedência total do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida:
“(…)
II – Fundamentação:
A) Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
B) Da acusação pública:
1) O arguido é filho de B... e, pelo menos no período compreendido entre os meses de Novembro de 2010 e Março de 2011, inclusive, pelo menos frequentou a residência dos progenitores sita na Rua ….
2) e 3) No dia 15 de Novembro de 2010, à noite, na residência identificada em 1), o arguido apertou o pescoço do ofendido B... e disse-lhe que o havia de matar.
4) O arguido sabia que a expressão por si proferida era adequada a causar receio e inquietação no ofendido de que o arguido viesse a atingi-lo na sua integridade física e vida, o que quis e conseguiu.
5) No dia 8 de Março de 2011, cerca das 20H30, igualmente no interior da referida residência, o arguido desferiu um murro no nariz do ofendido B....
6) Como consequência, direta e necessária, de tal agressão o ofendido sofreu as lesões descritas e examinadas na perícia de avaliação do dano corporal de fls 81 a 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente equimose de cor arroxeada sobre o dorso do nariz, que determinaram para a sua cura um período de dez dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
7) Com as condutas descritas nos pontos 3) e 5), o arguido quis molestar fisicamente o ofendido B..., seu pai, o que conseguiu.
8) Atuou o arguido de modo livre e voluntário, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9) O arguido fora condenado por acórdão transitado em julgado no dia 16-09-2010, no Proc. Comum Colectivo n° 64/07.6GJCTB, do 3º Juízo deste Tribunal, pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada, um na forma tentada e outro consumado, em que figura como ofendido o aqui ofendido, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, sob regime de prova.­
10) O arguido padece de distúrbios mentais e de comportamento secundários ao uso do álcool e distúrbio psicótico predominantemente.
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Outros factos:

O arguido fez internamento compulsivo no Serviço de Adições do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra, de 4 de Maio a 16 de Junho de 2008 por violência e agressões a terceiros associado ao consumo de álcool. Após o internamento veio a consulta em ambulatório em 13/8/2008, com o tio C..., com quem estava a trabalhar. Mantinha consumos de bebidas alcoólicas e tinha elevada taxa de absentismo. Reformulou-se projecto terapêutico. Em 17/9/2008 voltou à consulta, a situação tinha­-se agravado substancialmente.

Atendendo que estava a ser difícil controlar a situação à distância, foi o seu processo transferido para o Departamento de Psiquiatria do Hospital … .

O doente sofre de doença mental grave, classificada de acordo com a 9a Classificação Internacional de Doenças (CID9) com os seguintes diagnósticos:

1. Debilidade Mental Ligeira – 317

2. Alterações do comportamento associado a consumo de álcool com heteroagressividade - 291.89

3. Dependência Alcoólica Continuada - 303.91

4. Síndrome de Privação Alcoólica - 291.3

5. Depressão Secundária ao Alcoolismo - 303.32

Na sequência do primeiro interrogatório judicial a que foi submetido, no dia 9 de Janeiro de 2010, onde lhe foi aplicada, a título coactivo, além do mais, a medida de proibição de permanência na habitação dos ofendidos seus pais e de contacto com os mesmos, o arguido veio a ser acolhido na Associação … , de onde veio a sair, a 1 de Junho de 2010, por sua iniciativa, alegadamente por incompatibilidade com as normas institucionais, passando a residir na Rua … , em Castelo Branco.

Enquanto esteve nesta Associação, desenvolveu trabalhos, sobretudo, de construção civil, sendo-lhe proporcionada cama, mesa e roupa lavada.

A partir de 22 de Janeiro, até 31 de Maio de 2010, não ingeriu bebidas alcoólicas, afirmando o mesmo ter continuado nesse registo após essa data.

Em Castelo Branco, o arguido, desde 4 de Junho de 2010, encontrava-se a residir num quarto, pelo que suportava o custo mensal de €130, 00. Depois, regressou para casa dos pais.

Desde que saiu da dita Associação, efetuou trabalhos esporádicos de construção civil para empreiteiro da área, desconhecendo quanto irá auferir de vencimento.

Entretanto, sobreviveu da ajuda financeira de um amigo.

O arguido possui um filho com 20 anos de idade, desconhecido dos avós paternos; filho esse que o arguido não vê desde os 4 anos daquele, nem contribui para o respetivo sustento.

O arguido possui o 6º ano de escolaridade.

O agregado familiar, constituído pelo arguido, pelo menos até Abril de 2011, e seus pais, reside em … , numa habitação rústica, inserida numa comunidade rural.

O filho A... residia na mesma habitação, no entanto, dormitava numa divisão à parte de onde pernoitam os pais.

O Sr. B... tem uma pensão de invalidez no valor de 303,23 euros e Complemento Solidário para idosos (CSI) no valor de 5,52 euros.

A D. D... beneficia de CSI no valor de 280,48 euros.

O filho A... beneficia de pensão por invalidez desde 12/2010 desde 207,06 euros.

O casal constituído pelos pais do arguido apresenta um aspecto bastante desgastante e fatigado, devido à situação familiar que vive constantemente com este filho.

De acordo com as palavras dos pais, o seu filho A... encontra-se a ser acompanhado num departamento do Hospital Amato Lusitano em Castelo Branco, que não souberam especificar.

A... encontra-se a tomar medicação, no entanto, o mesmo tem períodos em que toma a medicação, juntando álcool e drogas, levando a que o mesmo tenha um comportamento agressivo em termos verbais e físicos com os pais, principalmente com o pai.

Os pais do arguido referem que viviam com medo noite e dia, principalmente quando sabiam que o mesmo se encontrava alcoolizado.

O casal relatou que houve "dezenas" de noites que tiveram que ir passar a palheiros na área geográfica em que residem, pelo medo que sentem do filho. Mencionou ainda que o arguido os ameaça constantemente, por causa da presença da GNR, devido ao medo que sente em possivelmente poder ir preso.

Os pais relataram que não têm «paz» nas suas vidas e que «já perderam anos de vida» por nunca ter sido nada feito em relação ao filho, referindo que o mesmo necessitava de ser internado para tratar da sua saúde e os poder deixar viver sem medo.

O arguido abandonou a residência dos pais em … no dia 26 de Abril de 2011. Desde essa data permaneceu alguns dias em pensões e a partir do dia 29 de Abril por dificuldades económicas passou a pernoitar na rua.

A Equipa de Reinserção Social Beira Sul - Castelo Branco atendendo à situação procurou junto do arguido, um encaminhamento para alternativas familiares em Castelo Branco e em … , não tendo obtido resposta positiva.

-Foi efectuado contacto com a Associação Projecto do Homem - Casa de Reinserção, em Castelo Branco tendo sido informados que nesta residência não existe vaga, nem disponibilidade para o receber, uma vez que o arguido já permaneceu algum tempo na Instituição e não cumpriu as regras internas. No entanto, a técnica responsável iria diligenciar no sentido de apurar se existe a possibilidade de colocação de A... numa outra valência do Projecto Homem em Abrantes (onde o arguido também já esteve).

O arguido, devido à situação que atravessa, tem vindo a comparecer assiduamente nos Serviços de Reinserção Social para além das entrevistas que lhe são marcadas. Verifica-se em A..., grande ansiedade e algum descontrolo nos seus comportamentos.

Tem comparecido nas consultas relativas à sua problemática do alcoolismo, não estando sujeito a terapêutica medicamentosa.

Também tem comparecido nas consultas de psiquiatria e seguido a prescrição medicamentosa, essencial para a sua estabilidade comportamental e emocional.

O arguido, quando residia com os pais, ajudava a mãe, sobretudo na toma da medicação, devido às dificuldades de visão desta última.

O arguido reside em quarto arrendado, na morada acima indicada, suportando renda de €130, 00 mensais.

São conhecidos ao arguido os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença transitada em julgado a 06.05.2008, proferida no âmbito do PCS n.º 46/06.5GJCTB, do 1º Juízo, deste tribunal, datada de 03.11.2008, relativamente a factos praticados a 19.11.2006, integrantes de um crime de embriaguez e intoxicação, p. e p. pelo art. 295º, n.º 1, do C.Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de €2, 50, já extinta;

- Por sentença transitada em julgado a 08.03.2010, proferida no âmbito do PCS 11/09.0GICTB, do 2º Juízo, deste tribunal, datada de 04.02.2010, relativamente a factos praticados a 21.04.2009, integrantes de um crime de um crime de ameaça agravada e um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 160 dias de multa, à taxa diária de €5, 00;

- Por sentença transitada em julgado a 16.06.2010, proferida no âmbito do PCS 730/09.1PBCTB, do 3º Juízo, deste Tribunal, datada de 17.05.2010, relativamente a factos praticados a 14.10.2009, integrantes de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do C.Penal, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de ficar sujeito a acompanhamento/regime de prova.

- Por acórdão transitado em julgado a 16.09.2010, proferido no âmbito do PCC 64/07.6GJCTB, do 3º Juízo, deste Tribunal, datado de 30.06.2010, relativamente a factos praticados no verão de 2007, 4 de Maio de 2008, meados de 2008, 22 de Novembro de 2009 e 7 e 8 de Janeiro de 2010, integrantes de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão, um crime de ofensa à integridade física, na pena de 24 meses de prisão, e na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

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Factos não provados:

Da acusação pública (além dos que estão em contradição directa com os assentes):

No período compreendido entre os meses de Novembro de 2010 e Março de 2011, inclusive, residiu na habitação dos progenitores sita na Rua da Calçada, s/n, Vale de Figueira.

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C)Convicção Probatória:

O arguido remeteu-se ao silêncio e os seus pais – B... e D... dos Anjos Martins - recusaram-se a prestar depoimento.

Porém, as testemunhas … , ambos militares da GNR, pelo menos em Novembro de 2010, em exercício de funções no posto territorial de … , confirmando o auto de denúncia de fls. 4-5, deram conta – situação, aliás, frequente, como referiram - ter sido dada notícia ao posto de Alcains (a que o posto de … pertence), pelo próprio B..., que precisava da proteção policial, por causa do comportamento do filho.

Tendo-se dirigido ao local, no dia 16 de Novembro, já B... Martins se encontrava à entrada da povoação, referindo-lhes que o arguido, no dia anterior, à noite, lhe tinha apertado o pescoço e lhe tinha dito que o havia de matar. O terror com que o queixoso se apresentava era tal que suplicou a estas testemunha s para não se dirigirem à sua residência nesse momento, pois que o arguido aí se encontrava, e reagia mal à presença ou ao conhecimento de que o pai se teria queixado, de novo, à GNR.

Quanto à residência do arguido, nessa altura, foi referido que o mesmo frequentava a casa dos pais, embora dormisse num anexo da mesma, o que estas testemunhas puderam, inclusive, constatar com a deslocação, em data posterior, a esse local. Isso mesmo foi também confirmado pela testemunha Alexandra Dionísio, técnica de serviço social que teve contato com os pais do arguido, no âmbito do processo de atribuição do rendimento social de inserção, e, por arrastamento, com este último apercebendo-se do relacionamento tempestuoso entre pai e filho, sobretudo quanto um ou ambos e sobretudo o arguido, ingerem bebida s alcoólicas.

Por seu lado, quanto aos fatos datados de 8 de Março de 2011, a testemunha … deu deles conta, por se ter deslocado, mais uma vez, na sequência de contato aflito de B... para a GNR de … , estando o queixoso à sua espera, novamente, à entrada da povoação, para que o arguido se não apercebesse que a força policial tinha sido contatada.

Então, confirmando o auto de notícia de fls. 71-74, referiu ter visto sangue na zona nasal de B..., que o próprio atribuiu ao murro que o filho aqui arguido lhe tinha desferido no nariz, o que a perícia de fls 81 a 83 também complementa.

Será que poderemos valorar os depoimento dos elementos da GNR, perante o silêncio legal dos pais do arguido, maxime de B...?

O Ac. do STJ, de 23.09.1995 (BMJ, 445, 279) ajuizou no sentido de que as conversas informais no decurso de uma investigação com diversas pessoas, designadamente com o arguido, e as informações daí resultantes, podem ser valoradas e não são uma forma de contornar o disposto no art. 356º, n.º 7 do C.P.P., a menos que se provasse que o agente investigador agiu deliberadamente escolher aquele meio para evitar a proibição da leitura das declarações em audiência.

No mesmo sentido, ainda ao nível da jurisprudência do nosso mais alto tribunal, da jurisdição comum, o Ac. de 22.04.2004 (1).

Com efeito, até à constituição como arguido, o processo de obtenção das diversas declarações logrou cobertura legal, nomeadamente, nos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.os 1 e 2 al. a) e b) do CPP.

Daí que, ao serem inquiridos os referidos agentes sobre o acontecido nessas diligências, não tenham deposto sobre matérias proibidas (2), o mesmo sucedendo quando inquiridos sobre as conversas informais mantidas com os intervenientes processuais – arguidos, testemunhas ou declarantes.

Com efeito, pressupostos do direito ao silêncio são a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da aquisição dessa qualidade, este assume um estatuto próprio, com direitos e deveres e, entre aqueles, o direito de não se auto-incriminar. Daí que as suas declarações só possam ser recolhidas e valoradas nos precisos termos legais, não detendo validade probatória as “conversas informais”.

Diversamente, em fase anterior, não há ainda inquérito instaurado, não existem ainda arguidos constituídos. As informações que forem então recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (3).

Estatui o art. 129.º do C.P.Penal (depoimento indirecto)

«1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.

3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».

Estes depoimentos indirectos só podem ser valorados nos estritos limites permitidos na norma, por se tratar de excepção à regra do art. 128º, do C.P.Penal, só valendo relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha, quando a inquirição de quem disse não for possível por força das circunstâncias referidas na norma.

Pretende-se com tal proibição do depoimento indirecto que não valham como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouviu dizer.

Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha (excepção feita aos casos de impossibilidade superveniente de inquirição da pessoa indicada).

Concluímos, pois, como se escreve no Ac. da RC, de 13.12.2011 (4), que “não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio (…).

Deste modo, considera-se resultar do art. 129.º, n.º 1, em conjugação com o art. 128.º do Código Processo Penal, que o depoimento de uma testemunha que em audiência relata factos que um arguido lhe confessou, não é um depoimento indirecto, pois versa sobre factos de que directamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com a arguida”.

A este respeito, eloquente é também o Ac. da RP, de 9/2/2011 (5) , quando ajuíza que , “no âmbito do testemunho indirecto, a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos (…) é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer.

Ora, a regra é que o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo.

Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo.

Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos.

O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal.

No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já.

É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º, nº 5, da CRP. (…)

Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido [ou a uma testemunha que legitimamente se recusou a depor], que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.

Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal – art. 127º do CPP”.

Portanto, a resposta não pode deixar de ser afirmativa, com base nos referidos argumentos jurisprudenciais.

Mais considerámos o depoimento da testemunha indicada pelo arguido, sua tia, de nome … , a qual confirmou que o arguido ajudava a mãe, sobretudo na toma da medicação, devido às dificuldades de visão desta última.

Em termos documentais, valorámos também a informação psiquiátrica de fls 88, o relatório da segurança social de fls. 132 a 139 e 152 a 154, bem como a certidão do assento de nascimento do arguido, solicitada em sede de audiência de julgamento, bem como o CRC do arguido, complementado pela certidão da condenação transitada em julgado proferida no PCS 64/07.6GJCTB, do 3º Juízo deste Tribunal.

Quanto às circunstâncias de vida actual do arguido, considerámos as suas declarações, complementadas pelo relatório social junto aos presentes autos.

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D)Fundamentação Jurídica

a)Enquadramento jurídico-penal:

Nos termos do n.º 1, do art. 143º, “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Ao nível do tipo de ilícito objectivo, estamos perante um tipo de crime que pode ser cometido por qualquer pessoa e usando qualquer meio.

São elementos deste tipo de crime: a) Causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem; b) O dolo em relação a este facto (conhecimento e vontade – art. 14º do CP).

A ofensa no corpo, a que se reporta este artigo, tem que ser entendida em sentido médico-legal, significando, por conseguinte, lesão corporal.

“À luz do Código Penal (1982), ofensa corporal é a perturbação ilícita da integridade corporal e da saúde de outrem mas, em boa verdade e em rigor, as ditas ofensas corporais são ofensas pessoais, porquanto elas podem ser de nível somático (interessando o corpo), de nível psíquico (atingindo a mente) ou de nível que altere o funcionamento perfeito (saúde) de uma pessoa” (6).

Dito de outro modo, lesão corporal, na acepção médico-legal, será, pois, “uma alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou de funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas. Lesão refere-se, pois, quer à saúde física quer à saúde mental. Saúde é uma expressão que deve ser entendida como «um complexo de bem-estar físico, mental e social»” (7).

Em síntese, constituem características do tipo legal em apreço, por um lado, a produção de qualquer dano ocasionado por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou saúde (fisiológica ou mental) de outrem, traduzido em ofensa à “normalidade funcional do corpo ou do organismo humano, seja do ponto de vista anatómico, seja do ponto de vista fisiológico ou psíquico” (8).

“A violência lesiva da integridade anatómica é necessariamente física ou mecânica, importando, via de regra, uma solução de continuidade nos tecidos e derramamento de sangue” (9).

Por outro lado, “a lesão corporal é crime instantâneo: consuma-se com a acção ou a omissão produtiva do dano, pouco importando que ela perdure além da actividade causal” (10).

Por fim, as lesões corporais simples são as lesões no seu tipo fundamental, obtendo-se o seu conceito por exclusão de partes, não sendo acompanhadas de qualquer dos resultados previstos nas outras disposições legais referentes ao bem jurídico integridade física (11).

Nos termos do art. 145º, n.º 1, a), do C.Penal, “se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) com pena de prisão até quatro anos, no caso do artigo 143º”, sendo que são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2, do artigo 132º”.

Como refere Margarida Silva Pereira (12), “a caracterização do artigo 132,º do Código Penal passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe uma culpa especial e a permissão do recurso à analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos de afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa”.

A qualificação das ofensas tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa.

Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento

O especial tipo de culpa das ofensas qualificadas é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e á especial perversidade ou seja aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas (13).

A agravação da culpa tem, afinal, a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples.

A partir desses dois critérios (um generalizador e outro especializador), poder-se-á sintetizar assim a estrutura do tipo agravado: ocorre o homicídio qualificado, sempre que do facto resulta uma especial censurabilidade ou perversidade que possa ser imputada ao arguido por força da ocorrência de qualquer dos exemplos-padrão enumerados no n.º 2, ou, tendo estes uma natureza exemplificativa, sem deixarem de ser elementos constitutivos de um tipo de culpa, qualquer outra circunstância substancialmente análoga.

Em última análise, o que vem a conferir ao tipo qualificado características de tipo de culpa é o facto de ser sempre decisivo que da actuação do arguido, preenchendo uma qualquer circunstância coincidente com a do exemplo-padrão ou circunstância de estrutura análoga, resulte uma especial censurabilidade ou perversidade, pois se, não obstante ocorrer uma circunstância do tipo aludido, se não verificar aquela, a realização do tipo qualificado tem-se por excluída.

No caso da alínea a), do art. 132º, n.º 2, não é necessária qualquer motivação especial do agente para que o homicídio seja qualificado, bastando que o agente tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima, a pontos de ter vencido “as contra-motivações éticas relacionadas com os laços básicos de parentesco” (14).

Ora, no caso dos autos, não temos dúvidas em considerar que a actuação do arguido em relação ao seu pai é-lhe especialmente censurável, pois que nada na matéria assente dá conta de comportamento deste pai indigno dessa qualidade.

Ponto é que se prove a materialidade objectiva criminalmente punível, o que se logrou.

Portanto, condena-se o arguido pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada de que vem acusado.

Vejamos, agora, o crime de ameaça.

Dispõe o art. 153º:

“1 - Comete o crime de ameaça, quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.

O art. 153º, do CP, abre um capítulo novo, que consagra uma série de disposições atinentes à protecção da liberdade pessoal.

“Os chamados direitos de liberdade constituem uma unidade substancial (...) de direitos individuais. As diversas liberdades asseguradas ao homem e cidadão não são mais que faces de um mesmo poliedro: a liberdade individual. A primeira e mais genérica expressão desta é a liberdade pessoal (...). Compreende o interesse jurídico do indivíduo à imperturbada formação e actuação da sua vontade, (...). Trata-se, em suma, do direito à independência de injusto poder estranho sobre a nossa pessoa” (15).

Estamos em presença de um crime de resultado, “pois, para a sua consumação, é necessário que se produza, no ofendido:

- receio;
- medo;
- inquietação;
- prejuízo na liberdade de determinação” (16).
“O objecto da tutela penal é ambivalente: por um lado, é protegido o sossego e a tranquilidade individual contra os que, por meio de ameaça, procuram perturbar tais interesses; por outro lado, também se protege a liberdade de determinação e de acção (ou omissão), segundo os motivos próprios de cada indivíduo: a autonomia de volição e de acção individual. (...)

Segundo o sistema do nosso Código, a ameaça, por um lado, é punida pelo perigo que a acompanha e o alarme que pode inspirar, sendo conhecida; e, por outro, porque é um acto de natureza a causar, por si só, perturbação social, isto é: não lesando directamente a liberdade, perturba, contudo, a tranquilidade de ânimo, provocando um estado de agitação e incerteza no ofendido ameaçado que se não crê seguro na vida (...).

Temos, assim, um normativo que acolhe uma concepção de ameaça simultaneamente como um crime contra a tranquilidade individual e contra a liberdade” (17).

Dissecando um pouco mais o tipo legal (base) em apreço, no que concerne à ameaça ou anúncio da prática de um crime através da provocação de um receio, medo ou inquietação, “o que é preciso é demonstrar uma intenção de causar medo ou intranquilidade ao ofendido, e que a promessa se revista de aspecto sério. Ou seja, que o agente dê a impressão de estar resolvido a praticar o facto. Assim, o crime consuma-se logo que a ameaça atinge o ofendido e lhe causa medo. (...) O critério para averiguar a seriedade da ameaça será exactamente o resultado que a mesma produziu na pessoa ameaçada” (18).

Por seu turno, a propósito da ameaça da prática de um crime, de modo a prejudicar a liberdade de determinação, “consuma-se o delito com a ameaça susceptível de banir ou limitar a livre determinação da vontade, para o que se deve avaliar o prejuízo à liberdade da determinação individual tal como se apresenta ao ameaçado e não como o pode imaginar tranquilamente o jurista no seu gabinete. Na verdade, protege-se a liberdade de determinação segundo os motivos próprios de cada indivíduo” (19).

De qualquer modo, também se concorda com AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO (20), quando entende que o tipo em questão “exige apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado, (...) passando a crime de mera acção e de perigo”.

Por outro lado, o critério da adequação a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do ‘homem comum’); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das ‘sub-capacidades’ do ameaçado). (...). A conclusão a tirar é a de que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado. (...) Conclusão: o crime de ameaça, art. 153º, é um crime de perigo concreto” (21).

Agora, no que respeita ao tipo subjectivo, o crime em apreço exige o dolo. Este dolo exige e basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, pretendendo o agente que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário.

Contudo, “tendo em conta que o que releva é o critério do efeito e, portanto, a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade, é irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça” (22).

Por fim, a ameaça terá sempre que assumir a prática de um crime, sendo diversa a punição consoante a pena que corresponder ao crime ameaçado.

Somos então remetidos para a norma do art. 155º, n.º 1 a), do C.Penal:

“1 – Quando os factos previstos nos artigos 153º (…) forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos (…)
o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º (…)”.
Ora, revertendo para a matéria assente, dúvidas não restam – até pela expressão do arguido visando o seu pai - que incorreu na prática do crime em apreço, por que, consequentemente, se condena.

a)Feito desta forma o enquadramento jurídico-penal, importa agora determinar qual a natureza e medida da sanção a aplicar ao arguido.

Dispõe o art. 40º, n.º 1, do CPenal, que, “a aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

As exigências de prevenção geral de integração associadas à prática deste tipo de crimes são muito elevadas por o comportamento ilícito que lhe está subjacente ser “sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, fazendo perigar as expectativas dos restantes cidadãos na eficácia do ordenamento jurídico (...) A violência no seio familiar, quase sempre silenciada, é um dos grandes flagelos da nossa sociedade. Só uma cultura interiorizada de respeito pela dignidade poderá criar as condições de harmonia tão desejadas” (23).

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, prevenção geral positiva ou de reintegração, é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.

Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º1 do C. Penal, que é feita, dentro dos limites definidos na Lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.

Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício, no expressivo dizer do Ac. STJ de 01-4-98 (24).

Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela dos bens jurídicos que se alcança mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.

Dando concretização aos vectores enunciados, o n.º 2 do artigo 71.º, do Código Penal, enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.

No caso em apreço, tendo presente, a necessidade de prevenir o surgimento deste tipo de delitos, importa, desde já, não punir, exemplarmente, no sentido de fazer dos arguidos o bode expiatório da culpa de todos os outros crimes, antes de forma clara, segura, firme e veemente, para que a punição seja interiorizada pela sociedade e assim se satisfaça a prevenção geral, factores, que servirão de patamar mínimo à medida concreta das penas, levando em consideração a intensidade dolosa, no seu aspecto volitivo.

Vejamos, então, os crimes de ofensa à integridade física qualificada.

O crime praticado tem a seguinte moldura penal: um mês a quatro anos de prisão.

Tendo em conta a norma do art. 71º, do C.P., para a aferição da culpa do agente e das exigências de prevenção, destaque para os antecedentes criminais do arguido, onde perpassa a dependência alcoólica do arguido, desde logo com a condenação (invulgar) pela prática do crime p. e p. pelo art. 295º, do C.Penal, a relação deteriorada entre este filho e os seus pais (que já vem desde a fatualidade apreciada no PCC 64/07.6GJCTB, do 3º Juízo deste Tribunal, ou seja, desde 2007), os escassos recursos para autosustento por parte do arguido, não obstante a idade do mesmo, o estado de doença dos pais do arguido e os seus muito parcos rendimentos, e, em especial, a renovação de condutas da mesma natureza das ajuizadas no referido processo criminal, no período de suspensão da execução da pena de prisão aí aplicada e estando o mesmo proibido de sequer se deslocar à residência dos pais, no dito período, entendem-se ajustadas as seguintes penas parcelares - 12 meses de prisão para o «apertar do pescoço» e 18 meses de prisão, para o «murro no nariz».

No que tange ao crime de ameaça, é prevista a punição em alternativa com pena de prisão ou multa.

Considerando os antecedentes criminais do arguido e, em especial o ter sido sancionado por comportamentos graves desajustados em relação aos pais, estando a decorrer período probatório para si, a pena de prisão mostra-se necessária para acautelar as exigências de prevenção que, in casu, se impõem.

Assim, numa moldura de um mês a dois anos de prisão, valorando, contra o arguido, a relação de parentesco com a vítima, o fato de a ameaça se reportar à prática de crime punível com pena mínima de 8 anos de prisão e os seus antecedentes criminais, sem que o cumprimento aparente das prescrições médicas, medicamentosas e técnicas (ao nível da reinserção social) impressione, pois que os presentes autos constituem flagrante desrespeito do julgado proferido no referido PCC 64/07.6GJCTB, condena-se na pena de 10 meses de prisão.

Agora, a pena única.

Nos termos do art. 77º, do C.Penal, atendendo aos factos (graves, atentos os valores pessoais e pessoas em causa e à duração temporal do ambiente familiar deteriorado, por causa do arguido) e à personalidade do arguido (registo para o padrão desviante causado pela ingestão imoderada e incontrolada de bebidas alcoólicas, de que continuamos a não ter prova de que tenha passado para a fase de abstinência, não obstante a assiduidade às consultas), entendemos ajustada a pena única de 2 anos e 5 meses de prisão.

Impõe-se ponderar a eventual suspensão da execução da pena de prisão.

Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do C.Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos será suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente quer a protecção dos bens jurídicos, quer a reintegração do agente na sociedade.

A suspensão da execução da pena de prisão contemplada no artigo 50.º, do Código Penal, constitui um substitutivo das penas privativas da liberdade, aceite pelo legislador como instrumento capaz de sanar o mal produzido à comunidade pela acção do delinquente, sem outras consequências mais drásticas.

Como tal, foi pensada para situações criminosas menos graves (censuradas com prisão até cinco anos) e quando seja de perspectivar, através de uma prognose favorável, assente em factores conhecidos (personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime, circunstâncias deste), que é possível, mantendo o agente no seio da vida comunitária, proteger os bens jurídicos afectados pelo seu comportamento (protecção de bens jurídicos) e recuperar o infractor (reintegração do agente na sociedade).

Não obstante, a suspensão da pena de prisão, assumindo-se como medida pedagógica inscrita nas finalidades da punição e apresentando-se como uma das mais gratas apostas do legislador, tinha que revestir-se, como se reveste, das características de um poder-dever, o que significa que o julgador, perante uma situação que formalmente viabiliza o seu uso, tem que equacionar sempre a possibilidade de a ela recorrer, fundamentando a sua opção quando o não faça.

No caso sub judice, este arguido já tem antecedentes criminais, sendo o último por fatos semelhantes, quanto ao modus operandi e à vítima, aos ora em julgamento e no período de suspensão que aí lhe foi concedido.

É certo que, presentemente e desde Abril de 2011, o arguido não frequenta a residência dos pais, nem pernoita no anexo desta última. Mas, na data do julgamento no PCC 64/07.6GJCTB, o arguido também não frequentava a referida residência, nem pernoitava no dito anexo, tendo ficado, inclusive, proibido de ter qualquer contato com os pais.

Ora, atendendo ao valor da renda e à pensão de reforma atribuída ao arguido, não se estranha que o mesmo volte a procurar abrigo junto dos pais, reeditando-se os comportamentos que agora estão sub judice.

Assim sendo, não consegue o tribunal formular um juízo de prognose favorável à não comissão, por parte do arguido, de crimes, em particular tendo pois pais por vítimas, uma vez em liberdade.

Determina-se, por conseguinte, o cumprimento da pena de prisão, não se suspendendo na sua execução.

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Agora, as custas processuais.
A fixação das custas processuais varia consoante a complexidade ou simplicidade do processo, dentro dos limites fixados pela tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. o art. 8º, n.º 5, deste último regulamento).
Assim, na parte criminal, vai o arguido condenado em taxa de justiça que se fixa em 4 UC.”
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III. Apreciação do Recurso:
O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.
Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
As questões a conhecer são as seguintes:
1 – Saber se certos factos dados como provados (nºs 4 a 8) o não deveriam ter sido, em função da deficiência mental do arguido.
2 – Saber se certos factos dados como provados (fls. 7 do acórdão) o não deveriam ter sido, por resultarem de declarações dos pais do arguido, sendo certo que estes não falaram, na audiência de julgamento.
3 – Saber se as declarações dos agentes de autoridade prestadas em audiência de julgamento são válidas.
4 – Saber se a medida da pena é adequada.
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1 – Da deficiência mental do arguido/factos provados nºs 4 a 8:
Quanto a esta primeira questão, pode ler-se na Motivação do recurso o seguinte:
“(…) O douto acórdão dá como provado, como acima se diz, que o arguido sofre de doença mental grave, assim classificada de acordo com a 9ª Classificação Internacional de Doenças (CID9), com o diagnóstico de debilidade mental ligeira (317).
Dito de outro modo, temos que o arguido padece de oligofrenia, doença que constitui os casos onde a capacidade cognitiva do indivíduo – medida pelo chamado Q.I. (sigla pata Quociente de inteligência) – oscila dos graus zero a noventa, sendo certo que o grau de normalidade intelectual oscila entre os graus 90 a 110.
Mas a verdade é que dessa circunstância de o arguido padecer de doença mental grave e de distúrbio psicótico nada resulta, no douto acórdão, quer no que respeita ao ilícito quer no que respeita à culpa.
(…) o Q.I. do arguido, o reconhecimento pelo Tribunal de que este padece de doença mental grave e de distúrbio psicótico (n.º 10 da Fundamentação) põem em crise, salvo melhor opinião, a matéria de facto dos nºs 4 a 8 da mesma Fundamentação, meramente conclusiva e cujo suporte documental ou outro probatório se não descortina no acórdão.
(…)
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Pois bem, não se nega que o arguido padece de distúrbios mentais e de comportamentos secundários ao uso do álcool e distúrbio psicótico, designadamente que sofre de doença mental grave, classificada de acordo com a 9a Classificação Internacional de Doenças (CID9) com os seguintes diagnósticos: 1. Debilidade Mental Ligeira – 317; 2. Alterações do comportamento associado a consumo de álcool com heteroagressividade - 291.89; 3. Dependência Alcoólica Continuada - 303.91; 4. Síndrome de Privação Alcoólica - 291.3; 5. Depressão Secundária ao Alcoolismo - 303.32 (ver factos provados).
Bem sabemos que, existindo um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido, o tribunal tem o poder-dever, por força do artigo 340.°, n.º 1,do Código de Processo Penal, de desencadear o mecanismo previsto no artigo 351.°, nºs 1 e 2, do CPP, ou seja, em vista do apuramento da inimputabilidade ou até da imputabilidade diminuída do arguido, ordenar a comparência de perito para pronúncia sobre o estado psíquico daquele, medida com eventuais reflexos na pena de prisão efectiva a impor ao arguido ou até requisitar perícia a estabelecimento especializado, sendo certo que a omissão de tal diligência – implicando urna lacuna de indagação de factos resultantes da discussão da causa relevantes para a decisão – configura, até, insuficiência para a decisão da matéria de facto provado, o que implica, até, o reenvio do processo para novo julgamento - artigos. 426º e 426º -A), ambos do CPP.
Contudo, nada há nos autos que permita concluir que, de acordo com tal quadro, o Tribunal a quo, em algum momento, tenha permanecido na dúvida quanto à circunstância do arguido ser imputável.
Mais, no relatório social de fls. 265/268, datado de 6/2/2012, nenhuma referência é feita quanto a uma, eventual, falta de imputabilidade em razão de anomalia psíquica.
Aí, embora seja feita alusão a problemas do arguido, ao nível da saúde mental, é referido que “(…) A... apresenta a capacidade para reconhecer a sua problemática ao nível da saúde mental e a necessidade de aderir e cumprir a medicação que lhe é prescrita. Reconhece igualmente a influência nefasta da ingestão de bebidas alcoólicas sobre o seu comportamento, mesmo que seja em quantidade moderada. (…) o arguido manifesta-se bastante apreensivo com as possíveis consequências deste processo, receando a aplicação de uma pena privativa de liberdade. (…)
Em resumo, nada existe nos autos que leve a concluir que o arguido, como pretende, veja comprometida a sua consciência da ilicitude ou reduzida a zero a sua culpa.
Aliás, estamos perante uma questão (imputabilidade penal) que nunca foi suscitada pelo arguido, ao longo do processo, sendo certo que bem poderia ter sido requerida uma perícia quanto a isso (na contestação, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, e, na audiência de julgamento, nada foi requerido quanto a tal assunto)
Por isso, tendo sido tal questão suscitada apenas em sede de recurso, estamos perante uma questão nova.
Ora, visando os recursos ordinários o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e sendo eles meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
Aliás, a jurisprudência é unânime neste sentido, citando-se por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2008 (“O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – cf. Acs. do STJ de 27-07-1965, BMJ 149.º/297; de 26-03-1985, BMJ 345.º/362; de 02-12-1998, BMJ 482.º/150; de 12-07-1989, BMJ 389.º/510; de 09-03-1994, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 - 5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 - 5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 - 3.ª; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 - 3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 147; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª; e de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª.”) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 (“os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.”).
Por conseguinte, nesta parte, o recurso tem que improceder.
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2 – Da validade das declarações dos pais do arguido:
O recorrente, face ao silêncio dos pais do arguido em audiência, insurge-se quanto a ter ficado provado que:
a) os pais do arguido referem que viviam com medo noite e dia, principalmente quando sabiam que o mesmo se encontrava alcoolizado;
b) O casal relatou que houve "dezenas" de noites que tiveram que ir passar a palheiros na área geográfica em que residem, pelo medo que sentem do filho. Mencionou ainda que o arguido os ameaça constantemente, por causa da presença da GNR, devido ao medo que sente em possivelmente poder ir preso;
c) Os pais relataram que não têm «paz» nas suas vidas e que «já perderam anos de vida» por nunca ter sido nada feito em relação ao filho, referindo que o mesmo necessitava de ser internado para tratar da sua saúde e os poder deixar viver sem medo.
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Não há muito a dizer quanto a isto, a não ser que a crítica do recorrente assenta num equívoco.
Na verdade, tais factos referem-se ao que consta de relatório social elaborado pelos serviços competentes, em 4/4/2011 (fls. 137 a 139 e 152 a 154), pelo que, obviamente, não têm por base o que aconteceu na audiência de julgamento.
E só nessa medida foram levados em consideração, enquanto factos instrumentais em relação aos que constam da acusação formulada nos autos.
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3 – Da validade das declarações dos agentes da autoridade:
O recorrente alega o seguinte:
O Tribunal Colectivo aceitou e valorou as declarações dos agentes de autoridade que tempo depois da queixa falaram com o denunciante, o pai do arguido, sem que o denunciante tivesse prestado depoimento em audiência, por se ter recusado a falar.
(…)
No douto acórdão, citam-se outros acórdãos, em que as declarações de arguidos (que podem impunemente mentir, nomeadamente, em audiência) a agentes da polícia foram aceites como permitidos. No caso dos autos, as declarações são as do denunciante, ou seja, de alguém que não é arguido nem uma mera testemunha, mas interessado na causa. De que interesse? De que o filho recebesse tratamento em instituição adequada? A recusa a depor não pode ter outro entendimento de que não quer é que ao filho seja aplicada uma pena de prisão. O que importa é o seu tratamento.
Não podem deste modo estes depoimentos ser valorados, como o fez o Tribunal Colectivo, sendo violado o disposto nos artigos 128º/1 e 129º/1, do CPP.
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Dispõe o artigo 129.º do C.P.P., cuja epígrafe é “depoimento indirecto”:
«l - Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».
O depoimento indirecto só vale relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha, sendo de realçar que este depoimento só é permitido quando a inquirição de quem disse não for possível por força das circunstâncias referidas na norma, assumindo esta uma natureza excepcional, o que deriva, desde logo, do texto do artigo 128.º, do C.P.P., que diz, no seu n.º l, que «a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo ...».
A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu.
Como todos sabem, o que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não se aceitem como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouvir dizer.
Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha (excepção feita aos casos de impossibilidade superveniente de inquirição da pessoa indicada).
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No nosso caso, constatamos que o Tribunal a quo levou em consideração os depoimentos dos militares da GNR (quanto à autoria dos factos), relativamente ao que lhes foi contado pelos pais do arguido, aquando dos factos, sendo certo que estes se recusaram, tal como o arguido, a depor em audiência de julgamento.
Estamos perante uma situação que acontece com alguma frequência. As entidades policiais foram chamadas ao local por familiares próximos do arguido (nos autos, os pais), fizeram o seu trabalho, o processo prosseguiu os seus trâmites normais, os ofendidos e o arguido foram ouvidos em inquérito, e, em julgamento, os implicados directamente nos factos usaram de direitos que a lei lhes confere e calaram-se, utilizando uma estratégia de defesa baseada no silêncio que a lei acolhe como legítima.
É, então, admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente policial que reproduz o que ouviu dizer à vítima de um crime, no momento em que chegou ao local para tomar conta do que havia acontecido?
Como princípio geral, podemos considerar que aos órgãos de polícia criminal não está vedado ter com determinadas pessoas conversas que não são formalizadas em auto.
Essas conversas podem reportar-se a factos que estão em investigação e a fonte de informação pode até ser um suspeito do crime investigado.
Aliás, ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º, do Cód. Proc. Penal, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
Nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio. Tanto mais que o respectivo depoimento é apreciado pelo tribunal segundo as regras da experiência e o princípio da livre convicção (cf. o artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
Essencial é, no entanto, que as conversas não visem contornar ou iludir a proibição contida no n.º 7, do art.º 356.º, do Cód. Proc. Penal, e que seja respeitado o comando do art.º 59.º, do mesmo diploma legal.
Elucidativo do que acaba de ser exposto é o Acórdão do S.T.J., de 20.11.2002, (C.J./Ac.s STJ, Ano X, Tomo III, 232. Relator: Cons. Virgílio de Oliveira), no qual, e em resumo, o arguido respondeu pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e, na altura do julgamento, o ofendido já estava de boas relações com ele e, por isso, em audiência, afirmou não se ter apercebido por quem fora baleado. Um agente da P.S.P. que foi ao local onde ocorreram os factos relatou em audiência que a vítima, quando se encontrava baleada no chão, dissera-lhe que quem o tinha atingido fora o “Zé do Barbeiro”, tendo um outro agente averiguado e apurado que esta era a alcunha do arguido.
Nesse caso, o S.T.J. considerou que, não obstante o arguido ter optado por não prestar declarações, nada impedia o tribunal de valorar tal depoimento, já que, embora os órgãos de polícia criminal não possam ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo de declarações que hajam recebido e cuja leitura não seja permitida, “nada impede que possam ser ouvidas sobre factos de que tomaram conhecimento por outra via, mormente em resultado de haver tomado conta da ocorrência”.
No mesmo sentido, podemos encontrar o Acórdão do TRC, de 02.02.2005 (CJ XXX, Tomo I, 42), segundo o qual “Os depoimentos de testemunhas que ouviram o relato de factos da boca do próprio ofendido, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, podem ser valorados pelo tribunal, não constituindo prova proibida”.
Como é evidente, quando estão em causa direitos e garantias fundamentais do arguido, o juiz deve ser intransigente na sua defesa, cabendo-lhe assegurar que o processo seja justo, equitativo, transparente, o que passa por garantir o respeito por princípios fundamentais como sejam o da imediação e do contraditório.
Todavia, isso não significa que passe a ignorar finalidades primárias que o processo penal tem de prosseguir, como sejam a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a tutela de direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica e a reafirmação da norma jurídica violada.
Não podendo pretender-se que seja conseguida a qualquer preço, a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico.
Com efeito, componente essencial do princípio do Estado de Direito é a ideia de JUSTIÇA, a qual exige também a manutenção de uma administração de justiça capaz de funcionar, devendo reconhecer-se as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal eficaz e acentuar-se o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal, sendo o esclarecimento dos crimes graves tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo aludido princípio.
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Perante o que acaba de ser referido, deveremos considerar válidas as declarações dos militares da GNR?
Acontece que o caso dos autos apresenta um aspecto, aliás já mencionado, que nos leva a afastar do princípio geral enunciado – as testemunhas transmitiram ao Tribunal o que lhes foi contado, em particular, pelo ofendido, pai do arguido, sendo que este, recorde-se, se recusou a depor.
Sempre que se verifique a existência de uma tensão entre princípios e interesses fundamentais potencialmente conflituantes, há que procurar a sua harmonização, sem embargo de, em último caso, ter que dar prevalência a um deles.
Por ter interesse directo para a questão ora em causa, e por aderirmos integralmente ao aí exposto, passamos a citar o Acórdão do TRE, de 3/6/2008, Processo n-º 1999/07-1, relatado pelo Exmo. Desembargador António Latas, in www.dgsi.pt/jtre:
“Ao conferir à testemunha parente ou afim do arguido o direito de recusar-se a depor, contrariando o dever geral de depor sob pena de responsabilidade criminal cominado nos arts 132º nº1 d) do CPP e 360º nº2 do C.Penal, o legislador estabeleceu uma clara limitação ao interesse na descoberta da verdade em nome da prevalência de outros direitos relativos a bens jurídicos que considerou mais valiosos, em termos que correspondem à matriz das chamadas proibições relativas, pois a lei processual parte da admissibilidade daqueles depoimentos.
Com base no regime positivo e na análise de preceitos próximos, podemos afirmar que é dúplice o fim de protecção da norma contida no art. 134º do CPP, com que se justifica o sacrifício da descoberta de material probatório.
Por um lado, a lei pretenderá (1) evitar o conflito de consciência que resultaria para a testemunha de poder contribuir para a condenação de um seu familiar ao cumprir o dever legal de falar com verdade; por outro lado, terá pretendido o legislador (2) salvaguardar as relações de confiança e solidariedade no seio da instituição familiar.
Comentando o entendimento tradicional no doutrina e jurisprudência alemãs a propósito do § 52 do StPO (“Direito de recusar o testemunho por motivos pessoais”), Costa Andrade cita um autor alemão (GRÜNWALD), para quem o regime ali estabelecido (idêntico ao acolhido no art. 134º do nosso CPP), obedece à “ideia de que ninguém deve ver-se obrigado a contribuir para levar os seus familiares à prisão” a que acresce a “necessidade que a pessoa tem de confiar nos seus parentes mais próximos, sem ter de recear que o Estado a obrigue a depor contra eles. Nesta medida – prossegue o autor alemão, na citação de C. Andrade – protege-se também o interesse da comunidade na existência de relações de confiança entre membros da mesma família. Também para A. Medina de Seiça, ” Com o reconhecimento do direito de recusa pertencente aos familiares, a lei não só pretendeu evitar o conflito de consciência que resultaria para a testemunha caso tivesse de responder com verdade sobre os factos imputados a um familiar seu. Pretendeu, ainda e sobretudo, proteger as «relações de confiança essenciais à instituição familiar»” .
O legislador processual penal reconhece, pois, o primado de interesses e bens jurídicos que colidem com o interesse na descoberta da verdade, de que são titulares pessoas diversas do arguido (in casu as testemunhas), de cujo consentimento faz depender a sua contribuição para a descoberta da verdade, para além de interesses inerentes à da teia de relações de solidariedade e confiança que a instituição familiar oferece.
É claro que pode questionar-se a adequação da amplitude e rigidez do direito de recusa no actual quadro das relações pessoais e familiares e mesmo face à relevância crescente que no processo penal assume o eixo de distinção do tratamento jurídico processual da pequena e média criminalidade, por um lado, e da criminalidade grave e complexa, por outro.
Todavia, não obstante as reformas introduzidas no Código de Processo Penal desde a sua entrada em vigor (1988), apenas a recente Lei 48/2007 de 29 de Agosto alterou o art. 134º do CPP e em sentido contrário à sua restrição (eventualmente justificada), pois alargou o direito de recusa aos que coabitam com pessoa do mesmo sexo mantendo-se, no mais, a versão originária de 1987, nomeadamente quanto aos seguintes aspectos:
- todos os afins até ao 2º grau mantém o direito de recusa conferido aos descendentes, ascendentes e irmãos;
- nunca há lugar a ponderação concreta (contrariamente ao que sucede com o segredo profissional - cfr art. 135 CPP) entre o direito de recusa e o interesse na descoberta da verdade, quer em função da proximidade do laço familiar, quer da gravidade do crime, ou outro factor considerado relevante.
Assim sendo, de iure condito é reconhecido à testemunha o direito, estabelecido de forma abstracta e potestativa, de recusar-se a depor contra afim até ao 2º grau, em nome de um direito próprio a evitar o conflito pessoal provocado por tal situação e em nome da salvaguarda das relações de confiança e solidariedade no seio da instituição familiar, tal como avaliadas pelo legislador ordinário, ainda que por referência à protecção constitucional da família presente, v.g., no art. 67º da CRP.”
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Assim sendo, em síntese, não podem ser considerados válidos os depoimentos indirectos prestados pelos militares da GNR, pois, por um lado, não estão abrangidos nas excepções previstas no artigo 129.º, do Código Penal, e, por outro, a testemunha, a quem ouviram a descrição dos factos que deram origem aos presentes autos, se recusou a depor.
Esta solução, ainda que possa causar uma certa perplexidade no cidadão comum, é aquela que se mostra conforme àquilo que o legislador pretendeu acautelar (ver acórdão acabado de citar).
Concluindo, o depoimento indirecto não é admissível, e, portanto, não pode ser valorado, se o depoimento da testemunha originária, apesar de ser possível, não tiver sido realizado, isto é, quando a testemunha originária não depôs porque não foi chamada a tribunal ou porque se recusou a depor.
Não sendo válida a prova agora em causa, na falta de testemunhas presenciais, não é possível dar como provado que o arguido praticou os factos a ele imputados, daí sendo de extrair a necessária consequência legal (absolvição do arguido).
Pelo exposto, nos termos do artigo 431.º, al. a), do CPP, há que modificar certos factos da decisão recorrida.
Vejamos, pois, as alterações a introduzir.
O facto provado n.º 6 passará a ter a seguinte redacção: “Em circunstâncias não apuradas, o ofendido sofreu as lesões descritas e examinadas na perícia de avaliação do dano corporal de fls. 81 a 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente equimose de cor arroxeada sobre o dorso do nariz que determinaram para a sua cura um período de dez dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.”
Por sua vez, os factos dados como provados nos nºs 2 e 3, 4 e 5, 7 e 8 serão transferidos para a categoria dos “Factos não provados, onde, também, passará a constar:
- “as lesões descritas em 6) foram consequência directa e necessária da agressão referida em 5)”.
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Está prejudicado o conhecimento da quarta questão suscitada no recurso.
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IV – DECISÃO:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, indo, em consequência, absolvido o arguido.
Sem custas.
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(elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)
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Coimbra, 19 de Setembro de 2012
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(José Eduardo Martins)

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(Maria José Nogueira)