Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3849/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: COMPETÊNCIA: TRIBUNAL SUPERIOR/ TRIBUNAL COLECTIVO
LIMITAÇÃO DA PENA APLICAVEL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 01/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART.º 16.º N.º 3 DO CPP
Sumário:

I – Quando seja superveniente o conhecimento do concurso o M.º P.º deve, em requerimento, expressar (afirmando ou reafirmando caso já o haja feito antes) o seu entendimento de o arguido responder perante Tribunal Singular, apesar de a soma dos máximos das penas parcelares ultrapassar 5 anos de prisão.
II – O N.º P.º ao pronunciar-se no processo, fá-lo apenas em relação aos crimes imputados e respectivas molduras penais, já que existem no processo, e apenas em relação a essa situação tem validade o seu requerimento de que ao caso concreto não deve ser aplicada pena superior a 5 anos.
Decisão Texto Integral:

Recurso nº 3849/03
Processo nº 100/00.7APBL-A, do 3º Juízo do Tribunal da comarca de A.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se ordenou a remessa dos autos à distribuição como Processo Comum Colectivo.
Inconformado, o arguido B, apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o âmbito do recurso:
1- A legitimidade para aferir a competência do Tribunal conferida pelo art. 16 nº 3 em concordância com o art. 14 nº 2 al. b), ambos do CPP, apenas se enquadra na esfera de determinação do Mº Pº.
2- Tal determinação surge no preciso quadro de vinculação objectiva motivada unicamente pelo Ministério Público, que a define, ainda que orientando-se por juízos de estrita legalidade e objectividade, no exercício de um poder expressamente definido na lei.
3- O desvio de competência aqui previsto pode funcionar mesmo no caso de concurso de infracções.
4- O Juiz não deve ter qualquer ingerência na apreciação da alteração dos pressupostos para fins de ser apurada a correcta competência do Tribunal, porquanto, tal determinação não está dependente da anuência do Juiz, mas tão somente da intervenção do Ministério Público que detém um poder-dever de requerer que o julgamento se realize perante Tribunal Singular ou Colectivo, conforme o seu douto entendimento, nos termos do art. 16° no 3 do CP.P.
5- Uma vez tomada a decisão do Ministério Público e requerido que seja o Tribunal Singular a proceder ao julgamento, tal decisão assume carácter vinculativo, impondo-se o entendimento do Ministério Público ao Juiz, sendo-lhe imperativo.
6- O douto Despacho recorrido refere que «o MP não lançou mão da dita faculdade», contudo, transparece dos autos que o Ministério Público não o fez incautamente, mas sim porque entendeu que se mantinha o propósito que declarou aquando da apensação do primeiro processo e, por isso, deve manter--se a sua mesma decisão, ou seja, que o julgamento seja realizado perante Tribunal Singular.
7- Pois, caso não fosse esse o entendimento do Ministério Público, teria certamente manifestado a sua oposição requerendo a intervenção do Tribunal Colectivo, na altura em que os autos foram a vistos ao Ministério Público (Cfr. fls. 123 do Procº nº 23/01.2FAFTG - «notifique, cumpra após, abra naqueles autos vista ao MP para requerer o que tiver por conveniente»).
8- Uma vez que não apresentou requerimento noutro sentido, deve entender-se que o fez propositadamente, entendendo que o julgamento deveria ocorrer perante Tribunal Singular, logo, é essa promoção do Ministério Público que deve imperar.
9- O douto Despacho sob recurso violou os artigos 14°no 2 al b)e 16°nº 3ambos do C.P.Penal
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogado o despacho ora recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que julgue competente o Tribunal Singular para realização de julgamento, tal como foi doutamente promovido pelo Ministério Público, com o que V.Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
Na sua resposta, o Mº Pº conclui:
1- Deve ser negado provimento ao recurso por não assistir razão ao recorrente.
2- Na verdade, nos casos em que a pena aplicável, abstractamente considerada, excede 5 anos de prisão, a regra é a intervenção do Tribunal Colectivo.
3- No caso, assistimos a um conhecimento superveniente de factos numa relação de concurso.
4- Quando inicialmente o Ministério Público requereu a intervenção do Tribunal Singular, conforme artº 16° n° 3 CPP - regime excepcional - não tinha conhecimento de tais factos
5- Ao tê-lo, regressou-se à situação de origem: ou se mantinha a regra (Tribunal Colectivo); ou se se atribuía a competência ao Tribunal Singular tinha que, de novo, ser requerida a intervenção do artº 16° n° 3 CPP.
6- Não o tendo feito vigora a regra geral: intervenção do Tribunal Colectivo.
7- Não foram, pois, violadas as normas legais invocadas: artºs 14° n° 2 al b) e 16° n° 3 CPP. JUSTIÇA
Foi tabelarmente sustentado o despacho recorrido.
Nesta Instância, o Ex.mº PGA emite parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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É do seguinte teor o despacho recorrido:
O somatório das penas abstractamente aplicáveis ao arguido B é abstractamente superior a 5 anos de prisão.
Assim, a competência para julgar, os processos ora apensados pertence ao Tribunal Colectivo (artº 14º b) do CPP).
Embora o MP tenha anteriormente utilizado a faculdade prevista no artº 16º, nº 3, do CPP, atribuindo, assim a competência, em concreto, ao Tribunal Singular, após tal, tomada de posição, foi ordenada nova apensação de novo processo, com nova acusação e imputação de ilícitos ao arguido supra referido.
Desta feita, o MP não lançou mão da dita faculdade e, sendo certo que, se alteraram os pressupostos anteriores, não poderemos deixar de considerar que a competência para julgamento passou a pertencer ao Tribunal Colectivo, tornando este tribunal incompetente para o efeito.
Assim, dou sem efeito as datas designadas para julgamento e ordeno a remessa dos autos à distribuição como PCC, após trânsito do presente despacho.
Notifique.
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Conhecendo:
A questão a decidir é a seguinte:
Tendo o Mº Pº usado da faculdade (não arbitrária, mas poder/dever) prevista no art. 16 nº 3 do CPP, a competência do Tribunal Singular mantém-se independentemente de virem a ser apensados outros processos (como entende o recorrente), ou no caso de apensação posterior, para se manter a competência do Tribunal Singular torna-se necessário que o Mº Pº renove, em requerimento o seu entendimento de que a competência deve manter-se no Tribunal Singular (como entende o despacho recorrido e o Mº Pº em ambas as instâncias)?
Parece que dúvidas não restam e a resposta é clara na letra da lei.
Reza o art. 16 nº 3 que, quando o Mº Pº entender que ao arguido não deve ser aplicada pena de prisão superior a 5 anos:
A situação normal é o Mº Pº dizê-lo na acusação fazendo referência à norma, acusando para o arguido ser submetido a julgamento perante Tribunal Singular, mesmo que haja concurso de infracções.
Quando seja superveniente o conhecimento do concurso (e assim acontece no caso de apensação de processos), o Mº Pº deve, em requerimento, expressar (afirmando ou reafirmando caso já o haja feito antes) o seu entendimento de o arguido responder perante Tribunal Singular, apesar de a soma dos máximos das penas parcelares ultrapassar 5 anos de prisão.
O Mº Pº ao pronunciar-se no processo (seja na acusação ou em requerimento posterior) fá-lo apenas em relação aos crimes imputados e respectivas molduras penais, que já existem no processo (processo principal e apenso, são um único processo), e apenas em relação a essa situação tem validade o seu requerimento de que ao caso concreto não deve ser aplicada pena de prisão superior a 5 anos.
Quando a situação se altera, nomeadamente pela apensação de um processo, se o Mº Pº entender que deve manter-se a competência do tribunal Singular e a medida máxima da pena em 5 anos, deve expressá-lo em requerimento, como preceitua o art. 16 nº 3, porque nada dizendo aplica-se a regra geral da competência, e será o Tribunal Colectivo o competente para julgar crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável for superior a 5 anos, mesmo no caso de concurso de infracções em que o limite máximo das penas parcelares for inferior.
O Mº Pº só tem que usar da faculdade (poder/dever) para fixar a competência do Tribunal Singular para julgar crime ou crimes a que abstractamente corresponda moldura penal superior a 5 anos e não, como entende o recorrente de que o Mº Pº, no caso de concurso conhecido supervenientemente, deve vir dizer que “deixa cair” o art. 16 nº 3 e a competência fixar-se no Tribunal Colectivo.
Como bem salienta o Ex.mº PGA “Conhecendo-se uma primeira tomada de posição por parte do Ministério Público em ordem a pugnar pela aplicação daquele dispositivo legal, urgia que face ao surgir duma realidade a configurar a apensação de novo e posterior processo tivesse lugar uma autónoma e expressa manifestação, que se pronunciasse sobre a inovação das circunstâncias e o previsível juízo de adequação punitiva daí resultante enquanto legitimador da subsistência da pretensão.
Como tanto não ocorreu, a correspondente omissão não pode gerar a manutenção da eficácia inerente aquela primeira posição, pois que, a cada modificação processual constatada deve e tem de corresponder distinta e abrangente ponderação justificativa duma medida que no âmbito da definição estrita das regras de competência se assume como excepcional, o que implica, a constante e global contemplação do respectivo fundamento”.
Assim, se entende nenhuma censura merecer o despacho recorrido, que se mantém.
Decisão:
Face ao exposto acordam, os Juízes desta Relação e Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido B, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 5 Ucs.
Coimbra,