Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
571/08.3TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59.º, N.º 3 DO RGCOC
Sumário: 1. Não havendo solução própria no quadro específico do regime das contra-ordenações sobre a forma de entrega ou remessa do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa por parte do arguido, impõe-se atender ao disposto no art.41.º, n.º1 do R.G.C.O.C.
2. Ao recorrente cumpre provar a expedição do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, em termos de poder ser recebida e junta ao processo, até ao fim do prazo que a lei lhe concede para recorrer.
Decisão Texto Integral: Relatório

Por despacho de 15 de Outubro de 2008, o Ex.mo Juiz decidiu rejeitar o recurso interposto pelo arguido A..., de folhas 46 a 51, por o considerar extemporâneo.

Inconformado com o despacho proferido a 15 de Outubro de 2008, dele interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1.ª- Dúvidas não restam que o Recurso entrou em tempo:
2.ª - Por telecópia no dia 27 de Agosto de 2008, pelas 17:37;
3.ª- Por correio electrónico nesse mesmo dia 27 de Agosto de 2008, pelas 17:37.
4.ª- Por correio, conforme solicitado pela Recorrida.
Mostra-se assim, entre outras, violadas as normas previstas no art.150.º do CPC..
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exªs, deverá assim ser dado provimento ao Presente Recurso, em consonância com os fundamentos invocados e outros que sejam oficiosamente tidos em conta,
E em consequência revogar o Despacho recorrido com tidas as legais consequências, por estar em tempo.
Assim se crê que venha a ser feita integral e melhor Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Mangualde respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando para que seja notificada a autoridade administrativa no sentido de informar se foram recebidos a telecópia e o correio electrónico referenciados pelo recorrente. Verificando-se que foram enviados em conformidade deve ser revogado o despacho recorrido e, caso tal conformidade não se verifique ou o envio tenha sido efectuado após o dia 28 de Julho, que seja mantido o despacho recorrido.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida uma vez que o acoimado não conseguiu demonstrar, com os documentos que juntou, que enviou à autoridade administrativa o requerimento de impugnação judicial na íntegra e legível.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« Rejeita-se o recurso interposto a fls. 46 a 51 uma vez que o prazo de interposição em causa não se suspende durante as férias judiciais, não tendo natureza jurídica cível – art. 59.º, n.º3 e 60.º , n.º1 do RGCO – e nesse mesmo sentido, Acórdão n.º 2/94 do STJ e Acórdão da Relação de Coimbra n.º 1635/06 de 07.06.2006. Notifique.».

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente A... a questão a decidir é a seguinte:
- se o recurso de impugnação judicial entrou em tempo, uma vez que foi enviado para a autoridade administrativa, por telecópia e por correio electrónico, no dia 27 de Agosto de 2008, pelas 17:37 e, ainda por correio, conforme solicitado pela Recorrida.
Passemos ao conhecimento da questão.
O art.59.º, n.º 3 do RGCOC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estatui que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa é feito por escrito e apresentado a esta no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Sobre a contagem do prazo do recurso de impugnação judicial , o art.60.º, do mesmo regime legal, também na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estabelece o seguinte:
« 1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil normal.».
Como se menciona na decisão recorrida, a jurisprudência vem considerando, ao abrigo do disposto nos artigos 59.º, n.º3 e 60.º, n.º s 1 e 2 do R.G.C.O.C., que o prazo para a interposição de recurso de decisão da autoridade administrativa não se suspende durante as férias judiciais.
Não havendo solução própria no quadro específico do regime das contra-ordenações sobre o forma de entrega ou remessa do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa por parte do arguido, impõe-se atender ao disposto no art.41.º, n.º1 do R.G.C.O.C. que estatui que « Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».
Decorre desta norma - que tem eficácia em todas as fases do processo de contra-ordenações, abrangendo a fase administrativa e a fase de recurso de impugnação judicial Neste sentido , também o Parecer n.º 84/2007, da PGR , in DR, 2.ª Série, de 7 de Abril de 2008. -, que o Código de Processo Penal é direito subsidiário relativamente ao processo de contra-ordenações, o qual deve ser devidamente adaptado para respeitar as especificidades do processo de contra-ordenações.
Nos casos omissos, quando as disposições do C.P.P. não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil ( art.4.º do Código de Processo Penal).
De acordo com o art.150.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C., os sujeitos processuais dispõem de 4 meios alternativos de apresentação de peças processuais escritas: transmissão electrónica de dados, nos termos definidos em Portaria; entrega directa na secretaria judicial; remessa pelo correio, sob registo; e envio através de telecópia.
Nos casos de transmissão electrónica de dados e de envio através de telecópia vale, como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.
A Portaria n.º 624/2004, de 16 de Junho, que regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, estatui no seu art.3.º:
« 1- O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.
2 – Para os efeitos do disposto no número anterior, a comunicação deve assegurar:
a) O não repúdio e a integridade dos seguintes elementos da mensagem, garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do actos de expedição:
i) A data e hora de expedição;
ii) O remetente;
iii) O destinatário;
iv) O assunto;
v) O corpo da mensagem;
vi) Os ficheiros anexos, quando existam;
b) A entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea;
c) A entrega ao remetente de uma mensagem assinada electronicamente por terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio electrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respectiva expedição;
d) A verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a).
3 – A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.».
O regime de uso da telecópia para a prática de actos processuais encontra-se previsto no DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Nos termos do seu art.4.º, n.º4, incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais das peças processuais ou documentos remetidos por telecópia ( que não articulados ou documentos autênticos ou autenticados ), podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.
Analisando o Aviso de Recepção de folhas 44, resulta dele que no dia 30 de Julho de 2008, o arguido A..., tomou conhecimento da decisão proferida pela autoridade administrativa em 24 de Julho de 2008.
Considerando que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa se suspende aos sábados, domingos e feriados, o prazo para interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa terminou no dia 28 de Agosto de 2008.
Em 23 de Setembro de 2008 foi recebido o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa constante de folhas 46 a 62, que havia sido remetido pelo arguido em carta do dia anterior.
Sendo esta a factualidade com que o Tribunal a quo se confrontou aquando da prolação do despacho recorrido , diríamos que parece evidente que o recurso estaria fora de prazo.
Mostrando-se surpreendido com a decisão recorrida veio o arguido apresentar novos elementos ao processo através do recurso interposto para o Tribunal da Relação.
Assim, como documento n.º1 junto com o recurso e constante de folhas 73, apresenta o arguido o Relatório de envio de fax pelo seu Ex.mo Advogado, para o fax da autoridade administrativa, do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa relativo a este processo.
Consta deste Relatório a primeira página do recurso de impugnação judicial, a que se fez referência, e a menção a que foram enviadas 17 páginas, com resultado “ OK ”.
A data/hora ali mencionada é “ 27-Ago-2008 17:42 Qua” e a “ Hora inic” : “27-08 17:37”.
Deste documento n.º1 pode-se concluir que o arguido não se limitou a provar que enviou para a autoridade administrativa apenas uma página do recurso, que seria a página sobre a qual foi impresso o Relatório. É que deste consta que foram enviadas 17 páginas.
Embora não constasse também do processo aquando da decisão agora recorrida, o arguido juntou com o recurso interposto para o Tribunal da Relação o documento n.º2 , junto a folhas 74, que é um ofício remetido pela autoridade administrativa ( CCDRC) ao Ex.mo advogado do arguido, datado de 2008-09-17, onde se lhe dá conta que “ No seguimento de outras informações de … (….) 27/08/2008 (….) enviadas por email , sobre a impossibilidade de leitura das suas mensagens electrónicas, vimos por este meio solicitar o envio dos ficheiros anexos das peças processuais em formato Word, ou PDF. Mais informamos que deverá utilizar sempre este tipo de ficheiros no envio de processos futuros a esta Comissão, visto que o formato enviado por Vª Exª, é de utilização exclusiva do Ministério da Justiça e das instituições que lhe são afectas, o que não é o caso deste organismo.”.
Como documento n.º 2-A, a folhas 75, junta a “Marca do Dia Electrónica” relativa à expedição de mensagem de correio electrónico do arguido para a autoridade administrativa, ( CCDRC ) datado de “2008/08/27 17:08:20” e em pdf.
Posteriormente ao envio do citado ofício pela CCDRC e junção do recurso de impugnação judicial em suporte de papel, constituído por 17 páginas, limita-se a CCDRC a remeter o processo ao Ministério Público na Comarca, manifestando-se disponível para comparecer em audiência de julgamento.
Do exposto resulta que a CCDRC não juntou aos autos nem o recurso de impugnação judicial enviado por telecópia, nem procedeu à impressão dos dados que lhe foram enviados por correio electrónico, mesmo que apresentassem erros de legibilidade.
O recorrente não pode ficar sujeito a eventuais lapsos da entidade a quem cabe o seu recebimento e junção aos autos e, assim, ver julgado o recurso em prazo ou extemporâneo conforme a autoridade administrativa ainda consiga juntar aos autos ou não os elementos que lhe foram remetidos por telecópia e/ou por correio electrónico.
Ao recorrente cumpre provar a expedição do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, em termos de poder ser recebida e junta ao processo, até ao fim do prazo que a lei lhe concede para recorrer.
Face aos documentos juntos entendemos que ele fez essa prova.
Deste modo, sem mais diligências, impõe-se revogar a decisão que rejeitou o recurso por extemporâneo e ordenar o prosseguimento dos autos.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar o despacho recorrido que rejeitou o recurso por extemporâneo, e determinar que os autos prossigam os seus termos subsequentes.
Sem custas.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,




























Proc. 571/08.3TBMGL.C1