Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7/16.6GATND -G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: DETENÇÃO
FLAGRANTE DELITO
FORMALIZAÇÃO DA DETENÇÃO E AUTO
LIQUIDAÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 255.º E 479.º, N.º 1, AL. C), DO CPP
Sumário: I – Se desde o momento específico da detenção, em flagrante delito, na saída do IP5, o recorrente nunca mais deixou de estar sob a efectiva custódia da GNR - pela posse de 5 placas de cannabis-resina logo ali apreendidas.

II – Se foi já nessa condição que foi conduzido à sua residência onde foi efectuada busca. E daí para o Posto da GNR de Santa Comba Dão onde, finalmente, foi lavrado o auto e elaborado o complexo expediente exigido por lei.

III – Apesar de constar do auto de notícia a detenção já no dia seguinte [27-06-2016], certo é que: - o recorrente foi mandado parar pela GNR efetivamente no dia 26.06.2016 pelas 23h.49m; - foi detido de imediato, com fundamento em flagrante delito, como impunha o art. 255º, nº1 do CPP, citado no auto e no despacho de validação da detenção.

IV - Apesar da hora tardia da detenção (23h.49m.), o dia 26 de junho não pode deixar de contar - como unidade de tempo menor definida na lei para o efeito - como um dia de detenção para efeito de desconto na pena aplicada nos termos previstos no art. 479.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1. A decisão recorrida

Nos autos de processo comum, tribunal coletivo, em referência, após o trânsito em julgado do respectivo acórdão final, condenatório, a digna magistrada do MºPº, deu parecer sobre a liquidação da pena aplicada nos autos ao arguido … nos seguintes termos:

«««LIQUIDAÇÃO PENA - ….

DECISÃO EXEQUENDA: acórdão condenatório proferido pela instância central criminal de Viseu em 11/12/2017 (fls.2625-2668), mantido pelo TRC (fls. 2861-2946) transitado em julgado em 15/6/2018 (fls. 2963), condenando-o como autor material de um crime tráfico de produtos estupefacientes pp pelo artigo 21 DL 15/93, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

PENA EM EXECUÇÃO: 5 anos e 6 meses de prisão.

DESCONTOS: O arguido encontra-se ininterruptamente detido á ordem destes autos desde o dia 27/6/2016 data em que foi detido para 1° interrogatório judicial (fls. 761, voL3), que viria a ser realizado no dia 28/6/2016, findo o qual lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva (fls. 867-943, voI.3).

Não há conhecimento de que o condenado tenha sofrido qualquer período de privação de liberdade á ordem de outros processos que aqui lhe deva ser descontado de acordo com o previsto no art. 80, nº1 do CP, sem prejuízo de poder tal informação ser trazida aos autos pelo condenado, caso em que será tomada em consideração.

INICIO CUMPRIMENTO PENA: ficciona-se em 27/06/2016.

À luz do que ficou exposto e de acordo com o previsto no artigo 479, nº1 do CPP e 80 nº1 do CP conclui-se que o condenado atingirá:

a) - o termo da pena (5 anos e 6 meses) em 27/12/2021,

b) - os 2/3 da pena (3 anos e 8 meses) em 27/212020 e

c) - o meio da pena (2 ano e 9 meses) em 27/3/2019.»»»


*

Tomando posição sobre a aludida promoção, o arguido veio opor-se sustentando em síntese que devia aquela liquidação ser corrigida devendo o início do cumprimento ser ficcionado em 26/06/2016 (e não 27/06/2017) porquanto foi aquela a data da sua efectiva detenção, à ordem dos presentes autos.

A digna magistrada do MºPº respondeu a tal requerimento mantendo a liquidação proposta com o fundamento de que resulta do auto de detenção de fls. 761 (vol 3), que o arguido foi detido pelas 03.30 horas do dia 27/06/2016.


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Na sequência, foi proferido o seguinte Despacho (despacho recorrido):

“vi e concordo com a liquidação da pena, a qual se homologa nos seus precisos termos, não assistindo razão ao arguido, porquanto, como resulta do auto de detenção de fls. 761 (vol 3), o mesmo foi detido pelas 03.30 horas do dia 27/06/2016”.


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2. O recurso

Inconformado com tal despacho, dele recorre o arguido, formulando, na respectiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES:

1 - O arguido, ora recorrente, foi condenado por sentença transitada em julgado no dia 15/06/2018, como autor material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22/01, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

2 - A Ilustre Magistrada do Ministério Público propôs que a liquidação da pena fosse feita com desconto do período de detenção e da prisão preventiva sofridos pelo arguido com inicio em 27 de junho de 2016.

3 - O Arguido, notificado de tal proposta de liquidação, por requerimento de 13/07/2016, requereu fosse descontado o dia da sua detenção que ocorreu pelas 23h 49m do dia 26 de junho de 2016.

4 - Em consequência das posições descritas, a Ilustre Magistrada Judicial, no dia 20 de julho de 2018, proferiu Despacho de homologação da liquidação, nos termos propostos pela Ilustre Magistrada do Ministério Público.

5 - O Condenado, ora Recorrente, não se conforma com o teor do dito despacho, pelo que Vem dele recorrer.

6 - Entende que o dito despacho padece de erro notório pois não considerou a data e hora reais da sua detenção (feita ao abrigo do disposto nos artigos 254º, 255º e 256º do Código de Processo Penal) que ocorreu às 23h49m do dia 26 de junho de 2016 e consequentemente não procedeu ao desconto desse dia, como impõem o disposto no artigo 80º do Código Penal, o artigo 479º do Código de Processo Penal e 27º da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que é violador daqueles preceitos legais.

7 - São vários os pontos no vasto processo que descrevem proficuamente a data, o local e os termos da detenção do arguido:

- No auto de busca e apreensão constante de fls. 568 e seguintes (2º volume) é referido que, quando o veículo foi intercetado, na saída do IP5 da Boaldeia, pelas 23h49m do dia 26 de junho de 2016, no seu interior, no lugar do ocupante seguia o arguido ora recorrente e, junto aos seus pés, dentro de uma bolsa, foi encontrado e apreendido, 499 gramas de haxixe

- No extenso Auto de detenção que ocupa 33 folhas (fls. 761 a 794 ­3.0 Volume), efetivamente elaborado pelas 3h30m do dia 27 de junho de 2016 em Santa Comba Dão - registe-se que este Auto foi elaborado a acerca de 30km do local da detenção (que foi a saída do IP5 em Boaldeia), portanto, muito depois da detenção em flagrante delito e já após a busca domiciliária feita em Tondela, na casa de habitação do arguido - é, mais uma vez referido que no dia 26 de junho de 2016, pelas 23h49m, "havendo suspeita, quase certeza, que estes (referia-se à … e ao..., ocupantes do veículo …) trariam produto estupefaciente, foi intercetada a viatura na saída da Boaldeia do IP5, foi efetuada revista de segurança e busca à viatura, tendo sido encontrado na posse do arguido … 5 placas de haxixe.

- A fls. 790 do mesmo Auto é ainda referido que os arguidos foram detidos conforme relatado nos motivos da detenção em 1, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 141°, 254/1 a) e 256 CPP.

- Na Conclusão datada de 28/06/2016 de folhas 824 e seguintes, mais precisamente no primeiro parágrafo da folha 826, é validada a detenção dos arguidos porque efetuada em flagrante delito nos termos do disposto no artigo 254 nº 1 a), 255.° e 256.° do Código de Processo Penal

- A folhas 843 e seguintes dos Autos é descrita a interceção do veículo, a apreensão ao arguido de cinco placas de haxixe pelas 23h49m no Itinerário Principal nº 5, mais concretamente na saída (nó) da Boa Aldeia - Torredeita - Viseu e as posteriores diligências de buscas à residência do arguido.

- A mesma descrição consta de folhas 921 dos Autos (no despacho de aplicação da medida de coação), mais precisamente no ponto 44 e 45 dos factos, então, fortemente indiciados

- Por fim, no ponto XIII do acórdão transitado em julgado é referido que:

No dia 26 de iunho de 2016, pelas 23H49, no I.P. 5, mais concretamente na saída para Boaldeia, em Torredeita - Viseu, pelos militares da GNR foi intercetado o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, conduzido pela arguida …, sendo que no lugar do pendura seguia o arguido ….

Na sequência da abordagem efetuada pelos militares da GNR foi apreendido ao arguido …, mais concretamente, no interior de uma bolsa de tira colo que se encontrava no chão da viatura, junto aos pés daquele, uma bolsa de marca adidas, de cor preta, com listas e letras de cor amarela, contendo no seu interior, 5 (cinco) placas de cannabis resina, com o peso líquido de 486,521 gramas e um grau de pureza de 13,7%, a qual dava para 1333 doses médias individuais diárias; 15,00€ (quinze) euros em notas do BCE e um telemóvel da marca "Nokia".

8 - Resulta pois do exposto e foi dado como provado que:

- No dia 26 de junho de 2016, o arguido circulava no veículo automóvel matrícula …, no banco do pendura,

- Tal veículo foi intercetado pelos militares da GNR na saída de Boaldeia, do IP5, pelas 23,49h

- Na sequência da abordagem, foram apreendidos ao arguido, entre outras coisas, 5 (cinco) placas de cannabis resina, com o peso líquido de 486,521, gramas e um grau de pureza de 13,7%, a qual dava para 1333 doses médias individuais diárias

9 - Ante o circunstancialismo descrito e dado como provado, os militares da GNR, por imposição do disposto nos artigos 254º, 255º nº 1 a) e 256º do Código de Processo Penal, detiveram o ora recorrente em flagrante delito.

10 - Dado que o ora recorrente se encontrava na posse de 486 gr. de cannabis resina, cometia o crime previsto no artigo 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro, que dispõe que é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, quem, entre outros comportamentos, transportar ou ilicitamente detiver, fora dos casos do artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas àquele diploma legal, pois que a substância apreendida ao ora recorrente está prevista na tabela I-C.

11 - A qualidade e quantidade de produto estupefaciente apreendido pela Entidade Policial na posse do arguido, fizeram-no incorrer na prática daquele crime, punido com pena de prisão, o que impunha à Entidade Policial a sua detenção em flagrante delito para primeiro interrogatório Judicial, nos termos dos artigos 254.°, 255/1 a) e 256 CPP o que fez.

12 - Após esta apreensão e detenção do arguido ocorrida pelas 23h49m do dia 26 de junho de 2016, o mesmo foi conduzido pelos militares da GNR em direção à sua residência, onde foi realizada busca e foram apreendidos os itens identificados no auto de busca e apreensão e, só depois, foi conduzido ao posto territorial da GNR de Santa Comba Dão, onde foi preenchido e assinado o extenso (recorde-se que tem 33 folhas) Auto de Detenção, pelas 3h30m.

13 - Saliente-se que é forçosamente morosa a redação daquele texto de 33 folhas e que o arguido já se encontrava privado de liberdade.

14 - O auto de detenção preenchido e assinado pelas 3h30m, constituiu a formalização da detenção do arguido em flagrante delito, ocorrida às 23h49m do dia 26 de junho de 2016.

15 - É facto notório que a Entidade Policial que presencie a prática de crime cominado com pena de prisão, não elabora imediatamente auto no local.

16 - Faz a detenção física do suspeito, impedindo-o de se ausentar, recolhe as provas e, apenas quando chega ao Posto Territorial mais próximo, elabora Auto de Detenção, de Constituição de Arguido, Termo de Identidade e Residência, enfim cumpre todas as formalidades impostas por lei.

17 - Após as 23h49m do dia 26 de junho de 2016, o arguido não mais teve liberdade para fazer o que lhe aprouvesse ou para abandonar o local e ir à sua vida (perdoem-me a expressão).

18 - A detenção em flagrante delito impunha-se à Entidade Policial pelo disposto no artigo 255/1 a) CPP.

19 - Como refere Fernando Gama Lobo no seu CPP anotado, Almedina, 2005, pág. 470, que: "A detenção é um ato de imposição a alguém suspeito da prática de um crime, de um estado de privação provisória da liberdade, com o fim de o submeter a decisão de uma autoridade judiciária".

20 - A privação da liberdade traduz-se na restrição da liberdade física, de movimentos e na consequente imposição de manutenção num determinado local.

21 - Se a Entidade Policial não houvesse detido o arguido às 23h49m do dia 26 de junho de 2016, teria cometido ilícito disciplinar por não cumprir o dever a que estava obrigada, ao presenciar a prática de um crime e, o arguido poderia ter abandonado o local, dado não haver justificação legal para acompanhar ou permanecer junto do Órgão de Polícia Criminal.

22 - Por outro lado, se o Órgão de policia criminal restringisse a liberdade do arguido sem o deter em flagrante delito, estaria a praticar ato inconstitucional violador do disposto no artigo 27º da Constituição da Republica Portuguesa.

23 - De facto, a detenção em flagrante delito é uma das poucas situações em que é permitida a privação de liberdade de um cidadão.

24 - O artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP), inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, prevê o direito fundamental à liberdade e estabelece no seu nº 3, as situações muito específicas, tipificadas em que o cidadão pode dela ser privado.

25 - Dado o disposto naquele artigo 27º CRP, o arguido, naquelas circunstâncias, apenas poderia ter sido privado da liberdade, mercê da detenção em Flagrante delito.

26 - Foi o que efetivamente sucedeu.

27 - O arguido foi imediatamente impedido de se ausentar e foi-lhe imposto que acompanhasse os Militares da GNR, no veículo da força de segurança.

28 - Se houvesse tentado fugir, seria alvo de perseguição e seria permitido aos Militares, o uso da força, de forma a manter a detenção e transporte ao posto territorial, para ser preenchido o expediente e ser contatado o Senhor Magistrado do Ministério Público para validar a detenção.

29 - Pois como é referido no acórdão do STJ, de 3.3.1998, in CJ, Acórdãos do STJ, VI, 1,216 e no acórdão do TRC de 24.1.2001, in CJ, XXVI, 1, 56, “A detenção constitui uma privação legal da liberdade, para os efeitos do artigo 352º do CP, pelo que comete o crime de evasão aquele que se põe em fuga depois de ter sido detido, mesmo que essa detenção ainda não tenha sido ratificada por autoridade judiciária

30 - Face ao exposto, não restam dúvidas que o condenado ora recorrente, foi detido em 26 de junho de 2016 pelas 23h 49m.

31 - Ficou privado do seu Direito Fundamental à liberdade, previsto na Constituição da Republica Portuguesa, nesse dia e hora.

32 - Nos termos do artigo 80º, nº 1 do Código Penal, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

33 - O artigo 80°, nº 1 do Código Penal, fazendo uma referência genérica à detenção, inclui na sua previsão a detenção verificada nos autos, a qual teve lugar nos termos dos artigos 254.°, nº 1, a) e 255°, nº 1, a) do Código de Processo Penal.

34 - Segundo Figueiredo Dias "o instituto do desconto, regulado nos artigos 80° a 82º do Código Penal, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objeto de um processo penal, devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado".

35 - Do exposto não restam dúvidas de que o período de privação de liberdade sofrido pelo arguido em 26 de junho de 2016 tem que ser descontado.

36 - Dado não existir norma que preveja expressamente a contagem do tempo de desconto, a jurisprudência tem-se socorrido do artigo 479º do Código de Processo Penal,

37 - Embora tal dispositivo regule a contagem do tempo de prisão sem fazer qualquer referência expressa à contagem do tempo objeto de desconto, não havendo outro, não resta outra solução senão proceder à contagem do tempo de detenção a descontar, segundo as regras previstas nesse mesmo artigo.

38 - Tem entendido a Jurisprudência maioritária que, como a unidade de tempo mais reduzida prevista para a contagem da prisão é o dia, correspondente a um período de 24 horas, a detenção ocorrida por período de tempo inferior a 24 horas haverá de corresponder a um dia.

39 - Assim, o tempo de detenção sofrido pelo arguido no dia 26 de junho de 2016, terá que ser descontado como sendo um dia.

40- É este o entendimento que vem sendo seguido pela Jurisprudência, como se depreende da leitura do Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 23/10/2007 no processo 6994/2007-5, em que foi Relatora a Excelentíssima Senhora Ora. Filipa Macedo, publicado in www.dgsLpt, é referido que: "Embora a lei não preveja tempo de prisão contado em horas, daí não se pode retirar a conclusão de que a detenção por tempo inferior a 24 horas, porque não expressamente prevista, não poderá ser descontada na pena de prisão a cumprir"

“Trata-se de uma privação da liberdade, havendo que observar, na contagem da pena, a regra do art. 80º, nº 1, do Código Penal que impõe o desconto por inteiro da detenção sofrida no cumprimento da pena de prisão. Como a menor unidade de tempo prevista para a contagem da prisão é o dia (art. 479.º, do CP), correspondente a um período de 24 horas, tendo o arguido sido detido e libertado no mesmo dia, há que considerar o período mínimo previsto para cumprimento da pena de prisão (1 dia) e proceder ao respectivo desconto, na medida em que é esta a forma mais ajustada de dar cumprimento ao n.º 1 do art. 80º do Código Penal, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade, nos termos em que este se encontra consignado no art. 27º da CRP".

"Esta é a única forma de dar cumprimento ao disposto no artigo 80.º do Código Penal com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade nos termos em que se encontra consagrado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa."

41 - Face à letra da lei e à data da efetiva detenção do Arguido, ora recorrente, pelas 23h49m do dia 26 de junho de 2016, impunha-se à Ilustre Magistrada Judicial, no Despacho de homologação de liquidação de pena, o desconto de 2 dias de detenção (entre 26 e 28 de junho de 2016), a par com o desconto do tempo de prisão preventiva que se iniciou a 28 de junho de 2016 e terminou a 15 de junho de 2018, sofridos pelo arguido, ora recorrente pois o mesmo não poderá ser prejudicado em um dia de prisão.

42 - E em consonância, impunha-se-Ihe fixar que se ficciona o início do cumprimento da pena em 26/06/2016 e, em consequência, que o condenado atingirá:

a) O termo da pena (5 anos e 6 meses) em 26/12/2021,

b) Os 2/3 da pena (3 anos e 8 meses) em 26/02/2020,

c) O meio da pena (2 anos e 9 meses) em 26/03/2019"

43 - Não o tendo feito, violou a Meritíssima Juiz o disposto no artigo 80º, nº 1 do Código Penal, o artigo 479° do Código de Processo Penal e o princípio contido no artigo 27º, nº 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

Face ao exposto, não restam dúvidas que o condenado foi detido a 26 de junho de 2016, pelo que ao não considerar aquele dia de detenção, violou o despacho de liquidação de pena proferido pela Meritíssima juiz, de que ora se recorre, o disposto no artigo 80º, nº 1 do Código Penal, 479º do Código de Processo Penal e o principio contido no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa, pelo que, deverá ser revogado e substituído por outro que determine o desconto, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, de dois dias de detenção efectivamente sofrida pelo arguido, entre 26 e 28 de junho de 2016, a par com o desconto do tempo de prisão preventiva sofrido entre 28 de junho de 2016 e 15 de junho de 2018, reformulando-se a liquidação da pena em conformidade e fixando-se que o condenado atingirá:

O termo da pena (5 anos e 6 meses) em 26/12/2021,

Os 2/3 da pena (3 anos e 8 meses) em 26/02/2020 c)O meio da pena (2 anos e 9 meses) em 26/03/2019"

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada Justiça!


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Admitido o recurso, não foi apresentada resposta.

No visto a que se reporta o artigo 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, sufragando os fundamentos do despacho recorrido, se pronuncia no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do CPP.

No despacho liminar do relator foi mandada juntar certidão de peças processuais referenciadas na motivação do recurso e que não haviam sido juntas.

Corridos os vistos e realizado o julgamento, em conferência, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Em síntese apertada, constitui objeto do recurso definir a data da detenção do recorrente, para efeito de contagem da pena, de: – o dia 26 de junho de 2016 às 23h.30m., como sustenta o recorrente? Ou - o dia 27 de junho de 2016 às 03.30 horas, como definido na decisão recorrida?

Não obstante a data do auto de notícia em que se louva a decisão recorrida para estabelecer a detenção às 03.30 horas do dia 27/06/2016, certo é que resulta de múltiplos dados convergentes do processo que o recorrente foi material e efectivamente detido no dia 26 de junho de 2016 às 23h.30m., na saída do IP5 de Boaldeia, concelho de Viseu. E que a discrepância em questão resulta do tempo decorrido entre a detenção e o encerramento do auto de notícia - necessariamente mais tarde em resultado da distância entre o lugar da detenção e o Posto da GNR de Santa Comba Dão, busca na casa de habitação do arguido, complexidade burocrática da elaboração do auto.

Concretizando

Certo é que no Auto de detenção (cfr. fls. 761 a 794 ­3º Volume) consta que foi elaborado pelas 3h30m do dia 27 de junho de 2016 em Santa Comba Dão. No entanto é manifesto que o Auto veio a ser elaborado significativamente mais tarde – desde logo pela sua extensão (ocupa 33 folhas) e porque elaborado já no Posto da GNR de Santa Comba Dão, a mais de 20km. do local da detenção (saída do IP5 em Boaldeia). Acrescentando-se que depois da detenção (em flagrante delito pela posse de 499 gr. de haxixe) ainda foi feita uma busca domiciliária na casa de habitação do arguido na área de Tondela, com a inerente demora.

Do mesmo modo, no auto de busca e apreensão constante de fls. 568 e seguintes (2º volume) é referido que, quando o veículo foi intercetado, na saída do IP5 da Boaldeia, pelas 23h49m do dia 26 de junho de 2016, no seu interior, no lugar do ocupante seguia o arguido ora recorrente e, junto aos seus pés, dentro de uma bolsa, foi encontrado e apreendido, 499 gramas de haxixe

Resulta do mesmo auto (fls. 568 e seguintes, 2º volume) que “no dia 26 de junho de 2016, pelas 23h49m, havendo suspeita, quase certeza (…) foi intercetada a viatura na saída da Boaldeia do IP5, foi efetuada revista de segurança e busca à viatura, tendo sido encontrado na posse do arguido Paulo 5 placas de haxixe”.

A fls. 790 do mesmo Auto é ainda referido que os arguidos foram detidos conforme relatado nos motivos da detenção em 1, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 141°, 254/1 a) e 256 CPP.

No despacho de validação da detenção dos arguidos (folhas 824 e seguintes) resulta que foi efectuada porque em flagrante delito nos termos do disposto no artigo 254 nº 1 a), 255° e 256° do Código de Processo Penal

A folhas 843 e seguintes dos Autos é descrita a interceção do veículo, a apreensão ao arguido de cinco placas de haxixe pelas 23h49m no Itinerário Principal nº 5, mais concretamente na saída (nó) da Boa Aldeia - Torredeita - Viseu e as posteriores diligências de buscas à residência do arguido.

A mesma descrição consta de folhas 921 dos Autos (no despacho de aplicação da medida de coação), mais precisamente no ponto 44 e 45 dos factos, então, fortemente indiciados.

Por fim, do acórdão do tribunal colectivo que procedeu à aplicação a pena a liquidar (cfr. ponto XIII do acórdão) resulta também que “No dia 26 de iunho de 2016, pelas 23H49, no I.P. 5, mais concretamente na saída para Boaldeia, em Torredeita - Viseu, pelos militares da GNR foi intercetado o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, conduzido pela arguida …, sendo que no lugar do pendura seguia o arguido …. Na sequência da abordagem efetuada pelos militares da GNR foi apreendido ao arguido … (…) 5 (cinco) placas de cannabis resina, com o peso líquido de 486,521 gramas e um grau de pureza de 13,7%, a qual dava para 1333 doses médias individuais diárias (…)”.

Assim, não sofre dúvida que desde aquele momento específico da detenção, em flagrante delito, na saída do IP5, o recorrente nunca mais deixou de estar sob a efectiva custódia da GNR - pela posse de 5 placas de cannabis-resina logo ali apreendidas. Foi já nessa condição que foi conduzido à sua residência onde foi efectuada busca. E daí para o Posto da GNR de Santa Comba Dão onde, finalmente, foi lavrado o auto e elaborado o complexo expediente exigido por lei. Aliás a hora de elaboração/encerramento do auto ajusta-se na perfeição à hora da detenção, percurso e busca domiciliária entretanto realizada, complexidade do auto.

Em face dos aludidos termos dos autos, apesar de constar do auto de notícia a detenção já no dia seguinte, certo é que: - o recorrente foi mandado parar pela GNR efetivamente no dia 26.06.2016 pelas 23h.49m.; - foi detido de imediato,  com fundamento em flagrante delito, como impunha o art. 255º, nº1 do CPP, citado no auto e no despacho de validação da detenção; - a partir daquele momento manteve-se ininterruptamente sob a custódia efectiva da GNR até à apresentação ao juiz para interrogatório; - a detenção foi causal da condenação pelo crime p e p pelo art. 21º do DL 15/93 de 22.01, na pena em liquidação.

Impõe-se assim a procedência do recurso.


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Em termos de direito, apesar da hora tardia da detenção (23h.49m.), o dia 26 de junho não pode deixar de contar - como unidade de tempo menor definida na lei para o efeito - como um dia de detenção para efeito de desconto na pena aplicada nos termos previstos no art. 479º, nº1, alínea c) do CPP. Aliás o objeto do recurso era apenas a definição da data da detenção, não a sua contagem.

III - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e determinando a sua substituição por outro que, ficcionando o início do cumprimento da pena (de 5 anos e 6 meses de prisão) no dia 26/06/2016 (vinte e seis de junho de dois mil e dezasseis) proceda à reformulação da liquidação da pena em conformidade.-----

Sem custas.

            Coimbra, 19 de Dezembro de 2018

               Belmiro Andrade (relator)

               Abílio Ramalho (adjunto)