Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
289/08.7TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: PROCESSO LABORAL
RECONVENÇÃO
TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 30º DO CÓDIGO PROCESSO DE TRABALHO E 85º, ALS. O) E P), DA LEI Nº 3/99, DE 13/01 (LEI DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS).
Sumário: I – Preceitua o artº 30º, nº 1, do CPT, quanto aos requisitos de natureza substantiva da admissibilidade da reconvenção em processo laboral, que “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na al. p) do artº 85º da Lei nº 3/99, de 13/01”.

II – As questões a que se refere a referida al. p) do artº 85º da Lei 3/99, são aquelas que os tribunais do trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que, em caso de reconvenção, a lei lhes possibilita o conhecimento desde que com a acção tenham relações de conexão objectiva com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência (al. o)), para o que o tribunal já é directamente competente.

III – Na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal.

IV – Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra.

V – Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.

VI – A relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório como o pedido dependente estão objectivamente subordinados a esse pedido (principal).

VII – A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um “complemento” do pedido formulado na acção. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido “completa”, toca a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à acção.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I A..., autora na presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho, inconformada com o despacho que decidiu admitir a reconvenção deduzida pela ré dele veio interpor recurso que foi recebido e mandado seguir como de agravo.


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II – Nas alegações apresentadas, concluiu:

1) O pedido reconvencional não é admissível porque não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, não emerge de relações conexas com a relação de trabalho, nem por acessoriedade, nem por complementaridade ou dependência.

2) Foram violados os artº 30º do Cód. Proc. Trabalho e 85º da lei nº 3/99 de 3/01D

3) Deve ser dado provimento ao recurso substituindo-se a decisão recorrida por outra que declare não ser a reconvenção admissível.


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Respondeu a recorrida alegando em síntese conclusiva:

1) Considerando que o pedido de reconvenção tem e configura uma relação de conexão por dependência entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho e as causas que deram origem à extinção dessa mesma relação jurídica.

2) Considerando que os factos vertidos na acção e reconvenção devem ser considerados em íntima ligação de dependência.

3) Considerando que a acção decorre da alegada extinção da relação jurídica de trabalho com culpa pela recorrida, mas que na realidade essa culpa só pode ser atribuída à recorrente, configura-se, portanto, que uma é dependente da outra.


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Recebido o agravo, o Exmo PGA emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento porquanto, no seu entendimento, não estão reunidos os pressupostos legais para que seja admitida a reconvenção.

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A recorrente respondeu a tal parecer continuando a pugnar pela admissibilidade da reconvenção.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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III - Nos temos dos artigos 684, nº 3e 690, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art.º 1 n.º 2, alínea a) e art.º 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A autora propôs a acção afirmando, em síntese, que a ré procedeu ao seu despedimento, com eficácia a partir de 3 de Abril de 2008, por extinção do posto de trabalho. Contudo, o despedimento foi ilícito porque, alega, a decisão da entidade empregadora não tem fundamento real ou factual e é contrária à lei, além de que não foram desencadeados os mecanismos prévios obrigatórios para o despedimento por extinção do posto de trabalho.

Termina peticionando a declaração de nulidade do contrato assinado em 05/09/2005 e a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré no pagamento de quantias emergentes da execução do contrato, danos não patrimoniais, compensação em substituição da reintegração, salários intercalares e juros legais.

A ré, por seu lado, sustenta que em Janeiro de 2008 a autora e a ré pactuaram o arrendamento pela autora, a partir de 1 de Fevereiro de 2008, da loja onde esta trabalhava.

Foi acordado, de boa fé, entre a autora e a ré, a extinção do posto de trabalho a partir do momento em que aquela declarou estar interessada em assumir o comércio de roupas na loja da ré (artigo 20°).

Assim, o posto de trabalho estava extinto mesmo antes da autora ter recebido a carta da ré (artigo 22°).

No dia anterior ao da produção de efeitos deste contrato, em 31 de Janeiro de 2008, a autora comunicou à ré que não iria honrar o contrato celebrado, pelo que esta enviou àquela a carta a comunicar-lhe a extinção do posto de trabalho como alternativa ao facto de a autora não haver assumido o contrato pactuado (artigo 17°).

Rcconvencionalmente, a ré alega que a autora se encontra em mora com os "alugueis" de Fevereiro a Julho de 2008, devendo-lhe € 2.473.50. Além disso, a ré sofreu danos patrimoniais no valor de € 5.000 por ter ficado com a loja fechada durante uma semana para levantamento dos "stoks".

O tribunal “a quo” justificou a admissibilidade da reconvenção do seguinte modo: “ No caso em apreço, o pedido reconvencional acaba ele por apresentar um vínculo de conexão por complementaridade com o pedido principal deduzido nos autos (sublinhado nosso).

Com efeito, a aceitação e, a celebração do "contrato de arrendamento comercial de duração limitada", tem subjacente a ele um "acordo" (não sendo de discutir, nesta sede, se o mesmo é válido ou não) de cessação do contrato de trabalho (ficando a A./trabalhadora a explorar o estabelecimento comercial da R.).

Assim, sendo óbvio que, as questões decorrentes de um contrato de arrendamento comercial são da competência dos Tribunais Comuns, neste caso, por complementar e, dependente, da relação de trabalho, cuja cessação se discute no processo, inclinamo-nos para aceitar, o pedido reconvencional formulado no processo” (sublinhado nosso).

Como se sabe, a admissibilidade da reconvenção em direito processual do trabalho obedece a pressupostos não coincidentes com os que vigoram no processo civil comum.

A admissibilidade da reconvenção depende da verificação de requisitos de natureza substantiva e adjectiva.

A falta destes requisitos (de natureza adjectiva) não está posta em causa.

Preceitua o artº 30º do Código Processo de Trabalho, na parte que interessa (quanto aos requisitos de natureza substantiva):«1 - A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) artº 85º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro ....».

É manifesto que, no caso, o pedido reconvencional não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção

O citado artº 85º da Lei 3/99 (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que define a competência em matéria cível dos tribunais de trabalho, estabelece na sua alínea p) que lhes compete conhecer das "questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação em que é dispensada a conexão." Na alínea anterior - aliena o) - referem-se: "questões ... emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência ....".

No caso não foi invocada a compensação.

As questões a que se refere a citada alínea p) são aquelas que os tribunais do trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que, em caso de reconvenção, a lei lhes possibilita o conhecimento quando se liguem à acção do modo assinalado, para a qual o tribunal é directamente competente.

Nenhumas dúvidas subsistem acerca da competência directa do tribunal de trabalho para conhecer dos pedidos formulados na acção.

A questão está em estabelecer a relação de conexão da questão reconvencional com a acção.

Diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão.

A propósito escreveu aquele autor: “a alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não em função da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm - trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc. Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir: a) da unidade da causa de pedir; b) da relacionação dos diversos pedidos. Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir - Cód. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 - pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos. Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade das acções conexas. Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa (...) A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho. Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais de trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (...). De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito[1], isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos.”.

Essa conexão, segundo o mesmo, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra.

Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal;

Na complementariedade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra;

Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.

A relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório como o dependente estão objectivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação. O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.

A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na acção. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa", toca a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à acção.

Conforme refere o Exmo PGA no seu parecer, com o qual concordamos, “no caso em análise o elo de contacto entre as relações de trabalho subordinado e a de arrendamento estaria, por um lado em que a autora ao assinar o contrato de arrendamento estaria a fazer cessar livremente o contrato de trabalho subordinado com a ré e, por outro, em que esta ao enviar àquela a carta que a autora considera como sendo de despedimento (artigo 8° da p.i.), na realidade, não a estava a despedir, apenas a declarar a extinção do posto de trabalho, como alternativa ao facto de a A. não haver assumido o contrato pactuado.

Acontece que os pedidos reconvencionais formulados pela ré não surgem destas circunstâncias. Nos termos do artigo 53º e 54° da reconvenção, a autora deve pagar € 2.473.50 a título de rendas porque não comunicou à ré até ao presente a rescisão do contrato de arrendamento na forma prevista na cláusula T do contrato pelo que "os alugueis referentes aos meses de Fevereiro a Julho de 2008 são pertinentes de cobrança, continuando a autora "em mora".

Por outro lado, a autora deve pagar a quantia de € 5.000 por danos patrimoniais em decorrência da ré não ter facturado durante uma semana que esteve fechada para levantamento de "stocks" que deveriam ser entregues para comercialização pela autora/reconvinda, bem como durante a semana seguinte cm que se viu obrigada a fazer a mudança de mercadorias devido à quebra de contrato pela autora (artigos 56° e 5r da reconvenção).

Quer um pedido, quer outro, vão buscar a sua causa de pedir apenas ao incumprimento do contrato de arrendamento, à margem de qualquer consideração da qualidade de trabalhadora subordinada da autora e de entidade empregadora de autora e ré e da relação de trabalho estabelecida entre elas.

Importa, pois, concluir que inexiste conexão objectiva entre os pedidos da autora e o pedido da ré.

A causa subordinada - a da reconvenção - não é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; que o pedido reconvencional complete o pedido formulado na acção (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência); ambas são independentes e um pedido não depende do outro.

Há, assim, que concluir pela incompetência do tribunal do trabalho para conhecer do pedido reconvencional e, consequentemente, pela inadmissibilidade da reconvenção, nos termos do disposto no artigo 30º do C. P. Trabalho.


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Sumário (artº 713º nº 7 do Cód. Proc. Civil)[2]:

a) Em direito processual do trabalho a admissibilidade da reconvenção está sujeita à verificação de requisitos de ordem adjectiva e substantiva.

b) No que a estes concerne, não tendo sido invocada a compensação, a reconvenção só é admissível se as questões reconvencionais tiverem com a acção uma relação de conexão objectiva (e não subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes) por acessoriedade, complementaridade ou dependência.

c) A conexão objectiva deve ser entendida em sentido estrito com referência à relacionação ou interligação dos pedidos e não por referência à unidade da causa de pedir.

d) Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra e na dependência qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.


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VI Termos em que se delibera julgar procedente o agravo e, em função do que se decide não admitir a reconvenção.

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Custas do pedido reconvencional a cargo da ré/reconvinte.

Não há lugar a tributação pela interposição do recurso.


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Coimbra,  12  de Fevereiro de 2009

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Manuel Augusto Fernandes da Silva)

(Joaquim Horácio Serra Leitão)



[1] Conexão objectiva no seu sentido estrito, ou seja, decorrente da relacionação dos pedidos.
[2] Na redacção do DL nº303/07 de 24/08