Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/11.3TBOHP.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 89º-A, DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27/10
Sumário: A possibilidade de substituição da coima por dias de trabalho, a que se reporta o art.º 89º-A, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, tem que estar, expressamente, prevista no diploma legal que estabelecer a respectiva coima.
Decisão Texto Integral:

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I. Relatório

1. No âmbito dos autos de contra-ordenação n.º 15/11.3TBOHP do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, requereu o arguido A... a substituição da coima em que foi condenado pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 4º, nº 4, al. d) e 37º, nº 3 al. a) do D.L. n.º 166/2008, de 22 de Agosto e 22.º n.º 4 da Lei n.º 50/2006, de 29.08, no valor de € 20.000,00, pela prestação de trabalho a favor da comunidade – [cf. fls. 238/240].

2. Pretensão que veio a ser indeferida por despacho judicial de 20.03.2012 – [cf. fls. 245/247].

3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. Condenado o arguido, no âmbito destes autos, como autor material de uma contra-ordenação, na coima de 20.000,00 €, foi requerida a substituição da coima aplicada pela de prestação de trabalho.
2. Tal pretensão foi indeferida. Daí o presente recurso.
3. O Decreto – Lei 433/82, de 23.09, no artigo 89º - A, define: que, “1. A lei pode prever que, a requerimento do condenado, possa o tribunal competente para a execução ordenar que a coima aplicada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade de contra – ordenação e às circunstâncias do caso. 2 – A correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, bem como as formas da sua execução, são reguladas por legislação especial.”
4. Assim, e ao contra´rio do entendido pelo Tribunal Recorrido, está legalmente prevista a possibilidade de a coima ser substituída pela prestação de trabalho.
5. Não fazendo depender, ao contrário do entendido pelo Tribunal Recorrido, tal possibilidade da conformação prática decorrente de legislação especial.
6. A substituição da coima por dias de trabalho está apenas e só dependente do facto de “que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contra – ordenação e às circunstâncias do caso.”
7. A legislação especial apenas será necessária para regular a correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, bem como as formas da sua execução.
8. Assim, não pode a falta de regulação da norma ser causa do indeferimento da pretensão do arguido.
9. E, na falta de critério importa aplicar a disposição legal subsidiariamente aplicável, no caso o Código Penal.
10. E, socorrendo-nos deste normativo legal, conseguimos encontrar um critério para dar cumprimento à legalmente permitida substituição da multa por trabalho.
11. E, ainda que assim não se considerasse, sempre importava lançar mão dos princípios da adeuação e proporcionalidade.
12. E, fazendo uso de tais princípios, encontrar-se um número de horas tidas por proporcionais, adequadas e razoáveis para prestar o trabalho.
13. E, em última análise, fixar o número de horas, atendendo ao limite máximo regulado no artigo 58.º do Código Penal “… no máximo de 480 horas”.
14. E, quanto ao vertido na decisão recorrida, relativamente aos pressupostos formais e materiais previstos no Código Penal, diremos que a sua verificação não tem de ocorrer.
15. Efectivamente, a substituição está regulada no Decreto – Lei 433/82, “… forma de cumprimento se adequa à gravidade da contra-ordenação e às circunstâncias do caso.
16. Pelo que não temos, nesta matéria, de socorrer-nos da legislação subsidiária.
17. Só temos de socorrer-nos da legislação subsidiária – Código Penal – nomeadamente no que aos princípios ali vertidos diz respeito, relativamente, e considerando o n.º 2 do artigo 89.º - A, do Decreto – lei 433/82 para aferir: “Da correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, bem como as formas da sua execução …”
18. O que é possível, conforme, supra referido, Aliás,
19. Entender de maneira diferente seria penalizar mais gravemente, o autor de uma contra-ordenação, relativamente ao autor de um crime.
20. O que, a ser assim, seria ilegal e inconstitucional.
21. Pois que o direito penal é a última ratio e, só se aplica quando em causa estão factos penalmente relevantes.
22. O objecto do Direito Penal são os factos penalmente relevantes, sendo os de maior importância os crimes.
23. Ou seja, quando do direito civil, do direito administrativo, não forem suficientemente eficazes para acuatelar esses bens jurídicos que as normas de direito Penal procurem acautelar.
24. A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiarieddae só se justifica quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de bens jurídicos fundamentais.
25. Portanto, o Direito Penal só deve intervir quando e onde se torne necessário para acutelar a inquebrantibilidade social.
26. As contravenções são menos graves que os crimes.
27. Por força do princípio da proporcionalidade, que é também um princípio de política penal, a facto menos graves devem corresponder sanções menos graves.
28. Por isso, nas contravenções não se pune nunca a tentativa, diferentemente do que acontece no âmbito dos crimespor força do preceituado nos art. 22º e 23º do CP, ou seja, não há facto contravencional tentado, enquanto que há responsabilidade por crimes praticados na forma tentada.
29. Onde, as contravenções são menos sancionadas que os crimes;
30. Assim, não permitir a substituição da multa por trabalho, no âmbito de uma contravenção ou contra-ordenação e, permiti-lo no âmbito de um crime será, completamente, desvirtuar o conceito penal.
31. Violando os princípios atrás referidos.
32. Importando, por isso, fazer uma aplicação analógica e teleológica do Código Penal, no que a esta matéria diz respeito, usando, nomeadamente, os princípios penais legalmente consagrados para definir as penas, em concreto e, assim, permitir a substituição da multa por trabalho.
33. Revogando-se a decisão recorrida, como ora se requer, sob pena de violação do disposto nos artigos 89º - A do Decreto – Lei 433/82 e artigo 193º do CPP.

4. Na 1.ª instância respondeu ao recurso o Ministério Público, defendendo a manutenção da decisão recorrida e aduzindo:
“Com efeito, atenta a natureza programática/habilitante do artigo 89.º - A do RGCO – que constitui fonte legitimadora para que o legislador preveja e regule, em legislação especial incriminadora, a figura da prestação de trabalho enquanto pena substitutiva no direito contra – ordenacional – e a omissão do legislador em concretizar/regulamentar os necessários critérios de correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, bem como as suas formas de execução, forçoso se torna concluir, como concluiu o Tribunal, pela inadmissibilidade legal do requerido pelo recorrente.
(…)
A estas premissas acresce a contatação de que a possibilidade de substituição de coima por dias de trabalho tem de estar, expressamente, prevista no diploma legal que estabelecer a respectiva coima – tal como é sublinhado por António Beça Pereira … ou por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral … e é demonstrado, por exemplo, no Decreto – Lei n.º 316/95, de 28-11, que o estatui no n.º 2 do seu artigo 45º.
Neste conspecto, percorrendo o Decreto – Lei n.º 166/2008, de 22.08 ou o Regime Qaudro das Leis Ambientais … - diplomas ao abrigo dos quais foi aplicada a coima de 20.000,00 € ao ora recorrente – verifica-se a inexistência de qualquer referência e, muito menos, de um qualquer preceito normativo onde se consagre expressamente a possibilidade de aplicar a sanção (substitutiva) de prestação de trabalho a favor da comunidade …
(…)
Importa ainda salientar que a circunstância de o regime substantivo decorrente do Código Penal ser subsidiariamente aplicável ao direito contra-ordenacional não pode significar que as mesmas possam e devam ser aplicadsa, sem mais, de forma absoluta e ilimitada aos ilícitos contra-ordenacionais, pois tal possibilidade tem o limute de não poder ser contrário à natureza do sistema contra-ordenacional.
Ora, se a aplicação subsidiária do Código Penal ao presente caso esbarra na ausência de critérios que resolvam expressamente a questão da correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, por maioria de razão, é também de afastar qualquer possibilidade de aplicação analógica (e casuística, acrescente-se) de tal regime, porque tal solução geraria decisões iníquas e materialmente injustas: pois, no limite, o tecto máximo das 480 horas de trabalho aplicar-se-ia quer a uma coima de cem mil euros, quer a uma coima de um milhão de euros.
(…)
Em suma, na ausência de fundamento legal, a decisão do Mmo. Juiz não poderia ser outra que não o indeferimento do requerido por A....
Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente os referidos pelo recorrente.”

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 276].

6. Na Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso – [cf. fls. 282 a 286].

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à confereência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Consabidamente o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Neste conspecto a questão que urge decidir traduz-se em saber se ao indeferir o requerimento apresentado pelo arguido, ora recorrente, no sentido de ver substituída a coima em que foi condenado – no montante de € 20.000,00 – por trabalho a favor da comunidade violou o tribunal a quo o artigo 89º - A do D.L. nº 433/82, de 23.09 e 193º do CPP.


2. A decisão recorrida

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

“Por sentença de 14 de Julho de 2011, confirmada integralmente pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Dezembro de 2011, e transitada em julgado, foi julgado improcedente o recurso intentado pelo arguido A... e mantida a decisão da Administração Hidrográfica do Centro, IP, que o havia condenado como autor material de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4.º, nº 4, al. d) e 37.º n.º 3 al. a) do Decreto – Lei n.º 166/2008, de 22 de Agosto, e 22.º n.º 4 da Lei 50/2006, de 29.08, na coima de 20.000,00 €.
Liquidado o julgado veio o ilustre mandatário do arguido requerer, de forma tabelar, alegando dificuldades económicas, a substituição da coima aplicada pela de prestação de trabalho, o que modo próprio veio o arguido ratificar a folhas 244.
O Ministério Público pronunciou-se a folhas 241. Conhecendo.
O Decreto-Lei 433/82, de 23.09, no artigo 89º - A nº 1, prevê a possibilidade de a lei vir autorizar que, a requerimento do condenado, possa o tribunal substituir, total ou parcialmente, a coima por dias de trabalho, quando concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade do caso e da norma violada.
E no seu n.º 2 estatui que a correspondência entre a coima aplicada e os dias de trabalho a prestar, e forma da sua execução, serão reguladas por legislação especial.
Como resulta da leitura da norma (nº 1) em causa não se prevê directamente a possibilidade de a coima ser substituída pela prestação de trabalho, já que se faz depender tal possibilidade da conformação prática decorrente de legislação especial, não indicando qualquer outro critério para a sua aplicação. Ora, é aqui que reside, a nosso ver, o “nó górdio” da questão aqui colocada.
É que a norma em epígrafe é uma norma habilitante no sentido de autoriza ou avaliza a Assembleia da República e/ou o Governo a criar legislação especial que concretize aquela correspondência prática (coima/horas de prestação de trabalho), que não o Decreto-Lei n.º 375/97, de 24.12, que rege a prestação de trabalho a favor da comunidade porque este diploma não se refere a tal hipótese – nas suas normas ou na exposição de motivos que lhe antecede – e sua aplicação ao domínio contra – ordenacional, muito menos o Regime Quadro das Leis Ambientais materializado na Lei n.º 50/2006, de 29.08 ou o Decreto – Lei n.º 166/2008, de 22.08, de 22.08, que aqui são convocáveis, onde nada consta a este respeito.
Por outro lado, e para quem preconizasse a aplicação subsidiária do regime estatuído no Código Penal e do Código de Processo Penal à presente questão, que não constituem a legislação especial que aí se alude, também não encontraria nos artigos 48.º e 58º do Código Penal suficiente concretização para que o requerido possa ter acolhimento.
É que a aplicação desta pena de substituição está intimamente dependente, no nosso sistema jurídico, da verificação de um conjunto de pressupostos formais e materias, a saber: a) que o delito seja punido com pena de multa ou prisão se esta for inferior a 2 anos; b) exista um juízo de prognose favorável em relaçõa ao comportamento do arguido, no sentido de ser espectável que o agente não voltea a delinquir; e por fim c) o condenado requeira a aplicação desta pena substitutiva, em tempo.
Dispõe o art. 58.º, n.º 3 e 4, do referido diploma legal aplica´vel por remissão do nº 2, do art. 48º, àquelas duas penas principais, que a prestação de trabalho é fixada na sentença ou posteriormente fazendo a lei corresponder cada hora de trabalho a um dia de prisão/multa (art. 80.º n.º 2), num máximo de 480 horas (art. 58.º nº 2), podendo ser prestado aos sábados, domingos, feriados e nos dias úteis, claro está, sem que estes períodos de trabalho prejudiquem a jornada normal de trabalho do condenado, nem excedam por dia o legalmente permitido segundo o regime de horas extraordinárias vigente.
Regressando ao caso aqui em apreço parece-nos manifesto que tais regras são inaplicáveis à coima única aplicada ao arguido – 20.000,00 € - já que inexiste um critério de dias de multa ou de prisão daquelas penas que permitam guiar o julgador, segundo um critério válido e legal (não esquecer princípios basilares do direito penal como os da legalidade e tipicidade das penas), na fixação da duração da prestação de trabalho.
Tal raciocínio poderia ser concretizado, ad terrorum, na seguinte questão:
«A quantos euros (da coima) corresponde uma hora de trabalho?»
A esta pergunta, que aqui se impõe, a lei não responde.
Por outro lado, e por força do princípio da separação de poderes, não pode o julgador substituir-se ao legislador e criar critérios ad hoc de forma a suprir o referido «nó górdio» já que se tratará de um caso de omissão legiferante, e não de lacuna de regulação, que de resto, a não ser observado, e sem querer discutir da possibilidade de aplicar um raciocínio analógico em matéria de índole penal ou penal secundário (sancionatório), sempre conduziria a decisões matreialmente injustas (Se uma coima de 20.000,00 € correspondesse a 240 horas de trabalho, a quanto corresponderia uma coima de 30.000,00 €? E de um milhão de euros?).
Posto isto, indefiro o requerido por inadmissibilidade legal.
Custas do incidente pelo arguido cuja taxa de justiça fixo em 1 UC (art.º 8.º e 27.º n.º 1 do RCP)”.

3. Apreciando

Detectando-se sintonia sobre a circunstância de a legislação ao abrigo da qual o recorrente sofreu condenação não conter disposição específica relativa à substituição da sanção [coima] por trabalho a favor da comunidade, em causa está o artigo 89º - A do RGCO, na redacção introduzida pelo D.L. nº 244/95, de 14.09, cujo nº 1 dispõe:
«A lei pode prever que, a requerimento do condenado, possa o tribunal competente para a execução ordenar que a coima aplicada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessaos colectivas de direito público, ou de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contra – ordenação e às circunstâncias do caso.»

Com vista a alcançar o seu desiderato, defende o recorrente resolver a referida norma, sem necessidade de qualquer outra – excepção feita aos aspectos relativos à correspondência entre o montante da coima aplicada e a duração da prestação de trabalho, bem como da sua forma de execução, domínio em que, por remissão do artigo 32º RGCO, a resposta seria encontrada no âmbito do Código Penal (vg. artigo 58º) –, isto é sem previsão nesse sentido por parte do diploma que preveja a respectiva coima, a questão da substituição da sanção por trabalho.

Posição, esta, ao arrepio do que tem sido, amplamente, defendido na doutrina.

Com efeito, assiste-se a um consenso por parte dos autores no que respeita à interpretação do artigo 89º - A do D.L. nº 433/82, de 27.10 no sentido de se tratar de preceito que não prevê directamente a possibilidade de a coima ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade «fazendo-se depender a mesma da existência de lei em que tal esteja previsto» - [cf. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “CONTRA – ORDENAÇÕES, Anotações ao Regime Geral”, 5.ª edição, VISLIS EDITORES, pág. 702].
Assim, António Beça Pereira quando afirma «Da expressão a lei pode prever (que consta do n.º 1) resulta que a possibilidade de substituição da coima por dias de trabalho tem que estar, expressamente, prevista no diploma legal que estabelecer a respectiva coima» - [cf. “Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas», 7.ª Edição, pág. 174].
Idêntica posição é perfilhada por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, enquanto consignam «Note-se que a possibilidade de substituição da coima por dias de trabalho tem que estar, expressamente, prevista no diploma legal que estabelecer a respectiva coima» - [cf. “Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas», 3.ª Edição, Almedina, pág. 289].
E igual conclusão se retira das palavras de António Joaquim Fernandes quando, reportando-se ao artigo 89º - A, refere «Preceito aditado pelo artigo 2.º do Decreto – Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, que constitui norma inovadora, permitindo-se que, desde que a lei o consinta, a requerimento do arguido e logo que regulamentado fosse o disposto no nº 2, possa a coima aplicada e em vias de execução ser substituida por dias de trabalho socialmente útil …» - [cf. “Regime Geral das Contra – Ordenações – Notas Práticas – 2.ª edição, EDIFORUM, pág. 148].
Também, assim, Sérgio Passos ao considerar que «A possibilidade da substituição judicial da coima por prestação de trabalho a favor da comunidade depende de expressa previsão legal para tanto, devendo ser requerido pelo arguido ao tribunal que promova a execução.
A prestação de trabalho a favor da comunidade depende de norma especial expressa em diploma que estabelecer a respectiva coima» - [cf. “Contra – Ordenações, Anotações ao Regime Geral”, 2.ª Edição, Almedina, pág. 579].
No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque no seu recente “Comentário do Regime Geral das Contra – Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” quando, a pág. 338 e a propósito da previsão legal da sanção substitutiva, refere «Só com lei especial da AR ou decreto-lei autorizado se pode estabelecer a substituição da coima por prestação de trabalho a favor da comunidade».

Tese que encontra na formulação da norma «A lei pode prever» sustentação bastante, não sendo, pois, apenas, a «correspondência entre o montante da coima … e a duração da prestação de trabalho, bem como as formas da sua execução» a exigirem regulamentação por legislação especial, mostrando-se, também nesta sede, pertinentes as considerações tecidas na decisão recorrida, enquanto evidência, no actual estado de coisas, a ausência de um critério de «correspondência» que escape ao domínio da arbitrariedade.
Dito de forma simplista, enquanto no nº 1 se exige «previsão» no nº 2 requere-se «regulamentação», a qual, existindo, apenas «pode servir» os casos em que a legislação em causa estabelecer a possibilidade de substituição, o que não sucede na situação em apreço.
Donde, resulta não ser de convocar – ao invés do que faz o recorrente - o artigo 32º do RGCO, pois ir beber ao Código Penal aspectos que se prendem com a «execução» da medida, só poderia fazer algum sentido – e, quanto a nós, pelos fundamentos aduzidos na decisão em crise, ainda assim, não o faz – se existisse específica previsão legal no âmbito do diploma ao abrigo do qual o recorrente sofreu condenação.
E nem se diga que se mostram violados os princípios previstos no artigo 193º do CPP, preceito invocado pelo recorrente, cujo âmbito de aplicação respeita às medidas de coacção e garantia patrimonial, onde, seguramente, não se inscrevem nem as «penas» nem as «coimas».
Por outro lado, não ocorre violação dos aludidos princípios constitucionais, maxime da proporcionalidade, sempre que no âmbito do direito contra-ordenacional – direito público sancionatório enformado por princípios próprios – não se mostrarem previstos determinados «institutos» que encontram aplicação no âmbito do direito penal, direito sancionatório que actua perante condutas que lesam ou põem em perigo bens jurídicos essencias para a vida em comunidade.
Basta não perder de vista a natureza de pena de substituição da pena de prisão que reveste a prestação de trabalho a favor da comunidade [artigo 58º do CP], ou a circunstância da substituição da pena de multa por trabalho [artigo 47º do CP] poder obviar ao cumprimento de prisão subsidiária - aspectos que, naturalmente, não se colocam no direito contra-ordenacional - para afastar a preconizada violação dos sobreditos princípios.
Mas não só! Veja-se o que se passa com a ausência de previsão no RGCO da suspensão da execução da coima ou de dispensa de coima, isto não obstante alguns regimes especiais os preverem – [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., págs. 116/117].
Em suma, existem razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, sendo que a diferente natureza do ilícito condiciona a incidência do princípio da proporcionalidade,

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em 3 [três] Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)