Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1257/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. HELDER ROQUE
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
PLURALIDADE DE LOCATÁRIOS
Data do Acordão: 05/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1022º, 1029º, N.º 31051º, Nº 1, D), 1059º, Nº 1, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 7º, NºS 1 E 2, 8º, 85º E 90º, DO RAU; ARTIGO 6º, DO DL Nº 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO;ARTIGO1º, DO DL Nº 13/86, DE 23 DE JANEIRO E ARTIGO 456º, NºS 1 E 2, DO CPC
Sumário:

1. Constitui um contrato autónomo de arrendamento com pluralidade de locatários, e não um contrato de subarrendamento, aquele que é celebrado pelo senhorio para gozo conjunto de uma pluralidade de pessoas, não unidas pelo casamento.
2. Existindo uma dualidade de contratos de locação, em relação ao mesmo andar, obrigando dois arrendatários distintos, a cessação de um deles, numa parte relativa do locado, não atinge, necessariamente, o outro contrato, mas, também, não confere ao titular deste último o direito de acrescer sobre a parte do locado, anteriormente, ocupada por aquele, ainda que o segundo tenha pago a totalidade da renda, num período temporal localizado de dois anos, e com o conhecimento dos autores, além do mais, porque a comunicação da intenção de rescisão do contrato de arrendamento, por parte do primeiro, e o pagamento do remanescente, por parte do segundo, não operou o encabeçamento deste na titularidade do contrato do primeiro, e, portanto, em relação à totalidade do andar .
3. Apesar de o réu se encontrar a ocupar, ilegitimamente, parte do locado, numa situação de má fé, pelo menos, a partir da data em que foi citado para os termos da acção, nem, por isso, os autores gozam do direito de lhes vir a ser arbitrada uma indemnização, mesmo em sede de equidade, tendo aquele continuado a depositar o montante global da renda, actualizada em Setembro de 2000.
4. Litigam com má fé os autores que apresentam uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar fazer a prova da situação do subarrendamento, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade existente do arrendamento plural, como era do seu perfeito conhecimento pessoal e que viria a demonstrar-se.
5. A prévia audição dos interessados, em termos de estes poderem alegar o que tiverem por conveniente sobre uma anunciada e previsível sanção, condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se indispensável ao exercício do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, com vista ao cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões surpresa, sob pena da pratica de uma nulidade, com reflexos na decisão da causa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


BB e mulher CC propuseram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra DD, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a reconhecer os autores como donos e legítimos proprietários do prédio, sito na EE, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 1174, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n.º 68045, folhas 198 verso, do livro B-186, a restituir e entregar, imediatamente, aos autores o primeiro andar direito do referido prédio, inteiramente, livre de pessoas e bens, e, em bom estado de conservação, e, finalmente, a pagar, a título de indemnização pela ocupação do andar, a quantia de cem mil escudos mensais, a contar de 1 de Outubro de 2000 e até efectiva restituição do mesmo, sendo que se encontrava já vencida, na data em que foi proposta a acção, a quantia global de duzentos mil escudos, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, por acordo verbal, celebrado em 1 de Novembro de 1973, deram de arrendamento ao Dr. FF o primeiro andar do referido prédio, destinado a consultório médico, tendo este, mais tarde, subarrendado ao réu uma sala do mesmo, não obstante os autores sempre receberam a renda daquele, com quem sempre trataram de todas as questões respeitantes ao arrendamento, emitindo em nome do mesmo os recibos de renda.
Em 23 de Setembro de 2000, o Dr. FF comunicou aos autores a rescisão do contrato e, em 30 de Setembro seguinte, entregou-lhes as chaves do andar, tendo-se o réu recusado a desocupar a fracção, apesar de contactado pelo autor, para o efeito, arrogando-se a qualidade de inquilino, pretendendo efectuar o pagamento da renda pelo valor de 21.665$00, correspondente à última mensalidade paga pelo inquilino, Dr. FF.
Acrescentam os autores que o subarrendamento caducou com a entrega do locado pelo respectivo inquilino e, não tendo o réu desocupado o andar, está obrigado a indemnizar os autores pelo prejuízo sofrido, atendendo ao facto daquele ter um valor locativo não inferior a cem mil escudos.
Na contestação, o réu alega, além do mais, que o Dr. GG era o inquilino do andar, desde 1 de Novembro de 1973 e até quando este se ausentou para exercer a sua medicina em Lisboa, tendo, então, o réu ocupado o seu lugar, com a permissão dos autores, comparticipando nas despesas, na mesma proporção em que o fazia o referido GG, incluindo o pagamento das rendas, tendo sido com os autores que o réu e o Dr. FF falaram, para que aquele ocupasse a parte vaga do andar.
Porém, acrescenta, desde 1973 nunca teve a qualidade de sub-inquilino, mas sim de co-inquilino, com conhecimento e consentimento dos autores, sendo certo que, desde 1998, data em que o Dr. FF adoeceu e ficou incapacitado para o exercício da medicina, o réu, com o conhecimento e consentimento dos autores, vem pagando a totalidade da renda, apesar da emissão dos recibos, em nome daquele.
Em reconvenção, alega a realização de benfeitorias, com as quais despendeu 250.000$00, mas que importariam agora, entre 3.000.000$00 a 5.000.000$00, a considerar, em caso de procedência da pretensão dos autores, devendo estes ser condenados a pagar-lhe a quantia de 3.000.000$00, a título de indemnização por benfeitorias.
Na réplica, os autores impugnam a matéria alegada pelo réu, na contestação-reconvenção, e refutam o alegado conhecimento, quanto às obras que o mesmo diz ter realizado.
A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido e, em consequência, julgou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional formulado pelo réu, absolvendo, relativamente a este, os autores da instância.
Porém, condenou os autores no pagamento de uma multa correspondente a oito unidades de conta, como litigantes de má fé.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Por acordo verbal, os autores, a partir de 1 de Novembro de 1973, deram de arrendamento a FF, médico, o primeiro andar direito do prédio urbano de que são proprietários, sito na Rua João de deus, nº 25, em Leiria.
2ª - Em data anterior a 1 de Novembro de 1973, pelo menos desde 1966, já o Dr. FF ocupava uma parte do locado, na situação de subarrendatário de GG, também médico de profissão.
3ª - Em data que não foi possível apurar do ano de 1974, o Dr. FF, com autorização dos autores, cedeu o uso e fruição de uma sala do primeiro andar ao também médico Manuel Costa Pereira, aqui réu.
4ª - A retribuição (renda) acordada entre o Dr. FF e o réu era a correspondente a 60% do valor da renda devida aos autores.
5ª - As rendas eram habitualmente liquidadas por funcionários simultaneamente do Dr. FF e do réu, a um funcionário do autor marido.
6ª - O réu nunca teve qualquer contacto com os autores com respeito a arrendamento, rendas, obras ou outras questões inerentes ao locado.
7ª - Os recibos de renda sempre foram emitidos em nome do arrendatário FF.
8ª - O réu nunca foi reconhecido pelos autores como seu inquilino, nem esta questão se colocou até Setembro de 2000.
9ª - As circunstâncias em que o réu ocupava uma parte do primeiro andar propriedade dos autores caracterizam uma situação de subarrendamento.
10ª - Em Setembro de 2000, o Dr. FF comunicou a rescisão do contrato de arrendamento e entregou as chaves que tinha do locado.
11ª - Extinto o arrendamento, caducou o subarrendamento.
12ª - O réu deve, pois, ser condenado a entregar aos autores a fracção livre e desocupada e
13ª - Indemnizar os autores, pela ocupação desde Outubro de 2000, em quantia a fixar com recurso à equidade.
Sem prescindir,
14ª - A decisão de aplicação de multa por litigância de má fé, além de infundada, é nula por ausência de audição prévia dos autores.
15ª - Foram violados, entre outros, os artigos 44º, 45º, 50º e 51º do RAU, 1060º do CC, 3º, nº 2, 653º e 655º do CPC.
Nas suas contra-alegações, o réu entende que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da qualificação do contrato celebrado entre as partes.
III – A questão da condenação em litigância de má fé.

I

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os autores entendem que devem ser modificadas as respostas dadas aos pontos nºs 10, 13, 15, 19, 27, 28, 34 e 51 da base instrutória.
Assim, quanto ao ponto nº 10, a resposta a proferir deverá ser a de “provado”, embora com a correcção de que os montantes das rendas eram entregues por funcionária do FF, e não a de “não provado”, como aconteceu.
Resulta, neste particular, da audição dos depoimentos gravados das testemunhas Manuel Bernardino, técnico de contas, encarregado de proceder à escrita do autor, Maria Alzira, empregada de consultório do Dr. FF, Maria Ducília, assistente de consultório do réu, e Alexandre Pedro, contabilista do réu, que, durante a fase da doença do FF, no período temporal compreendido entre 1998 e 2000, foi o réu quem sempre pagou, na totalidade, a renda do andar.
Por isso, carece de fundamentação fáctica a pretensão dos autores em ver alterada a redacção do sobredito ponto da matéria de facto que, consequentemente, se manterá.
Por outro lado, continuam os autores, deve ser eliminada da resposta ao ponto nº 27 a menção “...aceitando o pagamento da totalidade da renda, a partir dessa data, exclusivamente pelo réu”, e declarado “não provado” a resposta ao ponto nº 34.
Relativamente ao ponto nº 27, considerando a versão daquelas aludidas testemunhas, é inequívoco que ficou demonstrado que, durante o período da doença do Dr. FF, que se estendeu pelo prazo de dois anos, os autores aceitaram que o pagamento da totalidade da renda do andar fosse efectuado, exclusivamente, pelo réu.
Assim sendo, não há que alterar a resposta ao ponto nº 27 da base instrutória.
Consequentemente e, com base em idênticos considerandos, porquanto da mesma questão se trata, carece de qualquer consistência a argumentação dos autores no sentido de verem modificada a resposta afirmativa produzida em relação ao ponto nº 34 da base instrutória.
Quanto ao ponto nº 28, entendem os autores que se deverá eliminar da respectiva resposta o segmento em que nela se refere “o conhecimento por parte dos autores da repartição de despesas entre o réu e o Dr. FF”.
Neste particular, diz a testemunha Manuel Bernardino que, durante um período de cerca de seis anos, anterior a 1998, mas, pelo menos, desde 1994, que as rendas mensais eram desdobradas em dois cheques, um passado pelo Dr. FF e o outro pelo réu, a testemunha Maria Alzira referiu que “levava o cheque de um e dinheiro do outro para pagamento da renda”, a testemunha Maria Ducília esclareceu que “pagava a renda ao empregado de escritório, e levava sempre dois cheques, pois que cada um deles pagava o seu cheque” e, finalmente, a testemunha Alexandre Pedro disse que “cada um passava o seu cheque, mas o recibo era só em nome de um”.
Como assim, inexiste fundamento fáctico para determinar a alteração da resposta aquele ponto da base instrutória, no sentido de eliminar, como pretendido, a referência em questão.
Quanto aos pontos nºs 13 e 15, prosseguem os autores, as respostas a proferir deverão ser a de “provado”, em vez de “não provado”, como se verificou.
Pergunta-se, com efeito, no ponto nº 12 da base instrutória, se “em 23 de Setembro de 2000, o autor marido recebeu do Dr. FF a carta cuja cópia faz folhas 11 e que aqui se dá por integralmente reproduzida?” e, no ponto nº 13, se “os autores aceitaram a rescisão do contrato de arrendamento pelo Dr. FF?”, tendo-se respondido a este último “provado apenas o que consta da resposta dada ao quesito antecedente”, e ao anterior “provado que em Setembro de 2000, o autor recebeu do Dr. FF uma carta, em que comunicava que, [por motivos de ordem pessoal, não me é possível continuar a exercer clínica no andar situado na Rua João de Deus nº 25 1º - dtº em Leiria que me arrendou em 1/11/1973. Em consequência rescindo esse contrato com efeitos a partir do dia 30 de Setembro do corrente ano, data em que lhe entregarei as respectivas chaves. Como é do seu conhecimento subarrendei parte do andar ao meu colega Dr. Costa Pereira, situação a que V. Exª se não opôs, pelo que desconhecendo quais as intenções do meu colega relativamente à continuação no local, agradeço que se inteire a esse respeito]”.
Assim sendo, justifica-se, perfeitamente, a pretendida alteração, porquanto resulta óbvio da propositura da presente acção que os autores aceitaram a rescisão do contrato de arrendamento celebrado com o Dr. FF, não obstante aqueles pretenderem retirar dessa rescisão, igualmente, efeitos extensivos, quanto ao réu, sendo certo que a resposta sugerida não compromete qualquer uma das soluções jurídicas controvertidas na acção.
Por isso, procede esta parte das alegações dos autores, com a inerente alteração da matéria de facto que ficou consagrada, relativamente ao ponto nº 13 da base instrutória.
Os apelantes defendem ainda que das respostas aos pontos nºs 19 e 51 deve ser eliminada “a autorização ou consentimento dos autores”.
No que concerne à realização das obras pelo réu, no local do andar por si ocupado, disse a testemunha Maria Alzira que “aquele as fez antes de entrar, com autorização do autor”, enquanto que o Dr. FF referiu que “o senhorio aceitou que o réu ficasse no andar e nele tendo este realizado obras”.
Assim sendo, não há que alterar as respostas aqueles dois pontos da base instrutória, no sentido proposto pelos autores, sendo certo que, tão-só, por mero lapso, se refere que o ponto nº 51 contém a expressão “a autorização ou consentimento dos autores”, quando se queria aludir ao ponto nº 50.
Finalmente, os autores sustentam que deve ser respondido, afirmativamente, ao ponto nº 15 da base instrutória, onde se pergunta se “após essa entrega [em Setembro de 2000, o Dr. FF entregou aos autores as chaves que ele próprio tinha do primeiro andar] o autor marido contactou o réu a quem solicitou a desocupação e entrega imediata da fracção”, com base no teor do documento de folhas 13.
Porém, o documento em causa, donde consta que “...dado que Vª Exª não é nem nunca foi meu rendeiro, continuando a ocupar indevidamente um espaço da minha propriedade, informo que irei processar Vª Exª para total desocupação bem assim à indemnização de Esc. 100000$00 mensais enquanto decorrer a acção”, e que “tenho em meu poder as chaves do consultório, que me foram entregues pelo Sr. Dr. FF”, não permite, por si só, dele extrair a pretendida resposta positiva aquela ponto nº 15, sendo certo, acrescente-se, que esta proposta alteração, também, não compromete qualquer uma das soluções jurídicas alternativas propugnadas pelas partes, na presente acção.
Como assim, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:
Os autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, composto de rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, sito na EE, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 1174º e descrito na Conservatória de Registo Predial de Leiria, sob o n.º 68045, a folhas 198 verso do livro B-186, estando a sua propriedade inscrita, a favor dos autores, pela inscrição no livro G-23, a folhas 6, com o n.º 21033 – A).
O primeiro andar direito deste prédio é constituído por cinco divisões assoalhadas e duas casas de banho – B).
José Lopes dos Santos FF é profissional médico – C).
O réu é médico – D).
Os recibos da renda paga, em contrapartida do gozo do primeiro andar direito do prédio, identificado em A), foram sempre emitidos, em nome do Dr. FF, até Setembro de 2000 – E).
Desde determinada data até, actualmente, o réu mantém-se no gozo de parte do primeiro andar direito do prédio descrito em A) – F).
O réu enviou ao autor uma carta, datada de 11 de Outubro de 2000, onde informa que, “face à recusa manifestada por Vª Exª em receber o pagamento da renda referente ao mês de Outubro, no montante de 21665$00, devida ao arrendamento do 1º andar direito do prédio, sito na EE, Leiria, foi a mesma por mim depositada (em respeito pelo disposto nos artºs 22º e 23º do RAU) na Caixa Geral de Depósitos” – Documento de folhas 12 – G).
O autor enviou ao réu uma carta, na qual, em resposta à carta aludida em G), diz que “...dado que Vª Exª não é nem nunca foi meu rendeiro, continuando a ocupar indevidamente um espaço da minha propriedade, informo que irei processar Vª Exª para total desocupação bem assim à indemnização de Esc. 100000$00 mensais enquanto decorrer a acção” e que “tenho em meu poder as chaves do consultório, que me foram entregues pelo Sr. Dr. FF” – Documento de folhas 13 - H).
Há mais de vinte anos que o primeiro andar direito do prédio descrito em A) é utilizado para o exercício da medicina – I).
O prédio situa-se no centro da cidade de Leiria, excelente zona de comércio e serviços, muito procurada para arrendamento – J).
O primeiro andar direito tem a área de 120 m2 (cento e vinte metros quadrados) – K).
Em Outubro de 2000, o réu ofereceu aos autores o pagamento da quantia referente à renda do primeiro andar direito do prédio descrito em A), tendo sido pelos autores recusada, pelo que o réu passou a depositar tal quantia, na Caixa Geral de Depósitos – L).
Datada de 23 de Setembro de 2000, o Dr. FF comunicou, por escrito, ao autor que “por motivos de ordem pessoal, não me é possível continuar a exercer clínica no andar situado na Rua João de Deus nº 25 1º - dtº em Leiria que me arrendou em 1/11/1973. Em consequência rescindo esse contrato com efeitos a partir do dia 30 de Setembro do corrente ano, data em que lhe entregarei as respectivas chaves. Como é do seu conhecimento subarrendei parte do andar ao meu colega Dr. Costa Pereira, situação a que V. Exª se não opôs, pelo que desconhecendo quais as intenções do meu colega relativamente à continuação no local, agradeço que se inteire a esse respeito” – Documento de folhas 11 – M).
A presente acção deu entrada em juízo, a 11 de Dezembro de 2000 – Documento de folhas 2 – N).
Tendo o réu sido citado para os termos da mesma, em 12 de Janeiro de 2001 – Documento de folhas 19.
Por acordo verbal, os autores declararam dar de arrendamento, a partir de 1 de Novembro de 1973, a FF, e este declarou tomar de arrendamento, o primeiro andar direito do prédio descrito em A) –.
Esse primeiro andar direito foi destinado a consultório médico – .
Foi acordada a renda anual de PTE 36.000$00 (trinta e seis mil escudos), correspondente a € 179,57 (cento e setenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), a pagar em duodécimos de PTE 3.000$00 (três mil escudos), correspondente a € 14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos), no domicílio dos autores –.
Em Setembro de 2000, por força das actualizações a que foi sujeita, a renda mensal ascendia ao montante de PTE 21.665$00, correspondente a € 108,07 (cento e oito euros e sete cêntimos) –.
No início de 1974, o Dr. FF acordou com o réu partilharem a fruição do primeiro andar, acima referido –.
As cartas remetidas pelos autores para actualização de renda eram dirigidas ao Dr. FF – 11º.
Em Setembro de 2000, o autor recebeu do Dr. FF a carta aludida em M) – 12º.
Os autores aceitaram a rescisão do contrato de arrendamento pelo Dr. FF – 13º.
Também, em Setembro de 2000, o Dr. FF entregou aos autores as chaves que ele próprio tinha do primeiro andar – 14º.
Antes de 1 de Novembro de 1973, o inquilino do espaço ocupado pelo réu era o Dr. GG – 17º.
Nessa data, o Dr. GG ausentou-se para Lisboa, tendo o réu, cerca de dois meses depois, ido ocupar o seu lugar, com a permissão dos autores, comparticipando nas despesas e nas rendas, na mesma proporção em que antes participava o GG – 18º.
O réu iniciou e terminou obras, no local por si ocupado, com autorização dos autores, motivadas pela degradação das instalações, devida ao seu uso e para adaptação à sua actividade de médico estomatologista – 19º.
E instalou condutas de água e esgotos, no local, bem como a luz e um compressor, adequados ao exercício da medicina dentária e ao equipamento próprio dessa actividade – 20º.
O Dr. FF falou com os autores para que o réu ocupasse a parte vaga do primeiro andar direito – 21º.
Em Novembro e Dezembro de 1973, o Dr. FF exerceu, só ele, a sua clínica, em parte especificada do primeiro andar direito – 23º.
Os recibos eram emitidos em nome do Dr. FF – 24º.
Tal aconteceu, até Setembro de 2000 – 25º.
Em 1998, o Dr. FF passou a sofrer de incapacidade de prosseguir com o exercício da sua profissão de médico, tendo adoecido e baixado ao Hospital de Coimbra e aí foi, posteriormente, submetido a uma intervenção cirúrgica ao coração – 26º.
Os autores tiveram conhecimento dessa incapacidade, bem como da impossibilidade do Dr. FF continuar a exercer medicina, no primeiro andar acima identificado, aceitando o pagamento da totalidade da renda, a partir dessa data, exclusivamente, pelo réu – 27º.
Todas as despesas mensais relativas ao primeiro andar eram suportadas pelo Dr. FF e pelo réu, o que sucedeu com o conhecimento dos autores – 28º.
A água que passou a fornecer o primeiro andar direito está em nome do réu, que foi quem a requereu – 29º.
O réu e o Dr. FF suportavam a renda e quaisquer outras despesas, na proporção de 40% para o Dr. FF e de 60% para o réu, na sequência do que ocorria no tempo do GG – 30º.
O pagamento das rendas era efectuado do seguinte modo: a empregada comum do réu e do Dr. FF recebia de cada um deles a respectiva parte das rendas e, de seguida, ia levá-las aos autores, e as referidas quotas-partes eram pagas, pelo réu e pelo Dr. FF, em geral, em cheques emitidos por cada um deles e, por vezes, pelo Dr. FF, em dinheiro, e pelo réu, em cheque – 32º.
Desde que, em 1998, o Dr. FF ficou impossibilitado de prosseguir a sua actividade profissional, até Setembro de 2000, que a renda relativa ao primeiro andar direito era paga, exclusivamente, pelo réu aos autores – 34º.
O réu fez, no primeiro andar direito do prédio descrito em A), canalização de água, até ao espaço do seu próprio gabinete, e esgotos, desde esse mesmo gabinete – 35º e 36º.
E instalação do tubo de ar comprimido, desde o compressor que fica instalado num roupeiro, até à equipa (conjunto de cadeira e instrumentos para a prática de estomatologia) – 37º.
E efectuou a pintura, dupla ou tripla, de todo o espaço, com excepção do gabinete do Dr. FF – 38º.
Procedeu ao arranjo do chão, que foi forrado em vinil – 39º.
Substituiu o fluxómetro por autoclismos, em duas casas de banho – 40º.
Substituiu a fechadura da porta de entrada – 41º.
Instalou um novo telefone, passando o Dr. FF e o réu a ter, cada um, o seu telefone – 43º.
Passou os contadores de água e luz do GG para o nome do réu – 44º.
Instalou um balcão de recepção – 45º.
Na ocasião da realização das referidas obras, o réu despendeu quantia não apurada – 46º.
Tais obras não são destacáveis, sem prejuízo para o andar, já que o seu destaque importaria a inutilização ou danificação do local onde se inserem e das próprias obras – 48º.
Sem a realização das obras efectuadas pelo réu, não seria possível, no local, o exercício da medicina dentária – 49º.
As aludida obras realizadas pelo réu foram feitas com o conhecimento e consentimento dos autores – 50º.

II

DA NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO

Efectuando uma síntese do essencial da prova que ficou consagrada, importa reter que, antes de 1 de Novembro de 1973, o Dr. GG ocupava, como arrendatário, parte do primeiro andar direito do prédio dos autores, juntamente com o Dr. FF, também, médico de profissão, que o fazia, em relação à parte restante, mas que, então, ficou sózinho, no locado, devido à deslocação daquele para Lisboa, verificada nessa ocasião.
Então, a partir daquela data, os autores celebraram um contrato verbal de arrendamento com o Dr. FF, relativamente ao aludido andar do prédio, destinado a consultório médico, pela remuneração mensal de 3.000$00, tendo sido sempre emitidos, em nome deste, os recibos de renda paga, em contrapartida do seu gozo, até Setembro de 2000, data a partir da qual, por força das actualizações a que foi sujeita, a mesma ascendeu a 21.665$00.
A isto acresce que, no início de 1974, o Dr. FF acordou com o réu, também, médico de profissão, na partilha da fruição do referido andar, em substituição do GG, que o réu assumiria, com a permissão dos autores, com quem falou para que este ocupasse a parte vaga do arrendado, comparticipando nas despesas e nas rendas, na mesma proporção que antes aquele cabia, e mantendo-se o mesmo no gozo de parte do andar, até ao presente.
Porém, em 1998, tendo o Dr. FF sofrido de incapacidade de exercício da sua actividade médica, com o conhecimento dos autores, estes, a partir de então, aceitaram o pagamento da totalidade da renda do locado, exclusivamente, pelo réu, e até Setembro de 2000.
Por seu turno, o réu e o Dr. FF suportavam a renda e todas as outras despesas mensais relativas ao andar, na proporção de 60% e de 40%, respectivamente, na sequência do que acontecia, no tempo do GG, e com o conhecimento dos autores.
Finalmente, provou-se que as cartas remetidas pelos autores, para actualização da renda, eram dirigidas ao Dr. FF, que foi quem lhes comunicou a intenção de rescisão do contrato de arrendamento e lhes entregou as chaves do andar, esclarecendo-os, então, que ignorava quais as intenções do réu, seu colega, relativamente à sua continuação na parte do locado, que, conforme era do conhecimento daqueles, lhe havia subarrendado.
Com base neste quadro factual, entendeu a sentença recorrida, em conformidade com a posição sustentada pelo réu, que, ao contrário do alegado pelos autores, não houve qualquer contrato de subarrendamento, mas antes um contrato de arrendamento, em que intervieram dois locatários, sendo o réu, não um subarrendatário, mas antes um dos co-inquilinos.
A lei define o contrato de locação, no artigo 1022º, do Código Civil (CC), como aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, e o contrato de arrendamento urbano como aquele pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1º, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU).
Por via de regra, o contrato de arrendamento tem natureza singular, ou seja, a posição de arrendatário é assumida, isoladamente, por uma pessoa, singular ou colectiva.
Porém, também acontece, embora não seja vulgar, que o contrato de arrendamento possa assumir natureza plural, quando o mesmo é celebrado para gozo conjunto de uma pluralidade de arrendatários que, nessa qualidade, intervêm no contrato STJ, de 5-4-84, BMJ nº 336, 382; RLJ, Ano 121º, 367, com anotação de Antunes Varela, a folhas 370 e ss..
E, tratando-se de uma pluralidade de arrendatários não unidos pelo casamento, que se constituem em arrendatários conjuntos do mesmo prédio, a morte de um deles não deverá determinar a caducidade do contrato, pois apenas a de todos os arrendatários produzirá esse efeito, atento o preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 1051º, nº 1, d), 1059º, nº 1, do CC, 85º e 90º, do RAU.
Por sua vez, o contrato de sublocação define-se, nos termos do estipulado pelo artigo 1060º, do CC, como aquele que o locador celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo.
Com efeito, a sublocação é um contrato subordinado, mediante o qual o sublocador, ao abrigo da sua qualidade de locatário, proporciona a um terceiro, o sublocatário, o gozo de uma coisa, mediante retribuição, nela coexistindo, portanto, dois contratos de locação sobrepostos, em que o segundo negócio jurídico fica dependente do primeiro, por forma a constituir uma união de contratos, interligados entre si, através da figura da coligação negocial Pereira Coelho, Direito Civil, Sumários das lições ao Ciclo Complementar de Ciências Jurídicas, 1975/76, 1976, 135 e 138; Romano Martinez, O Subcontrato, 193..
A isto acresce que a sublocação pode ser total ou parcial, consoante o locatário, mantendo a relação jurídica com o locador, perca o total desfrute da coisa, ou passe a partilhar o gozo da mesma com o sublocatário, respectivamente.
Tratando-se de um contrato subordinado ou derivado, a sublocação segue as vicissitudes do contrato base ou contrato principal, modificando-se ou extinguindo-se, reflexamente, em função das ocorrências do contrato de locação, ou seja, caducando o contrato de sublocação, em caso de extinção, por qualquer causa, da relação jurídica locatícia, em função da sua acessoriedade, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável, em conformidade com o preceituado pelo artigo 45º, do RAU Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 404, 405 e 561; Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2000, 192 a 194; Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 521 a 523..
Revertendo à concreta factualidade apurada nos autos, importa enfatizar que o Dr. FF não celebrou com o réu qualquer contrato, nomeadamente, um contrato de subarrendamento, tendo, ao invés, viabilizado as condições, nomeadamente, junto dos autores, que aceitaram a solução, no sentido de o réu ocupar a parte remanescente do locado, não utilizada pelo Dr. FF, e que era, exactamente, a mesma que, no antecedente, este compartilhava com o GG, a que acresce o facto de o réu pagar aos autores 60% da remuneração mensal e das demais despesas do locado, enquanto que o Dr. FF satisfazia a restante percentagem de 40% da renda e dos restantes encargos do andar.
Aliás, neste particular, há que realçar que o réu suportou, exclusivamente, no período temporal compreendido entre 1998 e Setembro de 2000, devido à incapacidade de exercício da actividade médica, por parte do Dr. FF, o pagamento da totalidade da renda do locado, com o conhecimento dos autores que, a partir de então, aceitaram esta nova realidade, sendo certo, outrossim, que a presente acção deu entrada em juízo, a 11 de Dezembro de 2000.
De facto, não releva, em contrário, a circunstância de se haver demonstrado que os recibos alusivos às rendas pagas sempre foram emitidos, em nome do Dr. FF, até Setembro de 2000, a quem eram dirigidas as cartas remetidas pelos autores para actualização da renda, e de ter sido este que lhes comunicou a intenção de rescisão do contrato de arrendamento e lhes entregou as chaves do andar, declarando, nesta missiva, que “desconhecia quais as intenções do réu, seu colega, relativamente à continuação na parte do locado que, conforme era do conhecimento daqueles, lhe havia subarrendado”.
Assim sendo, a factualidade em apreço não permite qualificar o negócio jurídico controvertido entre as partes como um contrato de subarrendamento, mas antes como um contrato autónomo de arrendamento com pluralidade de locatários.
Com efeito, os elementos factuais resultantes da prova produzida revelam uma inequívoca manifestação de vontade, no sentido da alteração do contrato de arrendamento, inicialmente celebrado, de maneira a comprometer, também, o réu com o arrendamento destinado ao exercício de profissão liberal, sendo despicienda a circunstância de ter sido preterida a forma, legalmente, exigida para o mesmo, atenta a data em que ocorreu a alteração e bem assim como o disposto pelos artigos 7º, nºs 1 e 2, e 8º, do RAU, e 6º, do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, em relação à antecedente redacção sobre invalidades mistas, consagrada pelos artigos1º, do DL nº 13/86, de 23 de Janeiro, e 1029º, n.º 3, do CC.
Como assim, existindo uma dualidade de contratos, obrigando dois arrendatários distintos, a cessação do contrato de locação, na parte relativa ao Dr. FF, não atinge, necessariamente, o contrato de arrendamento celebrado pelo réu, mas, também, não lhe confere o direito de acrescer sobre a parte do locado, anteriormente ocupada por aquele, ainda que o réu tenha pago a totalidade da renda, no período temporal compreendido entre 1998 e Setembro de 2000, e com o conhecimento dos autores, não só porque tal não foi pedido, por qualquer das partes, atento o preceituado pelos artigos 661º, nº 1 e 668º, nº 1, e), do CPC, mas, também, porque, com a comunicação da intenção de rescisão do contrato de arrendamento, por parte do Dr. FF, subentenda-se, relativamente à parte do locado por si ocupada, não se operou, por via dela e do aludido pagamento efectuado pelo réu, o encabeçamento do contrato do Dr. FF na pessoa daquele.
Nestas condições, enquanto titular do direito ao arrendamento da parcela do locado que lhe competia, o réu goza de legitimidade para a continuar a ocupar, como vem fazendo.
Porém, o réu está agora a ocupar a parte do locado respeitante ao contrato rescindido pelo FF, numa percentagem correspondente a 40% da totalidade do andar, numa situação de má fé, pelo menos, a partir da data em que foi citado para os termos da acção, ou seja, desde 12 de Janeiro de 2001, atento o preceituado pelo artigo 481º, a), do CPC, sendo certo, porém, que continua a depositar o montante global da renda, sem que, entretanto, esta, actualizada pelos autores, em Setembro de 2000, tenha visto ser corrigido o seu valor, posteriormente, talvez, devido ao desinteresse ou estratégia daqueles.
Por isso, não há que arbitrar aos autores, pela respectiva ocupação parcial ilegítima do locado, qualquer quantitativo pecuniário, mesmo em sede de equidade, para além do respectivo valor mensal relativo da renda, enquanto o mesmo continuar a ser depositado pelo réu, que os autores poderão levantar, ou do correspondente valor mensal de € 43,22, se, entretanto, deixarem de efectuar o depósito, desde a data da citação e até integral e efectiva desocupação e entrega aos autores da parte do arrendado referente ao FF, cujo contrato, entretanto, caducou.

III

DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Entendem os autores que a decisão de aplicação de multa, por litigância de má fé, além de infundada, é nula por ausência de audição prévia daqueles.
Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo artigo 456º, nº 2, do CPC, na parte que agora interessa considerar, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça.
Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, podendo a indemnização consistir no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, nos termos das disposições combinadas dos artigos 456º, n.º 1, e 457º, nº 1, a), do CPC.
A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 266º, nº 1 e 266º-A, do CPC, impõem às partes.
Aliás, no intuito de moralizar a actividade judiciária, o artigo 456º, nº 2, do CPC, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má-fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, pelo que a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave.
Com efeito, a má fé substancial ou material directa, quer dolosa, quer com culpa grave ou erro grosseiro, esta última designada por lide temerária, diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo, não acontecendo, frequentemente, desacompanhada da outra modalidade, a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 456º, do CPC, ou seja, da má fé substancial indirecta, que se verifica, quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 355 a 358; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 1981, 258 e ss..
Descendo ao caso em apreço, importa considerar que os autores, nos artigos 5º da petição inicial e 2º da réplica, alegaram que “não sabem dizer a data em que o FF subarrendou a parte do apartamento ao réu”, e, no artigo 6º da petição e 25º da réplica, que “sempre, antes e depois daquele subarrendamento, os autores receberam a renda referente ao locado do seu inquilino Dr. José Lopes dos Santos Fael”, sendo certo, porém, que se veio a provar que “o réu foi ocupar o lugar do GG com a permissão dos autores” (18º), que “o FF falou com os autores para que o réu ocupasse a parte vaga do primeiro andar direito” (21º), que “os autores tiveram conhecimento dessa incapacidade, bem como da impossibilidade do FF continuar a exercer medicina no primeiro andar acima identificado, aceitando o pagamento da totalidade da renda, a partir dessa data, exclusivamente, pelo réu” (27º) e que “todas as despesas mensais relativas ao primeiro andar eram suportadas pelo FF e pelo réu, o que sucedeu com o conhecimento dos autores” (28º).
Assim sendo, os autores deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, tendo alterado a verdade dos factos, por si bem sabida, ultrapassando o normal exercício do seu direito de acção, desenvolvendo-o, de forma desleal e sem verdade, porquanto não gozam do direito de afirmar uma versão contrária à realidade, por si conhecida.
Com efeito, os autores apresentaram uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar provar a situação do subarrendamento, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade, que era do seu perfeito conhecimento pessoal, e que viria a demonstrar-se, como tal determinante de responsabilidade processual subjectiva.
Aliás, o meio extintivo do arrendamento programado pelos autores e pelo FF, a que alude a alínea M) dos factos assentes, configura um verdadeiro distrate que, sendo um meio lícito de por termo à locação daquele, consubstancia um meio ardiloso de comprometimento da posição do réu.
Por outro lado, os autores alegam que foram confrontados com o efeito surpresa resultante da condenação em multa, a título de litigância de má fé, pela sentença recorrida.
Com efeito, as normas contidas no artigo 456º, nºs 1 e 2, do CPC, não são inconstitucionais, na parte relativa à condenação em multa, por litigância de má fé, desde que interpretadas no sentido de tal condenação estar condicionada pela prévia audição dos interessados que com a mesma possam vir a ser atingidos.
No caso em análise, os autores não foram ouvidos sobre a sua hipotética condenação como litigantes de má fé, quer porque o Exº Juiz, oficiosamente, não tomou essa iniciativa, antes de decidir, quer porque, igualmente, o réu, no articulado da contestação-reconvenção, ou, subsequentemente, não deduziu o pedido de condenação daqueles em litigância de má fé.
Porém, o regime instituído com as apontadas normas, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa, por litigância de má fé, não pressupor a prévia audição do interessado, em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, ofende o princípio constitucional fundamental do acesso aos Tribunais, que tem implícita a proibição da indefesa, de modo a evitar que o mesmo seja confrontado com uma decisão condenatória, cujos fundamentos, de facto e de direito, não teve oportunidade de contraditar, em homenagem ao princípio da igualdade das partes, bem explicitado no artigo 3º, nºs 2 e 3, do CPC TC, Acº nº 440/94, DR, II série, nº 202, de 1 de Setembro de 1994; Acº nº 103/95, DR, II série, nº 138, de 17 de Junho de 1995; e Acº nº 357/98, de 12 de Maio de 1998, http://www.tribunalconstitucional.pt.
A prévia audição dos interessados condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se, assim, indispensável ao exercício do princípio do contraditório, que se encontra ao serviço do princípio da igualdade das partes, segundo o qual cada uma destas é chamada a deduzir as suas razões, de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e outras Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 377. , condição «sine qua non» do cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões que constituam uma verdadeira surpresa, em violação do estipulado no artigo 18º, da Constituição Política.
Ora, tendo-se omitido a indispensável audição prévia dos autores, cometeu-se a nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do CPC, com reflexos na decisão da causa, face à preterição do direito de defesa da imputação, por parte dos autores, o que importa a anulação da sentença recorrida, mas, tão-só, na parte em que foram condenados como litigantes de má fé, baixando os autos ao 4º Juízo Cível da Comarca de Leiria, com vista à sua reforma, neste particular.
Porém, face a tudo o que acaba de ser exposto, e reformada a parte da decisão em causa, os autores saberão, por certo, compreender o texto deste acórdão, em toda a sua extensão.
Procedem, pois, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações dos apelantes.
CONCLUSÕES:
I - Constitui um contrato autónomo de arrendamento com pluralidade de locatários, e não um contrato de subarrendamento, aquele que é celebrado pelo senhorio para gozo conjunto de uma pluralidade de pessoas, não unidas pelo casamento.
II – Existindo uma dualidade de contratos de locação, em relação ao mesmo andar, obrigando dois arrendatários distintos, a cessação de um deles, numa parte relativa do locado, não atinge, necessariamente, o outro contrato, mas, também, não confere ao titular deste último o direito de acrescer sobre a parte do locado, anteriormente, ocupada por aquele, ainda que o segundo tenha pago a totalidade da renda, num período temporal localizado de dois anos, e com o conhecimento dos autores, além do mais, porque a comunicação da intenção de rescisão do contrato de arrendamento, por parte do primeiro, e o pagamento do remanescente, por parte do segundo, não operou o encabeçamento deste na titularidade do contrato do primeiro, e, portanto, em relação à totalidade do andar .
III – Apesar de o réu se encontrar a ocupar, ilegitimamente, parte do locado, numa situação de má fé, pelo menos, a partir da data em que foi citado para os termos da acção, nem, por isso, os autores gozam do direito de lhes vir a ser arbitrada uma indemnização, mesmo em sede de equidade, tendo aquele continuado a depositar o montante global da renda, actualizada em Setembro de 2000.
IV – Litigam com má fé os autores que apresentam uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar fazer a prova da situação do subarrendamento, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade existente do arrendamento plural, como era do seu perfeito conhecimento pessoal e que viria a demonstrar-se.
V – A prévia audição dos interessados, em termos de estes poderem alegar o que tiverem por conveniente sobre uma anunciada e previsível sanção, condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se indispensável ao exercício do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, com vista ao cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões surpresa, sob pena da pratica de uma nulidade, com reflexos na decisão da causa.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, decidem alterar a resposta ao ponto nº 13 da base instrutória, condenam o réu a restituir e entregar, imediatamente, aos autores a parte do primeiro andar direito do prédio, sito na EE, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 1174, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n.º 68045, a folhas 198 v, do livro B-186, correspondente à área que era ocupada pelo Dr. FF, na proporção de 40% da totalidade do andar, inteiramente livre, de pessoas e bens e em bom estado de conservação, e anulam a sentença recorrida, na parte em que condenou os autores, como litigantes de má fé, no pagamento da multa correspondente a oito unidades de conta, ordenando-se a baixa dos autos ao 4º Juízo Cível da Comarca de Leiria, com vista à sua reforma, na parte ora anulada, no mais se confirmando a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo dos autores e do réu, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente.

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Notifique.